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O revisionismo histórico nas comemorações do golpe civil-militar de 1964 durante o governo Bolsonaro (2019-2022): heranças autoritárias e encerramento do passado

Historical revisionism in the commemorations of the 1964 civil-military coup during the Bolsonaro government (2019-2022): authoritarian legacies and the closure of the past

Resumo:

O objetivo geral deste artigo consiste em problematizar as narrativas comemorativas divulgadas pelo governo Bolsonaro nos aniversários do golpe civil-militar de 1964, questionando a permanência de elementos discursivos de caráter revisionista e negacionista sobre a ditadura militar brasileira. A análise está centrada nas Ordens do Dia publicadas pelo Ministério da Defesa no dia 31 de março, entre os anos de 2019 e 2022. Os resultados indicam que a narrativa revisionista presente nas Ordens do Dia encontra-se fundamentada em estruturas discursivas construídas desde o golpe e a ditadura militar brasileira. Dentre os argumentos evocados, consta a ênfase para o apoio popular, a retórica anticomunista e a reelaboração positivada do passado ditatorial, omitindo a violência e a perseguição política. Ademais, o destaque conferido à Lei da Anistia como “pacto pacificador” e o interesse em compreender a ditadura “em seu próprio contexto histórico” articula-se ao desejo encerramento do passado autoritário e a promoção do esquecimento.

Palavras-chave:
Ditadura Militar; Memória; Negacionismo

Abstract:

The main objective of this article is to problematize the commemorative narratives published by the Bolsonaro government on the anniversaries of the civil-military coup of 1964, questioning the permanence of revisionist and negationist elements about the Brazilian military dictatorship. The analysis is centered on the Orders of the Day published by the Ministry of Defense on March 31, between the years 2019 and 2022. The results show that the revisionist narrative present in the Orders of the Day is based on discursive structures that began to be built in the coup and the Brazilian military dictatorship. Among the arguments evoked, there is an emphasis on popular support, anti-communist rhetoric and a positive reworking of the dictatorial past, omitting violence and political persecution. Furthermore, the preeminence given to the Amnesty Law as a “pacifying pact” and the emphasis on understanding the dictatorship “in its own historical context” articulates the desire for closure of the authoritarian past and the promotion of oblivion.

Keywords:
Military dictatorship; Memory; Negationism

Introdução

Dezessete de março de 2021: notícias e manchetes de jornais da grande imprensa e demais meios de comunicação divulgam a decisão do Tribunal Regional Federal-5 (TRF-5), em autorizar a manutenção da “Ordem do Dia Alusiva ao 31 de março de 1964”, publicada pelo Ministério da Defesa em 2020, cujo conteúdo demarcava que o golpe civil-militar de 1964 constituía “um marco para a democracia brasileira” (BRASIL, 2020BRASIL. Ministério da Defesa . Ordem do Dia Alusiva ao 31 de Março de 1964. Brasília, 31 mar. 2020. Disponível em: https://bit.ly/3NzqTXq . Acesso em: 18 jan. 2022.
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, n. p.). Essa decisão encerrou momentaneamente uma luta judicial travada entre a deputada federal Natália Bastos Bonavides, do Partido dos Trabalhadores - Rio Grande do Norte (PT-RN), e o governo Bolsonaro, representado pela Advocacia-Geral da União (AGU). Na ocasião da publicação original da Ordem do Dia, a deputada Bonavides levou o caso à justiça por meio de uma ação civil pública, para exigir a retirada do material do site do governo federal. A decisão, em Primeira Instância, que determinou a retirada da publicação, levou à AGU a recorrer argumentando que a manutenção da nota comemorativa não causava lesão ao patrimônio público e que sua proibição supostamente feriria o ambiente democrático e o direito à liberdade de expressão. Segundo a AGU, “querer que não haja a efeméride para o dia 31 de março de 1964, representa impor somente um tipo de projeto para a sociedade brasileira, sem possibilitar a discussão das visões dos fatos do passado - ainda que para a sua refutação” (GOVERNO..., 2021GOVERNO Bolsonaro ganha na Justiça direito de celebrar Golpe Militar de 64. Poder360, 17, mar., 2021. Disponível em: https://bit.ly/3R8aCeP. Acesso em: 18 jan. 2022.
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, n. p., grifo nosso). Ademais, convém lembrar que desde 2019, no primeiro ano de mandato presidencial, Jair Bolsonaro esteve envolvido em uma polêmica que partiu da declaração de Otávio Rêgo Barros, porta-voz da Presidência, que afirmou em coletiva aos meios de comunicação que Bolsonaro não considerava o 31 de março como golpe militar e que determinou ao Ministério da Defesa que fizesse “comemorações devidas” ao acontecimento (VILELA, 2019VILELA, Pedro Rafael. Bolsonaro autoriza celebração do 31 de março de 1964: uma mensagem em alusão à data será lida nos quarteis. Agência Brasil, Brasília, 25, mar., 2019. Disponível em: https://bit.ly/3uljqo5 . Acesso em: 18 jan. 2022.
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, n. p.).

Para além dos significativos impactos que a decisão do TRF-5 teve em relação à construção da história e memória social a respeito do golpe de 1964 e da ditadura militar brasileira, gostaria que nossa atenção se voltasse aos elementos discursivos presentes na arguição da Advocacia-Geral para a manutenção da nota comemorativa. Os argumentos mobilizados pela União, tais como: a defesa da liberdade de expressão; necessidade de “refutar” a visão “hegemônica” da história; busca por uma história “alternativa” e pela “verdade”, obedecem a uma estrutura narrativa cujo substrato foi desvelado por pesquisadores interessados no fenômeno do revisionismo e do negacionismo histórico.

Ora, não é novidade que Jair Messias Bolsonaro erigiu sua carreira política a partir de um perfil radicalizado pela retórica ultranacionalista e conservadora, sempre mostrando-se um saudosista da ditadura e reafirmando o caráter supostamente “heroico” de militares responsáveis por perseguir e torturar militantes ligados a atividades de cunho contestatório e a luta armada.1 1 Bolsonaro continuamente presta “homenagens” à memória de Carlos Brilhante Ustra, conhecido torturador que chefiou a sede do DOI-CODI em São Paulo, como em caso recente, em março de 2022, durante o evento “Movimento Filia, Brasil” (MILITÃO, 2022). Conforme apontado por Bauer (2019BAUER, Caroline Silveira. La dictadura cívico-militar brasileña en los discursos de Jair Bolsonaro: usos del pasado y negacionismo. Relaciones Internacionales, Madri, v. 28, n. 57, p. 37-51, 2019.), Bolsonaro pertence e reforça uma “comunidade de memórias” constituída pelas Forças Armadas, que busca justificar a ditadura militar a partir da “necessidade” de “salvar” o país do comunismo e de preservar os valores “cristãos” e “democráticos” do Brasil, retórica essa que foi construída desde a década de 1960, no processo de articulação golpista, e que permanece sendo apropriada na contemporaneidade.

Segundo a autora, uma das peculiaridades envoltas na construção das narrativas revisionistas sobre a ditadura consiste justamente na negação do caráter golpista de 1964 (tratado como “revolução”, “contragolpe”, “revolução redentora”) e na elaboração de justificativas para a manutenção do regime autoritário. Com a ascensão de Bolsonaro à presidência da República, o impacto mobilizado pela difusão de narrativas revisionistas adquiriu uma dimensão institucional, “convertendo o negacionismo em uma política de memória” (BAUER, 2019BAUER, Caroline Silveira. La dictadura cívico-militar brasileña en los discursos de Jair Bolsonaro: usos del pasado y negacionismo. Relaciones Internacionales, Madri, v. 28, n. 57, p. 37-51, 2019., p. 47), visto que existiu um claro engajamento do Estado bolsonarista em promover e incentivar atos celebrativos em torno do golpe civil-militar de 1964 e da ditadura propriamente, como no caso da publicação e manutenção de notas comemorativas, tal qual a Ordem do Dia alusiva ao 31 de março divulgada em 2020.

Considerando essas reflexões, o objetivo geral deste artigo consiste em problematizar as narrativas comemorativas evocadas pelo governo Bolsonaro por ocasião dos aniversários do golpe civil-militar de 1964, questionando a permanência de elementos discursivos de caráter revisionista e negacionista sobre a ditadura militar brasileira. O destaque da abordagem recai para refletir sobre o procedimento de institucionalização das comemorações do 31 de março como “marco histórico” durante o governo Bolsonaro e seu impacto para a formulação da cidadania e consciência histórica2 2 Processo mental e lógico de apreensão da experiência humana na temporalidade, cujo conhecimento do passado articula-se com a composição de identidades, que fornecem chaves de inteligibilidade para o presente vivido e o futuro imaginado (Cf.: CERRI, 2011). brasileira. A análise está centrada nas Ordens do Dia publicadas pelo Ministério da Defesa no dia 31 de março, entre os anos de 2019 e 2022, buscando sustentar a hipótese de que determinados elementos evocados por suas narrativas estão intimamente conectados a preceitos difundidos nas comemorações do 31 de março que ocorreram no transcurso da própria ditadura militar, conectando por múltiplos fios passado e presente.

A concepção teórica adotada nesse artigo requer uma diferenciação entre o revisionismo e o negacionismo histórico. Para tanto, recorremos às contribuições de Pereira (2022PEREIRA, Matheus Henrique de Faria. Lembrança do presente: ensaios sobre a condição histórica na era da internet. Belo Horizonte: Autêntica, 2022.), que define as distinções e aproximações entre os conceitos de negação, revisionismo e negacionismo. Nas palavras do autor,

Negação: contestação da realidade, fato ou acontecimento que pode levar à dissimulação, à falsificação, à fantasia, à distorção e ao embaralhamento. Em geral, percebemos uma dissimulação e uma distorção da factualidade que ou procura negar o poder de veto das fontes, ou fabrica uma retórica com base em provas imaginárias e/ou discutíveis/ manipuladas. Revisionismo: interpretação livre que não nega necessariamente os fatos, mas que os instrumentaliza para justificar os combates políticos do presente, a fim de construir uma narrativa alternativa que, de algum modo, legitima certas dominações e violências. Negacionismo: radicalização da negação e/ou do revisionismo. Falsificação do fato (PEREIRA, 2022PEREIRA, Matheus Henrique de Faria. Lembrança do presente: ensaios sobre a condição histórica na era da internet. Belo Horizonte: Autêntica, 2022., p. 39-40).

No caso específico das narrativas sobre a ditadura militar brasileira, observa-se que a retórica revisionista vigora com predominância na maior parte dos textos produzidos, inclusive, no corpus documental que será analisado de forma privilegiada. Importa aqui, refletir sobre o processo de reelaboração e reinterpretação do passado ditatorial efetuado pelo governo Bolsonaro, cujos propósitos políticos não se encontram alinhados propriamente a uma espécie de “retorno” a ditadura, mas que buscam evocar esse passado com vistas a dar fundamento e legitimidade a novos projetos políticos de caráter autoritário (MOTTA, 2021MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Passados presentes: o golpe de 1964 e a ditadura militar. Rio de Janeiro: Zahar, 2021. , p. 14).

O debate inicia-se com uma contextualização sobre as comemorações do golpe de 1964 durante a ditadura militar brasileira, para evidenciar os dispositivos discursivos e simbólicos utilizados pelo poder governamental no transcorrer dos festejos. Na sequência, propõe-se uma discussão a respeito da formação da memória social sobre a ditadura militar brasileira e a ascensão do revisionismo histórico sobre o tema na contemporaneidade. A finalização do artigo adentra uma análise específica sobre as Ordens do Dia alusivas ao 31 de março, entre os anos de 2019 e 2022, com especial atenção para a mobilização de argumentos de caráter revisionista, buscando também problematizar a relação de continuidade que esses escritos estabelecem com as narrativas difundidas durante a própria ditadura militar brasileira.

Aniversários do golpe civil-militar de 1964 durante a ditadura militar brasileira: nacionalismo autoritário e a busca por legitimidade

As comemorações de datas e acontecimentos históricos considerados representativos para determinado grupo têm sido continuamente utilizadas como instrumentos de atuação política, congregando na sociabilidade festiva elementos capazes de criar e reforçar laços de identidade, assim como, oferecer uma releitura do passado a partir de uma representação específica, que toma como prerrogativa processos de seleção de memórias e promoção de esquecimentos. Assim como nos demais regimes políticos de Estado, a ditadura militar brasileira também se apropriou de ritos comemorativos, buscando, sobretudo, promover uma maior aproximação com a população civil e reforçar o discurso de legitimidade do governo golpista. Para a compreensão desses fenômenos, é necessário ter em mente o fato de que os regimes autoritários, independentemente de sua natureza específica, não conseguem manter-se no poder político utilizando somente recursos de caráter coercitivo - como a censura e a repressão -, mas necessitam também conquistar determinado grau de apoio social, no sentido de manter sua coesão e fundamentar sua legitimidade e permanência (Cf.: ROLLEMBERG; QUADRAT, 2010ROLLEMBERG, Denise; QUADRAT, Samantha Viz. Apresentação. In: ROLLEMBERG, Denise; QUADRAT, Samantha Viz (org.). A construção social dos regimes autoritários: legitimidade, consenso e consentimento no Século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. p. 11-32. , p. 11-32).

Após a deflagração do golpe civil-militar de 1964 e instauração da ditadura militar brasileira, o Estado autoritário investiu não apenas em um complexo e bem estruturado aparato repressivo, mas também em iniciativas visando construir espaços de legitimação e demonstração de apoio social. Nesse contexto, o 31 de março - data do golpe de Estado ou, como denominado na época, da “Revolução Democrática de 1964” - passou a representar um acontecimento simbólico vinculado à implementação de um suposto “novo” regime político nacional, fundamentado no clamor às Forças Armadas como “salvadoras” da pátria. Alinhadas com esses propósitos, as festividades alusivas ao 31 de março foram organizadas desde o primeiro aniversário da “efeméride”, em 1965, com a intenção de promover lembranças do acontecimento, que deveria ser divulgado amplamente como fato histórico responsável pela “eliminação” do comunismo no Brasil (FERREIRA, 2017FERREIRA, Cristina. Cinquenta anos do golpe civil-militar: ordem cívica e ilegalidade no início do governo ditatorial no Brasil (1964-1965). Passagens, Rio de Janeiro, v. 9, n. 2, p. 191-213, mai./ago. 2017., p. 209).

As programações festivas empreendidas no primeiro aniversário do golpe foram muito expressivas do desejo inicial de institucionalizar as comemorações, cujos preparativos iniciaram-se no início do mês de março, quando o presidente Castello Branco determinou a criação de uma Comissão Festiva, chefiada pelo Ministro Interino da Educação, Sr. Raimundo Muniz de Aragão (ANIVERSÁRIO...,1965ANIVERSÁRIO da Revolução será comemorado em todo o país. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, ano LXXIV, n. 55, 9 mar. 1965. Primeiro Caderno, p. 3., p. 3) e encarregada de preparar os festejos, que deveriam se estender por toda a semana do 31 de março. Na ocasião, a imprensa também especulava sobre a possibilidade de o governo tornar a data feriado nacional (REÚNE-SE..., 1965REÚNE-SE hoje comissão encarregada de comemorar aniversário da Revolução. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, ano LXXIV, n. 56, 10 mar. 1965. Primeiro Caderno, p. 11., p. 11). Como sabemos, essa hipótese não foi viabilizada e o golpe de 1964 não se tornou feriado nacional efetivamente, mas essa questão não impossibilitou a promoção de festividades cívicas alusivas ao acontecimento. Contudo, nos anos seguintes a 1965, as comemorações tiveram certa inconstância e não obedeceram a uma lógica comemorativa pré-estabelecida, variando muito em razão do contexto histórico vivenciado e sendo alvo constante de disputas no campo da memória.

Em 1968, por exemplo, as programações festivas foram empreendidas em um clima de tensão, mediante o cenário de radicalização da censura e repressão impostas pela ditadura aos movimentos sociais, sobretudo, a oposição estudantil. Com o recém assassinato do jovem Edson Luís Lima Souto, em 28 de março de 1968, as páginas da imprensa conferiram destaque aos inúmeros protestos estudantis organizados para acontecerem nos mesmos locais em que seriam realizados desfiles cívicos e militares alusivos à dita “Revolução”, fator que condicionou um reforço do policiamento (TEMORES..., 1968TEMORES agora são por festas da Revolução. Folha de S. Paulo, São Paulo, ano XLVIII, n. 14.168, 31 mar. 1968. Primeiro Caderno, p. 17., p. 17). O ano de 1970 representou um dos pontos altos das comemorações, talvez em virtude do clima de euforia nacional instalado pelo “milagre econômico”, contando com diversos desfiles cívicos, shows com artistas musicais e jogo amistoso da seleção brasileira no Maracanã para preparação para a Copa do Mundo (FESTA..., 1970FESTA da Revolução terá Elisete. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, ano LXXIX, n. 301, 29 e 30 mar. 1970. Primeiro Caderno, p. 7., p. 7). A partir dos anos 1980, mediante o contexto de distensão política e a perda gradual de apoio social à ditadura, as comemorações públicas tornaram-se cada vez mais diminutas, dando lugar a eventos mais restritos ao Círculo Militar (Cf.: CARVALHO; CATELA, 2002CARVALHO, Alessandra; CATELA, Ludmila da Silva. 31 de marzo de 1964 en Brasil: memorias deshilachadas. In: JELIN, Elisabeth (org.). Las conmemoraciones: las disputas en las fechas “in-felices”. Madri: Siglo XXI Editores, 2002. p. 195-244., p. 207-211).

De maneira geral, as comemorações alusivas ao golpe civil-militar de 1964 envolviam a promoção de cerimoniais públicos e eventos fechados, apresentando programações diversificadas, como palestras, alvoradas festivas, missas em ação de graças, leituras de Ordem do Dia e formatura de tropas, solenidades e jantares, inaugurações de obras públicas e desfiles cívico-patrióticos. Convém destacar também que as festividades congregavam a difusão de discursos de caráter elucidativo, que buscavam enaltecer o denominado “ideal revolucionário” e referenciar as supostas mudanças significativas ocasionadas pelo regime autoritário. Dentre as tônicas narrativas difundidas no período, constava a necessidade de reafirmar a legitimidade da ação golpista que culminou na implementação da ditadura militar, com ênfase para seu caráter popular e ação defensiva, da suposta salvaguarda da “democracia” e dos valores tradicionais cristãos (Cf.: ZIMMERMANN, 2020ZIMMERMANN, Ana Carolina. O golpe vira uma festa: o 31 de março de 1964 nos discursos e práticas cívico-patrióticas (1970-1971). 2020. TCC (Graduação em História) - Departamento de História e Geografia, Universidade Regional de Blumenau, Blumenau, 2020., p. 87). Ao passo que determinados acontecimentos históricos eram abordados sob um ponto de vista positivado, cobria-se arestas e omitiam-se aspectos como a violência e perseguição política, assim como, o caráter inconstitucional da tomada de poder.

A formação da memória histórica sobre a ditadura militar brasileira: batalhas em torno da reelaboração do passado

A construção da memória social sobre a ditadura militar brasileira tem sido alvo de disputas recorrentes desde o próprio transcurso do regime autoritário, somado aos impactos de uma transição democrática significativamente lenta e de caráter conciliador. As discussões historiográficas atuais definem dois momentos como particularmente representativos para observar as complexidades envoltas na elaboração da memória histórica sobre o período: 1) o processo de reabertura política e os desdobramentos da Lei da Anistia (1979); 2) a criação da Comissão Nacional da Verdade (CNV) e a divulgação de seu relatório final em 2014. Embora seja importante destacar que, no universo das pesquisas acadêmicas exista uma espécie de consenso historiográfico sobre o caráter ditatorial e autoritário do regime imposto a partir do golpe civil-militar de 1964, é possível observar que elementos de uma retórica revisionista sempre estiveram presentes no debate público. Indicativas dessas disputas de memória podem ser vislumbradas nas inúmeras manifestações políticas saudosistas sobre a ditadura militar brasileira, somadas ao fato de que, em determinados segmentos das Forças Armadas, o 31 de março nunca deixou de ser comemorado na condição de “Revolução”, mesmo em período posterior à ditadura militar brasileira (Cf.: CASTRO, 2012CASTRO, Celso. Exército e nação: estudos sobre a história do Exército brasileiro. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2012. ).

Por sua vez, o processo de reabertura política no Brasil e a lenta transição para a democracia não representaram uma ruptura significativa com as heranças autoritárias da ditadura e do próprio papel “intervencionista” atribuído às Forças Armadas na política nacional. Tal questão pode ser exemplificada mediante a pressão política exercida pelos militares no transcurso da elaboração da própria Constituição de 1988, que assegurou sua atuação implícita por meio das denominadas “prerrogativas militares”.

A despeito da ausência de culpabilização dos agentes envolvidos na perseguição, tortura e assassinato de opositores políticos, a Lei da Anistia, promulgada em 1979 - mesmo ano da revogação dos Atos Institucionais -, constitui-se um dos principais entraves no tocante à responsabilização judicial e reparação das vítimas da ditadura e seus familiares. Desde o período de elaboração da legislação, as entidades relacionadas à defesa de presos políticos e exilados reconheciam a necessidade de culpabilização dos agentes repressivos, fator que foi ignorado pelo poder governamental, que se encontrava alinhado com a ideia de “superação” dos crimes da ditadura mediante a anistia “ampla, geral e irrestrita” (Cf.: RODEGHERO, 2014RODEGHERO, Carla Simone. A Anistia de 1979 e seus significados, ontem e hoje. In: REIS FILHO, Daniel;RIDENTI,Marcelo;MOTTA, Rodrigo Patto Sá (org.). A ditadura que mudou o Brasil: 50 anos do golpe de 1964. Rio de Janeiro: Zahar , 2014. p. 172-185. ). O processo de reelaboração do passado se deu a partir do ocultamento de documentos históricos que comprovavam as ações de perseguição e assassinato de opositores políticos, combinada à elaboração de uma política de memória voltada ao esquecimento.

Ao anistiar amplamente tanto vítimas, quanto os agentes da repressão, a Lei da Anistia colaborou para dar vasão a uma interpretação do passado que diz respeito à uma versão abrasileirada da “teoria dos dois demônios”, que teve sua origem na Argentina, buscando justificar “a violência política a partir da radicalização dos atores em detrimento da estabilidade institucional e da negociação dos conflitos” (NAPOLITANO, 2015NAPOLITANO, Marcos. Recordar é vencer: as dinâmicas e vicissitudes da construção da memória sobre o regime militar brasileiro. Antíteses, Londrina, v. 8, n. 15, p. 9-44, nov., 2015. , p. 34). Essa perspectiva busca respaldar a ideia de que a repressão política ditatorial foi empreendida proporcionalmente à luta armada, estando supostamente condicionada ao avanço das guerrilhas urbanas e rurais. Segundo Adorno, a narrativa revisionista alimenta-se desse tipo de comparação como forma de justificativa do autoritarismo, “argumentando que fatos dessa gravidade só poderiam ter ocorrido porque as vítimas deram motivos quaisquer para tanto” (ADORNO, 1995ADORNO, Theodor Ludwig Wiesengrund. Educação e emancipação. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 1995., p. 31).

A equiparação entre as ações da luta armada e a repressão governamental (que foi desmedidamente desproporcional e extremamente violenta), contribui para a formulação de um falso debate, na tentativa de constituir uma certa equivalência entre essas ações e esvaziar a história de sua dimensão conflitiva. Não deixando de reconhecer que “o formato da transição resultou dos conflitos e jogos de acomodação que envolveram segmentos dos dois lados” (MOTTA, 2021MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Passados presentes: o golpe de 1964 e a ditadura militar. Rio de Janeiro: Zahar, 2021. , p. 274), o que importa aqui é compreender a Lei da Anistia como iniciativa integrada às estratégias elaboradas pelos militares na tentativa de evitar punições às suas ações - e que representa, ainda hoje, um dos principais vetores de atravancamento de processos judiciais envolvendo perseguidos, mortos e desaparecidos políticos -, assim como, promover o esquecimento do caráter autoritário da ditadura a partir de uma equiparação esdrúxula com as ações da luta armada.

Paralelamente, a memória histórica difundida pela sociedade também não encarou a ditadura abertamente, mantendo-se sintonizada às “aspirações majoritárias ao apaziguamento e à conciliação” (REIS, 2014REIS FILHO, Daniel Aarão. Ditadura e democracia no Brasil: do golpe de 1964 à Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Zahar , 2014., p. 9). Esse movimento deu origem à uma interpretação da realidade histórica que colocava as Forças Armadas e a população civil em pólos opostos, fortalecendo a ideia de que a sociedade apenas suportou o regime ditatorial por falta de alternativas, buscando de alguma forma eximir e isentar seu papel na manutenção do autoritarismo. Ao “demonizar” a ditadura e celebrar os supostos novos rumos democráticos do país, a sociedade civil contribuiu com o projeto arquitetado para lançar uma “pedra de esquecimento” sobre o regime ditatorial, não enfrentando de forma real e direta seus legados. Essas formas de ver e representar o passado da ditadura militar se cristalizaram e corroboraram para tornar cada vez mais remota a possibilidade de responsabilização militar ou de justiça às vítimas do regime autoritário, iniciativas essas as quais são caracterizadas ainda hoje pelos algozes como tentativas de “revanchismo” por parte dos setores da esquerda. Assim,

O processo de normalização da sociedade e da política brasileira tem sido marcado pela interdição do passado, seja na longa duração do processo, em que o tempo adquire uma dimensão inerte que em si mesma produz o esquecimento, seja no aspecto de imposição do esquecimento, através da Lei de Anistia, cuja consequência foi a neutralização moral do passado (BAUER, 2019BAUER, Caroline Silveira. La dictadura cívico-militar brasileña en los discursos de Jair Bolsonaro: usos del pasado y negacionismo. Relaciones Internacionales, Madri, v. 28, n. 57, p. 37-51, 2019., p. 40).

Conforme salientado anteriormente, as narrativas de teor revisionista sobre a ditadura militar começaram a se proliferar desde o imediato à transição democrática, sobretudo, a partir de escritos memorialísticos de militares saudosistas ao regime. Contudo, é necessário frisar que as narrativas revisionistas sobre o período ditatorial não se limitam ao universo literário, constituindo uma rede de interlocução propulsora de sociabilidades. Destaco aqui organizações e projetos evidenciados por João Teófilo Silva, a exemplo da criação do grupo Ternuma (Terrorismo Nunca Mais), organização não-institucional que busca resguardar “a memória do golpe de 1964 como uma revolução redentora que teria livrado o Brasil da ditadura comunista que grupos terroristas pretendiam implantar” (SILVA, 2019SILVA, João Teófilo. As Forças Armadas brasileiras e as heranças da ditadura militar de 1964: cultura política de direita e tentativa de interdição do passado (1995-2014). In:BOHOSLAVSKY,Ernesto;MOTTA, Rodrigo Patto Sá; BOISARD, Stéphane (org.). Pensar as direitas na América Latina. São Paulo: Alameda, 2019. p. 99-120. , p. 105), e que possui site próprio além de páginas nas redes sociais. Além do Projeto de História Oral organizado pelo Exército, que resultou na publicação 1964 - 31 de março: o movimento revolucionário e sua história, composto por 15 volumes de depoimentos de militares envolvidos no regime ditatorial. Interessante observar que o discurso difundido por essas publicações e entidades vai de encontro com o argumento defendido por Bauer (2019BAUER, Caroline Silveira. La dictadura cívico-militar brasileña en los discursos de Jair Bolsonaro: usos del pasado y negacionismo. Relaciones Internacionales, Madri, v. 28, n. 57, p. 37-51, 2019.) e sustentado nesse texto, de que as narrativas revisionistas sobre a ditadura militar brasileira não se empenham em negar o regime, mas a justificar sua existência e permanência.

No âmbito da denominada Nova República, a crise institucional e política iniciada nos anos de 2010 é tomada como ponto de inflexão para explicar a ascensão de narrativas revisionistas na esfera pública, por sua vez, deliberadamente articuladas a determinados projetos políticos vinculados aos setores da extrema direita. Especialmente importante foi a criação e atuação da Comissão Nacional da Verdade (CNV), responsável por acirrar ainda mais as batalhas de memória entre combatentes e saudosistas da ditadura militar brasileira, cujos usos do passado estavam intimamente implicados nas disputas políticas em voga. A publicação dos relatórios da CNV, em 2014, e das demais comissões estaduais e regionais, impulsionou a reflexão por parte dos historiadores e da comunidade acadêmica a respeito da impunidade dos agentes repressivos, protegidos mediante a permanência da anistia irrestrita, além da ausência de culpabilização pública das Forças Armadas. Em seu relatório final a CNV propôs, dentre outras coisas, uma visão crítica à justiça de transição e evidenciou a necessidade de revisão da Lei da Anistia, fazendo distinção clara entre vítimas e algozes. A resposta geral dos militares também foi sintomática do impacto causado pela atuação da CNV, tais como a não colaboração com as investigações sob o pretexto de ausência de “provas” e a elaboração de documentos acusatórios do caráter “revanchista” que a comissão desempenhara (SILVA, 2019SILVA, João Teófilo. As Forças Armadas brasileiras e as heranças da ditadura militar de 1964: cultura política de direita e tentativa de interdição do passado (1995-2014). In:BOHOSLAVSKY,Ernesto;MOTTA, Rodrigo Patto Sá; BOISARD, Stéphane (org.). Pensar as direitas na América Latina. São Paulo: Alameda, 2019. p. 99-120. , p. 109).

Somado a isso, o advento da internet modificou significativamente a dinâmica relacionada ao status dos historiadores como profissionais detentores do capital intelectual “legítimo”, fator que remete à reflexão sobre as formas de disseminação do conhecimento histórico e de combate ao revisionismo (MALERBA, 2017MALERBA, Jurandir. Os historiadores e seus públicos: desafios ao conhecimento histórico na era digital. Revista Brasileira de História, Rio de Janeiro, v. 37, n. 74, p. 135-154, 2017., p. 144). Após a crise de 2013 e 2014, que culminou no golpe que depôs a presidenta Dilma Rousseff, a ditadura militar manteve-se um assunto “quente”, ecoando nos discursos tanto da direita, quanto da esquerda. As eleições presidenciais de 2018 foram marcadas pelas disputas de memória em torno da temática, sobretudo, mediante os usos políticos desse passado efetuados pelo candidato Jair Bolsonaro, que foi eleito presidente da República no segundo turno, com cerca de 55,13% dos votos válidos contabilizados (MÁXIMO, 2018MÁXIMO, Wellton et al. Com 100% das urnas apuradas, Bolsonaro obteve 57,7 milhões de votos. Agência Brasil, 28, out., 2018. Disponível em: https://bit.ly/3nANet3 . Acesso em: 23 jun. 2022.
https://bit.ly/3nANet3...
).

Através da denominada “retórica da brincadeira”, o ex-presidente Jair Bolsonaro testou continuamente os limites democráticos durante seu mandato e inclusive nas eleições presidenciais realizadas em 2022. Esse recurso “consiste amiúde em se lançar mão de um argumento que encobre o caráter antidemocrático e reacionário de outro com um véu de ludicidade, normalmente a posteriori, a fim de se eximir de responsabilidade pelos efeitos provocados por tal declaração” (CHAGAS, 2021CHAGAS, Viktor. Meu malvado favorito: os memes bolsonaristas de WhatsApp e os acontecimentos políticos no Brasil. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 34, p. 169-196, 2021., p. 177). Seu governo foi marcado, dentre outros elementos, pelo regresso dos militares à uma atuação política direta nos cargos de comando e pelas tentativas diversas de interdição e revisão do passado ditatorial, tanto em suas declarações públicas, quanto em propostas governamentais, tais como o remodelamento de livros didáticos (MOTTA, 2021MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Passados presentes: o golpe de 1964 e a ditadura militar. Rio de Janeiro: Zahar, 2021. , p. 12). Ademais, é necessário frisar que o ex-presidente mantém uma postura negacionista e revisionista em diversos âmbitos, como no caso da crise ambiental e sanitária derivada da pandemia de COVID-19.

Mediante os propósitos deste artigo, convém destacar as singularidades presentes nas formas de disseminação do revisionismo histórico a respeito da ditadura militar brasileira efetuadas pelo governo Bolsonaro. Dentre as características já mencionadas brevemente, Bolsonaro não nega a existência da perseguição a opositores políticos, mas encara-a de forma extremamente positiva e benéfica, utilizando-se do argumento de que as Forças Armadas estariam supostamente lutando para evitar uma ditadura “comunista” no Brasil. Observa-se também o tom saudosista e nostálgico na forma como o ex-presidente rememora o passado ditatorial, caracterizado como um período “áureo” da história nacional, marcado pela ausência de conflitos e de corrupção. Diversas iniciativas e pronunciamentos governamentais expressaram com clareza as aspirações antidemocráticas do bolsonarismo, mas creio que uma das mais sintomáticas foi apresentada por Ariel Cherxes Batista (2021BATISTA, Ariel Cherxes. O revisionismo utilizado como política de governo pelo bolsonarismo. Cadernos de Pesquisa do CDHIS, Uberlândia, v. 34, n. 2, p. 128-155, jul./dez. 2021.), e que constituiu na reformulação da chamada Comissão Nacional da Anistia. A pasta em questão, chefiada pela ministra Damares Alves (da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos), recebeu ordens expressas para negar todos os pedidos de reparação de vítimas anistiadas, somando um total de 85% dos 2717 pedidos em 2019.

Nos anos subsequentes ao seu governo, houve anulação de cerca de 300 anistias pela ministra, além de mudanças na configuração dos integrantes da Comissão. Talvez uma das iniciativas mais representativas resida no fato de que, alguns dos integrantes da citada Comissão, passaram a se referir aos ex-militantes como “terroristas”. Particularmente, gestos discursivos dessa natureza buscam impactar a sociedade politicamente, movimento esse que “condiciona a uma visão alternativa e maniqueísta da história” (BATISTA, 2021BATISTA, Ariel Cherxes. O revisionismo utilizado como política de governo pelo bolsonarismo. Cadernos de Pesquisa do CDHIS, Uberlândia, v. 34, n. 2, p. 128-155, jul./dez. 2021., p. 151), tão característica de revisionismos. Portanto, é possível perceber que o revisionismo histórico difundido pelo bolsonarismo alimenta-se de distorções da realidade histórica, cujo propósito consiste em oferecer uma versão alternativa, que se contrapõe aos conhecimentos acadêmicos convencionados pela comunidade de historiadores especialistas no tema.

Para concluir, convém destacar que o processo de reelaboração do passado a respeito da ditadura militar brasileira perpassa diversas “batalhas de memória”, envoltas em “uma multiplicidade de memórias fragmentadas e internamente divididas, todas, de uma forma ou de outra, ideológica e culturalmente mediadas” (PORTELLI, 2006PORTELLI, Alessandro. O massacre de Civitella Val di Chiana (Toscana, 29 de junho de 1944): mito e política, luto e senso comum. In: AMADO, Janaina; FERREIRA, Marieta de Moraes (coord.). Usos & abusos da história oral. Rio de Janeiro: Ed. FGV , 2006. p. 103-130., p. 106). Nesse cenário, o revisionismo surge como um elemento articulado às disputas pela história e pela memória do período ditatorial, que se estendem nos últimos quarenta anos e mantêm-se muito vívidas na contemporaneidade. Na sequência, adentramos na análise específica sobre as Ordens do Dia divulgadas nas comemorações do 31 de março durante o governo Bolsonaro, entre os anos de 2019 e 2022, buscando apresentar os principais elementos de caráter revisionista presentes nesses textos, bem como, sua articulação com o passado ditatorial.

As “comemorações” do 31 de março durante o governo Bolsonaro: permanências autoritárias e o esquecimento como política de Estado

As denominadas Ordens do Dia pertencem ao universo das Forças Armadas e configuram-se notas comemorativas/rememorativas a respeito de acontecimentos históricos considerados representativos para a História do Brasil e para a instituição militar. Trata-se de memorandos cuja circulação é majoritariamente veiculada nos batalhões e quartéis, mas que podem ser facilmente localizados no site do Exército Brasileiro e do Ministério da Defesa, sendo em muitos casos também veiculados pela imprensa. Importante salientar que mesmo em 2017, no período anterior ao governo Bolsonaro, a 9ª Região militar, localizada em Campo Grande (MS), organizou palestras a respeito da denominada “Revolução Democrática de 31 de março de 1964”, em que foram abordados temas relacionados ao “movimento que objetivou, acima de tudo, evitar que o Brasil fosse entregue nas mãos dos comunistas” (REVOLUÇÃO..., 2017REVOLUÇÃO Democrática de 31 de Março de 1964. Exército Brasileiro, Campo Grande, 10, abr., 2017. Disponível em: https://bit.ly/3R5CRuS . Acesso em: 3 jul. 2022.
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, n. p.). Contudo, como já mencionado, o objeto de discussão deste artigo está centrado na análise específica das Ordens do Dia veiculadas durante o governo Bolsonaro, entre os anos de 2019 e 2022.

A Ordem do Dia de 2019 foi localizada no site do Exército Brasileiro e pode ser baixada em formato PDF, cujo arquivo digital possui adornos nas cores da bandeira nacional, que por sua vez aparece em segundo plano, em uma espécie de cabeçalho de cada uma das páginas. O documento de duas laudas foi assinado pelo Ministro de Estado da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, além dos comandantes dos três poderes das Forças Armadas: Almirante Ilques Barbosa Júnior (Marinha); Comandante Gen. Ex. Edson Leal Pujol (Exército); Ten. Brig. Ar. Antonio C. M. Bermudez (Aeronáutica). A polêmica Ordem do Dia de 2020, assinada pelos mesmos representantes, pode ser encontrada no site do Ministério da Defesa, em formato digital, assim como a Ordem do Dia de 2021, de autoria do Ministro de Estado da Defesa, Walter Souza Braga Netto. A mais recente Ordem do Dia, publicada em 30 de março de 2022, também está disponível na página institucional do Ministério da Defesa, assinada pelo Ministro Braga Netto e pelos comandantes das Forças Armadas: Almirante Almir Garnier Santos (Marinha); Gen. Ex. Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira (Exército); Tem. Brig. Ar. Carlos de Almeida Baptista Junior (Aeronáutica). A intenção é analisar articuladamente o conjunto das Ordens do Dia, buscando identificar elementos vinculados à argumentação revisionista acerca da ditadura militar brasileira e atentando para as continuidades narrativas estabelecidas entre passado e presente. Para realizar os objetivos propostos e fundamentar um exercício comparativo, utilizarei também os discursos comemorativos proferidos nas comemorações do 31 de março durante a própria ditadura militar, divulgados pela imprensa de grande circulação nacional no transcorrer dos festejos.

O primeiro elemento argumentativo identificado nas Ordens do Dia está diretamente atrelado à composição do revisionismo histórico acerca da ditadura militar brasileira e consiste na estratégia de negação do caráter golpista e inconstitucional da tomada de poder em 1964, a partir da afirmação de que a insurreição se tratava de um desejo “majoritário” do povo brasileiro, cabendo às Forças Armadas assumir o papel de representantes dos “interesses” nacionais. Segundo a narrativa das Ordens do Dia, mediante uma crise política instalada no Brasil na década de 1960, “as Forças Armadas, atendendo ao clamor da ampla maioria da população e da imprensa brasileira, assumiram o papel de estabilização daquele processo” (BRASIL, 2019BRASIL. Ministério da Defesa . Ordem do Dia Alusiva ao 31 de Março de 1964. Brasília, 31 mar. 2019. Disponível em: https://bit.ly/3NASPtP . Acesso em: 18 jan. 2022.
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, p. 2). Por sua vez, os cidadãos brasileiros “perceberam a emergência e se movimentaram nas ruas”, contando com o apoio “de diversos setores da sociedade organizada e das Forças Armadas, interrompendo a escalada conflitiva, resultando no chamado movimento de 31 de março de 1964” (BRASIL, 2021BRASIL. Ministério da Defesa . Ordem do Dia Alusiva ao 31 de Março de 1964. Brasília, 31 mar. 2021. Disponível em: https://bit.ly/3OKvl72 . Acesso em: 18 jan. 2022.
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, n. p.). Na dita ocasião,

as famílias, as igrejas, os empresários, os políticos, a imprensa, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), as Forças Armadas e a sociedade em geral aliaram-se, reagiram e mobilizaram-se nas ruas, para restabelecer a ordem e para impedir que um regime totalitário fosse implantado no Brasil, por grupos que propagavam promessas falaciosas, que, depois, fracassou em várias partes do mundo. Tudo isso pode ser comprovado pelos registros dos principais veículos de comunicação do período (BRASIL, 2022BRASIL. Ministério da Defesa . Ordem do Dia Alusiva ao 31 de Março de 1964. Brasília, 31 mar. 2022. Disponível em: https://bit.ly/3nzHXlp . Acesso em: 1 abr. 2022.
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, n. p.).

A estratégia de listagem dos principais grupos sociais envolvidos na articulação golpista não constitui uma casualidade, mas busca respaldar sua representatividade popular, acompanhada de uma menção à possibilidade de comprovação desse mesmo apoio a partir de “registros dos principais veículos de comunicação”. A Ordem do Dia em questão evoca a presença de documentos e fontes históricas da imprensa para atestar a veracidade do apoio popular ao golpe, com a prerrogativa de validação do argumento de que as Forças Armadas foram conclamadas a irromper uma escalada golpista em prol dos interesses dos cidadãos brasileiros. Interessante observar que nas comemorações do golpe durante a ditadura militar brasileira, as autoridades políticas civis e militares já se esforçavam para destacar que “atendendo a um crescente anseio popular” as Forças Armadas brasileiras haviam sido “chamadas a intervir para reconduzir a Nação ao caminho natural de nossa formação cristã” (A META..., 1970A META da marinha é a valorização do homem. Folha de S. Paulo, São Paulo, ano LXIX, n. 14.898, 31 mar. 1970. Primeiro Caderno, p. 6., p. 6).

Significativamente, as narrativas do passado e do presente são extraordinariamente semelhantes e evidenciam o apelo constituído em torno do caráter “popular” da ação golpista. Esse argumento é fundamentado na ideia de que, se “a maioria” da população desejava a deposição do presidente eleito, João Goulart, era necessário fazê-lo, mesmo contrariando todos os dispositivos democráticos assegurados na Constituição de 1946. Em termos simplistas, a lógica se estabelece da seguinte maneira: se o “povo” apoiava e queria a derrubada de Goulart, tal feito não pode ser considerado um “golpe” de Estado, por representar a vontade majoritária da nação. Contudo, o ponto que gostaria de frisar não consiste na negação do apoio dos setores da sociedade civil ao golpe civil-militar de 1964, mas o fato de que o discurso revisionista se apropria desse pressuposto para legitimar as ações inconstitucionais e reabilitar a ditadura militar como uma forma política aceitável de governo. Esse movimento se dá mediante a ênfase no apoio popular que o regime autoritário possuía e pela ausência de menção a fatores muito relevantes, como no caso da perda gradual de apoio ao longo dos 21 anos de ditadura, ou mesmo o fato de que em período muito próximo à deflagração do golpe pesquisas de opinião demonstravam uma posição popular favorável à João Goulart, desde que o presidente se mantivesse afastado de posturas consideradas “radicais” (Cf.: MOTTA, 2014MOTTA, Rodrigo Patto Sá. O golpe de 1964 e a ditadura nas pesquisas de opinião. Revista Tempo, Rio de Janeiro, v. 20, p. 1-21, 2014. ).

Essas indicativas nos possibilitam, ainda, problematizar as noções de “povo” e “popular” que são empregadas pelas Ordens do Dia. É convencionado pela historiografia dedicada ao tema que o golpe civil-militar de 1964 foi articulado e deflagrado em prol de bandeiras defendidas pela direita conservadora e anticomunista, buscando defender a “democracia ocidental e cristã”, a partir da retórica de restauração dos valores tradicionais, morais e cristãos da sociedade brasileira e da preservação da unidade familiar e da propriedade privada. Portanto, o apoio “popular” mencionado pelas Ordens do Dia estaria sintonizado com esses interesses, representativos de uma classe média e empresarial, branca e heteronormativa, pautada no arquétipo do denominado “cidadão de bem”, termo que ainda é recorrentemente evocado pelos discursos políticos de direita na contemporaneidade.

Ademais, é sintomático que todas as Ordens do Dia alcunhem o evento como “movimento” de março de 1964, não caracterizando-o em nenhuma ocasião como um golpe de Estado, golpe militar ou golpe civil-militar, conceitos estes amplamente discutidos e empregados pela historiografia especializada. A respeito disso, a Ordem do Dia de 2019 assegurou que o “movimento” de 31 de março de 1964 deu “ensejo ao cumprimento da Constituição Federal de 1946, quando o Congresso Nacional, em 2 de abril, declarou a vacância do cargo de Presidente da República e realizou, no dia 11, a eleição indireta do Presidente Castello Branco, que tomou posse no dia 15” (BRASIL, 2019BRASIL. Ministério da Defesa . Ordem do Dia Alusiva ao 31 de Março de 1964. Brasília, 31 mar. 2019. Disponível em: https://bit.ly/3NASPtP . Acesso em: 18 jan. 2022.
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, p. 1). Esse mesmo recurso narrativo foi utilizado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro em 2020, quando afirmou em suas redes sociais que 1964 não poderia ser considerado um golpe mediante o fato de que Castello Branco havia sido eleito pelo Congresso (SOARES, 2020SOARES, Ingrid. Bolsonaro diz que não houve golpe militar em 1964: Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou que que o Marechal Castelo Branco foi eleito de acordo com a Constituição. Correio Braziliense, 31, mar., 2020. Disponível em: https://bit.ly/3ykIWeu . Acesso em: 18 jan. 2022.
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). Contudo, essa linha de raciocínio pode ser facilmente combatida pela historiografia, considerando, por exemplo, que a ação de declaração da vacância da presidência ocorreu quando João Goulart ainda se encontrava em território brasileiro. Poderíamos estender a argumentação recorrendo a extensa bibliografia sobre o tema, mas o que interessa aqui é evidenciar que um dos recursos mobilizados pela narrativa revisionista sobre a ditadura e presente nas Ordens do Dia, encontra heranças na própria forma como os militares descreviam o golpe de 1964 desde o período da ditadura, pautados na ênfase ao apelo popular que supostamente motivou ação inconstitucional, de modo a escamotear seu caráter golpista.

A narrativa das Ordens do Dia busca também contextualizar o golpe civil-militar de 1964, recorrendo a uma espécie de historicização sobre a atuação das Forças Armadas na “proteção” do país, a partir de uma concepção evolucionista e linear da história. O ponto de clivagem encontra-se nos confrontos mundiais do século XX e na Intentona Comunista (1935), com destaque para a suposta contenção do “avanço de ideologias totalitárias que passaram a constituir ameaças à democracia e à liberdade” (BRASIL, 2022BRASIL. Ministério da Defesa . Ordem do Dia Alusiva ao 31 de Março de 1964. Brasília, 31 mar. 2022. Disponível em: https://bit.ly/3nzHXlp . Acesso em: 1 abr. 2022.
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, n. p.), sendo o nazifascismo e o comunismo considerados “faces de uma mesma moeda” (BRASIL, 2019BRASIL. Ministério da Defesa . Ordem do Dia Alusiva ao 31 de Março de 1964. Brasília, 31 mar. 2019. Disponível em: https://bit.ly/3NASPtP . Acesso em: 18 jan. 2022.
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, p. 1). Para além da equiparação problemática entre nazifascismo e comunismo, as Ordens do Dia prosseguem afirmando que “ao fim da Segunda Guerra Mundial, o mundo, contando com a significativa participação do Brasil, havia derrotado o nazifascismo” (BRASIL, 2021BRASIL. Ministério da Defesa . Ordem do Dia Alusiva ao 31 de Março de 1964. Brasília, 31 mar. 2021. Disponível em: https://bit.ly/3OKvl72 . Acesso em: 18 jan. 2022.
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, n. p.). Contudo, “enquanto a humanidade tratava os traumas do pós-guerra, outras ameaças buscavam espaços para, novamente, impor regimes totalitários” (BRASIL, 2020BRASIL. Ministério da Defesa . Ordem do Dia Alusiva ao 31 de Março de 1964. Brasília, 31 mar. 2020. Disponível em: https://bit.ly/3NzqTXq . Acesso em: 18 jan. 2022.
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, n. p.), em uma clara alusão ao comunismo.

O contexto nacional é descrito como conflituoso e permeado por “ingredientes utópicos [que] embalavam sonhos com promessas de igualdades fáceis e liberdades mágicas, engodos que atraíam até os bem-intencionados. [...] As instabilidades e os conflitos recrudesciam e se disseminavam sem controle” (BRASIL, 2020BRASIL. Ministério da Defesa . Ordem do Dia Alusiva ao 31 de Março de 1964. Brasília, 31 mar. 2020. Disponível em: https://bit.ly/3NzqTXq . Acesso em: 18 jan. 2022.
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, n. p.). Portanto, é possível perceber que a retórica anticomunista ganha uma dimensão significativa para a elaboração das justificativas em torno do golpe e da ditadura militar brasileira. Segundo Pereira,

A estrutura temporal da negação e, em alguma medida, do revisionismo está assentada numa concepção fatalista, determinista e homogênea do tempo histórico. Uma determinada concepção de tempo homogênea tende a afirmar que o Golpe de 1964 só existiu porque não havia outra alternativa; ele foi inevitável. Se não fosse o Golpe, teria havido um golpe e uma ditadura comunista. Os militares salvaram o Brasil dos terroristas e comunistas, pois agiram antes (PEREIRA, 2022PEREIRA, Matheus Henrique de Faria. Lembrança do presente: ensaios sobre a condição histórica na era da internet. Belo Horizonte: Autêntica, 2022., p. 42-43).

Indicativo da permanência da retórica anticomunista pode ser vislumbrada também no discurso de posse do ex-presidente Jair Bolsonaro, consagrando uma de suas mais famosas frases: “nossa bandeira jamais será vermelha” (FERNANDES et al., 2019FERNANDES, Maria Cristina et al. ‘Nossa bandeira jamais será vermelha’, afirma Bolsonaro na posse. Valor, 1, jan., 2019. Disponível em: http://glo.bo/3OFq0hl . Acesso em: 18 jan. 2022.
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). A mesma tônica esteve presente na década de 1970, quando o vice-almirante Sylvio de Magalhães Figueiredo, comandante do 6º Distrito Naval de São Paulo, afirmava em discurso comemorativo que a dita “Revolução” de 31 de março, “garantiu, garante e garantirá que a Bandeira Brasileira permanecerá a mesma [...] nossas cores continuam e continuarão a ser o verde, amarelo, azul e branco, sem qualquer tonalidade [...] de esquerda dentro das nuances do vermelho” (A META..., 1970A META da marinha é a valorização do homem. Folha de S. Paulo, São Paulo, ano LXIX, n. 14.898, 31 mar. 1970. Primeiro Caderno, p. 6., p. 6). Portanto, ao impedir a “dominação de esquerda” no Brasil, a ditadura militar supostamente teria garantido a integridade e preservação das características inerentes ao país, tal como a própria composição da bandeira nacional. Entre passado e presente, as referências à “ameaça comunista” são perpetuadas e revigoradas, visando destacar a necessidade de manutenção de uma postura continuadamente vigilante da população e do poder governamental frente ao risco de suposta “comunização” do país.

As Ordens do Dia mencionam que “a polarização provocada pela Guerra Fria, entre as democracias e o bloco comunista, afetou todas as regiões do globo” (BRASIL, 2019BRASIL. Ministério da Defesa . Ordem do Dia Alusiva ao 31 de Março de 1964. Brasília, 31 mar. 2019. Disponível em: https://bit.ly/3NASPtP . Acesso em: 18 jan. 2022.
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, p. 1), incluindo o Brasil. Esse trecho torna-se bastante representativo, pois aqui observa-se que a polarização era supostamente entre as “democracias” e o “bloco comunista”, ou seja, existe uma equivalência entre o termo democracia e o sistema capitalista. Para compreensão dessa concepção precisamos novamente voltar nossa atenção para o contexto de articulação do golpe civil-militar de 1964, momento em que a direita nacionalista se apropriou de princípios políticos regidos por seu alinhamento geopolítico com os Estados Unidos, no contexto da Guerra Fria. A partir de uma leitura primorosa das contribuições de Jennifer Miller, a historiadora Janaína Cordeiro demonstrou que a ampla utilização da ideia de democracia pelos grupos golpistas e apoiadores do regime não constituiu mero recurso narrativo, mas foi forjado e instrumentalizado “no âmbito do imaginário de disputas bipolarizadas” (CORDEIRO, 2021CORDEIRO, Janaína Martins. A Marcha da Família com Deus pela Liberdade em São Paulo: direitas, participação política e golpe no Brasil, 1964. Revista de História, São Paulo, n. 180, p. 1-19, 2021. , p. 14-15), configuradas a partir de uma suposta luta entre as “democracias ocidentais” e o “comunismo”.

Por extensão, o argumento de que os militares brasileiros “salvaram” a democracia brasileira do “comunismo” ou, em suas palavras, de que o “povo brasileiro teve que defender a democracia com seus cidadãos fardados” (BRASIL, 2019BRASIL. Ministério da Defesa . Ordem do Dia Alusiva ao 31 de Março de 1964. Brasília, 31 mar. 2019. Disponível em: https://bit.ly/3NASPtP . Acesso em: 18 jan. 2022.
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, p. 1), é amplamente revisitado pelas Ordens do Dia, fato que pode ser consubstanciado na polêmica afirmação de que “o Movimento de 1964 é um marco para a democracia brasileira” (BRASIL, 2020BRASIL. Ministério da Defesa . Ordem do Dia Alusiva ao 31 de Março de 1964. Brasília, 31 mar. 2020. Disponível em: https://bit.ly/3NzqTXq . Acesso em: 18 jan. 2022.
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, n. p.). Interessante observar como essa tópica foi constituída desde a articulação golpista e foi amplamente divulgada durante a ditadura militar brasileira, encontrando ressonância até mesmo no contexto de declínio do próprio regime autoritário. Na ocasião do vigésimo aniversário do golpe civil-militar de 1964, em meio à diversas notícias e colunas de caráter denunciativo, destoava a Ordem do Dia proferida pelo Ministro do Exército, o general Walter Pires, que criticava as movimentações populares reivindicativas das eleições diretas, reiterando “os ideais da Revolução Democrática de 31 de março de 1964, [que] provém de nossas próprias origens históricas, por seu conteúdo cristão e democrático” (CLICHÊS...,1984 CLICHÊS políticos se renovam. Folha de S. Paulo, São Paulo , ano LXIV, n. 20.086, 31 mar. 1984. Primeiro Caderno, p. 6., p. 6).

Portanto, é possível perceber que a lógica empregada pelas Ordens do Dia veiculadas durante o governo Bolsonaro encontra-se alinhada com princípios anticomunistas configurados e perpetuados desde 1964, buscando imprimir a noção de que o golpe era algo necessário e inevitável. Para tanto, a narrativa das Ordens faz uma utilização genérica e dicotômica do conceito de democracia, esvaziando-o de seu sentido político e colocando-o na condição de mera referência de oposição ao “comunismo”. Além disso, tanto a ênfase dada ao caráter “popular” do golpe, quanto a retórica anticomunista (consubstanciada pela lógica binária e o ideal de “salvaguarda” da democracia), encontram-se sintonizadas com a busca por legalidade, questão expressa durante a ditadura militar brasileira e que se tornou um dos fatores de singularidade em relação à suas congêneres do Cone Sul. Na contemporaneidade, os anseios por tornar a ditadura militar um projeto político aceitável perpassam por mascarar e negar o caráter golpista da ação inconstitucional, cuja ação é justificada em razão de conflitos imbricados ao contexto nacional e mundial.

Além de explicar as razões que motivaram a tomada de poder no golpe civil-militar de 31 de março de 1964, as Ordens do Dia buscam caracterizar os anos de ditadura militar no Brasil, definindo-os como o momento em que “a sociedade brasileira conduziu um período de estabilização, de segurança, de crescimento econômico e de amadurecimento político, que resultou no restabelecimento da paz no País, no fortalecimento da democracia” (BRASIL, 2022BRASIL. Ministério da Defesa . Ordem do Dia Alusiva ao 31 de Março de 1964. Brasília, 31 mar. 2022. Disponível em: https://bit.ly/3nzHXlp . Acesso em: 1 abr. 2022.
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, n. p.). A partir de uma visão claramente positivada e idealizada do passado ditatorial, os anos do regime militar são descritos como

um período em que o Brasil estava pronto para transformar em prosperidade o seu potencial de riquezas. Faltava a inspiração e um sentido de futuro. Esse caminho foi indicado. Os brasileiros escolheram. Entregaram-se à construção do seu País e passaram a aproveitar as oportunidades que eles mesmos criavam. O Brasil cresceu até alcançar a posição de oitava economia do mundo (BRASIL, 2020BRASIL. Ministério da Defesa . Ordem do Dia Alusiva ao 31 de Março de 1964. Brasília, 31 mar. 2020. Disponível em: https://bit.ly/3NzqTXq . Acesso em: 18 jan. 2022.
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, n. p.).

Aqui podemos observar uma clara alusão ao denominado “milagre econômico”, experiência vivida durante a ditadura militar entre os anos de 1968 e 1973, e aqui compreendida como um fenômeno que ultrapassou a dimensão econômica e que se estendeu à esfera social e cultural. As narrativas das Ordens do Dia encontram-se fortemente atreladas à retórica desenvolvimentista propagada durante a ditadura militar brasileira, que enfatizava as potencialidades nacionais e o desejo de construção do “Brasil Potência”. Segundo os discursos políticos propagados durante o próprio regime autoritário, o desenvolvimento econômico nacional só havia sido possível em virtude da ação dos governos ditos “revolucionários”. Segundo o governador de São Paulo, Laudo Natel, o denominado “milagre do espírito de março” - em alusão ao “milagre econômico” -, teria sido representativo da “nova mentalidade que se instalou no Brasil”, em que “o povo brasileiro se reencontrou e descobriu [...] ao mesmo tempo seus próprios caminhos” (NATEL...,1971NATEL: Brasil reencontrou-se consigo. Folha de S. Paulo, São Paulo , ano LI, n. 15.263, 31 mar. 1971. Primeiro Caderno, p. 6., p. 6).

Curiosamente, tanto no discurso comemorativo da década de 1970, quanto na Ordem do Dia publicada em 2020, podemos observar a crença de que o governo ditatorial foi capaz de inspirar/indicar/instalar os rumos de desenvolvimento no Brasil, ou seja, vigora uma percepção de que somente graças à ditadura militar o crescimento econômico nacional foi possível. Tais narrativas encontram-se muito sintonizadas com o discurso revisionista, em que o “milagre econômico” é comumente utilizado para fins de legitimação da ditadura militar brasileira, apresentando o desenvolvimento econômico como o legado “positivo” dos anos de autoritarismo (MOTTA, 2021MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Passados presentes: o golpe de 1964 e a ditadura militar. Rio de Janeiro: Zahar, 2021. , p. 222). Importante destacar que, paralelamente a essa visão idílica e acrítica sobre o passado ditatorial, ocorre uma espécie de omissão proposital acerca das mazelas sociais e legados negativos do “milagre econômico”, como no caso do aumento exponencial da dívida externa nacional e da desigual e excludente distribuição de renda que vigorou naquele período.

Interessante observar que as Ordens do Dia não se limitam a descrever de maneira extremamente elogiosa as iniciativas econômicas estabelecidas pela ditadura, mas convidam, inclusive, a um balanço reflexivo das benfeitorias do governo autoritário, pois “cinquenta e oito anos passados, cabe-nos reconhecer o papel desempenhado por civis e por militares, que nos deixaram um legado de paz, de liberdade e de democracia” (BRASIL, 2022BRASIL. Ministério da Defesa . Ordem do Dia Alusiva ao 31 de Março de 1964. Brasília, 31 mar. 2022. Disponível em: https://bit.ly/3nzHXlp . Acesso em: 1 abr. 2022.
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, n. p.). Gostaria que nossa atenção se voltasse especificamente ao trecho final dessa Ordem do Dia, que afirma que a ditadura legou ao Brasil valores como “paz, liberdade e democracia”.

Obviamente, a narrativa de todas as Ordens do Dia divulgadas entre 2019 e 2022, limita-se a descrever um cenário idílico regido pelo desenvolvimento econômico, omitindo todo o aparato autoritário da ditadura militar brasileira, seja em seu formato de censura moral e política, seja em sua aparência mais brutal e violenta, que foi a perseguição, tortura e assassinato de diversos militantes políticos. Existe aqui, um claro interesse em encobrir todas as evidências documentais, históricas e historiográficas relacionadas a violações dos direitos humanos, fator demonstrado, por exemplo, pela total ausência de menção aos resultados obtidos pelo relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV).

Diferentemente das declarações de Bolsonaro, que em muitas ocasiões faz questão de reafirmar o caráter supostamente “heroico” de agentes envolvidos nas perseguições políticas em voga durante a ditadura, as Ordens do Dia optaram por uma escolha bastante específica, pautada no silenciamento e privação das vítimas de um direito à memória. Segundo Vidal-Naquet, uma das características principais da narrativa revisionista consiste, justamente, em promover “uma tentativa de extermínio no papel, que substitui o extermínio no real” (VIDAL-NAQUET, 1988VIDAL-NAQUET, Pierre. Assassinos da memória: “Um Eichman de papel” e outros ensaios sobre o revisionismo. Campinas: Papirus, 1988., p. 45). Assim, ao promover o esquecimento dessa faceta do período ditatorial, a narrativa das Ordens do Dia corrobora com uma dupla-violência perpetrada contra às vítimas do regime autoritário: a primeira delas física, praticada pelo aparelho repressivo; e a segunda simbólica, através da omissão e silenciamento acerca da própria existência dessas vítimas.

Dentre as diversas permanências argumentativas presentes nas Ordens do Dia veiculadas entre 2019 e 2022, a questão da Lei da Anistia também se apresenta de forma significativa, sendo mencionada diretamente em quase todas as publicações na condição de “pacto de pacificação” (BRASIL, 2019BRASIL. Ministério da Defesa . Ordem do Dia Alusiva ao 31 de Março de 1964. Brasília, 31 mar. 2019. Disponível em: https://bit.ly/3NASPtP . Acesso em: 18 jan. 2022.
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; 2020BRASIL. Ministério da Defesa . Ordem do Dia Alusiva ao 31 de Março de 1964. Brasília, 31 mar. 2020. Disponível em: https://bit.ly/3NzqTXq . Acesso em: 18 jan. 2022.
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; 2021BRASIL. Ministério da Defesa . Ordem do Dia Alusiva ao 31 de Março de 1964. Brasília, 31 mar. 2021. Disponível em: https://bit.ly/3OKvl72 . Acesso em: 18 jan. 2022.
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), que “viabilizou a transição para uma democracia que se estabeleceu definitiva e enriquecida com os aprendizados daqueles tempos difíceis” (BRASIL, 2019BRASIL. Ministério da Defesa . Ordem do Dia Alusiva ao 31 de Março de 1964. Brasília, 31 mar. 2021. Disponível em: https://bit.ly/3OKvl72 . Acesso em: 18 jan. 2022.
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, p. 2). No caso da Ordem do Dia publicada no último ano de governo, essa limita-se apenas a mencionar a “aprovação da anistia ampla, geral e irrestrita pelo Congresso Nacional” (BRASIL, 2022BRASIL. Ministério da Defesa . Ordem do Dia Alusiva ao 31 de Março de 1964. Brasília, 31 mar. 2022. Disponível em: https://bit.ly/3nzHXlp . Acesso em: 1 abr. 2022.
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). Conforme apontado anteriormente, o processo de transição democrática legou diversas heranças para a construção da memória social sobre a ditadura e o revisionismo histórico, representando a imputabilidade dos agentes da repressão e expressando o desejo de esquecer. O que se pretende nas afirmações das Ordens do Dia é definir a Lei da Anistia como elemento solucionador de todos os conflitos estabelecidos, fato que, somado à completa ausência de menção à repressão política e suas vítimas, reforça o projeto institucional de seleção do passado e promoção do esquecimento.

A partir de uma falsa ideia de “superação” da ditadura, alicerçada na promulgação da Lei da Anistia, as Ordens do Dia prosseguem afirmando que não é possível julgar moralmente a ditadura e seus algozes, pois “o entendimento de fatos históricos apenas faz sentido quando apreciados no contexto em que se encontram inseridos” (BRASIL, 2020BRASIL. Ministério da Defesa . Ordem do Dia Alusiva ao 31 de Março de 1964. Brasília, 31 mar. 2020. Disponível em: https://bit.ly/3NzqTXq . Acesso em: 18 jan. 2022.
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, n. p.). Além disso, os textos convidam o interlocutor a praticar um exercício de “enxergar o Brasil daquela época em perspectiva histórica”, movimento que “nos oferece a oportunidade de constatar a verdade e, principalmente, de exercitar o maior ativo humano - a capacidade de aprender” (BRASIL, 2019BRASIL. Ministério da Defesa . Ordem do Dia Alusiva ao 31 de Março de 1964. Brasília, 31 mar. 2019. Disponível em: https://bit.ly/3NASPtP . Acesso em: 18 jan. 2022.
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, p. 1). Interessante observar que, por ocasião do 6º aniversário do golpe civil-militar de 1964, a Ordem do Dia proferida pelo Ministro do Exército, general Orlando Geisel3 3 Trata-se do irmão de Ernesto Geisel, general que viria ocupar o cargo de Presidente da República na sucessão de Médici, entre os anos de 1974 e 1979. , expressava um desejo bastante semelhante, de que a História retratasse “em sua verdadeira dimensão, na perspectiva do amanhã, o que [a “Revolução”] apresentou para os destinos do Brasil” (GEISEL..., 1970GEISEL exalta a democracia no aniversário da Revolução. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, ano LXXIX, n. 302, 31 mar. 1970. Primeiro Caderno, p. 5., p. 5). Essas narrativas apresentam de forma bastante clara uma das principais preocupações da narrativa revisionista, que consiste na ideia de apresentar uma “verdade” absoluta, que supostamente foi ocultada em muitas ocasiões por razões ideológicas. No caso específico da ditadura militar brasileira, essa “verdade” estaria ancorada em muitos dos princípios argumentativos revisionistas já expostos nesse artigo.

Fica nítido que a chave interpretativa privilegiada pelas Ordens do Dia coloca a ditadura militar como algo fruto de seu próprio tempo, combinado a um explícito desejo de encerramento desse passado, que deve ser entendido a partir de seu contexto específico, buscando sempre a “verdade”. Compreendo o movimento de “encerramento” do passado como ato de intervenção do passado no presente, processo que comporta elementos de seleção e remodelamento dos acontecimentos históricos, de modo a ordená-los a partir de “categorias estanques supostamente ancoradas em uma verdade que não admite, por seu caráter absoluto, contestação alguma” (ÁVILA, 2019ÁVILA, Arthur Lima de. Qual passado usar? A historiografia diante dos negacionismos. Café História. Brasília, 29 abr. 2019. Disponível em: https://bit.ly/3yGwLKl . Acesso em: 21 abr. 2021.
https://bit.ly/3yGwLKl...
, n. p.). A narrativa revisionista sustenta um enquadramento do passado ditatorial em um movimento bastante complexo e paradoxal, buscando ao mesmo tempo comemorar e evocar esse passado para dar embasamento em seus projetos políticos no presente, mas, ao mesmo tempo, encerrar esse mesmo passado em seu próprio contexto histórico, buscando blindá-lo de críticas e julgamentos morais. A Ordem do Dia de 2022 é bastante representativa nesse sentido, ao propor que “a história não pode ser reescrita, em mero ato de revisionismo” (BRASIL, 2022BRASIL. Ministério da Defesa . Ordem do Dia Alusiva ao 31 de Março de 1964. Brasília, 31 mar. 2022. Disponível em: https://bit.ly/3nzHXlp . Acesso em: 1 abr. 2022.
https://bit.ly/3nzHXlp...
, n. p.). Observa-se aqui, especificamente, um deslocamento de sentido atribuído ao termo revisionismo, entendido como ato de recalcar um passado que foi supostamente superado. Portanto, uma das principais preocupações dessa narrativa reside na necessidade de encerrar o passado em seu próprio contexto histórico, limitando a capacidade reflexiva que direciona questionar os legados autoritários que persistem em nossa sociedade.

As problemáticas envoltas na relação entre história, memória e revisionismo tornam-se pontos fundamentais para compreender os significados e as intencionalidades presentes nas narrativas das Ordens do Dia, direcionando para a necessidade de reflexão sobre o “dever de memória” e da função social que os historiadores desempenham na contemporaneidade. O atual contexto de radicalização política e ascensão da extrema-direita no Brasil colocam em xeque a necessidade de uma revisão crítica sobre a forma como a sociedade se relaciona com o período ditatorial e os atores sociais do passado-presente, buscando desmobilizar concepções apologéticas, já que “não se trata somente de não se esquecer do passado, mas também de agir sobre o presente” (GAGNEBIN, 2004GAGNEBIN, Jeanne Marie. Memória, história, testemunho. In: BRESCIANI, Maria Stella; NAXARA, Márcia (org.). Memória e (res) sentimento: indagações sobre uma questão sensível. Campinas: Ed. UNICAMP, 2004. p. 83-93., p. 89), sobretudo, quando vinculadas a formas governativas que privilegiam o autoritarismo.

Entre o que comemorar e o que esquecer: o encerramento do passado como motor propulsor dos projetos autoritários no presente

Ao longo deste artigo, busquei demonstrar que as Ordens do Dia alusivas ao golpe civil-militar de 31 de março 1964 e divulgadas no governo Bolsonaro, entre os anos de 2019 e 2022, encontram-se cingidas e fundamentadas por narrativas de caráter revisionista a respeito da ditadura, cujo constructo argumentativo remonta ao período da própria ditadura militar brasileira. Nesse sentido, sustento a hipótese levantada por Bauer (2019BAUER, Caroline Silveira. La dictadura cívico-militar brasileña en los discursos de Jair Bolsonaro: usos del pasado y negacionismo. Relaciones Internacionales, Madri, v. 28, n. 57, p. 37-51, 2019.), de que a narrativa revisionista sobre a ditadura militar foi constituída no transcorrer do próprio regime autoritário e reapropriada na contemporaneidade, com vistas a promover a interdição do passado ditatorial e legitimar determinados projetos políticos. No caso das comemorações do 31 de março pelo governo Bolsonaro, é perceptível que seus intentos políticos perpassaram por promover uma visão idealizada e saudosista da ditadura militar brasileira, ativando esse passado autoritário para dar fundamento ideológico ao seu projeto de futuro.

Os argumentos revisionistas evocados pelas Ordens do Dia evidenciam a tentativa de negar o caráter golpista e ditatorial do regime estabelecido a partir do golpe de Estado, buscando respaldar a tomada de poder pela via do apoio popular que a ação teve. Nesse sentido, a retórica anticomunista torna-se elemento de sustentação e legitimação da permanência da ditadura militar, a partir da suposta necessidade de proteger a “democracia” brasileira da “ameaça comunista”. De maneira geral, a narrativa das Ordens do Dia parte de uma concepção dicotômica, linear e evolucionista da história, tratando o período da ditadura militar de forma bastante positiva e benéfica, de modo a omitir e escamotear aspectos associados ao autoritarismo e a repressão política vigente. Ademais, o destaque conferido à Lei da Anistia na condição de “pacto pacificador” demonstra que a narrativa revisionista sobre a ditadura se articula com o desejo de encerramento do passado autoritário e o esquecimento como política institucional de poder, inviabilizando qualquer hipótese de abertura para uma justiça punitiva com relação aos agentes da repressão e a reparação da história e memória das vítimas.

Agradecimento:

Agradeço o professor Igor Tadeu Camilo Rocha, da Universidade Federal de Minas Gerais, por sua leitura e importantes contribuições a esse texto.

Referências

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  • ZIMMERMANN, Ana Carolina. O golpe vira uma festa: o 31 de março de 1964 nos discursos e práticas cívico-patrióticas (1970-1971). 2020. TCC (Graduação em História) - Departamento de História e Geografia, Universidade Regional de Blumenau, Blumenau, 2020.
  • 1
    Bolsonaro continuamente presta “homenagens” à memória de Carlos Brilhante Ustra, conhecido torturador que chefiou a sede do DOI-CODI em São Paulo, como em caso recente, em março de 2022, durante o evento “Movimento Filia, Brasil” (MILITÃO, 2022MILITÃO, Eduardo. Em clima de campanha, Bolsonaro elogia Ustra e diz que ‘luta contra o mal’. Uol, 27, mar., 2022. Disponível em: https://bit.ly/3ydZLrf . Acesso em: 23 jun. 2022.
    https://bit.ly/3ydZLrf...
    ).
  • 2
    Processo mental e lógico de apreensão da experiência humana na temporalidade, cujo conhecimento do passado articula-se com a composição de identidades, que fornecem chaves de inteligibilidade para o presente vivido e o futuro imaginado (Cf.: CERRI, 2011CERRI, Luis Fernando. Ensino de história e consciência histórica: implicações didáticas de uma discussão contemporânea. Rio de Janeiro: Ed. FGV , 2011.).
  • 3
    Trata-se do irmão de Ernesto Geisel, general que viria ocupar o cargo de Presidente da República na sucessão de Médici, entre os anos de 1974 e 1979.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

  • Financiamento:

    Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), processo n. 161811/2021-3.
  • Aprovação no comitê de ética:

    Não se aplica.
  • Modalidade de avaliação

    Duplo-cega por pares.
  • Contexto de pesquisa

    O artigo deriva do texto “O revisionismo histórico nas comemorações do golpe civil-militar de 1964 durante o governo Bolsonaro (2019-2021): usos do passado e heranças autoritárias”, apresentado como trabalho final da disciplina ‘Negacionismos e revisionismos históricos como temas de análise’, ministrada pelo professor Igor Tadeu Camilo Rocha, no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Minas Gerais, no ano de 2021. Uma versão preliminar desse artigo também deriva do texto “Revisionismo histórico nos aniversários do golpe de 1964 pelo governo Bolsonaro”, apresentado no X Encontro de Pesquisa em História - UFMG (EPHIS), no ano de 2022.
  • Disponibilidade de dados de pesquisa e outros materiais

    Não se aplica.

Editado por

Editores responsáveis

Flávia Varella - Editora-chefe Pablo Aravena - Editor executivo

Disponibilidade de dados

Não se aplica.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    04 Jul 2022
  • Aceito
    20 Fev 2023
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