Acessibilidade / Reportar erro

Fragmentos biográficos, significados nacionais: a biografia como forma de narrar a história nacional na Argentina e no Chile no século XIX

Biographical fragments, national meanings: biography as a way of narrating national history in Argentina and Chile in the nineteenth century.

Resumo

Em face da considerável quantidade de biografias publicadas no espaço sul-americano durante o oitocentos, é possível distinguir diferentes modos de elaboração biográfica. Destarte, o objetivo do artigo é descrever as variáveis de elaboração da escrita biográfica no século XIX no espaço sul americano. Examinaremos composições biográficas no intuito de propor categorias heurísticas para apreender o movimento biográfico durante o século XIX e ressaltar suas especificações discursivas e suas estratégias de composição. De forma específica, será analisada a dupla versão da biografia de José de San Martin escrita por Domingo Faustino Sarmiento e publicada no Chile e na Argentina em meados do século XIX. Nossa hipótese é que as biografias funcionam como um modo de elaboração do discurso histórico que estrutura e temporaliza uma experiência nacional da história. Desta forma, sustentamos que a biografia, dentre os diversos modos de articulação do discurso histórico, pode ser considerada como um modo fundamental para a elaboração da experiência da história, tendo em vista seu direcionamento específico aos valores identitários e excepcionalidades nacionais.

Palavras-chave:
História da historiografia; Biografia; Historiografia latino-americana

Abstract

Given the significant number of biographies published in South America during the nineteenth century, it is possible to distinguish different forms of biographical elaboration. Therefore, this article aims to describe the variables of biographical writing in the nineteenth century in South America. Some biographical writings will be analyzed in order to propose heuristic categories to apprehend the biographical movement during the nineteenth century, highlighting its discursive specifications and its writing strategies. More specifically, two versions of Jose de San Martin’s biography will be examined. They were written by Domingo Faustino Sarmiento and published in Chile and Argentina in the middle of the nineteenth century. This study suggests that biographies function as a way of elaboration of historical discourse which structures and temporalizes a national experience of history. Thus, we maintain that biography, among the various modes of articulation of historical discourse, can be considered as a fundamental mode for the elaboration of the experience of history, in view of its specific targeting of identity values and national exceptionalities.

Keywords:
History of Historiography; Biography; Latin American Historiography

Sentido e estabilização

A experiência da história na primeira metade do século XIX pode ser caracterizada pela incessante historicização dos mundos da vida. Em contexto de mudanças substanciais a inteligibilidade da realidade efetiva-se através da imputação de uma densidade histórica em que acontecimentos e eventos foram articulados em processos históricos. Nesse sentido, com o influxo do historicismo toda experiência da realidade foi concebida tendo como pressuposto seu desenvolvimento histórico - pois apenas com a reconstrução de processos que os fenômenos, estruturas e acontecimentos sociais adquiririam inteligibilidade (FOUCAULT, 2007FOUCAULT, M. As Palavras e as Coisas: uma arqueologia das Ciências Humanas. São Paulo: Martins Fontes, 1999., p. 300).1 1 Entende-se historicismo como uma concepção em que a realidade é compreendida a partir de sua historicidade: o conhecimento histórico como dimensão privilegiada na compreensão do mundo. Como escreveu Hannah Arendt em suas notas sobre o conceito moderno de história: “a ênfase deslocou-se do interesse nas coisas para o interesse em processos” (ARENDT, 2011ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. 7ª ed. São Paulo: Perspectivas, 2011., p. 88). Podemos inferir, assim, a historicização como um instrumento cognitivo e como condição de possibilidade para interpretar os significados do mundo - instrumento este sempre sujeito à avaliação de seus fundamentos e pressupostos (GUMBRECHT, 1998GUMBRECHT, Hans Ulrich. Cascatas de modernidade. In: GUMBRECHT, Hans Ulrich. Modernização dos Sentidos. São Paulo: Editora 34, 1998. p. 9-32., p. 11-12).

No continente sul americano, segundo o historiador argentino Fabio Wasserman, “o conhecimento histórico tornou-se imprescindível não apenas para conhecer o passado e o presente das sociedades, mas também para julgar suas características e até mesmo para poder transformá-las” (WASSERMAN, 2008WASSERMAN, F. Entre Clío y la Polis: conocimiento histórico y representaciones del pasado en el Río de la Plata (1830-1860). Buenos Aires: Teseo, 2008. , p. 20, tradução nossa)

Assim, as revoluções de independência e os processos revolucionários, que muitas vezes perpassaram longas disputas políticas e guerras intestinas, criavam a necessidade e a urgência para o estabelecimento de significados históricos e políticos (PALTI, 2009PALTI, Elias. El momento romántico: nación, historia y lenguajes políticos en la Argentina del siglo XIX. Buenos Aires.: Eudeba, 2009. ). Fazia-se fundamental entender as configurações contextuais para prognosticar e intervir na realização da revolução, da independência e no futuro da nação. Nesse sentido, será justamente a nação, enquanto instância de mediação da experiência da história, que exercerá papel fundamental para a historicização dos mundos da vida (PEREIRA; ARAUJO, 2018PEREIRA, Mateus; ARAUJO, Valdei. Atualismo 1.0: como a ideia de atualização mudou o século XXI. 1. ed. Ouro Preto: Sociedade Brasileira de Teoria e História da Historiografia, 2018.; ARAUJO, 2022ARAUJO, Valdei. A independência narrada: introdução à história da historiografia do Brasil. Rio de Janeiro: Proprietas, 2022.; BERGER, MELMAN, LORENZ, 2012BERGER, S; MELMAN, B; LORENZ, C. Popularizing National Past: 1800 to the present. New York: Routledge, 2012. ).

De modo igual, a possibilidade de fundamentar historicamente acontecimentos e eventos em processos de maiores amplitudes municiava de densidade histórica os vários projetos em questão. Passado e futuro eram implicados historicamente e o discurso histórico - e sua função de historicização - tornou-se o fundamento de intervenção política (RANGEL; ARAUJO, 2015RANGEL, M. de M; ARAUJO, V. L. de. Teoria e história da historiografia: do giro linguístico ao giro ético-político. História da Historiografia, Ouro Preto, n. 18, p. 318-332, 2015. Disponível em: https://bityli.com/eyHthOL . Acesso em: 1 set. 2022.
https://bityli.com/eyHthOL...
; FONTANA, 2020FONTANA, Patricio Miguel. Una osadía de Sarmiento: Autobiografía y novela en Recuerdos de província. ZAMA, Buenos Aires. Universidad de Buenos Aires, v. 12. dez. de 2020, p. 9-20. Disponível em: https://shorturl.at/lmqA4 . Acesso em: 10 jun. 2022.
https://shorturl.at/lmqA4...
). O contexto da Independência do Brasil é sintomático da emergência desta nova experiência da história. Os escritos e intervenções de José da Silva Lisboa (Visconde de Cairu), Luís Gonçalves dos Santos, Aires de Casal, dentre outros, eram carregados de elementos que procuravam historicizar o presente em termos históricos, disponibilizando significados para a atuação política (ARAUJO, 2015ARAUJO, Valdei Lopes de. Historiografia, nação e os regimes de autonomia na vida letrada no Império do Brasil. Varia História, Belo Horizonte, v. 31, n. 56, p. 365-400, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0104-87752015000200004 . Acesso em: 8 de ago. 2022.
https://doi.org/10.1590/0104-87752015000...
).

No entanto, a inteligibilidade advinda da historicização não se efetiva de forma homogênea. Como argumenta Hans Ulrich Gumbrecht, a crescente aceleração do tempo histórico e a necessidade de historicização potencializou o conflito entre diversos relatos que versavam sobre o mesmo objeto - aquilo que Michel Foucault denominou de “crise das representações” (GUMBRECHT, 1998GUMBRECHT, Hans Ulrich. Cascatas de modernidade. In: GUMBRECHT, Hans Ulrich. Modernização dos Sentidos. São Paulo: Editora 34, 1998. p. 9-32., p. 14-15). Um importante modo de mediação para resolução do problema da instabilidade de significados sobre a realidade foi a fundamentação através do enredamento dos diversos relatos - fossem eles confluentes ou não - em uma única narrativa. Aqui atribui-se a dimensão metanarrativa das filosofias da história como condição de aglutinação da divergência, da diferença, que procuravam estabelecer um “sentido intrínseco” em meios ao caos de diferenciação de conjunturas históricas. Desta forma, as filosofias da história liberavam os sentidos fundamentais, profundos e teleológicos da história (RANGEL; ARAUJO, 2015RANGEL, M. de M; ARAUJO, V. L. de. Teoria e história da historiografia: do giro linguístico ao giro ético-político. História da Historiografia, Ouro Preto, n. 18, p. 318-332, 2015. Disponível em: https://bityli.com/eyHthOL . Acesso em: 1 set. 2022.
https://bityli.com/eyHthOL...
).

Outro modo de compensação ao problema da instabilidade foi a postulação de normas epistemológicas para apreensão do sentido histórico. As várias interpretações históricas sobre o mesmo objeto/evento criam uma determinada instabilidade interpretativa que será mediada através da busca de normatizações epistemológicas - o problema da parcialidade e do ponto de vista. A ênfase desloca-se da compreensão do objeto para as condições de possibilidades de apreensão deste objeto (GUMBRECHT, 1998GUMBRECHT, Hans Ulrich. Cascatas de modernidade. In: GUMBRECHT, Hans Ulrich. Modernização dos Sentidos. São Paulo: Editora 34, 1998. p. 9-32., p. 11-12).

Apropriando-se das compensações ao problema da instabilidade moderna e compartilhando de forma explícita as dimensões temporais e políticas das filosofias da história, a nação exercerá uma instância mediadora para estabelecer significados às disputas correntes. Esses significados são elaborados a partir de metanarrativas teleológicas que articulam, a seu modo, o passado nacional em uma chave interpretativa específica, intervindo no presente e operando possibilidades futuras (PALTI, 2002PALTI, Elias. La nación como problema: los historiadores y la “cuestión nacional”. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2002.; ARAUJO, 2022ARAUJO, Valdei. A independência narrada: introdução à história da historiografia do Brasil. Rio de Janeiro: Proprietas, 2022.).

Nesse sentido, a indagação acerca das possibilidades de estabelecimento de significados históricos no século XIX deve levar em consideração a variedade de formas de representar o passado e, a seu modo, de mobilizar sentido histórico. Assim, a biografia enquanto forma de veiculação do discurso histórico torna-se central para a questão. Transcendendo abordagens que privilegiam a dicotomia entre antigos e modernos, o debate se qualifica ao abordamos a biografia a partir de seus modos de adaptação, ressignificação e instrumentalização no intuito de historicização da realidade e no estabelecimento de sentido histórico (ARAUJO, 2011ARAUJO, Valdei. Sobre a permanência da expressão historia magistra vitae no século XIX brasileiro. In: NICOLAZZI, Fernando; MOLLO, Helena M; ARAUJO, Valdei. (org.). Aprender com a história?: o passado e o futuro de uma questão. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2011. p. 131-148.; FONTANA, 2020FONTANA, Patricio Miguel. Una osadía de Sarmiento: Autobiografía y novela en Recuerdos de província. ZAMA, Buenos Aires. Universidad de Buenos Aires, v. 12. dez. de 2020, p. 9-20. Disponível em: https://shorturl.at/lmqA4 . Acesso em: 10 jun. 2022.
https://shorturl.at/lmqA4...
).

No presente artigo ensaiaremos uma hipótese para entendermos a experiência da história a partir da escrita biográfica: a biografia como instrumento privilegiado de historicização/nacionalização da realidade, sendo que determinadas biografias fundamentam sentidos históricos específicos, projetando estabilizações e projeções políticas, mesmo que de forma precária e de modo provisório.

A reflexão está organizada em três movimentos centrais: no primeiro, efetuo uma breve exposição sobre a profusão de biografias no século XIX e sua importância para a elaboração do discurso histórico, propondo uma delimitação heurística para apreender as variedades de modulações do biográfico; no segundo movimento, realizo uma descrição sobre os compêndios biográficos publicados em meados do século XIX, com ênfase nos casos argentino e chileno. Assim, entendo a publicação destes compêndios como um fenômeno historiográfico transnacional pautado no modo compilatório de elaboração do discurso - ligados à dinâmica do mercado editorial e à demanda por sínteses pragmáticas. Por fim, procuro analisar a construção das biografias de San Martin escritas por Faustino Domingo Sarmiento nos compêndios biográficos elencados, indagando sobre as estratégias de nacionalização do tempo e do espaço pela construção biográfica e sua elaboração enquanto experiência da história.

O movimento biográfico

Há certo consenso historiográfico em afirmar que desde a década de 1830 podemos visualizar a emergência do conceito moderno de história e sua estabilização para a compreensão da realidade no Brasil, no Chile e no Rio da Prata (ARAUJO, 2015ARAUJO, Valdei Lopes de. Historiografia, nação e os regimes de autonomia na vida letrada no Império do Brasil. Varia História, Belo Horizonte, v. 31, n. 56, p. 365-400, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0104-87752015000200004 . Acesso em: 8 de ago. 2022.
https://doi.org/10.1590/0104-87752015000...
; PIMENTA, 2009PIMENTA, João Paulo . A independência do Brasil como uma revolução: história e atualidade de um tema clássico. História da Historiografia, Ouro Preto, v. 2, n. 3, p. 53-82, 2009. Disponível em: https://bityli.com/nGoWkWe . Acesso em: 11 jun. 2022.
https://bityli.com/nGoWkWe...
; WASSERMAN, 2008WASSERMAN, F. Entre Clío y la Polis: conocimiento histórico y representaciones del pasado en el Río de la Plata (1830-1860). Buenos Aires: Teseo, 2008. ; WASSERMAN, 2003WASSERMAN, F. “Las prendas jeniales de nuestra sociedad”: representaciones del pasado e identidad nacional en el discurso de las elites político-letradas chilenas (1840-1860). Berlim: Iberoamericana, v. 3, n. 9, p. 7-26, 2003. Disponível em: https://journals.iai.spk-berlin.de/index.php/iberoamericana/article/download/584/268/ . Acesso em: 14 ago. 2023.
https://journals.iai.spk-berlin.de/index...
; DIAS DUARTE, 2012DIAS DUARTE, João de Azevedo. Tempo e crise na teoria da modernidade de Reinhart Koselleck. História da Historiografia, Ouro Preto. V. 8, 2012, p. 70-90. Disponível em: https://bityli.com/lAnYINz . Acesso em: 10 jun. 2022.
https://bityli.com/lAnYINz...
; FERNÁNDEZ SEBASTIÁN, 2014; FERES JÚNIOR; JASMIN, 2007FERES JÚNIOR, João; JASMIN, Marcelo Gantus (org.). História dos conceitos: encontros transatlânticos. Rio de Janeiro: Loyola, 2007.). No que se refere à história da historiografia do Brasil e do Chile, em meados do século XIX podemos encontrar formulações de histórias gerais nacionais articuladas pela experiência aberta com o moderno conceito de história e pela busca da especificidade da nação (PALTI, 2002PALTI, Elias. La nación como problema: los historiadores y la “cuestión nacional”. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2002.). Como exemplo, podemos citar as obras de Francisco de Adolfo Varnhagen, a História Geral do Brasil, publicada em 1854-57 e a Historia General de la República de Chile publicada em 1868 e escrita por Benjamin Vicuña Mackenna. A exceção é o caso argentino, no qual a formulação de uma história nacional geral apenas se efetiva em finais da década de 1870, devido a fatores políticos e institucionais que em grande medida não lograram uma coesão para a projeção da especificidade da nação (EUJANIAN, 2015EUJANIAN, Alejandro. El pasado en el péndulo de la política: Rosas, la provincia y la nación en el debate político de Buenos Aires, 1852-1861. Bernal: Universidad Nacional de Quilmes Editorial, 2015.; WASSERMAN, 2008WASSERMAN, F. Entre Clío y la Polis: conocimiento histórico y representaciones del pasado en el Río de la Plata (1830-1860). Buenos Aires: Teseo, 2008. ; PALTI, 2000PALTI, Elias. La Historia de Belgrano de Mitre y la problemática concepcíon de un pasado nacional. Boletim del Instituto de Historia Argentina Y Americana Dr. Emilio Ravignani, Buenos Aires, n. 21, p. 75-98, 2000. Disponível em: https://bityli.com/ZdywSAs . Acesso em: 11 jun. 2022.
https://bityli.com/ZdywSAs...
). Portanto, a realização das histórias gerais coincide com a consolidação de uma experiência da história moderna que tinha a nação como instância de mediação (PALTI, 2002PALTI, Elias. La nación como problema: los historiadores y la “cuestión nacional”. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2002.; GUIMARÃES, 1988GUIMARÃES, Manoel Salgado. Nação e civilização nos trópicos: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o projeto de uma História Nacional. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 5-27, 1988. Disponível em: https://bityli.com/VumwLln . Acesso em: 16 jun. 2022.
https://bityli.com/VumwLln...
).

Ao mesmo tempo em que se produziam as histórias gerais da nação em meados do século XIX podemos observar uma intensa produção de biografias (OLIVEIRA, 2011OLIVEIRA, Maria da Glória. Escrever vidas, narrar a história: a biografia como problema historiográfico no Brasil oitocentista. Rio de Janeiro: Editora FGV , 2011.). Nos espaços aqui destacados - Argentina, Brasil e Chile -, a biografia, entendida como uma das possibilidades de elocução do discurso histórico, foi empregada como um importante aporte para a articulação da experiência da história. Nesse sentido, não é fortuito a visualização de uma profusão de composições biográficas, compêndios e galerias de homens ilustres.

Na Argentina, o exemplo notável é o Facundo, de Domingo Faustino Sarmiento, escrito em 1845. O ensaio/biografia é paradigmático no sentido de projetar uma interpretação do processo histórico pautado na antinomia civilização/barbárie com base no biografado (DAFLON, 2011DAFLON, C. L. Q. Argirópolis e as mudanças na concepção histórica de Domingo Faustino Sarmiento. História da Historiografia, Ouro Preto, v. 4, n. 7, p. 56-77, 2011. Disponível em: https://bityli.com/jfRwJtt . Acesso em: 22 jun. 2022.
https://bityli.com/jfRwJtt...
, p. 64; FONTANA, 2020FONTANA, Patricio Miguel. Una osadía de Sarmiento: Autobiografía y novela en Recuerdos de província. ZAMA, Buenos Aires. Universidad de Buenos Aires, v. 12. dez. de 2020, p. 9-20. Disponível em: https://shorturl.at/lmqA4 . Acesso em: 10 jun. 2022.
https://shorturl.at/lmqA4...
).2 2 O Facundo de Sarmiento é analisado, na maior parte das vezes, como um ensaio. Sua característica híbrida é o que potencializa o texto. No entanto, cabe ressaltar que o texto é a biografia de Facundo Quiroga, caudilho que foi morto por Juan Manuel de Rosas. Além de Sarmiento, ainda na Argentina, Bartolomé Mitre será o responsável pela escrita da Historia de Belgrano (1859) que, em sucessivas edições, acréscimos e intervenções, resultará na primeira história nacional: A Historia de Belgrano y de la Independencia Argentina (1887).3 3 A obra possui quatro edições (1857, 1859, 1876, 1887) com mudanças significativas entre si. A terceira e quarta edições são apontadas como a primeira formulação de uma história geral nacional para a Argentina. No Chile, as obras de Diego Barros Arana Don Claudio Gay, su vida y sus obras (1876), Miguel Luis Amunátegui e Benjamin Vicuña Mackenna Vida del Jeneral don Bernardo O’Higgins: su dictadura, su ostracismo (1882), dentre outras, são sintomáticas da função da biografia para o discurso histórico. Por fim, no Brasil a obra de Joaquim Nabuco, Um estadista do Império (1897), completa o quadro. Como sintetiza este último em trecho muito citado por seus críticos e comentadores: “escrevendo a vida do último senador Nabuco de Araújo, não dou senão uma espécie de vista lateral de sua época” - resumido na clássica formulação “a Grande Era Brasileira” (SALLES, 2009SALLES, Ricardo. Nabuco e a “Grande Era Brasileira”. Revista USP, São Paulo, n. 83, p. 65-85, set./nov. 2009. Disponível em: https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036.v0i83p65-85 . Acesso em: 23 set. 2023.
https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036....
, p. 75).

Note-se que durante toda a segunda metade do século XIX foi possível observar a elaboração de biografias que buscam apreender a vida de indivíduos relacionados, de alguma forma, à construção nacional. A quantidade de publicações demonstra a relevância da forma biográfica como aporte para a elaboração do discurso histórico no século XIX. Inclusive na economia narrativa da história geral a biografia ocupa seu espaço. Evandro Santos em sua análise sobre os usos da biografia na História Geral do Brasil de F. A. Varnhagen ressalta a importância e utilização de notas biográficas e biografias, mesmo que de forma tangencial, para a elaboração e organização narrativa da obra. Um dos pontos principais articulados pelo autor é o destaque da função da biografia para conduzir a narrativa e organizar o espaço e o tempo. Assim, em Varnhagen a biografia funcionaria como um procedimento da operação historiográfica (SANTOS, 2012SANTOS, Pedro A. Cristovão dos; PEREIRA, Mateus H. de F. Mutações do conceito moderno de história? Um estudo sobre a constituição da categoria “historiografia brasileira” a partir de quatro notas de rodapé (1878-1951). In: SILVA, Ana Rosa Cloclet da; NICOLAZZI, Fernando F.; PEREIRA, Mateus H. de F. (org.). Contribuições à história da historiografia luso-brasileira. São Paulo: HUCITEC, 2012. p. 15-76., p. 95). A biografia é utilizada para organizar e sustentar interpretações da história geral da nação e forneceria ao historiador um caminho metodológico para a narrativa histórica, estruturando, assim, uma retórica da nacionalidade (SANTOS, 2012SANTOS, Evandro. A História geral do Brasil, de Francisco Adolfo de Varnhagen: apontamentos sobre o gênero biográfico na escrita da história Oitocentista. História da Historiografia, Ouro Preto, n. 9, p. 88-105, ago. 2012. Disponível em: https://bityli.com/pyCrevc . Acesso em: 11 jun. 2022.
https://bityli.com/pyCrevc...
; CEZAR, 2018CEZAR, Temístocles. Ser historiador no século XIX: o caso Varnhagen. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2018. ).

Destarte, acompanhamos as reflexões de Rafael Terra Dall’Agnol ao diagnosticar uma certa variedade nas formulações biográficas durante o século XIX (DALL’AGNOL, 2020DALL’AGNOL, Rafael Terra. Biografia e Historia Magistra Vitae: aproximações e afastamentos no Brasil oitocentista. 2020. Tese (Doutorado em História), Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2020.). Nesse sentido, sugerimos distinguir duas categorias heurísticas para apreender as produções biográficas a partir de meados do oitocentos. A primeira diz respeito às biografias de descrição, ou o que denominamos de biografias de predicação. A segunda categoria assume uma maior abrangência qualitativa e quantitativa, constituindo-se em histórias biográficas que transcendem a vida dos biografados.

As biografias de predicação realçam os aspectos memorialísticos e monumentais de um determinado personagem e, em tese, impedem a elaboração de uma interpretação histórica de maior abrangência, pois concentra-se excessivamente em detalhes da atuação do indivíduo e na exaltação de suas qualidades morais. Em geral são curtas, possuem uma excessiva ênfase cronológica e não descrevem cenas ou contextos maiores que não pertençam à atuação do biografado. O conjunto de biografias de predicação quase não possui dimensão epistêmica e realiza pouco uso dos dispositivos modernos de erudição - notas de rodapé, referências, crítica histórica e críticas de fontes. São exemplos de biografias de predicação no Brasil as obras Plutarco Brasileiro (1847) e Varões Ilustre do Brazil (1858), ambas escritas por João Manuel Pereira da Silva (1817-1898);4 4 O Plutarco brasileiro é composto por dois tomos e 20 pequenas biografias; Os varões ilustres é escrito em dois tomos e 22 biografias. Os Varões Ilustres de 1858 é uma segunda edição do Plutarco Brasileiro de 1847. Galeria de Brasileiros Ilustres, escrita entre 1859-61 e organizada pelo francês Sébastien Auguste Sisson; além de grande parte das biografias publicadas na revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (OLIVEIRA, 2011OLIVEIRA, Maria da Glória. Escrever vidas, narrar a história: a biografia como problema historiográfico no Brasil oitocentista. Rio de Janeiro: Editora FGV , 2011.; CEZAR, 2003CEZAR, Temístocles. Livros de Plutarco: biografia e escrita da história no Brasil do século XIX. Métis: história & cultura, Caxias do Sul, v. 2, n. 3, p.73-94, jan.-jun. 2003. Disponível em: https://bityli.com/jOOZXVn . Acesso em: 22 jun. 2022.
https://bityli.com/jOOZXVn...
).5 5 A Galeria de Brasileiros Ilustres é uma obra coletiva e foi organizada pelo francês Sébastien Auguste Sisson (1824-1893), com aproximadamente 70 notícias biográficas. No contexto chileno, podemos mencionar a Galería Nacional o colección de biografías i retratos de hombres celebres de Chile, escrita em 1854 em dois tomos por vários autores.6 6 A Galeria nacional de 1854 é composta por 48 pequenas biografias. Na Argentina, destacamos a Galeria de Celebridades Argentinas, empreendimento coletivo escrito em um único volume em 1857, contendo nove biografias. Portanto, as biografias de predicação são pequenas incursões biográficas e efetivadas a partir da construção dos panteões nacionais de homens ilustres.

As histórias biográficas, por sua vez, possuem uma maior complexidade qualitativa e maior volume narrativo. Estas biografias realçam uma maior ênfase nos eventos e no desenvolvimento histórico vivenciados pelos indivíduos. Acreditamos que uma de suas principais características é a veiculação e propagação de um sentido histórico - um telos - na narrativa. A história biográfica possui maior dimensão epistêmica e amplo uso dos dispositivos modernos de erudição - uso de fontes e da crítica histórica. Sua principal função, ao nosso ver, é a construção de um relato histórico abrangente e que preencha as possibilidades de significação da nação - a biografia é entendida como história nacional. Nessa categoria são exemplos a obra de Bartolomé Mitre Historia de Belgrano de 1859, composta de dois extensos tomos, e a obra de Domingo Faustino Sarmiento Vida de Facundo Quiroga, escrita em 1845. No Brasil, a já citada obra de Joaquim Nabuco no final da década de 1890, Um Estadista do Império. No Chile, observamos um conjunto amplo de histórias biográficas anteriormente citadas: Don Claudio Gay (1876), escrita por Diego Barros Arana; Vida del jeneral don Bernardo O’Higgins (1882), por Miguel Luis Amunátegui e B. Vicuña Mackenna; além de Vida de don Andrés Bello (1882) e Don Manuel de Salas (1895), ambas de Miguel Luis Amunátegui.7 7 Ambas as obras de Amunátegui são expansões de biografias escritas em 1854 nos compêndios Biografias de Americanos e Galeria Nacional. Em geral, as histórias biográficas estão preocupadas em ressaltar a relação entre indivíduo, sociedade e processo histórico.

Biografia de predicação e a história biográfica são usadas como categorias heurísticas para apreender a variedade de produções biográficas durante o século XIX. Apesar de remeter a tipos diferentes de escritas de vida, não possuem características etapistas, em que uma sucederia a outra. Desta forma, não são categorias evolutivas e não configuram movimentos lineares de complexificação da escrita biográfica. Antes de tudo, procuram estabelecer determinados padrões a partir de seus conteúdos e composições. As categorias são delimitações que em muitos casos são concomitantes, ou seja, em um mesmo momento histórico, em uma mesma obra, podem ser produzidas biografias de predicação e histórias biográficas. Da mesma forma, a hibridização das duas categorias não é uma impossibilidade, mas antes uma estratégia narrativa.

Os compêndios biográficos: entre demandas comerciais e políticas

A partir da década de 1840 podemos observar a emergência de um conjunto de biografias de predicação na Argentina, Brasil e Chile. Via de regra são publicadas em formato de compêndio, em edições luxuosas. Dentre as obras estão as já citadas Galeria Nacional [...] de Chile (1854), Galería de Celebridade Argentinas (1857) e o Plutarco Brasileiro (1847).

Todas estas obras convergem a um ponto em comum, a saber, procuram retratar indivíduos célebres que nasceram, atuaram ou contribuíram, cada qual a seu modo, para a construção da nação. Na Argentina a Galeria de Celebridades retrata os personagens mais proeminentes da Revolución de Mayo de 1810 no intuito de destacar os heróis republicanos da nação. Em geral, os personagens compõem os quadros da “tradição portenha” da revolução - liberais representantes de Buenos Aires. No caso brasileiro, João Manuel Pereira da Silva em seu Plutarco Brasileiro pretende contar a “história do Brasil em algumas épocas”, através de personagens que perpassam um período que compreende desde a chegada dos portugueses ao Brasil até meados do século XIX - personagens que fundaram e/ou fortaleceram instituições, demarcaram regiões e contribuíram culturalmente - personagens que são, em geral, homens de letras, conservadores e católicos. No Chile, a Galeria Nacional é pensada no intuito de popularizar as Memorias produzidas pelos letrados vinculados à Universidade do Chile, que desde sua fundação em 1840, propuseram as bases para a construção da cultura nacional que articulava a “independência como marco fundador da nação” (DEDIEU; ENRÍQUEZ; RODRÍGUEZ 2015DEDIEU, Jean Pierre; ENRÍQUEZ, Lucrecia; RODRÍGUEZ, Gabriel Cid. Fabricación heroica y construcción de la memoria histórica chilena (1844-1875). Caravelle, Toulouse, n. 104, p. 47-70, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.4000/caravelle.1562 . Acesso em: 16 jun. 2022.
https://doi.org/10.4000/caravelle.1562...
, p. 2, tradução nossa). Ao nosso ver, os compêndios configuram um fenômeno historiográfico amplamente difundido na América do Sul, cujo principal objetivo foi nacionalizar indivíduos e valores, tempo e espaço, através da criação dos panteões nacionais formados por personagens que expressariam os projetos de nação.

Os compêndios ou galerias nacionais reúnem os dois tipos de biografias - biografia de predicação e história biográfica - que em menor ou maior grau, aglutinam-se para a elaboração de um significado histórico. Se por um lado podemos observar a elaboração de pequenas biografias as quais seguem rigorosamente as dimensões de predicação - algumas chegam a ter apenas duas páginas -; por outro, podemos observar a produção de biografias com maiores contribuições contextuais, abordando eventos e processos com vistas a imputações de significados projetivos, como é o caso das biografias de Bernardo O’Higgins, José Bonifácio e Manuel Belgrano.

A confluência entre as biografias de predicação e as biografias com maiores aprofundamentos históricos - histórias biográficas - articulam uma totalização interpretativa que postula ao leitor significados sobre o processo histórico nacional. Elabora-se, assim, um mosaico interpretativo com base nos valores nacionais provindos de dimensões individuais. As biografias de aprofundamento histórico realçavam significativamente essas interpretações ao postularem delimitações temporais e demarcações do espaço. Em uma palavra, instituem temporalidades e nacionalizam espaços. Por sua vez, as biografias de predicação mobilizavam os aspectos individuais e moralizavam através do relato de vida (PHILLIPS, 1997PHILLIPS, M. S. History, the Novel, and the Sentimental Reader. In: PHILLIPS, M. S. Society and sentimental. New Jersey: Princeton University Press, 1997. p.103-128.; FONTANA, 2020FONTANA, Patricio Miguel. Una osadía de Sarmiento: Autobiografía y novela en Recuerdos de província. ZAMA, Buenos Aires. Universidad de Buenos Aires, v. 12. dez. de 2020, p. 9-20. Disponível em: https://shorturl.at/lmqA4 . Acesso em: 10 jun. 2022.
https://shorturl.at/lmqA4...
).

A biografia como promotora de significado histórico a partir da instância de mediação da nação responde à necessidade de complexificação do discurso histórico aberto com as novas demandas do conceito moderno de história (SANTOS; PEREIRA, 2012SANTOS, Pedro A. Cristovão dos; PEREIRA, Mateus H. de F. Mutações do conceito moderno de história? Um estudo sobre a constituição da categoria “historiografia brasileira” a partir de quatro notas de rodapé (1878-1951). In: SILVA, Ana Rosa Cloclet da; NICOLAZZI, Fernando F.; PEREIRA, Mateus H. de F. (org.). Contribuições à história da historiografia luso-brasileira. São Paulo: HUCITEC, 2012. p. 15-76.). Nesse sentido, como destaca Valdei Araujo, “longe de ser um movimento linear e homogêneo, a construção do discurso histórico moderno foi marcada por diferentes processos, muitos deles contraditórios” (ARAUJO, 2015ARAUJO, Valdei Lopes de. Historiografia, nação e os regimes de autonomia na vida letrada no Império do Brasil. Varia História, Belo Horizonte, v. 31, n. 56, p. 365-400, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0104-87752015000200004 . Acesso em: 8 de ago. 2022.
https://doi.org/10.1590/0104-87752015000...
). Assim, é na complexidade de produção dos discursos históricos e no enquadramento de seus respectivos regimes discursivos que podemos pensar a elaboração da experiência da história produzidas pelas formas biográficas.

Nesse sentido, os compêndios podem ser entendidos como um fenômeno de maior envergadura o qual perpassa uma necessidade existencial de lidar com o passado, ou seja, uma necessidade pautada na apreensão de histórias em que se ressalta o percurso do indivíduo, o sujeito moderno, e não apenas as grandes obras de histórias gerais e outros modos narrativos eruditos. Como destaca Pereira da Silva no Plutarco Brasileiro, a adoção da fórmula biográfica era preferível pois “mais agradava a seus leitores, e mais folgas lhe dava à sua atenção” (SILVA, 1857SILVA, João Manuel Pereira da. Plutarco Brasileiro. Rio de Janeiro: Em Casa dos Editores Eduardo e Henrique Laemmert, 1847. 2 v., p. VIII).8 8 A grafia foi atualizada segundo as normas atuais.

Passemos por um momento aos casos chileno e argentino. A partir de 1842, com a fundação da Universidade de Chile, iniciou-se o processo de construção de uma memória nacional coletiva por meio de trabalhos históricos. Dentre a variedade de publicações que tentaram construir essa memória - memórias institucionais, descrições geográficas, livros e textos, estátuas e galerias de retratos - a biografia figura como protagonista na elaboração do projeto. Segundo Lucrecia Enríquez, Jean Pierre Dedieu e Gabriel Cid, as biografias formam um conjunto de obras “estruturantes” para a construção da memória e da historiografia chilena, principalmente pela relevância dos autores - das biografias - no mundo das letras e no espaço público (DEDIEU; ENRÍQUEZ; RODRÍGUEZ, 2015DEDIEU, Jean Pierre; ENRÍQUEZ, Lucrecia; RODRÍGUEZ, Gabriel Cid. Fabricación heroica y construcción de la memoria histórica chilena (1844-1875). Caravelle, Toulouse, n. 104, p. 47-70, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.4000/caravelle.1562 . Acesso em: 16 jun. 2022.
https://doi.org/10.4000/caravelle.1562...
, p. 1).

A década de 1830 no Chile é marcada pela paulatina consolidação do partido conservador no poder, que soube minorar as disputas internas e consolidar o Estado através da construção de empresas nacionais, fomentando o patriotismo e a ideia de nação (JAKSIC; SOL, 2010JAKSIC, Iván; SOL, Serrano Pérez. El gobierno y las libertades: la ruta del liberalismo chileno en el siglo XIX. Estudios Públicos, Santiago, n. 118, Otoño, 2010. Disponível em: https://bityli.com/Hfjxjan . Acesso em: 11 jun. 2022. p. 69-105.
https://bityli.com/Hfjxjan...
). A partir de 1840 iniciou-se na imprensa debates sobre a necessidade de reformar a república, no intuito de compor modificações políticas e de institucionalizar as disputas pelo poder. Em 1850 observamos a emergência do partido liberal que se opunha fortemente aos conservadores, resultando na guerra civil de 1851. As reformas pensadas na década de 1840 pelos liberais ganharam novos contornos e foram implementadas na década de 1860 através da aliança entre alguns conservadores menos rígidos e alguns liberais menos exaltados, o que ficou conhecido como a “fusão liberal conservadora”. Uma das condições prévias para a consolidação deste arranjo político e para a estabilização da vida social no Chile foi a construção de uma memória histórica comum. As biografias e os compêndios biográficos ocuparam relevância fundamental neste arranjo, principalmente a Galeria Nacional (1854), primeiro grande compêndio biográfico.

Uma das figuras centrais para a compreensão da elaboração da Galeria Nacional (1854) foi o francês Narcisse Desmadryl. Fortemente ligado ao mercado editorial, sua família possuía gráfica em Paris. Desmadryl chega ao Chile em 1845 e, ao se estabelecer, cria sua própria empresa; em 1853 inicia o projeto de publicação da Galeria Nacional, uma coleção de biografias e retratos de homens célebres. Enríquez, Dedieu e Cid observam que o projeto é antes de tudo um empreendimento comercial e que a obra é transformada em um manifesto político por seus autores, como Hermógenes Irisarri y Miguel L. Amunátegui. Trata-se de uma obra “[...] escrita pelos principais literatos do país. [...] luxuosas, em dois volumes com excelente papel e encadernação de qualidade [...] (DEDIEU; ENRÍQUEZ; RODRÍGUEZ, 2015DEDIEU, Jean Pierre; ENRÍQUEZ, Lucrecia; RODRÍGUEZ, Gabriel Cid. Fabricación heroica y construcción de la memoria histórica chilena (1844-1875). Caravelle, Toulouse, n. 104, p. 47-70, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.4000/caravelle.1562 . Acesso em: 16 jun. 2022.
https://doi.org/10.4000/caravelle.1562...
, p. 3, tradução nossa).

O aspecto tipográfico de “luxo” e as litografias feitas pelo próprio Desmadryl evidenciam a preocupação comercial da obra. Nesse sentido, o impulso de produção da Galeria Nacional (1854) e, também, da Galeria de Celebridades Argentinas (1857) se subscrevem dentro da dinâmica editorial e da especulação comercial. Em um segundo momento, os letrados que integravam tais projetos editoriais evidenciaram uma oportunidade para tecer seus respectivos projetos históricos-políticos. Se no Chile Hermógenes Irisarri - que foi o autor da introdução da Galeria Nacional - e Miguel L. Amunátegui transformam a obra em um “manifesto político”, na Argentina será Bartolomé Mitre - também autor da introdução da Galeria de Celebridades e da maior biografia da obra, a de Belgrano - e Domingo Faustino Sarmiento, que transformarão o compêndio em um prelúdio interpretativo do processo histórico argentino.

Como observamos, A Galeria Nacional é composta por 48 biografias, que em sua maioria incluem litografias dos personagens. A edição acompanha uma introdução, escrita por Hermógenes Irisarri, em que são lançadas as principais linhas interpretativas do processo histórico chileno - a partir da independência do Chile -, em que se efetiva uma apreciação geral para o restante da obra, a despeito dos personagens e perspectivas conflitantes. As biografias são desproporcionais e não obedecem a nenhuma ordem hierárquica de prestígio ou relevância. Encontram-se presentes os dois tipos de biografias que destacamos anteriormente: as biografias de predicação e as histórias biográficas, as quais se aglutinam em uma interpretação histórica do movimento de independência do Chile. Segundo Enríquez, Dedieu e Cid: “dessa forma, se estabeleceu uma relação de herança de legados, incorporação de valores, continuidade de tradições e princípios fundadores” (DEDIEU; ENRÍQUEZ; RODRÍGUEZ, 2015DEDIEU, Jean Pierre; ENRÍQUEZ, Lucrecia; RODRÍGUEZ, Gabriel Cid. Fabricación heroica y construcción de la memoria histórica chilena (1844-1875). Caravelle, Toulouse, n. 104, p. 47-70, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.4000/caravelle.1562 . Acesso em: 16 jun. 2022.
https://doi.org/10.4000/caravelle.1562...
, p. 3, tradução nossa).

Dentre os escritores da Galeria Nacional (1854) podemos encontrar os autores das Memórias da Universidade de Chile, letrados liberais e conservadores, poetas destacados e publicistas, como Domingos Faustino Sarmiento. É importante mencionar que em muitos casos os letrados “reciclam textos circunstanciais escritos anteriormente”, ou seja, textos que já haviam sido publicados em outros meios e eram reaproveitados para a incorporação no compêndio (DEDIEU; ENRÍQUEZ; RODRÍGUEZ, 2015DEDIEU, Jean Pierre; ENRÍQUEZ, Lucrecia; RODRÍGUEZ, Gabriel Cid. Fabricación heroica y construcción de la memoria histórica chilena (1844-1875). Caravelle, Toulouse, n. 104, p. 47-70, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.4000/caravelle.1562 . Acesso em: 16 jun. 2022.
https://doi.org/10.4000/caravelle.1562...
, p. 4, tradução nossa). Esse aspecto indica uma fraca mobilização de autonomia autoral e uma desobrigação de ineditismo do texto, dimensões subscritas na dinâmica compilatória dos compêndios (ARAUJO, 2015ARAUJO, Valdei Lopes de. Historiografia, nação e os regimes de autonomia na vida letrada no Império do Brasil. Varia História, Belo Horizonte, v. 31, n. 56, p. 365-400, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0104-87752015000200004 . Acesso em: 8 de ago. 2022.
https://doi.org/10.1590/0104-87752015000...
).

A Galeria de celebridades argentinas (1857) é inspirada e produzida sob os moldes da versão chilena, como a própria presença de Desmadryl permite constatar. Em específico, retrata personagens relacionados à causa portenha e centralista da Revolución de Mayo de 1810. A obra foi um empreendimento coletivo publicado em Buenos Aires em 1857, durante a secessão da província. Os portenhos lutavam contra a Confederação Argentina (organização das províncias do interior) liderada por Justo José de Urquiza9 9 Justo José de Urquiza foi um militar e político argentino. Foi governador da província de Entre Rios no regime de Juan Manuel de Rosas. Em 1851 realiza um levante contra Rosas e o depõe em 1852. Foi presidente da Confederação Argentina entre 1854 e 1860. - nesse contexto um personagem ressignificado como uma força da barbárie e do rosismo (EUJANIAN, 2015EUJANIAN, Alejandro. El pasado en el péndulo de la política: Rosas, la provincia y la nación en el debate político de Buenos Aires, 1852-1861. Bernal: Universidad Nacional de Quilmes Editorial, 2015.). As definições político/institucionais estavam em disputa no novo cenário após a queda do governo de Juan Manuel de Rosas. Assim, a década de 1850 é marcada por conflitos bélicos e disputas de imaginários políticos que serão centrais nas futuras definições da nação argentina (HALPERIN DONGUI, 1996HALPERIN DONGHI, Tulio. Mitre y la Formulación de una Historia Nacional para la Argentina. Anuario IEHS, Taldil, n. 11, 1996. p.57-69. Disponível em: https://shorturl.at/fgP14 . Acesso em: 14 ago. 2023.
https://shorturl.at/fgP14...
).

A mesma lógica comercial e tipográfica é expressa na Galeria de Celebridades (1857). A obra é também uma edição de luxo, com encadernação em couro e ilustrações em seu interior - reservada à elite letrada de Buenos Aires e das províncias. A proporção da Galeria de Celebridades de 1857 é contrastante com a versão chilena de 1854. Escrita em apenas um tomo, a versão argentina apresenta uma pequena introdução escrita por Bartolomé Mitre que pautará uma interpretação geral sobre o compêndio, a partir da mobilização dos conceitos antitéticos de civilização e barbárie, e nove biografias de personagens da revolução de 1810: Belgrano, Rivadavia, San Martin, Moreno, Lavalle, Brown, Dean Funes, Florencio Varela e Manuel José Garcia - todos em alguma medida simpáticos às causas liberais e centralistas. Assim como ocorre com a versão chilena, os autores das biografias são letrados renomados no espaço público do Rio da Prata.10 10 A compilação conta ainda com retratos litográfico de Narciso Desmadryl - como dito anteriormente, um dos principais promotores da versão argentina, juntamente com os editores da livraria Ledoux y Vignal.

Da mesma forma que a Galeria Nacional (1854), a Galeria de celebridades (1857) é também entendida através da dimensão compilatória. Segundo Fabio Wasserman, um dos traços distintivos da obra é o descuido de sua realização: indicação de autores que não publicaram nenhuma biografia, outras inexistentes, biografias com autorias erradas e promessas que não foram realizadas. A biografia de Moreno é um exemplo de como algumas biografias foram reutilizadas para a composição da obra: foi extraída da obra de seu irmão, escrita em 1812; além da biografia de Funes, que por sua vez era uma autobiografia concluída por um terceiro.

A atenção à dimensão editorial e ao público leitor é fundamental para a composição e seu alcance. A despeito de sua falta de organização, a Galeria de Celebridades pode ser entendida como uma obra coletiva que tinha por objetivo imputar uma síntese pragmática: reafirmar a memória da elite revolucionária portenha, no intuito de extinguir o passado rosista do espaço público - em meio às disputas pelo passado recente - e, ao mesmo tempo, justificar pretensões políticas com base na elaboração do passado revolucionário.

Portanto, a produção dos compêndios procurava responder a demandas emergentes das sociedades sul americanas através de uma elaboração narrativa de fácil acesso, pautada na dimensão individual. Ao nosso ver, as construções biográficas configuram uma proposta acessível para a compreensão da realidade nacional, disponibilizando sínteses pragmáticas impulsionadas por demandas dos crescentes mercados editoriais e ligando-se enfaticamente ao modo compilatório de elaboração do discurso histórico (ARAUJO, 2015ARAUJO, Valdei Lopes de. Historiografia, nação e os regimes de autonomia na vida letrada no Império do Brasil. Varia História, Belo Horizonte, v. 31, n. 56, p. 365-400, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0104-87752015000200004 . Acesso em: 8 de ago. 2022.
https://doi.org/10.1590/0104-87752015000...
; BERGER, 2012BERGER, S; MELMAN, B; LORENZ, C. Popularizing National Past: 1800 to the present. New York: Routledge, 2012. ; BERGER; MELMAN; LORENZ, 2012BERGER, S. Professional and Popular Historians: 1800-1900-2000. In: PALETSCHEK, Sylvia; KORTE, Barbara. Popular History Now and Then: International Perspectives. Bielefeld: Transcript-Verlag, 2012. p. 13-30.; PALETSCHEK, 2011PALETSCHEK, S. Popular historiographies in the 19th and 20th centuries: cultural meanings, social practices. New York: Berghan Books, 2011.). Desta forma, demandas comerciais e necessidades políticas moldam o surgimento dos compêndios na Argentina e no Chile. Ao mesclar-se os dois tipos de biografias - de predicação e de maior abrangência histórica - acreditamos que as dimensões morais e processuais eram mobilizadas para realçar interpretações históricas, fornecendo ao leitor um mosaico de valores nacionais para, assim, realizar nacionalizações específicas - como é o caso da biografia de San Martin, escrita por Domingo Faustino Sarmiento.

Atravessando os andes: o San Martin de Sarmiento

Um dos pontos mais interessantes dos compêndios argentino e chileno é a presença de Sarmiento como autor das biografias de San Martin em ambas obras. Figura central no debate público dos dois países, Sarmiento se destaca como um dos principais publicistas do século XIX. Autor de vasta obra, foi presidente da Argentina entre 1868 e 1874 e é considerado um dos maiores promotores do sistema de ensino argentino. É amplamente conhecido por seu ensaio/biografia Facundo (1845), obra em que descreve a vida do caudillo Juan Facundo Quiroga e os aspectos demográficos e geográficos argentinos, culminando na famosa antinomia civilização e barbárie - a qual pautará as projeções e sentidos históricos na interpretação do passado e futuro argentino (FONTANA, 2011FONTANA, Patricio Miguel. Sarmiento y sus monstruos biográficos. In: MARTÍN, Ana Laura; DEL SASTRE, Elisabeth Caballero de; CIDRÉ, Elsa Rodríguez; PALACIOS, Jimena Paula; SUÁRES, Marcela Alejandra; DOMÍNGUEZ, Nora. (org.). Miradas y saberes de lo monstruoso. Buenos Aires: Editorial de la Facultad de Filosofía y Letras Universidad de Buenos Aires, 2011. p. 73-86., p. 74, 75).

A figura de José de San Martin é central para os dois compêndios nacionais. A inclusão do general, nascido em Yapeyú, na Argentina, é indiscutível na medida em que foi San Martin um dos líderes nas guerras de independência e quem conduziu a travessia dos Andes com o exército libertador e entrou em Santiago, enfrentando as forças realistas espanholas na batalha decisiva de Chacabuco, estabelecendo a “reconquista” e a efetivação da independência do Chile.

Sarmiento nasceu em San Juan, na Argentina e residiu no Chile em seu exílio durante o governo de Juan Manuel de Rosas. Foi no Chile que o autor publicou seu Facundo (1845) em folhetim. A condição do exílio é um fator importante na trajetória de Sarmiento, assim como suas viagens pelo mundo. Longe de ser algo exclusivo para o publicista, o exílio deve ser considerado como uma condição de interlocução, em que agrupava e fomentava diálogos, partilhas e disputas entre muitos homens de letras, criando-se, assim, um espaço transandino (PEREIRA, 2019PEREIRA, Affonso Celso Thomaz. A comissão de exilados argentinos: a construção de um espaço exterior de política interna entre Argentina e Chile em meados do século XIX. Antíteses, Londrina, v. 12, n. 24, dez. 2019. p. 543-572. Disponível em: https://ojs.uel.br/revistas/uel/index.php/antiteses/article/view/37788 . Acesso em: 23 jun. 2023.
https://ojs.uel.br/revistas/uel/index.ph...
). Tendo em vista a centralidade de Sarmiento no mundo das letras nos dois países, não é fortuito que apareça como autor nos dois compêndios biográficos.

A primeira versão da biografia de José de San Martin escrita por Sarmiento foi publicada na Galeria Nacional [...] de Chile (1854). A biografia é escrita em treze páginas, um tamanho mediano em relação às demais do mesmo compêndio. Em termos gerais, não há uma divisão evidente entre os tópicos abordados. A versão chilena é escrita de forma direta e contínua, em que um tema se desdobra em outro, criando passagens por vezes abruptas e descontinuadas. Por sua vez, a versão da biografia de San Martin da Galeria de Celebridades Argentinas (1857) é um pouco menor, contendo 11 páginas e estrutura-se de forma diferente: seu texto é organizado em tópicos temáticos da vida do biografado. A biografia de 1857, apesar de narrar quase os mesmo fatos e eventos, enfatiza outros temas, dando visibilidade às dimensões não abordadas na versão de 1854. Trata-se de duas biografias que apesar de serem escritas pelo mesmo autor e tratar do mesmo biografado, tem propósitos diferentes e funcionam de forma distintas.

Para nossa análise sobre as estratégias de composição biográfica proponho esboçar um panorama com os principais eventos e fragmentos da vida de San Martin e, a partir do cotejo de determinadas passagens, elucidar os diferentes enfoques que Sarmiento aplicou para operar nacionalizações através da biografia. O cruzamento das duas biografias procura estabelecer como o autor atendeu às demandas específicas de cada auditório para os quais os compêndios foram publicados.

Em geral, os temas e eventos abordados nas duas biografias podem ser resumidos da seguinte forma: 1) o retiro de San Martin na Europa após as guerras de independência; 2) o espaço de Yaupú, na Argentina, onde San Martin nasceu; 3) sua formação militar na Europa e sua luta pela independência da América do Sul; 4) a atuação de San Martin na Argentina, no Chile e no Peru. Os quatro eixos temáticos perpassam as duas biografias, porém, são organizadas em elaborações diferentes. Dependendo do tema da vida do biografado - e de sua relevância para a história argentina ou chilena - a passagem ganha maiores contornos narrativos e explicativos, no intuito de tecer uma interpretação específica para cada caso.

O mote central da biografia de San Martin publicada no Chile aborda os principais feitos do general argentino em seu empreendimento de “reconquista do Chile”. Cabe ressaltar que em 1814, após os primeiros movimentos independentistas iniciados em 1810, o Chile foi retomado pelas forças pertencentes ao Império Espanhol na Batalha ou “desastre” de Rancagua, restabelecendo o domínio da coroa no território. No mesmo ano de 1814, San Martin assume o governo da Intendência de Cuyo e inicia o planejamento de uma expedição ao Peru para confrontar as forças realistas. O plano compreendia a marcha ao Peru a partir do Chile, através de sua reconquista. Na biografia são ressaltados os principais feitos da famosa travessia dos Andes, assim como os principais movimentos de San Martin no espaço chileno.

Sarmiento retrata o cuidadoso planejamento de San Martin, destacando o general argentino como um hábil político conciliador e um astuto estrategista militar. A Batalha de Chacabuco em 1817 marca a retomada de Santiago pelas forças patriotas e exalta a audácia de San Martin em cruzar os Andes com seu exército e surpreender as forças realistas. Segundo Sarmiento “Chacabuco é menos uma batalha do que uma surpresa feita à luz do dia” (GALERIA NACIONAL, 1854DESMADRYL, Narciso (dir.). Galería Nacional, o colección de biografías y retratos de hombres célebres de Chile, escrita por los principales literatos del país, dirigida y publicada por Narciso Desmadryl, autor de los grabados y retratos. Hermógenes de Irisarri, revisor de redacción, Santiago de Chile, Imprenta Chilena, 1854., p. 161, tradução nossa). Na biografia são narrados os episódios posteriores da reconquista, como a proclamação de San Martin como dirigente da restabelecida república e o declínio a esse convite, a organização e a resistência do general argentino contra as forças realistas no espaço chileno e o empreendimento de marcha ao Peru, no intuito de liquidar a resistência das forças espanholas. Destaca-se o episódio de Cancha-Rayada e a resiliência de San Martin que, mesmo após uma grande derrota, se reorganiza e derrota as forças espanholas, assim como o preparo para a invasão do Peru desde o território Chileno. Na organização desta última expedição militar contra os realistas, Sarmiento destaca a competência de San Martin em gerenciar os recursos para a guerra e a preparação de uma esquadra naval para o seu exército. Não menos importante, enfatiza-se as obras públicas feitas por San Martin, como os fomentos em instituições escolares e militares. O fim da biografia descreve a invasão ao Peru, o encontro de San Martin com Bolívar e seu retiro na Europa.

Por sua vez, na versão argentina da biografia, Sarmiento concentra a maior parte de sua narrativa nos percursos de San Martin dentro do território das Províncias Unidas do Rio da Prata, atual Argentina. Após uma descrição detalhada do espaço próximo ao Rio Uruguai e Misiones, Sarmiento relata o fim dos ajuntamentos jesuítas na região e o nascimento de San Martin, descreve de forma breve a sua formação militar na Espanha e insere as guerras de independência sul americanas no contexto de crise e invasão francesa da península ibérica. Nesse sentido, novas ideias e perspectivas ilustradas ajudam o futuro general a tomar a decisão de defender sua pátria contra o domínio colonizador espanhol.

Um dos principais pontos da narrativa biográfica de Sarmiento é a configuração e extensão de atuação da Sociedade Lautaro, sociedade privada que tinha como objetivo fomentar a independência das américas e da qual saíram diversos líderes militares que atuaram no continente, dentre eles, Bolívar e Belgrano. Em sua ampla rede de influência, Sarmiento destaca que a Sociedade Lautaro foi um dos pilares para a realização das independências. Após decisão de partir para a América do Sul e se estabelecer em Buenos Aires, é através da Lautaro que San Martin começa a organização de seu regimento, os Granaderos a Cabballo.

Os Granaderos a Caballo são outro tema que assume centralidade na versão argentina. Sarmiento relata a história de formação do regimento e enfatiza sua característica disciplina e a ferocidade de seus soldados. Um aspecto importante nesta passagem é o percurso do regimento no espaço argentino, no intuito de demonstrar suas várias expedições no território: Santa Fé, Córdoba, Mendoza, Rosario, Tucumán e etc. Sarmiento descreve os regimentos em todos os eventos que participaram, mesmo no Chile em Chacabuco, Talcahuano, Maipo e no Peru, em Lima, Junín e Ayacucho. Por fim, termina narrando a volta dos Granaderos a Buenos Aires, em 1826. Segundo o autor da biografia, “os Granaderos a Caballo são a epopéia da revolução de independência” (GALERIA DE CELEBRIDADES, 1857MITRE, Bartolomé; SARMIENTO, Domingo F; GUTIÉRREZ, Juan M; FRIAS, Felix et al. Galeria de Celebridades Argentinas: biografias de los personages más notables del Rio de la Plata. Buenos Aires: Libreria de la Victoria, Imprenta Americana, 1857., p. 9, tradução nossa).

San Martin como Intendente de Cuyo é descrito como um hábil organizador de recursos, usados principalmente para a organização do exército para a reconquista do Chile. São narrados em detalhes os modos em que San Martin pode arregimentar esses recursos e de como os territórios argentinos vizinhos de Cuyo, cada qual a sua maneira, ajudaram na composição e organização da expedição pelo Andes. A reconquista do Chile é descrita de forma breve e seus resultados são elencados como consequências positivas para a Províncias Unidas do Rio da Prata. Nesse sentido, em muitas passagens em que há um grande feito de San Martin, seja no Chile ou no Peru, Sarmiento os perspectiva a partir de suas consequências para o território argentino: “tão esplêndidos triunfos de nossas armas fora do território das Províncias [...]” (GALERIA DE CELEBRIDADES, 1857MITRE, Bartolomé; SARMIENTO, Domingo F; GUTIÉRREZ, Juan M; FRIAS, Felix et al. Galeria de Celebridades Argentinas: biografias de los personages más notables del Rio de la Plata. Buenos Aires: Libreria de la Victoria, Imprenta Americana, 1857., p. 12, tradução nossa). A vitória em Chacabuco, por exemplo, marcaria o fim do domínio espanhol em Buenos Aires: “em Chacabuco, mais tarde naquele mesmo dia, colheu-se os frutos desse feliz começo. Os espanhóis nunca mais puseram os pés no território da província de Buenos Aires” (GALERIA DE CELEBRIDADES, 1857MITRE, Bartolomé; SARMIENTO, Domingo F; GUTIÉRREZ, Juan M; FRIAS, Felix et al. Galeria de Celebridades Argentinas: biografias de los personages más notables del Rio de la Plata. Buenos Aires: Libreria de la Victoria, Imprenta Americana, 1857., p. 10, tradução nossa). Por fim, Sarmiento narra o percurso de San Martin no Peru e o final da expedição de libertação. Termina a biografia relatando os dias finais do general argentino na Europa.

A principal diferença entre as duas biografias é o peso narrativo a cada tópico específico da vida de San Martin. Como observamos, na versão chilena de 1854, Sarmiento ressalta a reconquista do Chile como o ponto central da biografia, principalmente suas realizações no espaço chileno. Na versão argentina, destaca-se a descrição pormenorizada da Sociedade Lautaro e, principalmente, a formação e percurso dos Granaderos a Caballo - a despeito das poucas linhas destes dois temas abordados na biografia de 1854. Ao ressaltarem as especificidades chilenas e argentinas em cada publicação, ambas as biografias operavam uma nacionalização do biografado no intuito de fomentar a construção de uma experiência da história nacional - a reconquista pelo lado chileno e os Granaderos pelo lado argentino - em que se reforça aspectos identitários, balizamentos temporais e espaciais, continuidades históricas e expectativas políticas.

Outro fator a ser ressaltado é a condução narrativa da biografia e as polêmicas da vida de San Martin, que a depender da versão, são prolongados, ocultados ou minimizados. Na versão argentina da biografia, Sarmiento realiza uma reflexão sobre o ostracismo e a recuperação de sua memória no espaço público chileno e argentino:

Neste espírito de reparação, os jovens literatos dedicaram-se a revisar a história da independência, a debater os pontos controversos, a restituir as suas glórias ao ilustre proscrito, e a apagar com mãos generosas os ultrajes feitos ao seu nome por interesses, paixões e opiniões que tinham morrido, por não serem nacionais, e portanto duradouras (GALERIA DE CELEBRIDADES, 1857MITRE, Bartolomé; SARMIENTO, Domingo F; GUTIÉRREZ, Juan M; FRIAS, Felix et al. Galeria de Celebridades Argentinas: biografias de los personages más notables del Rio de la Plata. Buenos Aires: Libreria de la Victoria, Imprenta Americana, 1857., p. 15, tradução nossa).

De antemão destaca-se a função principal de uma biografia de predicação, a saber, disputar uma memória sobre um determinado personagem e, de certa forma, monumentalizar. No entanto, Sarmiento vai além destes aspectos de predicação. Em um movimento de crítica histórica moderna, o autor historiciza as interpretações sobre o biografado no intuito de destacar as origens de cada representação e, ao seu modo, depreciá-las como enviesadas, apaixonantes ou politicamente corruptas - interpretações que capitalizavam politicamente a imagem de San Martin (FONTANA, 2009FONTANA, Patricio. La biografía como máscara: Alberdi lector de Sarmiento y Mitre. In: JITRIK, Noé. (org.). Revelaciones imperfectas: estudios de literatura latinoamericana. Buenos Aires: NJ Editor, 2009. p. 191-198.). De modo geral, a reinvindicação de Sarmiento expõe a dimensão nacional como mediação interpretativa, ou seja, como mote central para a apuração da imagem do biografado e, derivando-se desse ponto, a correta, “duradoura” e imparcial interpretação da vida de San Martin.

Seu objetivo, ao nosso ver, é distanciar determinadas versões sobre o biografado e ressaltar sua própria perspectiva. De forma principal, a relação de Juan Manuel de Rosas e San Martin e a utilização política que o rosismo fez da memória do general:

Rosas honrou o seu nome, sem reconhecer a sua patente militar e salário de general, explorando em benefício da sua tirania, a prudência com que o líder da independência sempre encarou a ingerência de potências estrangeiras nos assuntos deste continente. [San Martin] deixou-lhe como penhor de seus sentimentos a esse respeito, o famoso sabre curvo que portam os retratos contemporâneos, e que sempre o acompanhou nas grandes batalhas (GALERIA DE CELEBRIDADES, 1857MITRE, Bartolomé; SARMIENTO, Domingo F; GUTIÉRREZ, Juan M; FRIAS, Felix et al. Galeria de Celebridades Argentinas: biografias de los personages más notables del Rio de la Plata. Buenos Aires: Libreria de la Victoria, Imprenta Americana, 1857., p. 15, tradução nossa).

A concessão do sabre de San Martin a Juan Manuel de Rosas evidencia uma polêmica central na construção das biografias e a preponderância do espaço nacional como delimitador narrativo. Em seus últimos anos de vida, o general argentino se mostrava simpático ao governo de Rosas, oferecendo-lhe seu serviço diplomático e o famoso objeto do tempo da independência, seu próprio sabre. Contudo, a citação anterior é a única menção ao sabre na versão argentina da biografia. Não são mencionadas as causas ou os porquês da doação, apenas essa rápida passagem que induz o leitor a suspeitar sobre o equívoco ensejado pelo rosismo sobre San Martin.

No entanto, a versão chilena da biografia descreve com maiores particularidades tal episódio. Sarmiento destaca quase uma página inteira sobre a relação Rosas-San Martin e a doação do sabre, a despeito das quase três linhas na versão da biografia argentina. Segundo Sarmiento:

Nada de especial nos últimos anos de San-Martin, exceto a oferta feita ao Ditador de Buenos Aires dos seus serviços em defesa da Independência Americana, que ele acreditava estar ameaçada pelas potências europeias no Rio da Prata. O poder absoluto do General Rosas sobre os povos da Argentina não era uma distração da antiga e gloriosa preocupação da Independência, a única, absoluta e constante ideia de toda a sua vida. A ela consagrara os seus dias felizes, a ela sacrificara todas as outras considerações, a própria liberdade (GALERIA NACIONAL, 1854DESMADRYL, Narciso (dir.). Galería Nacional, o colección de biografías y retratos de hombres célebres de Chile, escrita por los principales literatos del país, dirigida y publicada por Narciso Desmadryl, autor de los grabados y retratos. Hermógenes de Irisarri, revisor de redacción, Santiago de Chile, Imprenta Chilena, 1854., p. 166-167, tradução nossa).

O ato de solicitude ao “ditador” se justifica na medida em que o propósito da vida do biografado se faz mais importante que disputas internas e se eleva a contratempos, entre eles, o poder absoluto de Rosas. A interpretação geral da vida de San Martin realça o atrelamento de sua vida com uma perspectiva teleológica em que a liberdade assume centralidade e se efetiva paulatinamente. Nesse sentido, contra forças externas, a manutenção da independência - da liberdade que está acima das demais liberdades - coloca-se além de qualquer disputa política. Sarmiento destaca o governo de Rosas como um desvio das virtudes elencadas com a liberdade da independência:

Na hora da sua morte, lembrou-se que possuía uma espada histórica, e acreditando ou desejando legá-la ao seu país, dedicou-a ao General Rosas, como defensor da Independência Americana! Não murmuremos sobre esse erro na rotulagem da carta, que em seu crédito tem como desculpa a apreciação imprecisa dos fatos e dos homens, que uma ausência de trinta e seis anos do teatro dos acontecimentos, e as fraquezas de juízo na idade septuagenária, podem provocar. Em todo caso, os homens passam e só as nações são eternas, e essa espada penderá um dia sobre o altar da Pátria, e envolta no estandarte de Pizarro, para mostrar aos tempos futuros o começo e o fim de um período da história da América do Sul, da Conquista à Independência (GALERIA NACIONAL, 1854DESMADRYL, Narciso (dir.). Galería Nacional, o colección de biografías y retratos de hombres célebres de Chile, escrita por los principales literatos del país, dirigida y publicada por Narciso Desmadryl, autor de los grabados y retratos. Hermógenes de Irisarri, revisor de redacción, Santiago de Chile, Imprenta Chilena, 1854., p. 167, tradução nossa).

A apreciação inexata dos fatos e dos homens advém de uma má interpretação, seja pela ausência e distância em relação ao espaço dos eventos ou pela já avançada idade do general. Nesse sentido, a contingência, o acaso e até mesmo o erro (como a entrega do sabre a Rosas e as posturas monárquicas de San Martin descritas na versão chilena, mas deliberadamente ocultadas na versão argentina) são intrínsecos ao próprio movimento de realização da liberdade. As nações são eternas, são os homens que estão sujeitos a erros e perecem; a espada continuará pertencendo à nação, apesar do erro interpretativo de lega-la ao rosismo. San Martin, assim como Pizarro, simbolizam o percurso histórico - e uma etapa e baliza temporal - que compreende o movimento de libertação do despotismo espanhol pelos americanos, a independência, democracia e a liberdade.

O quase completo ocultamento do apoio de San Martin a Rosas e ao rosismo na versão argentina responde à dinâmica intrínseca do espaço público portenho na década de 1850, em meio a secessão de Buenos Aires e sua disputa com as Províncias Unidas do Rio da Prata, a mando de Justo José Urquiza. Trata-se do expurgo e esquecimento do passado rosista e da tentativa de conciliações de memórias para a projeção de uma plataforma política de coalizão nacional liderados pelos portenhos (EUJANIAN, 2015EUJANIAN, Alejandro. El pasado en el péndulo de la política: Rosas, la provincia y la nación en el debate político de Buenos Aires, 1852-1861. Bernal: Universidad Nacional de Quilmes Editorial, 2015.).

Na biografia publicada na Galeria de Celebridades Argentinas (1857) Sarmiento realiza uma descrição acurada sobre o espaço argentino em que San Martin nasceu, como dissemos anteriormente. Reservado a um único e pequeno parágrafo na versão chilena de 1854, na versão de 1857 a descrição sobre o espaço argentino ocupa quase duas páginas, descrevendo os rios e suas especificidades, assim como as “origens” de Missiones e a presença jesuíta neste espaço. Sarmiento esboça uma crítica sobre a ocupação jesuíta e postula que “As famosas missões nada produziram na história da América que afetasse a sua civilização ou o seu progresso” (GALERIA DE CELEBRIDADES, 1857MITRE, Bartolomé; SARMIENTO, Domingo F; GUTIÉRREZ, Juan M; FRIAS, Felix et al. Galeria de Celebridades Argentinas: biografias de los personages más notables del Rio de la Plata. Buenos Aires: Libreria de la Victoria, Imprenta Americana, 1857., p. 6, tradução nossa). Com efeito, é possível observar uma determinada aversão de Sarmiento pelas missões jesuítas, principalmente por ser, segundo o autor, uma organização teocrática. Na biografia chilena, o autor narra a transição entre a infância de San Martin em Yapetú, localizada em Misiones na Argentina, e seu deslocamento para a Europa, onde foi estudar e iniciou sua carreira militar. Na versão argentina, após a narração detalhada do espaço de Misiones, Sarmiento volta ao nascimento de San Martin e o condiciona à uma dimensão teleológica. O sanjuanino relaciona o nascimento de San Martin com a queda do “governo teocrático” dos jesuítas, imputando um sentido à vida do general argentino:

E, no entanto, de Yapeyú, capital das malfadadas missões, saiu a espada que havia de cortar os grilhões das colônias espanholas, dando a metade da América a independência que as constituiria, no porvir do mundo, um vasto campo para a experimentação das modernas instituições republicanas [...] D. José de San Martín, nasceu em Yapeyú no dia em que deixou de ser a residência do governo teocrático (GALERIA DE CELEBRIDADES, 1857MITRE, Bartolomé; SARMIENTO, Domingo F; GUTIÉRREZ, Juan M; FRIAS, Felix et al. Galeria de Celebridades Argentinas: biografias de los personages más notables del Rio de la Plata. Buenos Aires: Libreria de la Victoria, Imprenta Americana, 1857., p. 6, tradução nossa).

De forma ainda mais explícita, Sarmiento associa o nascimento de San Martin à consolidação da independência norte americana, expondo sua matriz conceitual para o conceito de liberdade e suas projeções políticas:

Em 25 de fevereiro de 1778, ano em que as colónias inglesas da América do Norte, reunidas em congresso, consolidaram a sua independência por um pacto confederativo, nasceu D. José de San Martín em Yapeyú, então província anexa ao vice-reinado de Buenos Aires (GALERIA DE CELEBRIDADES, 1857MITRE, Bartolomé; SARMIENTO, Domingo F; GUTIÉRREZ, Juan M; FRIAS, Felix et al. Galeria de Celebridades Argentinas: biografias de los personages más notables del Rio de la Plata. Buenos Aires: Libreria de la Victoria, Imprenta Americana, 1857., p. 6, tradução nossa).

A centralidade de Buenos Aires como delimitação espacial do nascimento do biografado, a associação do nascimento de San Martin com a Independência Norte Americana e a relação com a ruína da “teocracia” jesuíta configuram um aspecto providencial e teleológico que enreda o biografado na versão argentina. Afinal, seria o general argentino quem poria fim ao regime colonial e realizaria a independência da América do Sul, modificando o “porvir do mundo” e instaurando as “modernas instituições republicanas”. Nesse sentido, a ilusão biográfica ou a conformidade linear de imputação de um sentido à vida, enfatiza uma dimensão teleológica que subscreve a vida de San Martin a um projeto histórico-político ainda em curso: projeto político liberal, centralista e ilustrado (BOURDIEU, 1998BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In: FERREIRA, Marieta de Morais; AMADO, Janaina. Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 1998. p. 183-191.; FONTANA, 2009FONTANA, Patricio. La biografía como máscara: Alberdi lector de Sarmiento y Mitre. In: JITRIK, Noé. (org.). Revelaciones imperfectas: estudios de literatura latinoamericana. Buenos Aires: NJ Editor, 2009. p. 191-198.). Na versão chilena, é a reconquista contra os espanhóis, fruto de estratégias e negociações, e a fundamentação de instituições que funcionam como mote central no estabelecimento do sentido da biografia de San Martin no espaço público chileno - a liberdade como uma continuidade das consolidações institucionais e dos arranjos políticos que possibilitaram a estabilidade da nação.

Considerações finais: fragmentos biográficos como arcabouços nacionais

Como observou Maria da Glória Oliveira para o caso brasileiro, apenas nos anos finais do século XIX podemos observar um certo declínio da produção biográfica, o qual pode estar associado à emergência de novas concepções epistemológicas, como o influxo sociológico na década de 1870 e às preliminares mutações do conceito moderno de história (OLIVEIRA, 2011OLIVEIRA, Maria da Glória. Escrever vidas, narrar a história: a biografia como problema historiográfico no Brasil oitocentista. Rio de Janeiro: Editora FGV , 2011.; SANTOS; PEREIRA, 2012SANTOS, Pedro A. Cristovão dos; PEREIRA, Mateus H. de F. Mutações do conceito moderno de história? Um estudo sobre a constituição da categoria “historiografia brasileira” a partir de quatro notas de rodapé (1878-1951). In: SILVA, Ana Rosa Cloclet da; NICOLAZZI, Fernando F.; PEREIRA, Mateus H. de F. (org.). Contribuições à história da historiografia luso-brasileira. São Paulo: HUCITEC, 2012. p. 15-76.). No entanto, trata-se de um declínio de uma determinada forma de biografia. A biografia nunca deixou de fazer parte das elaborações historiográficas, de tecer o passado no presente através de narrativas de vida. Em todo o século XX é possível observar a constância de publicações biográficas impulsionadas por sua popularidade e por especulações do mercado editorial (OLIVEIRA; GONÇALVES, 2012GONÇALVES, M. de A.; OLIVEIRA, M. da G. de. Apresentação. História da Historiografia, Ouro Preto, v. 5, n. 9, p. 10-13, 2012. Disponível em: https://bityli.com/tGdWifw . Acesso em: 16 jun. 2022.
https://bityli.com/tGdWifw...
; GONÇALVES, 2004GONÇALVES, M. de A. Narrativa biográfica e escrita da história: Octávio Tarquínio de Sousa e seu tempo. Revista de História, São Paulo, n. 150, p. 129-155, 2004. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/18981 . Acesso em: 16 jun. 2022.
https://www.revistas.usp.br/revhistoria/...
). Em cada momento histórico, novas condições se impunham e exigiam da biografia uma resposta historiográfica distinta, seja pelas incorporações epistemológicas, metodológicas, literárias ou sentimentais. Desta forma, a plasticidade do gênero biográfico em se adaptar aos interesses e anseios de seus leitores é uma constante que demarca sua especificidade (DOSSE, 2002DOSSE, F. A idade Heroica. In: DOSSE, F. O Desafio Biográfico: escrever uma vida. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009. p. 55-122.; AVELAR, 2020AVELAR, A. de S. Entre a tradição e a inovação: o IHGB e a escrita biográfica nas primeiras décadas republicanas. História da Historiografia, Ouro Preto, v. 13, n. 33, p. 397-429, 2020. Disponível em: https://www.historiadahistoriografia.com.br/revista/article/view/1585 . Acesso em: 1 set. 2022.
https://www.historiadahistoriografia.com...
).

A exigência de flexibilidade da forma biográfica assinala, também, sua particularidade para o século XIX. Longe de se estabelecer de uma única forma, a biografia foi paulatinamente se modificando conforme as exigências historiográficas, literárias e discursivas. Assim, a biografia não escapou da necessidade de estabelecer sentidos em meio às mudanças históricas estabelecidas pelas rupturas revolucionárias e demarcações independentistas. Ao nosso ver, da mesma forma que a outros modos de elaboração do discurso histórico, a biografia deveria dotar de densidade histórica seu relato, no intuito de historicizar os mundos da vida e tecer sentidos aos seus leitores (FONTANA, 2020FONTANA, Patricio Miguel. Una osadía de Sarmiento: Autobiografía y novela en Recuerdos de província. ZAMA, Buenos Aires. Universidad de Buenos Aires, v. 12. dez. de 2020, p. 9-20. Disponível em: https://shorturl.at/lmqA4 . Acesso em: 10 jun. 2022.
https://shorturl.at/lmqA4...
).

Respondendo a fatores comerciais, editoriais e políticos, os compêndios procuravam suprir determinadas lacunas de sentido histórico em seus determinados contextos. A criação de panteões de homens ilustres era uma forma de aglutinar valores individuais em uma memória unificada sobre o passado nacional. A fórmula de Thomas Carlyle, de que a “história é a essência de inúmeras biografias”, de alguma forma repercutia entre os letrados sul americanos - talvez mais pela disponibilidade de se fazer a história, aberta com as demandas por transformações e confrontando um futuro imprevisível, do que em reproduzir formas e valores estáticos herdados da tradição.

Dentre as estratégias de nacionalização que podemos evidenciar nas biografias dos compêndios e na biografia de Sarmiento, destacamos os seguintes: 1) a biografia enquanto relato ou sucessão de acontecimentos de uma vida, por vezes pormenorizados e minuciosos, fundamenta e estabiliza significados históricos por sua capacidade de controlar os elementos contextuais a partir de narrativas minuciosas, principalmente ao fundamentar-se na sucessão linear e no sentido expresso na “ilusão biográfica” - o sentido explícito da vida do biografado (BOURDIEU, 2008). Ou seja, ao voltar-se à dimensão individual, o biógrafo/historiador possui maior controle metodológico para delimitar seu objeto e pode, a seu modo, sugerir afirmações totalizadoras, com implicações teleológicas; como é o caso de Sarmiento ao postular uma história teleológica que se realiza com os feitos de San Martin e reivindica a liberdade aberta com a independência em frente ao despotismo espanhol como proposição política em seu contexto de atuação; 2) a biografia como instrumento privilegiado de historicização/nacionalização da realidade. Se a nação torna-se central para a articulação dos relatos históricos no século XIX, a biografia será um instrumento importante para realizar a mediação entre a nacionalização do tempo e do espaço. Em outras palavras, narrar uma vida equivalerá a escrever, de forma fragmentada, provisória e aproximativa, a história da nação. As biografias de San Martin de Sarmiento são exemplos de estabelecimento de representações históricas cuja função é estabilizar significados e nacionalizar realidades através do direcionamento específico que cumpre cada biografia. Ou seja, a depender do espaço de destinação da biografia, o autor molda seu relato no intuito de ressaltar as suas especificidades - na versão chilena a “reconquista” e a consolidação de instituições no território; na versão argentina, a expedição dos Granaderos a Caballo e a descrição do espaço argentino.

Portanto, podemos sugerir que a biografia, dentre os diversos modos de articulação do discurso histórico, pode ser considerada como um modo estruturante para a elaboração da experiência da história, tendo em vista seu direcionamento específico aos valores identitários e excepcionalidades nacionais. A biografia é uma tentativa provisória de desacelerar a corrosão historicista por meio do postulado de sentido à experiência narrada - um sentido teleológico, totalizador e expresso na “ilusão biográfica”. A biografia funciona como uma “instituição de totalização”, oferecendo ao seu público continuidades identitárias (BOURDIEU, 2008). Como ressaltam Beatriz Sarlo e Carlos Altamirano, a biografia pode ser entendida como um “fragmento significativo da história nacional” (ALTAMIRANO; SARLO, 1997ALTAMIRANO, C; SARLO, B. Ensayos argentinos: de Sarmiento a la Vanguardia. Buenos Aires: Ariel, 1997.).

Agradecimento

Agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo financiamento da pesquisa; ao meu orientador Valdei Araujo pelo apoio e incentivo, pela leitura, comentários e indicações bibliográficas. Aos integrantes do Núcleo de Estudos em História da Historiografia e Modernidade (NEHM), assim como os colegas e professores da UFOP, que contribuíram para a construção das reflexões presentes. Deixo registrado meus agradecimentos aos pareceristas pelas indicações bibliográficas e correções pertinentes e aos editores e equipe da revista História da Historiografia pela interlocução e excelência. Agradeço a Lissa Russano pela ajuda em questões relativas à tradução e revisão, além de outros elementos necessários para a elaboração deste artigo.

Referências

  • ALTAMIRANO, C; SARLO, B. Ensayos argentinos: de Sarmiento a la Vanguardia. Buenos Aires: Ariel, 1997.
  • ARAUJO, Valdei. A independência narrada: introdução à história da historiografia do Brasil. Rio de Janeiro: Proprietas, 2022.
  • ARAUJO, Valdei Lopes de. Historiografia, nação e os regimes de autonomia na vida letrada no Império do Brasil. Varia História, Belo Horizonte, v. 31, n. 56, p. 365-400, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0104-87752015000200004 Acesso em: 8 de ago. 2022.
    » https://doi.org/10.1590/0104-87752015000200004
  • ARAUJO, Valdei. Sobre a permanência da expressão historia magistra vitae no século XIX brasileiro. In: NICOLAZZI, Fernando; MOLLO, Helena M; ARAUJO, Valdei. (org.). Aprender com a história?: o passado e o futuro de uma questão. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2011. p. 131-148.
  • ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. 7ª ed. São Paulo: Perspectivas, 2011.
  • AVELAR, A. de S. Entre a tradição e a inovação: o IHGB e a escrita biográfica nas primeiras décadas republicanas. História da Historiografia, Ouro Preto, v. 13, n. 33, p. 397-429, 2020. Disponível em: https://www.historiadahistoriografia.com.br/revista/article/view/1585 Acesso em: 1 set. 2022.
    » https://www.historiadahistoriografia.com.br/revista/article/view/1585
  • BEVERNAGE, Berber; LORENZ, Chris. (org.). Breaking up Time: negotiating the borders between present, past and futher. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 2013.
  • BERGER, S; MELMAN, B; LORENZ, C. Popularizing National Past: 1800 to the present. New York: Routledge, 2012.
  • BERGER, S. Professional and Popular Historians: 1800-1900-2000. In: PALETSCHEK, Sylvia; KORTE, Barbara. Popular History Now and Then: International Perspectives. Bielefeld: Transcript-Verlag, 2012. p. 13-30.
  • BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In: FERREIRA, Marieta de Morais; AMADO, Janaina. Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 1998. p. 183-191.
  • CEZAR, Temístocles. Livros de Plutarco: biografia e escrita da história no Brasil do século XIX. Métis: história & cultura, Caxias do Sul, v. 2, n. 3, p.73-94, jan.-jun. 2003. Disponível em: https://bityli.com/jOOZXVn Acesso em: 22 jun. 2022.
    » https://bityli.com/jOOZXVn
  • CEZAR, Temístocles. Ser historiador no século XIX: o caso Varnhagen. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2018.
  • DAFLON, C. L. Q. Argirópolis e as mudanças na concepção histórica de Domingo Faustino Sarmiento. História da Historiografia, Ouro Preto, v. 4, n. 7, p. 56-77, 2011. Disponível em: https://bityli.com/jfRwJtt Acesso em: 22 jun. 2022.
    » https://bityli.com/jfRwJtt
  • DALL’AGNOL, Rafael Terra. Biografia e Historia Magistra Vitae: aproximações e afastamentos no Brasil oitocentista. 2020. Tese (Doutorado em História), Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2020.
  • DEDIEU, Jean Pierre; ENRÍQUEZ, Lucrecia; RODRÍGUEZ, Gabriel Cid. Fabricación heroica y construcción de la memoria histórica chilena (1844-1875). Caravelle, Toulouse, n. 104, p. 47-70, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.4000/caravelle.1562 Acesso em: 16 jun. 2022.
    » https://doi.org/10.4000/caravelle.1562
  • DESMADRYL, Narciso (dir.). Galería Nacional, o colección de biografías y retratos de hombres célebres de Chile, escrita por los principales literatos del país, dirigida y publicada por Narciso Desmadryl, autor de los grabados y retratos. Hermógenes de Irisarri, revisor de redacción, Santiago de Chile, Imprenta Chilena, 1854.
  • DIAS DUARTE, João de Azevedo. Tempo e crise na teoria da modernidade de Reinhart Koselleck. História da Historiografia, Ouro Preto. V. 8, 2012, p. 70-90. Disponível em: https://bityli.com/lAnYINz Acesso em: 10 jun. 2022.
    » https://bityli.com/lAnYINz
  • DOSSE, F. A idade Heroica. In: DOSSE, F. O Desafio Biográfico: escrever uma vida. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009. p. 55-122.
  • EUJANIAN, Alejandro. El pasado en el péndulo de la política: Rosas, la provincia y la nación en el debate político de Buenos Aires, 1852-1861. Bernal: Universidad Nacional de Quilmes Editorial, 2015.
  • FERES JÚNIOR, João; JASMIN, Marcelo Gantus (org.). História dos conceitos: encontros transatlânticos. Rio de Janeiro: Loyola, 2007.
  • FONTANA, Patricio. La biografía como máscara: Alberdi lector de Sarmiento y Mitre. In: JITRIK, Noé. (org.). Revelaciones imperfectas: estudios de literatura latinoamericana. Buenos Aires: NJ Editor, 2009. p. 191-198.
  • FONTANA, Patricio Miguel. Una osadía de Sarmiento: Autobiografía y novela en Recuerdos de província. ZAMA, Buenos Aires. Universidad de Buenos Aires, v. 12. dez. de 2020, p. 9-20. Disponível em: https://shorturl.at/lmqA4 Acesso em: 10 jun. 2022.
    » https://shorturl.at/lmqA4
  • FONTANA, Patricio Miguel. Sarmiento y sus monstruos biográficos. In: MARTÍN, Ana Laura; DEL SASTRE, Elisabeth Caballero de; CIDRÉ, Elsa Rodríguez; PALACIOS, Jimena Paula; SUÁRES, Marcela Alejandra; DOMÍNGUEZ, Nora. (org.). Miradas y saberes de lo monstruoso. Buenos Aires: Editorial de la Facultad de Filosofía y Letras Universidad de Buenos Aires, 2011. p. 73-86.
  • FOUCAULT, M. As Palavras e as Coisas: uma arqueologia das Ciências Humanas. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
  • GONÇALVES, M. de A. Narrativa biográfica e escrita da história: Octávio Tarquínio de Sousa e seu tempo. Revista de História, São Paulo, n. 150, p. 129-155, 2004. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/18981 Acesso em: 16 jun. 2022.
    » https://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/18981
  • GONÇALVES, M. de A.; OLIVEIRA, M. da G. de. Apresentação. História da Historiografia, Ouro Preto, v. 5, n. 9, p. 10-13, 2012. Disponível em: https://bityli.com/tGdWifw Acesso em: 16 jun. 2022.
    » https://bityli.com/tGdWifw
  • GUIMARÃES, Manoel Salgado. Nação e civilização nos trópicos: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o projeto de uma História Nacional. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 5-27, 1988. Disponível em: https://bityli.com/VumwLln Acesso em: 16 jun. 2022.
    » https://bityli.com/VumwLln
  • GUMBRECHT, Hans Ulrich. Cascatas de modernidade. In: GUMBRECHT, Hans Ulrich. Modernização dos Sentidos. São Paulo: Editora 34, 1998. p. 9-32.
  • HALPERIN DONGHI, Tulio. Mitre y la Formulación de una Historia Nacional para la Argentina. Anuario IEHS, Taldil, n. 11, 1996. p.57-69. Disponível em: https://shorturl.at/fgP14 Acesso em: 14 ago. 2023.
    » https://shorturl.at/fgP14
  • JAKSIC, Iván; SOL, Serrano Pérez. El gobierno y las libertades: la ruta del liberalismo chileno en el siglo XIX. Estudios Públicos, Santiago, n. 118, Otoño, 2010. Disponível em: https://bityli.com/Hfjxjan Acesso em: 11 jun. 2022. p. 69-105.
    » https://bityli.com/Hfjxjan
  • LORIGA, Sabina. O pequeno x: da biografia à história. Belo Horizonte: Autêntica, 2011.
  • MITRE, Bartolomé; SARMIENTO, Domingo F; GUTIÉRREZ, Juan M; FRIAS, Felix et al Galeria de Celebridades Argentinas: biografias de los personages más notables del Rio de la Plata. Buenos Aires: Libreria de la Victoria, Imprenta Americana, 1857.
  • OLIVEIRA, Maria da Glória. Escrever vidas, narrar a história: a biografia como problema historiográfico no Brasil oitocentista. Rio de Janeiro: Editora FGV , 2011.
  • PALETSCHEK, S. Popular historiographies in the 19th and 20th centuries: cultural meanings, social practices. New York: Berghan Books, 2011.
  • PALTI, Elias. El momento romántico: nación, historia y lenguajes políticos en la Argentina del siglo XIX. Buenos Aires.: Eudeba, 2009.
  • PALTI, Elias. La Historia de Belgrano de Mitre y la problemática concepcíon de un pasado nacional. Boletim del Instituto de Historia Argentina Y Americana Dr. Emilio Ravignani, Buenos Aires, n. 21, p. 75-98, 2000. Disponível em: https://bityli.com/ZdywSAs Acesso em: 11 jun. 2022.
    » https://bityli.com/ZdywSAs
  • PALTI, Elias. La nación como problema: los historiadores y la “cuestión nacional”. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2002.
  • SANTOS, Pedro A. Cristovão dos; PEREIRA, Mateus H. de F. Mutações do conceito moderno de história? Um estudo sobre a constituição da categoria “historiografia brasileira” a partir de quatro notas de rodapé (1878-1951). In: SILVA, Ana Rosa Cloclet da; NICOLAZZI, Fernando F.; PEREIRA, Mateus H. de F. (org.). Contribuições à história da historiografia luso-brasileira. São Paulo: HUCITEC, 2012. p. 15-76.
  • SILVA, João Manuel Pereira da. Plutarco Brasileiro. Rio de Janeiro: Em Casa dos Editores Eduardo e Henrique Laemmert, 1847. 2 v.
  • PEREIRA, Affonso Celso Thomaz. A comissão de exilados argentinos: a construção de um espaço exterior de política interna entre Argentina e Chile em meados do século XIX. Antíteses, Londrina, v. 12, n. 24, dez. 2019. p. 543-572. Disponível em: https://ojs.uel.br/revistas/uel/index.php/antiteses/article/view/37788 Acesso em: 23 jun. 2023.
    » https://ojs.uel.br/revistas/uel/index.php/antiteses/article/view/37788
  • PEREIRA, Mateus; ARAUJO, Valdei. Atualismo 1.0: como a ideia de atualização mudou o século XXI. 1. ed. Ouro Preto: Sociedade Brasileira de Teoria e História da Historiografia, 2018.
  • PHILLIPS, M. S. History, the Novel, and the Sentimental Reader. In: PHILLIPS, M. S. Society and sentimental. New Jersey: Princeton University Press, 1997. p.103-128.
  • PIMENTA, João Paulo . A independência do Brasil como uma revolução: história e atualidade de um tema clássico. História da Historiografia, Ouro Preto, v. 2, n. 3, p. 53-82, 2009. Disponível em: https://bityli.com/nGoWkWe Acesso em: 11 jun. 2022.
    » https://bityli.com/nGoWkWe
  • RANGEL, M. de M; ARAUJO, V. L. de. Teoria e história da historiografia: do giro linguístico ao giro ético-político. História da Historiografia, Ouro Preto, n. 18, p. 318-332, 2015. Disponível em: https://bityli.com/eyHthOL Acesso em: 1 set. 2022.
    » https://bityli.com/eyHthOL
  • SALLES, Ricardo. Nabuco e a “Grande Era Brasileira”. Revista USP, São Paulo, n. 83, p. 65-85, set./nov. 2009. Disponível em: https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036.v0i83p65-85 Acesso em: 23 set. 2023.
    » https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036.v0i83p65-85
  • SANTOS, Evandro. A História geral do Brasil, de Francisco Adolfo de Varnhagen: apontamentos sobre o gênero biográfico na escrita da história Oitocentista. História da Historiografia, Ouro Preto, n. 9, p. 88-105, ago. 2012. Disponível em: https://bityli.com/pyCrevc Acesso em: 11 jun. 2022.
    » https://bityli.com/pyCrevc
  • WASSERMAN, F. “Las prendas jeniales de nuestra sociedad”: representaciones del pasado e identidad nacional en el discurso de las elites político-letradas chilenas (1840-1860). Berlim: Iberoamericana, v. 3, n. 9, p. 7-26, 2003. Disponível em: https://journals.iai.spk-berlin.de/index.php/iberoamericana/article/download/584/268/ Acesso em: 14 ago. 2023.
    » https://journals.iai.spk-berlin.de/index.php/iberoamericana/article/download/584/268/
  • WASSERMAN, F. Entre Clío y la Polis: conocimiento histórico y representaciones del pasado en el Río de la Plata (1830-1860). Buenos Aires: Teseo, 2008.
  • 1
    Entende-se historicismo como uma concepção em que a realidade é compreendida a partir de sua historicidade: o conhecimento histórico como dimensão privilegiada na compreensão do mundo.
  • 2
    O Facundo de Sarmiento é analisado, na maior parte das vezes, como um ensaio. Sua característica híbrida é o que potencializa o texto. No entanto, cabe ressaltar que o texto é a biografia de Facundo Quiroga, caudilho que foi morto por Juan Manuel de Rosas.
  • 3
    A obra possui quatro edições (1857, 1859, 1876, 1887) com mudanças significativas entre si. A terceira e quarta edições são apontadas como a primeira formulação de uma história geral nacional para a Argentina.
  • 4
    O Plutarco brasileiro é composto por dois tomos e 20 pequenas biografias; Os varões ilustres é escrito em dois tomos e 22 biografias. Os Varões Ilustres de 1858 é uma segunda edição do Plutarco Brasileiro de 1847.
  • 5
    A Galeria de Brasileiros Ilustres é uma obra coletiva e foi organizada pelo francês Sébastien Auguste Sisson (1824-1893), com aproximadamente 70 notícias biográficas.
  • 6
    A Galeria nacional de 1854 é composta por 48 pequenas biografias.
  • 7
    Ambas as obras de Amunátegui são expansões de biografias escritas em 1854 nos compêndios Biografias de Americanos e Galeria Nacional.
  • 8
    A grafia foi atualizada segundo as normas atuais.
  • 9
    Justo José de Urquiza foi um militar e político argentino. Foi governador da província de Entre Rios no regime de Juan Manuel de Rosas. Em 1851 realiza um levante contra Rosas e o depõe em 1852. Foi presidente da Confederação Argentina entre 1854 e 1860.
  • 10
    A compilação conta ainda com retratos litográfico de Narciso Desmadryl - como dito anteriormente, um dos principais promotores da versão argentina, juntamente com os editores da livraria Ledoux y Vignal.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

  • Financiamento:

    Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Número do processo: 88887.493640/2020-00
  • Modalidade de avaliação

    Duplo-cega por pares.
  • Aprovação no comitê de ética

    Não se aplica.
  • Contexto de pesquisa

    O artigo se insere dentro do contexto de pesquisa e desenvolvimento da tese de doutorado desenvolvida no Programa de Pós-graduação da UFOP, orientada pelo Prof. Dr. Valdei Lopes de Araujo.
  • Preprint

    O artigo não é um preprint.
  • Disponibilidade de dados de pesquisa e outros materiais

    Os conteúdos subjacentes ao artigo estão nele contidos.

Editado por

Editores responsáveis

Flávia Varella - Editora-chefe Fábio Duarte Joly - Editor executivo

Disponibilidade de dados

Os conteúdos subjacentes ao artigo estão nele contidos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    03 Out 2022
  • Revisado
    03 Fev 2023
  • Aceito
    04 Mar 2023
Sociedade Brasileira de Teoria e História da Historiografia (SBTHH) Rua do Seminário, s/n, Centro. , CEP: 35420-000, Tel: +55 (31) 3557 9423 - Mariana - MG - Brazil
E-mail: sbthh@yahoo.com.br