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A autópsia como recurso à escrita da história: o valor da visualidade na historiografia brasileira durante o século XIX

The autopsy as a resource for the writing of history: the value of visuality in Brazilian historiography during the nineteenth century

Resumo:

Recurso fundamental para a escrita da história antiga, a autópsia, concebida como o ato de ver por si mesmo, segundo François Hartog, não deixou de participar do desenvolvimento do conhecimento histórico na modernidade. É certo, todavia, que os pressupostos que nortearam o procedimento passaram por profundas modificações. O objetivo deste artigo é investigar o estatuto da autópsia como um recurso epistemológico para a historiografia brasileira durante o século XIX. Com esse intuito, considera-se como parte do corpo documental tanto trabalhos voltados para a elaboração da crítica erudita, quanto textos prescritivos acerca do fazer historiográfico no período. A fim de mapear seus diversos usos, a autópsia moderna é contrastada com sua versão antiga e é abordada a partir da noção de distância histórica. Esses encaminhamentos permitem apreender a autópsia como um expediente múltiplo, concebido não apenas como um modo de legitimar relatos e práticas, mas também como uma forma de mediação entre o historiador, as temporalidades, o território e as fontes mobilizadas na reconstrução do passado.

Palavras-chave:
Escrita da História; Erudição; Historiografia brasileira

Abstract:

It’s well known that autopsy, conceived as the act of seeing for oneself, according to François Hartog, was a fundamental device of classical historiography. But it has not ceased to participate in the development of historical knowledge in modern times. It is certain, however, that the assumptions that guided this procedure have undergone profound changes. The aim of this paper is to investigate the status of autopsy as an epistemological resource for writing history in nineteenth-century Brazil. To this end, we will investigate a variety of texts, including both works of scholarly criticism and prescriptive texts on writing history published in the period. In this paper, the modern autopsy is compared with its ancient version and examined through the notion of historical distance. This approach allows us to indicate the multiple uses of autopsy in the modern period: in addition to legitimizing historiographical works, autopsy can be understood as a form of mediation between the historian, the temporalities, the territory portrayed, and the historical sources used in the reconstruction of the past.

Keywords:
History writing; Erudition; Brazilian historiography

Em 1858, o orador do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) e renomado escritor Joaquim Manuel de Macedo apresenta aos sócios da agremiação um trabalho contendo questões sobre as guerras contra os holandeses ocorridas no século XVII. Em Dúvidas sobre alguns pontos da história pátria, o zeloso membro argumenta que muitos enganos se perpetuam e, por não serem verificados pela “crítica conscienciosa”, acabam por se tornar verdade ( MACEDO, 1973MACEDO, Joaquim Manuel de. Dúvidas sobre alguns pontos da história pátria. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, tomo 25, p. 3-41, 1973 [1862]., p. 4). Publicada nas páginas da Revista do IHGB alguns anos depois, a contribuição de Macedo, assim, é parte do esforço, empreendido desde a criação do Instituto, para depurar o passado da nação dos erros e lacunas que poderiam dificultar ou mesmo impossibilitar a escrita da história. Os termos do trabalho, por exemplo, remetem ao Discurso inaugural de Januário da Cunha Barbosa, proferido no momento de fundação da academia, que reivindicava a purificação dos “erros” e “inexatidões” “no crisol da crítica” ( CUNHA BARBOSA, 1856CUNHA BARBOSA Januário da . Discurso. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, tomo 1, p. 10-21, 1856 [1839] ., p. 11, 14). A fim de dissipar, portanto, as “névoas” ou “trevas” relativas ao período colonial, Macedo procura identificar e discutir alguns pontos duvidosos que aludem, de modo específico, à atuação de três participantes diretos da “guerra brasílica”: o papel do general Mathias de Albuquerque nas tarefas de guarnição da capitania de Pernambuco, a glória atribuída a João Fernandes Vieira na defesa do forte de São Jorge e, por fim, os motivos que levaram à deserção do “mísero traidor” Domingos Fernandes Calabar ( MACEDO, 1973MACEDO, Joaquim Manuel de. Dúvidas sobre alguns pontos da história pátria. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, tomo 25, p. 3-41, 1973 [1862]., p. 5). 1 1 A despeito da longa atuação no IHGB, a produção historiográfica de Macedo não é extensa ( BOSISIO, 2007). Ainda assim, Maria da Glória de Oliveira destaca que essas contribuições permanecem pouco estudadas ( 2015, p. 251). Cf. ainda Oliveira, 2011. Detalhista e rigoroso, o trabalho de erudição de Macedo é recebido, também nas páginas da Revista, como uma crítica “inteligente e laboriosa” pelo Primeiro Secretário Manoel de Araujo Porto Alegre (1930PORTO ALEGRE Manoel de Araujo . Relatório. Revista do IHGB , Rio de Janeiro, tomo 21, p. 458-479, 1930 [1858]., p. 462). No entanto, a despeito dos elogios que atrai, as dúvidas não são totalmente solucionadas e o orador acaba por abandonar o debate acerca do último ponto.

O aspecto que gostaria de ressaltar, contudo, diz respeito ao “procedimento” empregado por Macedo para discorrer sobre as questões relativas à história pátria. Muitas delas são resultado, sugere o autor, não exatamente do desconhecimento dos fatos, mas antes da multiplicidade de versões existentes. A fim de confrontar as alternativas disponíveis, o consócio argumenta:

pois bem: o que nós pedimos, é que se nos aponte a autoridade, a fonte, onde tantos escritores foram beber a relação, que fizeram com a circunstância especial, de que duvidamos. Ora no caso em questão autoridades, e fontes só se devem considerar os escritores cronistas da época, em que se passou essa guerra dos vinte e quatro anos ( MACEDO, 1973MACEDO, Joaquim Manuel de. Dúvidas sobre alguns pontos da história pátria. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, tomo 25, p. 3-41, 1973 [1862]., p. 22-23, grifo meu).

Macedo reivindica, como alternativa para a solução de disputas na escrita da história, a consulta a autoridades. A escolha da fonte capaz de dirimir as versões divergentes baseia-se no critério da presença e da proximidade do narrador, “os escritores cronistas da época”, em relação aos eventos relatados. Ora, trata-se da incorporação na história moderna, em vias de afirmação no período oitocentista, de um procedimento epistemológico caro à historiografia antiga: a autópsia. Como define François Hartog (2011HARTOG, François. Evidência da história: o que os historiadores veem. Belo Horizonte: Autêntica, 2011., p. 203), autopsiar significa “o fato de ver por si mesmo” , mas a manutenção do requisito à visualidade na historiografia do século XIX não deixa de produzir também algumas dúvidas: a visão direta dos eventos desempenha a mesma funcionalidade para antigos e modernos? Como o procedimento é incorporado à historiografia no momento em que a objetividade - termo também associado, recorda Lorraine Daston (2017DASTON, Lorraine. Historicidade e objetividade. São Paulo: LiberArs, 2017., p. 17), à visão - requer o distanciamento entre o historiador e as suas narrações?

Neste artigo pretendo discutir o requisito da visualidade como um recurso fundamental para a elaboração do conhecimento histórico no contexto brasileiro durante o século XIX. Adotada por antigos e modernos, a autópsia, contudo, não dispõe de uma formulação homogênea. Antes, o mecanismo pode ser caracterizado como um expediente múltiplo, dotado de diferentes valores e construído a partir de elaborações narrativas diversas. Para abordá-lo, este texto está dividido em cinco momentos. Inicialmente, em “Os graus de veracidade: valor e amplitude da autópsia moderna”, procuro recuperar algumas formulações que determinam e reivindicam a inclusão da “visão direta” como uma estratégia de verificação e legitimação da operação historiográfica, para recorrer à expressão de Michel de Certeau (2017CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2017., p. 46), no contexto do império brasileiro. O aspecto relevante é que o procedimento não se resume à dimensão temporal , mas também é utilizado como um modo de refletir sobre o eixo espacial. Na sequência, em “A prática antiga: um breve olhar sobre a autópsia clássica”, busco contrastar as prerrogativas da modalidade antiga da autópsia com sua versão moderna a fim de sugerir continuidades e rupturas, sobretudo, quando se institui a distância entre o historiador e o evento como um índice da objetividade do fazer historiográfico, critério que repercute na possibilidade do desenvolvimento da história do tempo presente. No terceiro momento, em “Ajustando a visão: a autópsia por meio da distância histórica”, o objetivo é abordar a visualidade a partir da noção de distância histórica, tal como formulada por Mark Salber Phillips, de modo a subsidiar a reflexão sobre o mecanismo e explorar a potencialidade relacionada ao seu emprego. Em “Epistemologia da visão moderna: modalidades da autópsia”, o intuito é investigar a visualidade como recurso à escrita da história de modo a sugerir seus inúmeros desdobramentos, associados a uma autópsia dos eventos, mas também dos documentos e fontes. Por fim, em “O recurso à visualidade na escrita da história: possibilidades e encaminhamentos”, pretendo sugerir, como uma tentativa de conclusão, que a visão é mobilizada de modo específico na prática historiográfica do século XIX e que seu uso depende da elaboração, por parte de historiadores e historiadoras, de “políticas do tempo” e “do espaço”, como forma de assegurar e legitimar o conhecimento produzido.

Os graus de veracidade: valor e amplitude da autópsia moderna

Na sequência de Dúvidas sobre alguns pontos da história pátria, Macedo expõe aquilo que poderia ser considerado como seu “método historiográfico”. Diante de cada lacuna, o membro da agremiação procura decompor as versões disponíveis em dois grandes grupos de fontes ou referências: por um lado, encontram-se escritores e historiadores modernos, isto é, contemporâneos ao século XIX, enquanto por outro, reúnem-se cronistas e historiadores de época, ou seja, contemporâneos aos eventos do século XVII. Ao abordar o contingente de participantes na defesa do forte de São Jorge no momento do assalto holandês, Macedo parece sintetizar sua metodologia de análise: “Vejamos o que dizem os compêndios de história e histórias do Brasil a respeito do número de soldados, de que constava a guarnição do forte de S. Jorge, e caminhemos dos moços para os velhos, dos modernos para os antigos” ( MACEDO, 1973MACEDO, Joaquim Manuel de. Dúvidas sobre alguns pontos da história pátria. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, tomo 25, p. 3-41, 1973 [1862]., p. 17, grifo meu).

O excerto demonstra, pois, que o método histórico se refere à distância que se estabelece entre um determinado tipo de obra (crônica ou história) e o acontecimento. Assim, a cada controvérsia ou versão discordante, Macedo procura, em primeiro lugar, estabelecer a diferença - e, portanto, a distância temporal - entre moços e velhos, contemporâneos e antigos aos eventos. A investigação erudita, no entanto, não se resume a essa primeira operação. Na sequência, o orador empreende um movimento de autorização ou veto em relação aos principais cronistas e historiadores a fim de determinar, conforme suas próprias palavras, seu “grau de veracidade” ( MACEDO, 1973MACEDO, Joaquim Manuel de. Dúvidas sobre alguns pontos da história pátria. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, tomo 25, p. 3-41, 1973 [1862]., p. 22). Como as operações envolvem recortes e seleções baseadas na cronologia e na temporalidade, seria possível caracterizar a prática como uma “política do tempo”, tal como a concebe María Inés Mudrovcic, pois no mesmo movimento de hierarquização da contemporaneidade, também se define a alteridade, o outro, que é classificado como anacrônico ou inadequado ao tempo normativo. Esboça-se, desse modo, um duplo movimento de seleção temporal e valoração do relato, ou seja, uma articulação entre uma política do tempo e uma política da história ( MUDROVCIC, 2019MUDROVCIC, María Inés. The politics of time, the politics of history: who are my contemporaries?, Rethinking History, v. 23, n. 4, p. 456-473, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1080/13642529.2019.1677295 . Acessado em: janeiro de 2022.
https://doi.org/10.1080/13642529.2019.16...
, p. 458).

O ponto a ser destacado é que, nessa etapa de valoração, surge novamente a demanda pela visualidade. Cito um exemplo desse duplo movimento de legitimação e desautorização das fontes por meio da visão. Abordando a segunda questão sobre a história pátria que diz respeito à atuação de João Fernandes Vieira no forte de São Jorge, Macedo procura avaliar determinados relatos. Assim, para vetar a autoridade de Frei Raphael de Jesus, o orador argumenta: “cumpre não esquecer que o autor do Castrioto Lusitano não esteve em Pernambuco, nada viu do que refere nem o teatro, nem o drama, e que teve por consequência de receber de outrem as informações que prodigaliza na sua obra” ( MACEDO, 1973MACEDO, Joaquim Manuel de. Dúvidas sobre alguns pontos da história pátria. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, tomo 25, p. 3-41, 1973 [1862]., p. 34, grifos meus). A distância de Raphael de Jesus impossibilita a visão direta do agente em relação aos acontecimentos e relega seu relato, composto apenas por informações secundárias, a um grau inferior de veracidade. Em oposição, o relato dos contemporâneos, ou seja, daqueles que autopsiaram os eventos, deve ser identificado de modo a determinar o repertório das “autoridades”:

e não se esqueça, que Brito Freire, Calado, e o marquez de Basto acharam-se em Pernambuco ou desde o princípio da guerra, ou mais tarde: viram pois muito do que contaram, e puderam ouvir a muitos, que tudo viram. E Fr. Raphael de Jesus não esteve em Pernambuco, nada viu, e jurou somente nas palavras de quem lhe mereceu fé ( MACEDO, 1973MACEDO, Joaquim Manuel de. Dúvidas sobre alguns pontos da história pátria. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, tomo 25, p. 3-41, 1973 [1862]., p. 36, grifos meus).

Na relação dos “contemporâneos” aos eventos, o orador elabora uma “política do tempo” que lhe permite selecionar e medir a distância entre aqueles que puderam ver e aqueles que apenas escutaram indiretamente. A visão, portanto, é parte fundamental do que poderia ser caracterizado como método histórico para Macedo. Aliás, não apenas para ele. É válido sugerir que a reivindicação expressa na fala do integrante do Instituto não é ocasional. De modo diverso, é possível recuperar inúmeras manifestações com semelhante demanda nas intervenções e textos fundadores - para recorrer à expressão cunhada por Manoel Salgado Guimarães - que contribuíram para a elaboração e consolidação da história nacional durante o século XIX ( GUIMARÃES, 2007GUIMARÃES, Manoel Luiz Salgado. A disputa pelo passado na cultura histórica oitocentista. In: CARVALHO, José Murilo de . (org.) Nação e cidadania no Império: novos horizontes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 93-122., p. 99). Ainda que o trabalho de Macedo não seja arrolado como parte desse repertório documental, não há dúvidas de que a proposta contribuiu para a consolidação não apenas dos procedimentos históricos, mas também para a própria categoria de historiador - elementos que, segundo Guimarães, constituem o caráter fundacional dos materiais. Se é uma característica destes textos “escrever a história do Brasil a partir de procedimentos adequados, capazes de assegurar a verdade do narrador segundo os protocolos em construção” ( GUIMARÃES, 2007GUIMARÃES, Manoel Luiz Salgado. A disputa pelo passado na cultura histórica oitocentista. In: CARVALHO, José Murilo de . (org.) Nação e cidadania no Império: novos horizontes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 93-122., p. 99), o mesmo pode ser dito, acredito, sobre o trabalho do orador do Instituto nesta ocasião.

De qualquer modo, no texto fundador, escrito alguns anos antes, por Rodrigo de Souza da Silva Pontes, é possível identificar uma reivindicação semelhante no que diz respeito à autópsia. Intitulado sugestivamente de “Quais os meios de que se deve lançar mão para obter o maior número possível de documentos relativos à História e Geografia do Brasil?”, Silva Pontes destaca a importância do testemunho direto, ao mesmo tempo em que considera alguns desdobramentos importantes em relação aos procedimentos. Nos seus termos:

as excursões científicas porém não se destinam somente a coligir cópias, desenhos, ou descrições de monumentos. Pontos há de História e Geografia referidos, ou indicados pelos diversos escritores de maneira oposta e contraditória. Alguma vez sucede que se não possa ajuizar da sua maior ou menor exatidão, sem exame e conhecimento dos lugares em que se passaram as cenas relatadas, ou sem determinar, segundo os princípios da ciência, a posição geográfica destes mesmos lugares ( SILVA PONTES, 1841SILVA PONTES Rodrigo de Souza . Quais os meios de que se deve lançar mão para obter o maior número possível de documentos relativos à História e Geografia do Brasil? Revista do IHGB , Rio de Janeiro, tomo 3, p. 149-157, 1841., p. 151, grifo meu).

E após levantar algumas dúvidas sobre a questão de Palmares, o próprio Silva Pontes sustenta o que parece ser também a proposta de um método, mesmo que incipiente, para as práticas da história e da geografia do período:

não tomo sobre mim a solução dessas questões, que na verdade apenas podem ser decididas sendo estudadas nos lugares onde os acontecimentos passaram, estudados esses mesmos lugares, determinada a sua extensão e a sua posição geográfica, ouvidas e averiguadas as tradições, e examinados documentos, uma boa parte dos quais será difícil de examinar fora das mãos de seus possuidores, pois que consistem em títulos de propriedade ( SILVA PONTES, 1841SILVA PONTES Rodrigo de Souza . Quais os meios de que se deve lançar mão para obter o maior número possível de documentos relativos à História e Geografia do Brasil? Revista do IHGB , Rio de Janeiro, tomo 3, p. 149-157, 1841., p. 154, grifo meu).

Se o requisito da visão é análogo, ou seja, pressupõe a necessidade de estar presente e visualizar o espaço no qual os eventos aconteceram, é importante reconhecer que a proposta de Silva Pontes carrega também outros encaminhamentos. Isso porque, ao contrário de Macedo que sugeria a valorização de fontes contemporâneas aos acontecimentos, aqui a visão não precisa, necessariamente, ser imediata. De acordo com o magistrado, seria possível percorrer o espaço no qual os acontecimentos se desenrolaram mesmo em tempos posteriores. A distância, nesse caso, é antes espacial do que temporal. A presença nos locais em questão, mesmo em momentos ulteriores, já seria uma alternativa para dirimir contradições ou obter maior precisão na elaboração dos relatos históricos e geográficos. Relacionada à “política do tempo” não seria exagero, creio, sugerir que a autópsia também pode estar vinculada a uma “política do espaço”, pois a construção do procedimento requer não apenas recortes e delimitações territoriais, mas o deslocamento, a viagem do agente aos lugares sob escrutínio. A articulação entre tempo e espaço, aliás, é parte da própria argumentação de Mudrovcic, na medida em que a ferramenta heurística da “política do tempo” tem nas reflexões de Johannes Fabian um de seus fundamentos ( MUDROVCIC, 2019MUDROVCIC, María Inés. The politics of time, the politics of history: who are my contemporaries?, Rethinking History, v. 23, n. 4, p. 456-473, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1080/13642529.2019.1677295 . Acessado em: janeiro de 2022.
https://doi.org/10.1080/13642529.2019.16...
, p. 457). O vínculo entre tempo, espaço e visão também é recorrente na obra do antropólogo norte-americano a ponto de ser possível identificar uma “retórica da visão” ( FABIAN, 2014FABIAN, Johannes. Time and the Other: How Anthropology Makes Its Object. New York: Columbia University Press, 2014. , p. 105-141).

A prerrogativa sugerida por Silva Pontes parece ganhar concretude, alguns anos depois, no exercício de crítica documental empreendido por Francisco Adolfo de Varnhagen. Em 1851, o historiador compila, estabelece e publica o Tratado Descritivo do Brasil, relato elaborado por Gabriel Soares de Sousa, tornando-o uma fonte legítima para a escrita da história, conforme constatou Temístocles Cezar (2000CEZAR, Temístocles. Quando um manuscrito torna-se fonte histórica: as marcas de verdade no relato de Gabriel Soares de Sousa (1587). Ensaio sobre uma operação historiográfica. História em Revista, Pelotas, v. 6, n. 6, p. 37-58, dez., 2000. Disponível em: https://periodicos.ufpel.edu.br/index.php/HistRev/article/view/12005 . Acessado em: fevereiro de 2022.
https://periodicos.ufpel.edu.br/index.ph...
, p. 39). Nesse trabalho de erudição, o historiador oitocentista tece breves comentários e correções sobre os 270 capítulos do relato do português que viveu em terras americanas no século XVI. Em uma destas apreciações, logo após a descrição da cidade de Salvador, Varnhagen assevera: “Ao lermos esta parte da descrição da cidade, quando aportamos na Bahia em princípio de Maio d’este anno, quase que acompanhamos o autor passo a passo; tanta verdade há em sua descripção” ( VARNHAGEN, 1973VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. Tratado Descriptivo do Brasil em 1587, obra de Gabriel Soares de Sousa. Revista do IHGB , Rio de Janeiro, tomo 14, p. 13-423, 1973 [1851]., p. 380-381, grifo meu). Em poucas palavras, a verificação do território - ainda que com três séculos de distância temporal - é adotada como um índice do processo de legitimação da fonte e constituição da autoridade. O emprego da autópsia é, desse modo, diversificado. Para Macedo, a redução da distância temporal assegura a construção da legitimidade da fonte utilizada na escrita da história, enquanto para Silva Pontes e Varnhagen, a distância do historiador ou do geógrafo em relação ao evento deixa de ser um obstáculo quando ele compartilha não o tempo, mas o espaço no qual os fatos ocorreram. A atenção ao território, contudo, já era uma característica importante para a prática autopsial entre os antigos. Antes de aprofundar a abordagem sobre as fontes do século XIX, assim, é válido recuperar alguns encaminhamentos sobre a visão propostos no período clássico.

A prática antiga: um breve olhar sobre a autópsia clássica

A fim de discutir o procedimento da autópsia construído na historiografia moderna que se conforma no século XIX, talvez seja oportuno inverter a trajetória do método de Macedo e caminhar dos velhos aos moços, dos antigos aos modernos. Trata-se aqui de contrastar, ainda que de modo breve, a autópsia antiga com sua prática moderna, na medida em que o procedimento é parte central também da escrita da história na Antiguidade. Aliás, conforme argumenta Giuseppe Nenci, a autópsia está longe de ser um requisito exclusivo da historiografia, sendo parte igualmente dos discursos poético, médico, geográfico e filosófico gregos ( NENCI, 1955NENCI, G. Il Motivo dell’autopsia nella Storiografia Greca. Studi Classici e Orientali, Pisa, 3, p. 14-46, 1955., p. 16 e ss). Esse diálogo com outros saberes não deve ser desconsiderado. Ao contrário, a incorporação da autópsia pela escrita da história deriva, em grande parte, do requisito à visualidade já presente em outros gêneros e formas de construção do conhecimento. Assim, nos poemas homéricos é possível identificar não apenas a demanda pela autópsia, mas também a distinção entre a visão direta e o testemunho indireto, isto é, derivado da audição ( NENCI, 1955NENCI, G. Il Motivo dell’autopsia nella Storiografia Greca. Studi Classici e Orientali, Pisa, 3, p. 14-46, 1955., p. 19). Além disso, seria igualmente possível estabelecer - tal como no contexto moderno - um laço entre a história e a geografia, pois se, no período clássico, “a descrição geográfica é, por excelência, descrição da coisa vista”, não se deve esquecer que a historiografia é filha da geografia, segundo defende Nenci (1955NENCI, G. Il Motivo dell’autopsia nella Storiografia Greca. Studi Classici e Orientali, Pisa, 3, p. 14-46, 1955., p. 29).

Estes diálogos entre diferentes saberes e algumas tópicas, como a distinção entre o ver e o ouvir, a descrição do espaço etc., podem ser identificados na obra de Heródoto. Logo no livro inicial das Histórias, por exemplo, o motivo das diferenças entre a visão direta e o testemunho auditivo é mobilizado por meio da fala de Candaules, cujo reconhecimento de que “para os homens, os ouvidos são mais incrédulos do que os olhos [...]” impõe a necessidade da visão direta ( Heródoto, Histórias I, 8.2HERÓDOTO, -. Histórias. Tradução de José Ferreira e Maria de Fátima Silva. Lisboa: Edições 70, 2015.). Ainda assim, o próprio Heródoto valida relatos por meio da audição quando afirma que, para atestar determinado episódio: “Eu sei que as coisas se passaram assim, por o ter ouvido dos Délfios” ( Heródoto, Histórias I, 20.1HERÓDOTO, -. Histórias. Tradução de José Ferreira e Maria de Fátima Silva. Lisboa: Edições 70, 2015.). O historiador de Halicarnasso, desse modo, fundamenta seu saber na autópsia, na visão direta, sem excluir, todavia, a possibilidade da audição, do testemunho indireto. Nesse sentido, ele se diferencia de Tucídides que, além de priorizar o “ver”, na História da Guerra do Peloponeso, hierarquiza a possibilidade do conhecimento histórico de acordo com a proximidade ou o afastamento do historiador em relação aos tempos antigos, que antecederam a eclosão da guerra, e os tempos contemporâneos, nos quais o conflito que envolve as principais cidades gregas se desenrola.

Essa distinção entre temporalidades e os respectivos modos de operação são mencionados na chamada Metodologia (Livro I, 20-22). Nessa seção, os dois capítulos iniciais (20 e 21) abordam a investigação do passado remoto, enquanto o último capítulo (22) expõe o método para a inquirição da contemporaneidade, conforme argumenta Anna Lia de Almeida Prado (2013PRADO, Anna Lia de Almeida. Introdução. In: TUCÍDIDES, -. História da Guerra do Peloponeso. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2013. p. IX-LIX., p. XLI). Para os tempos distantes, o historiador não dispõe evidentemente da autópsia e, portanto, precisa recorrer a “indícios” e “vestígios” que são, na sequência, submetidos ao cálculo da verossimilhança. Por sua vez, o presente requer uma abordagem diferente, o que implica observar direta ou indiretamente os pensamentos que orientam as ações e os próprios atos praticados pelos personagens históricos. Para a apreensão dos pensamentos e dos atos, portanto, estão disponíveis dois recursos de expressão: os discursos proferidos e as narrativas dos fatos ( PRADO, 2013PRADO, Anna Lia de Almeida. Introdução. In: TUCÍDIDES, -. História da Guerra do Peloponeso. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2013. p. IX-LIX., p. XLIII). O excerto de Tucídides é conhecido:

quanto aos discursos pronunciados por diversas personalidades quando estavam prestes a desencadear a guerra ou quando já estavam engajados nela, foi difícil recordar com precisão rigorosa os que eu mesmo ouvi ou os que me foram transmitidos por várias fontes. Tais discursos, portanto, são reproduzidos com as palavras que, no meu entendimento, os diferentes oradores deveriam ter usado, considerando os respectivos assuntos e os sentimentos mais pertinentes à ocasião em que foram pronunciados, embora ao mesmo tempo eu tenha aderido tão estritamente quanto possível ao sentido geral do que havia sido dito ( Tucídides, História I, 22TUCÍDIDES, -. História da Guerra do Peloponeso. Tradução de Mário da Gama Kury. Brasília; São Paulo: Editora da UnB; Imprensa Oficial; 2001.). 2 2 Versões ligeiramente diferentes da tradução podem ser encontradas nos textos de Murari Pires (1998) e Prado (2013).

Como expressão dos pensamentos dos agentes, os discursos são numerosos na obra de Tucídides, o que demonstra a importância do recurso para a escrita da História da Guerra do Peloponeso. A fim de produzi-los, o historiador reconhece e contorna as dificuldades “firmando que ele mesmo, nominalmente, apreenderia, por seu parecer, a realidade dos discursos” e “pautando-se pela acribia possível de aproximação do que fora realmente dito”, conforme sustenta Francisco Murari Pires (1998MURARI PIRES, Francisco. A retórica do método (Tucídides I.22 e II.35). Revista de História, São Paulo, 138, p. 9-16, 1998. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/18839 . Acessado em: janeiro de 2022.
https://www.revistas.usp.br/revhistoria/...
, p. 13). As soluções - e os problemas - relativos aos eventos apreendidos pelos relatos das testemunhas, contudo, merecem considerações diferentes:

Quanto aos fatos da guerra, considerei meu dever relatá-los, não como apurados através de algum informante casual nem como me parecia provável, mas somente após investigar cada detalhe com o maior rigor possível, seja no caso de eventos dos quais eu mesmo participei, seja naqueles a respeito dos quais obtive informações de terceiros. O empenho em apurar os fatos se constituiu numa tarefa laboriosa, pois as testemunhas oculares de vários eventos nem sempre faziam os mesmos relatos a respeito das mesmas coisas, mas variavam de acordo com suas simpatias por um lado ou pelo outro, ou de acordo com sua memória ( Tucídides, História I, 22TUCÍDIDES, -. História da Guerra do Peloponeso. Tradução de Mário da Gama Kury. Brasília; São Paulo: Editora da UnB; Imprensa Oficial; 2001.).

O excerto é importante, pois sinaliza a diferença entre as operações efetuadas por Tucídides. Se os discursos são (re)produzidos com as palavras que os oradores “deveriam ter usado”, os eventos não são (re)construídos pela probabilidade, mas a partir de uma investigação rigorosa. Além disso, o historiador reconhece, no trecho, a imprecisão e a variabilidade dos relatos oferecidos pelos testemunhos, submetidos tanto à oscilação da lembrança e do esquecimento, quanto às simpatias e tendências dos contemporâneos em relação aos agentes dos acontecimentos. Nesse caso, creio, seria possível mobilizar, também na metodologia de Tucídides, a chave de leitura da distância histórica.

Em artigo sobre as operações epistemológicas desenvolvidas pelo historiador na construção e escrita da obra, Murari Pires sintetiza as diferenças entre as soluções adotadas: “ao revés do que fez para os discursos”, Tucídides “dispensou seu ato nominal de emissão de um parecer pessoal enquanto sujeito da narrativa, preferindo, ao invés, acolher os relatos dos informantes, justamente dispensados no caso dos discursos” ( MURARI PIRES, 1998MURARI PIRES, Francisco. A retórica do método (Tucídides I.22 e II.35). Revista de História, São Paulo, 138, p. 9-16, 1998. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/18839 . Acessado em: janeiro de 2022.
https://www.revistas.usp.br/revhistoria/...
, p. 13). Ainda assim, também aqui, verifica-se a necessidade da avaliação do historiador que precisa, por meio da acribia, promover a adequação entre a narrativa e o real. Desse modo, a autópsia, por si só, nunca foi sinônimo ou garantia da verdade. Somente por meio desse procedimento de avaliação e de uma seleção baseada na distância (contemporaneidade, simpatia etc.) é que o ver pode se transformar em saber, sugere Hartog (2011HARTOG, François. Evidência da história: o que os historiadores veem. Belo Horizonte: Autêntica, 2011., p. 80-81).

A preeminência da visão, no caso da escrita da história, acarreta consequências importantes. Isso porque se aplicado rigorosamente, o requisito à visualidade excluiria qualquer forma de história que não fosse aquela do tempo presente. Não foi o que ocorreu. Tucídides reconhece que a história dos tempos remotos parece menos crível, perde - para utilizar o vocabulário macediano - graus de veracidade, no entanto, não deixou de praticá-la, conforme se verifica por exemplo, na sua Arqueologia (Livro I, 2-19), voltada para a historicização do passado remoto “desde a época primitiva até as vésperas da guerra” ( PRADO, 2013PRADO, Anna Lia de Almeida. Introdução. In: TUCÍDIDES, -. História da Guerra do Peloponeso. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2013. p. IX-LIX., p. XXI). Seus discípulos modernos, aqueles mesmos que o elegeram como modelo, não viram nisso qualquer problema: colocado no “banco dos réus”, como informa Lorraine Daston, Tucídides raramente teve seu valor e sua integridade como historiador questionados ( DASTON, 2017DASTON, Lorraine. Historicidade e objetividade. São Paulo: LiberArs, 2017., p. 139). Afinal, como sintetiza Pascal Payen, Tucídides é concebido como uma autoridade, no século XIX, justamente porque oferece a possibilidade de atuação política no presente ( PAYEN, 2010PAYEN, Pascal. A constituição da história como ciência no século XIX e seus modelos antigos: fim de uma ilusão ou futuro de uma herança? História da historiografia: International Journal of Theory and History of Historiography, Ouro Preto, v. 4, n. 6, p. 103-122, 2011. DOI: 10.15848/hh.v0i6.250. Disponível em: https://www.historiadahistoriografia.com.br/revista/article/view/250 . Acessado em: janeiro de 2022.
https://www.historiadahistoriografia.com...
, p. 120-121).

Mesmo assim, ou talvez exatamente por isso, a historicização do presente era uma alternativa de conhecimento tanto válida, quanto polêmica no período oitocentista. Associada à autópsia, a prática, embora existente - como demonstram os trabalhos de Domingos Gonçalves de Magalhães ( Memória histórica e documentada da revolução da província do Maranhão desde 1839 até 1840, de 1848MAGALHÃES, Domingos José Gonçalves de. Memória histórica e documentada da revolução da província do Maranhão desde 1839 até 1840. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, tomo 10, p. 263-362, 1870 [1848].) e de Varnhagen (História da Independência do Brasil, publicada postumamente em 1916VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História da Independência do Brasil até ao reconhecimento pela antiga metrópole, compreendendo, separadamente, a dos sucessos ocorridos em algumas províncias até essa data. Revista do IHGB , Rio de Janeiro, tomo 79, parte 1, 1916.) - não deixava de produzir contradições e impor limitações sobre sua validade aos membros do IHGB. Para Temístocles Cezar: “A história do tempo presente é, nessa perspectiva, um tipo de história que pode ser vista. A memória opera, também, sobre um espaço óptico” ( CEZAR, 2004CEZAR, Temístocles. Lição sobre a escrita da história: historiografia e nação no Brasil do século XIX. Diálogos, Maringá, v. 8, n. 1, p. 11-29, 2004. Disponível em: https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/Dialogos/article/view/38021/19772 . Acessado em: fevereiro de 2022.
https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/...
, p. 15). A recepção da obra de Gonçalves de Magalhães oferece um exemplo importante a esse respeito. Segundo Eliete Tiburski, sua Memória histórica foi elogiada pelos sócios da Instituição que não apenas premiaram a contribuição do consócio, como também ressaltaram o fato de que seu autor havia sido uma “testemunha ocular” dos acontecimentos ( TIBURSKI, 2018TIBURSKI, Eliete Lucia. O Passado Presente, ou como se escrevia a história do tempo presente no século XIX. Gonçalves de Magalhães e a Memória Histórica da Revolução da Província do Maranhão (1839-1840). Diálogos, v. 22, n. 1, p. 205-217, 2018. Disponível em: https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/Dialogos/article/view/43641 . Acessado em: abril de 2022.
https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/...
, p. 209). A autópsia aqui é, portanto, não somente legítima, mas também um índice de validação do relato.

Outras iniciativas, contudo, não contaram com a mesma apreciação crítica, o que sugere os limites da prática da história do tempo presente. Conforme demonstra Reinhart Koselleck para o contexto de língua alemã, a crescente aceleração do tempo e a experiência revolucionária do final do XVIII, tornavam a compreensão do próprio presente mais difícil e passavam a exigir, como solução metodológica e teórica, o distanciamento do historiador. A atualidade continuou a ser objeto da história, mas adquiriu o estatuto de um gênero inferior de conhecimento, passível inclusive de ser praticado pelos jornalistas ( KOSELLECK, 2006KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto; Editora PUC-Rio, 2006., p. 293). Esse fenômeno também pode ser observado no contexto do Império brasileiro. Alguns anos depois da iniciativa de Gonçalves de Magalhães, Felizardo Pinheiro de Campos sugere a elaboração de uma obra na qual seriam registrados os acontecimentos políticos, morais e religiosos referentes ao reinado de Dom Pedro II, ou seja, um livro, naquele momento, sobre a história contemporânea do Brasil. Na sessão de maio de 1863, os pareceristas do IHGB rejeitaram a proposta após debaterem a ideia de Campos. Dois aspectos são importantes no veto institucional ao projeto de história do tempo presente do autor: o primeiro é o fato de que a recusa é justificada com o recurso à visualidade, pois a história do Imperador, por se desenvolver “ante os olhos” da geração contemporânea não precisaria do auxílio da agremiação para ser registrada. Além disso, os acontecimentos atuais seriam objeto, por excelência, não da história, mas da imprensa “que como a Argos dos antigos, [a] vela com os seus cem olhos [...] (RIHGB, 1863 apud TIBURSKI, 2018TIBURSKI, Eliete Lucia. O Passado Presente, ou como se escrevia a história do tempo presente no século XIX. Gonçalves de Magalhães e a Memória Histórica da Revolução da Província do Maranhão (1839-1840). Diálogos, v. 22, n. 1, p. 205-217, 2018. Disponível em: https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/Dialogos/article/view/43641 . Acessado em: abril de 2022.
https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/...
, p. 215, grifo meu). Assim, uma história que está sob a vista de todos e todas não requer o envolvimento do IHGB. É importante acrescentar, por fim, que o parecer emitido sobre o projeto de Campos teve, como um dos responsáveis, o mesmo Macedo que, como visto acima, considerava a autópsia como um modo de acrescentar graus de veracidade à escrita da história.

A fim de sintetizar esse pequeno excurso sobre a autópsia antiga e suas consequências epistemológicas, é possível sugerir que se Tucídides pode ser considerado como um elemento de continuidade entre antigos e modernos - à custa, por certo, de um processo seletivo de construção de seu legado -, não há dúvidas de que a distância entre uns e outros é ampla. Para Marcel Gauchet, por exemplo, seria possível distinguir a história antiga da sua versão moderna a partir do processamento crítico da visibilidade: os antigos viam, enquanto os modernos problematizam a visão, por meio da crítica, antes de incorporá-la à história ( GAUCHET, 2002GAUCHET, Marcel. L’unification de la science historique. In: GAUCHET, Marcel. Philosophie des sciences historiques: le moment romantique. Paris: Éditions du Seuil, 2002. p. 9-38., p. 10). Dito de outro modo: para Gauchet, a distância entre ver e saber é menor entre os antigos do que entre os modernos, ao menos quando se trata da produção historiográfica. A introdução da imprensa, dotada de cem olhos, modificaria drasticamente essa relação.

Por outro lado, é possível identificar, entre antigos e modernos, algumas aproximações - ainda que essa proximidade demande, evidentemente, precisões e modulações. Se Nenci identificava a autópsia como um motivo presente em diferentes saberes e discursos na Antiguidade, o mesmo pode ser constatado durante o período oitocentista, na medida em que o mecanismo permanece vinculado, por exemplo, aos discursos médicos, como no Diccionario de medicina popular [...], de Pedro Chernoviz (1890CHERNOVIZ, Pedro Luiz Napoleão. Diccionario de medicina popular e das sciencias accessorios para o uso das famílias [...]. Paris: A. Roger e F. Chernoviz, 1890., p. 250-251); literários, como nas Cartas a Cincinato, nas quais as obras de José de Alencar são autopsiadas por Franklin Távora (1872TÁVORA, Franklin. Cartas a Cincinato: estudos críticos por Semprônio. Pernambuco: J.-W de Medeiros, 1872., p. 319); além, evidentemente, do requisito à visualidade, tal como expresso nas páginas da Revista do IHGB, em textos geográficos e historiográficos. Aqui, contudo, talvez seja possível sugerir uma modulação. Guido Schepens, ao avaliar a diferença entre a versão antiga e a versão moderna da autópsia, considera que é necessário estabelecer uma distinção entre a autópsia dos fatos, praticada pelos antigos, e a autópsia das fontes, característica dos modernos ( SCHEPENS, 1980SCHEPENS, Guido. L’Autopsie dans la méthode des historiens grecs du Vème siècle avant J.-C. Brussels: Koninklijke Academie, 1980., p. 4). A diferença é útil para apontar os limites de cada prática, contudo, não parece ser capaz de abarcar o amplo espectro relacionado aos diferentes empregos do mecanismo. Isso porque, como sugerido a partir dos exemplos mencionados, a autópsia moderna está ligada também à visualização dos locais nos quais os eventos ocorreram, mesmo após o acontecimento dos fatos. Como abordar, no entanto, o motivo da autópsia considerando a amplitude e a recorrência de seus usos e mobilizações nesse percurso que vai dos antigos aos modernos?

Ajustando a visão: a autópsia por meio da distância histórica

Retomo o questionamento acima a fim de especificá-lo: de que forma seria possível olhar para a visão, seja ela a autopsial do historiador ou fonte que observa os eventos em determinado tempo, seja ela, de modo diverso, a visão voltada ao local, ao espaço no qual os eventos se desenvolveram? No terceiro momento deste artigo, eu gostaria de sugerir alguns encaminhamentos que, creio, permitem evidenciar não apenas a importância da visão como um requisito historiográfico, mas também destacar as possibilidades analíticas referentes à autópsia.

Uma ferramenta útil para a abordagem da visualidade na prática historiográfica parece ser a noção da distância histórica, categoria que, quando aplicada à leitura e interpretação do passado, dispõe de uma longa genealogia ( GINZBURG, 2001GINZBURG, Carlo. Wooden eyes: nine reflections on distance. New York: Columbia University Press , 2001., p. 139-156). 3 3 Na escrita da história, especificamente, a categoria tem sido evocada com regularidade e foi objeto de debates e discussões. Conferir, por exemplo, o dossiê sobre distância histórica publicado na History and Theory: Hollander et al.,2011. De acordo com Mark Salber Phillips, essa noção é geralmente concebida como a separação que se estabelece entre o historiador ou a historiadora e o objeto de análise, e que tem por finalidade, supostamente, conferir maior objetividade ao exercício interpretativo. O autor acrescenta que a distância pode ser concebida como uma ferramenta heurística capaz, sobretudo, de auxiliar na investigação de dois tipos de questões: na constatação das alterações de estilos historiográficos e variações na escrita da história e, ainda, na comparação entre gêneros históricos rivais (historiografia, romance e pintura, por exemplo), na medida em que eles descortinam diferentes abordagens em relação ao passado ( PHILLIPS, 2013PHILLIPS, Mark Salber. On historical distance. New Haven: Yale University Press, 2013., p. 9-10).

Assim, se na versão mais corrente espera-se que a distância produza objetividade, é importante considerar que o afastamento excessivo entre o agente que observa e o evento também pode resultar em efeitos prejudiciais para a verificação da verdade. Nesse sentido, ainda que esse não seja o foco específico deste artigo, seria possível elencar exemplos de historiadores e pensadores europeus do século XIX, como Jules Michelet, Wilhelm Dilthey e Thomas Macaulay, que buscaram legitimar suas obras adotando não um distanciamento mas, ao contrário, a proximidade com o passado de modo a oferecer um relato mais verdadeiro. Desse modo, a distância ora é uma condição necessária que empresta um lugar imparcial e privilegiado para o analista, ora torna-se um obstáculo que acarreta a perda de foco da fonte ou do historiador ( PHILLIPS, 2013PHILLIPS, Mark Salber. On historical distance. New Haven: Yale University Press, 2013., p. 2-3). Na sequência desse artigo, tentarei sugerir que essas duas posições - e as mediações entre elas - são perceptíveis nas autópsias oitocentistas.

Antes disso, contudo, não é excessivo recordar que a alternância entre estilos ou variações historiográficas, identificada por Phillips, não se limita ao século XIX. Proposições recentes como aquelas de Hans Ulrich Gumbrecht e Frank Ankersmit, assim, poderiam ser inseridas nesse repertório que oscila entre redução e ampliação da distância. Gumbrecht defende, por exemplo, a partir da noção de produção de presença, a superação do paradigma cartesiano, cujo pressuposto seria a separação entre sujeito e objeto ( GUMBRECHT, 2010GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produção de presença: o que o sentido não consegue transmitir. Rio de Janeiro: Contraponto: Editora PUC-Rio, 2010., p. 38-39), enquanto Ankersmit prescreve a experiência histórica como resposta a uma suposta crise de representação na história ( ANKERSMIT, 2008ANKERSMIT, Frank. The Three Levels of “Sinnbildung” in Historical Writing. In: RÜSEN, Jörn . (ed.) Meaning and Representation in History. NY: Berghahn, 2008. p. 108-122., p. 115). As duas proposições, enfim, podem ser pensadas como tentativas contemporâneas de elidir a separação do historiador ou historiadora em relação ao passado e demonstram a recorrência e a validade da distância como ferramenta de leitura.

Ultrapassando a questão da objetividade que caracterizava a abordagem tradicional a respeito da distância histórica, Phillips advoga que outros elementos precisam ser considerados nessa atividade de mediação exercida pela história, ou seja, é importante considerar as estruturas formais e retóricas, a coloração afetiva, os elementos ideológicos e a busca por inteligibilidade e compreensão na elaboração do ofício ( PHILLIPS, 2013PHILLIPS, Mark Salber. On historical distance. New Haven: Yale University Press, 2013., p. 1). Nas suas palavras:

a distância histórica abarca a variedade de formas pelas quais nos relacionamos com o passado (ou - para falar de forma mais abrangente - com os futuros que o passado torna possíveis). Em sentido amplo, isso significa que a distância histórica pertence a uma família de sentimentos, julgamentos e ações que estão ligados com a necessidade de navegar o mundo ao nosso redor - seja em relação a gradações de espaço, tempo e afeto, ou em relação às recompensas e pressões da comunidade ( PHILLIPS, 2013PHILLIPS, Mark Salber. On historical distance. New Haven: Yale University Press, 2013., p. 12).

Pensar a distância, enfim, não significa abandonar as questões de evidência e explanação, ou os interesses em narratologia e retórica, mas antes considerá-los conjuntamente a partir do foco da mediação ( PHILLIPS, 2013PHILLIPS, Mark Salber. On historical distance. New Haven: Yale University Press, 2013., p. 5). O historiador procura sintetizar sua proposta citando os quatro aspectos principais que podem ser associados à categoria: em primeiro lugar, residem os gêneros e convenções que concedem à história suas estruturas formais de representação e que incluem qualidades estéticas e retóricas. Em seguida, encontra-se o caráter afetivo da representação, isto é, as formas pelas quais as condições históricas são oferecidas. O terceiro ponto diz respeito aos elementos políticos, religiosos e éticos implicados na representação da história. E, por fim, trata-se de considerar as dimensões de explicação e entendimento. As quatro ênfases, então, são modalidades de distâncias - as gradações do tempo e do espaço, segundo Phillips - que permitem investigar a representação histórica na medida em que intermedeiam nossa relação com o passado ( PHILLIPS, 2013PHILLIPS, Mark Salber. On historical distance. New Haven: Yale University Press, 2013., p. 6-7).

A categoria da distância oferece, acredito, uma forma de apreensão da visão e da autópsia. Com o subsídio dessas reflexões, creio ser possível retornar às dúvidas e aos procedimentos adotados por Macedo e Varnhagen. A autópsia, concebida a partir do eixo da distância histórica, adquire, enfim, maior espessura e detalhamento: ela pode ser indagada a partir de diferentes modalidades e investigada a partir das medi(a)ções que oscilam entre a proximidade e o distanciamento em relação ao passado, aos locais e aos documentos e fontes acessados na prática historiográfica.

Epistemologia da visão moderna: modalidades da autópsia

A variabilidade da distância através da autópsia é recorrente nas Dúvidas sobre alguns pontos da história pátria. Para Macedo, a obra Istoria delle guerre del regno del Brasile, de Gioseppe de Santa Teresa, datada de 1698, não pode ser considerada uma referência porque, embora tenha seguido “muito de perto” o relato de Brito Freire, foi construída com uma distância excessiva. Nos seus termos: “Cumpre ainda notar que este religioso escreveu na Itália muitos anos depois de terminada a guerra dos holandeses no Brasil” ( MACEDO, 1973MACEDO, Joaquim Manuel de. Dúvidas sobre alguns pontos da história pátria. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, tomo 25, p. 3-41, 1973 [1862]., p. 37, grifo meu). O veto ao texto, ainda que sintético na formulação, expressa uma dupla distância: um afastamento tanto espacial (a história foi redigida na Itália), quanto temporal (o livro foi publicado mais de meio século depois dos acontecimentos). Se o excesso de distância inviabiliza a obra de Santa Teresa, a postura contrária, a elisão absoluta, não implica uma validação dos relatos. De modo diverso, como dito, a eliminação total da gradação da distância do tempo e do espaço também pode resultar na invalidação do testemunho. É o caso da obra de Raphael de Jesus que, devido à proximidade demonstrada em relação a João Fernandes Vieira, deve ter sua narrativa desconsiderada. Macedo argumenta:

a comparação d’estas datas e o entusiasmo incessante que Raphael de Jesus mostra pelo seu herói nos fazem pensar que talvez o próprio João Fernandes Vieira inspirasse com a sua presença o seu panegirista: compreendemos o alcance e o atrevimento d’esta suspeita; vemos bem que ela pôde ser um pouco nociva à glória de Vieira; mas quem deve carregar com a culpa d’este mau pensamento, d’este nosso pecado, é o próprio Fr. Raphael de Jesus: pois quem poderia contar ao respeitável frade certas particularidades da vida e fortuna do seu herói, senão o próprio herói? ( MACEDO, 1973MACEDO, Joaquim Manuel de. Dúvidas sobre alguns pontos da história pátria. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, tomo 25, p. 3-41, 1973 [1862]., p. 34, grifo meu).

As informações aludidas pelo orador do IHGB dizem respeito a dados privados ou particulares, como o número de escravizados e criados com os quais Vieira contava, detalhes sobre sua vida familiar de casado, referências sobre suas propriedades etc. Macedo, em tom crítico, arremata: “Realmente e para um frade é saber muita coisa da casa alheia!” ( MACEDO, 1973MACEDO, Joaquim Manuel de. Dúvidas sobre alguns pontos da história pátria. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, tomo 25, p. 3-41, 1973 [1862]., p. 35). A exclamação sugerindo ênfase e estranhamento, além do vocabulário religioso e moral empregado (“atrevimento”, “pecado”, “culpa”) sugerem, como apontado por Phillips acima, a mobilização de dimensões afetivas e éticas na construção da escrita e da operação historiográfica. Além disso, enquanto Tucídides reconhecia que as “simpatias” das testemunhas impactavam os relatos, Macedo, em termos próximos, rejeita o “entusiasmo incessante” de seu informante, isto é, a ausência completa de distanciamento.

Raphael de Jesus, aliás, parece ser um dos principais alvos da crítica erudita de Macedo. O autor é caracterizado, em mais de uma oportunidade, como panegirista, na medida em que sua autópsia teria sido, no máximo, indireta: “Além d’esta consideração cumpre não esquecer que Fr. Raphael de Jesus viu o drama com olhos alheios, escreveu de longe, e não está no caso de Fr. Calado, e Brito Freire, e nem no do marquês de Basto que estiveram no teatro da luta” ( MACEDO, 1973MACEDO, Joaquim Manuel de. Dúvidas sobre alguns pontos da história pátria. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, tomo 25, p. 3-41, 1973 [1862]., p. 11, grifos meus). O método macediano recorre, então, à visualidade para hierarquizar os relatos sobre a “guerra brasílica”, ao mesmo tempo em que reconhece, com um grau inferior de veracidade, os testemunhos indiretos.

Estas operações permitem sugerir que Macedo incorpora elementos da autópsia antiga, na medida em que reivindica a visão do historiador e da fonte em relação ao espaço e aos acontecimentos. Mas é possível acrescentar, ainda, que as dúvidas do orador recorrem igualmente à autópsia moderna, tal como sugerido na tipologia de Schepens, pois é fundamental também, para a construção e validação do conhecimento, a visão concreta dos documentos, isto é, dos livros e manuscritos produzidos pelos historiadores e cronistas. Dito de modo sintético: cabe ao historiador ver não só o passado, mas o passado medi(a)do pela obra historiográfica.

O orador do Instituto investiga assim a visualidade expressa pelas fontes e, ao realizar essa operação, expõe a sua própria visão (documental). Sobre a atuação de Mathias de Albuquerque, por exemplo, argumenta: “Além d’estes autores Southey, Beauchamp, Gama nas Memórias Históricas de Pernambuco e diversos compêndios que temos à vista reproduzem a acusação que transpira das palavras de Fr. Raphael de Jesus e Rocha Pitta” ( MACEDO, 1973MACEDO, Joaquim Manuel de. Dúvidas sobre alguns pontos da história pátria. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, tomo 25, p. 3-41, 1973 [1862]., p. 8, grifo meu). Essa visão das fontes, ou seja, a visão indireta do historiador que recorre aos olhos alheios, reaparece na sequência das Dúvidas sobre alguns pontos da história pátria. Nesse ponto, Macedo faz referência a Varnhagen que, por sua vez, declara ter visto um documento que poderia assegurar os investimentos de Mathias de Albuquerque em edificações defensivas e, portanto, dirimir a dúvida sobre a atuação do general no conflito. Macedo, enfim, visualiza a obra do autor da História geral do Brasil que assegura, por meio de sua autópsia documental, o fato em questão: “e por nossa parte”, diz Varnhagen, “tivemos ocasião de ver em Amsterdam uma bela planta do forte real, que se incumbira o engenheiro Christovão Alvares de construir para bater a barra etc” ( VARNHAGEN apud MACEDO, 1973VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. Tratado Descriptivo do Brasil em 1587, obra de Gabriel Soares de Sousa. Revista do IHGB , Rio de Janeiro, tomo 14, p. 13-423, 1973 [1851]. [1862], p. 8-9, grifo meu). O trabalho de erudição do membro do IHGB, desse modo, mobiliza e comporta duas modalidades de autópsia: a antiga voltada aos eventos e utilizada na validação das narrativas, mas também a moderna, endereçada aos documentos e empregada como um modo de intervir e participar de uma querela historiográfica.

A autópsia moderna implicada na visão dos documentos permite recuperar um tema sensível e de fundamental importância no momento da consolidação da escrita da história no século XIX: a prática das cópias e do plágio. Investigando justamente um dos autores mencionados por Macedo, o historiador Alphonse de Beauchamp, Bruno Franco Medeiros argumenta que o conceito de plágio foi mobilizado “no interior da constituição de uma crítica erudita, que se dedicou a desvendar os inoportunos empréstimos que escritores faziam de obras alheias” ( MEDEIROS, 2011MEDEIROS, Bruno Franco. Plagiário, à maneira de todos os historiadores: Alphonse de Beauchamp e a escrita da história na França nas primeiras décadas do século XIX. 2011. Dissertação (Mestrado em História) - Programa de Pós-Graduação em História Social, Universidade de São Paulo, 2011., p. 108). Ora, tanto a contribuição de Macedo, quanto o Discurso inaugural de Cunha Barbosa, citado acima, caracterizam o investimento na erudição como um modo de evitar a disseminação de equívocos e falsificações em virtude da cópia indiscriminada entre os autores ( CUNHA BARBOSA, 1856CUNHA BARBOSA Januário da . Discurso. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, tomo 1, p. 10-21, 1856 [1839] ., p. 11). Macedo reconhece, de modo análogo, ao comentar a perpetuação de erros, que alguns autores têm por prática apenas reproduzir relatos anteriores sem exercer a crítica conscienciosa. Assim:

Beauchamp apresenta a singularidade, que é do nosso dever fazer notar, de errar no cálculo que faz do número dos defensores do forte de S. Jorge absolutamente do mesmo modo, porque depois veio a cometer o mesmo erro o nosso Fernandes Gama, o que não é de admirar, visto como o autor das Memórias Históricas da província de Pernambuco n’este ponto traduziu fielmente, copiou ipsis verbis o escritor francês ( MACEDO, 1973MACEDO, Joaquim Manuel de. Dúvidas sobre alguns pontos da história pátria. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, tomo 25, p. 3-41, 1973 [1862]. [1862], p. 19-20).

Acredito que a reprodução literal, o plágio, dos documentos e textos que estão “diante dos olhos” também pode ser interpretada por meio da distância histórica, ou melhor, como uma expressão da redução excessiva do distanciamento exigido. A cópia ipsis verbis expõe um procedimento equivocado e, portanto, a necessidade do veto.

Para arrematar, enfim, a leitura sobre o procedimento autopsial em Macedo, é possível recuperar, mais uma vez, o investimento crítico do orador em relação à obra de Santa Teresa. A Istoria delle guerre del regno del Brasile foi investigada tanto a partir de uma autópsia dos acontecimentos, quanto por meio de uma autópsia documental. No primeiro caso, o crítico notou um excessivo distanciamento do autor em relação aos relatos da guerra, distanciamento esse tanto de ordem temporal quanto espacial. No segundo escrutínio, agora documental, o veto se mantém, mas é construído a partir da perspectiva inversa, isto é, pela constatação da excessiva proximidade em relação a outras obras. Segundo Macedo: “Fr. Gioseppe di S. Teresa está de perfeito acordo com a relação de Brito Freire, e podia mesmo ter escrito a sua obra com a de Brito Freire diante dos olhos” ( MACEDO, 1973MACEDO, Joaquim Manuel de. Dúvidas sobre alguns pontos da história pátria. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, tomo 25, p. 3-41, 1973 [1862]., p. 24). Assim, tal como a autópsia antiga, também a versão moderna do procedimento carrega bons ou maus usos, modalidades aceitas ou vetadas: em algumas ocasiões, a visão documental assegura a validade da informação, enquanto em outras indica a cópia e, portanto, desautoriza o relato ao reduzir seus graus de veracidade.

Uma amplitude análoga da visão também pode ser constatada em Varnhagen. O historiador brasileiro viu, como sugerido acima, não apenas o território descrito por Gabriel Soares de Sousa, mas também os documentos e as múltiplas versões dos manuscritos consultados para a validação da fonte. A informação é central para legitimar a própria operação historiográfica empreendida na (re)construção do Tratado Descriptivo do Brazil e aparece na capa da publicação: “Edição castigada pelo estudo e exame de muitos códices manuscritos existentes no Brasil, em Portugal, Hespanha e França, e acrescentada de alguns comentários a obra por Francisco Adolfo de Varnhagen” ( VARNHAGEN, 1973VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. Tratado Descriptivo do Brasil em 1587, obra de Gabriel Soares de Sousa. Revista do IHGB , Rio de Janeiro, tomo 14, p. 13-423, 1973 [1851]., capa, grifos meus). A visão das diferentes cópias do documento permitiu ao historiador castigar, ou seja, apurar, aprimorar a versão “final”, considerada doravante uma fonte para a história. Além disso, o trabalho de erudição só foi possível pelo trânsito entre países empreendido pelo historiador-viajante, o que reencena, em outros tempos e lugares, o deslocamento efetuado por Sousa, o observador inicial e autor do relato. Enquanto o documento original pode ser caracterizado como parte da literatura de viagens ou da etnologia que ganha força com a descoberta do Novo Mundo, como aponta Certeau (2017CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2017., p. 223), a (re)visão da fonte empreendida pelo historiador assegura a precisão das informações. Foi, aliás, o anseio de visualizar o texto que, inclusive, teria motivado o trabalho crítico de Varnhagen. Segundo suas palavras:

não há dúvida, senhores, que foi o desejo de ver o exemplar da Biblioteca de Paris o que mais me levou a essa capital do mundo literário em 1847. Não há dúvida que, além d’este códice, tive eu occasião de examinar uns vinte mais. Vi três na Biblioteca Eborense, mais três na Portuense e outros na das Necessidades em Lisboa. Vi mais dois exemplares existentes em Madri; outro mais que pertenceu ao convento da congregação das Missões e três da Academia de Lisboa, um dos quais serviu para o prelo, outro se guarda no seu arquivo, e o terceiro na livraria conventual de Jesus. Igualmente vi três cópias de menos valor que há no Rio de Janeiro (uma das quais chegou a estar licenciada para a impressão); a avulsa da coleção de Pinheiro na Torre do Tombo, e uma que em Neuwied me mostrou o velho príncipe Maximiliano, a quem na Bahia fôra dada de presente ( VARNHAGEN, 1973VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. Tratado Descriptivo do Brasil em 1587, obra de Gabriel Soares de Sousa. Revista do IHGB , Rio de Janeiro, tomo 14, p. 13-423, 1973 [1851]., p. VI-VII, grifos meus).

O longo trecho demonstra a autópsia moderna de Varnhagen. A pesquisa em diferentes Arquivos e Bibliotecas, a consulta aos inúmeros exemplares, o deslocamento do historiador, etc., são fatores que asseguram a veracidade da fonte e conformam, como sugerido, uma “política do espaço”. No entanto, tal como Macedo, Varnhagen também mobiliza a autópsia com orientações antigas, pois é a visão direta do território que permite ao historiador medi(a)r as distâncias entre os tempos a fim de retificar e corrigir, no presente, uma fonte do passado. Assim, no comentário ao capítulo 123, Varnhagen acrescenta: “Soares dá notícia de mais espécies de anacardios do que as conhecidas dos naturalistas; mas no sertão vimos nós ainda uma espécie (talvez gênero) mas cuja planta é rasteira” ( VARNHAGEN, 1973VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. Tratado Descriptivo do Brasil em 1587, obra de Gabriel Soares de Sousa. Revista do IHGB , Rio de Janeiro, tomo 14, p. 13-423, 1973 [1851]. [1851], p. 389, grifo meu). A verificação do território, mesmo a partir de uma significativa distância temporal, é registrada de modo a acrescentar informações de ordem visual que demarcam e reafirmam a importância do historiador no local sob escrutínio. O acréscimo do historiador oitocentista sugere, enfim, a importância do procedimento autopsial: Varnhagen não apenas vê e verifica a diversidade de manuscritos e versões, mas sua visão também alcança o próprio território descrito pela fonte.

O recurso à visualidade na escrita da história: possibilidades e encaminhamentos

Mesmo limitado, o breve panorama apresentado permite, acredito, esboçar algumas conclusões sobre o requisito à visão na escrita da história durante o século XIX. A importância da visualidade e, por extensão, da autópsia, no momento da constituição moderna da história, sugere a existência de uma epistemologia da visão para a historiografia do período. Mais do que um motivo secundário ou auxiliar, a autópsia poderia ser concebida como uma condição ou mesmo como um dos elementos definidores do ofício histórico. A recorrência ao olhar em trabalhos tanto prescritivos sobre o fazer historiográfico, quanto de crítica documental - trabalhos que, como sugerido, compartilham características comuns ao repertório dos textos fundadores - não pressupõe, contudo, uma homogeneidade de práticas. Ao contrário, o que se verifica é que a autópsia é múltipla, encontra-se dotada de diferentes fins e perspectivas, além de variadas modalidades.

Diante da complexidade e da amplitude das práticas, creio que a categoria da distância histórica permite evidenciar a riqueza do procedimento. Segundo Phillips, a distância pode, como instrumento heurístico, destacar as variações nos modos de escrita da história, atentar para as formas por meio das quais nos relacionamos com o passado e, por fim, salientar a mediação ou a gradação entre os relatos, os eventos, as temporalidades e os historiadores.

Resgatando, além disso, as formulações de Marcel Gauchet e Guido Schepens, é possível estabelecer uma tipologia que diferencia a versão antiga da autópsia, voltada aos acontecimentos contemporâneos, da versão moderna, direcionada aos documentos e fontes. Se a distinção preliminar é válida como ponto de partida para demarcar a diferença entre os modos de escrita e a ruptura entre as práticas, ela também se revela limitada, na medida em que o procedimento moderno permite, conforme visto no artigo, uma diversidade maior de operações. Nos exemplos discutidos, Macedo, Silva Pontes e Varnhagen mobilizam a visão direta dos acontecimentos e lugares, mas também dos documentos e fontes, como um índice de validação e legitimação dos relatos. As duas modalidades, ainda, são perpassadas por bons e maus usos, operações de redução e acréscimo das distâncias que ora validam um registro, ora inviabilizam uma determinada referência - algo aliás que pode ser identificado nas oscilações e debates em relação à possibilidade de uma história do tempo presente e sobre a prática do plágio e da cópia indiscriminada.

Assim, seria possível sugerir, sem a pretensão de esgotar as alternativas, dois focos principais, dois objetos alvos dessa epistemologia visual: a visão relativa ao tempo, o passado dos cronistas e historiadores contemporâneos aos fatos, mas também o tempo presente dos próprios historiadores; e a visão relativa ao espaço, a paisagem antiga, mas também o espaço atual e contemporâneo que subsiste e que pode ser verificado e investigado. Para enfrentar as distâncias temporal e espacial, que ora asseguram a validade do conhecimento produzido, ora dificultam a prática historiográfica, os historiadores e historiadoras do período parecem empreender “políticas do tempo” e “do espaço”, isto é, operações cronológicas de recorte e hierarquização das temporalidades e, simultaneamente, operações de ordem espacial, que pressupõem o deslocamento, a viagem e o trânsito entre diferentes territórios e arquivos.

Atentar, enfim, para as variações da distância na abordagem do passado e do presente, é reconhecer que a autópsia é uma construção simultaneamente histórica e historiográfica e que, portanto, possui implicações específicas para a elaboração do conhecimento. Se a produção oitocentista pode ser elaborada a partir dos “graus de veracidade” - para recorrer, uma vez mais, à expressão de Macedo - a medi(a)ção do procedimento autopsial permite destacar a complexidade de um recurso central para a escrita da história em processo de consolidação no século XIX.

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  • 1
    A despeito da longa atuação no IHGB, a produção historiográfica de Macedo não é extensa ( BOSISIO, 2007BOSISIO, Rafael de Almeida Daltro. Entre o escritor e o historiador: a história do Brasil imperial na pena de Joaquim Manuel de Macedo. 2007. Dissertação (Mestrado em História) - Programa de Pós-Graduação em História Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.). Ainda assim, Maria da Glória de Oliveira destaca que essas contribuições permanecem pouco estudadas ( 2015OLIVEIRA, Maria da Glória de. Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882). In: VARELLA, Flávia; OLIVEIRA, Maria da Glória de; GONTIJO, Rebeca. História e historiadores no Brasil: da América portuguesa ao Império do Brasil, c. 1730-1860. Porto Alegre: Edipucrs, 2015. p. 251-263., p. 251). Cf. ainda Oliveira, 2011OLIVEIRA, Maria da Glória de. A crítica do fabuloso e a verdade histórica nos estudos de Francisco Adolfo de Varnhagen e Joaquim Manoel de Macedo. In: XXVI SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA - ANPUH, Anais [...] São Paulo, julho, 2011, n.p. Disponível em: https://anpuh.org.br/uploads/anais-simposios/pdf/2019-01/1548856711_c2dfce7cfdcbf446d232e8d15cafc247.pdf . Acessado em: fevereiro de 2022.
    https://anpuh.org.br/uploads/anais-simpo...
    .
  • 2
    Versões ligeiramente diferentes da tradução podem ser encontradas nos textos de Murari Pires (1998MURARI PIRES, Francisco. A retórica do método (Tucídides I.22 e II.35). Revista de História, São Paulo, 138, p. 9-16, 1998. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/18839 . Acessado em: janeiro de 2022.
    https://www.revistas.usp.br/revhistoria/...
    ) e Prado (2013PRADO, Anna Lia de Almeida. Introdução. In: TUCÍDIDES, -. História da Guerra do Peloponeso. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2013. p. IX-LIX.).
  • 3
    Na escrita da história, especificamente, a categoria tem sido evocada com regularidade e foi objeto de debates e discussões. Conferir, por exemplo, o dossiê sobre distância histórica publicado na History and Theory: Hollander et al.,2011HOLLANDER, Jaap den; PAUL, Herman; PETERS, Rik. INTRODUCTION: THE METAPHOR OF HISTORICAL DISTANCE History and Theory, v. 50, n. 4, 2011. DOI: DOI: https://doi.org/10.1111/j.1468-2303.2011.00599.x . Acessado: janeiro de 2022.
    https://doi.org/10.1111/j.1468-2303.2011...
    .

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

  • Financiamento:

    PUC-Rio, Bolsa de incentivo à produtividade em ensino e pesquisa aos novos professores da Universidade.
  • Modalidade de avaliação

    Duplo-cega por pares.
  • Contexto de pesquisa

    O presente artigo é resultado de um projeto mais amplo intitulado História e Retórica: diálogos antigos e apropriações contemporâneas. Partes da pesquisa foram apresentadas no IV Congresso Internacional de Filosofia da História, ocorrido em Buenos Aires, em 2017, e no X Seminário Brasileiro de Teoria e História da Historiografia, realizado em Mariana-MG, em 2018.
  • Disponibilidade de dados de pesquisa e outros materiais

    Não se aplica.

Editado por

Editores responsáveis

Flávia Varella - Editora-chefe Breno Mendes - Editor executivo

Disponibilidade de dados

Não se aplica.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    14 Maio 2022
  • Revisado
    01 Ago 2022
  • Aceito
    29 Ago 2022
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