Acessibilidade / Reportar erro

Os usos abusivos da historiografia profissional pelos negacionismos históricos no Brasil em tempos de crise democrática: o caso do Guia politicamente incorreto da história do Brasil

The misuse of professional historiography by historical denialism in Brazil in times of democratic crisis: the case of the Politically Incorrect Guide to Brazilian History

Resumo:

O objetivo deste artigo é examinar as especificidades do negacionismo histórico praticado pelo Guia politicamente incorreto da história do Brasil, tanto em seu formato impresso, publicado em 2009, como na versão adaptada para a TV, que foi ao ar em 2017. A hipótese sugere que esse tipo de negação abusa de verdades possíveis delineadas pela historiografia profissional, sobretudo do topos das agências subalternas. Busco inspiração teórica nos conceitos de “história abusiva” e “memória manipulada”, propostos, respectivamente, por Antoon De Baets e Paul Ricoeur. O texto está dividido em três partes: primeiro, examino o uso abusivo do topos da agência escrava, desenvolvido pela “nova história da escravidão” nos anos 1980. Em seguida, faço o mesmo para o topos da agência indígena, desenvolvido pela “nova história indígena” nos anos 1990. Demonstro como uso abusivo é motivado por finalidades políticas eticamente repulsivas que pretendem negar a necessidade de políticas públicas reparatórias destinadas a grupos sociais historicamente oprimidos. Na conclusão, proponho uma agenda teórico/política de enfrentamento a essa modalidade de negacionismo histórico.

Palavras-Chave:
Negacionismo histórico; usos abusivos da historiografia; crise democrática brasileira

Abstract:

The purpose of this article is to examine the specifics of historical denialism practiced by the Politically incorrect guide to the history of Brazil, both in its printed format, published in 2009, and in the adapted version for TV, in 2017. The hypothesis suggests that this type of denial abuses possible truths deloped by professional historiography, especially the topos of subaltern agencies. I seek theoretical inspiration in the concepts of “abusive history” and “manipulated memory”, proposed, respectively, by Antoon De Baets and Paul Ricoeur. The text is divided into three parts: first, I examine the abusive use of the topos of slave agency developed by the “new history of slavery” in the 1980s. And then, I do the same for the topos of indigenous agency, developed by the “new indigenous history”. ” in the 1990s. I demonstrate how abusive use is motivated by ethically repulsive political purposes that intend to deny the need for reparatory public policies aimed at historically oppressed social groups. In conclusion, I present a proposal theoretical/political of confront to face this type of historical denialism.

Keywords:
Historical denialism; misuse of historiography; Brazilian democratic crisis

Introdução

Existem escolas históricas que enfrentam outras quando novas problemáticas, novos tipos de documentos e novos tópicos aparecem. Mas seria possível existir uma escola para sustentar que a Bastilha foi tomada a 14 de julho de 1789 e outra que afirmasse que foi tomada no dia 15? Aqui pisamos no terreno da história positiva, como as coisas realmente aconteceram, segundo a fórmula do século passado de Ranke (VIDAL-NAQUET, 1988VIDAL-NAQUET, Pierre. Os assassinos da memória. Papirus: Campinas/SP, 1988., p. 35).

Entre 1980 e 1987, Pierre Vidal-Naquet publicou na imprensa alguns artigos com o objetivo de denunciar aquilo que chamou de “revisionismo histórico”. O termo foi cunhado pelos próprios autodenominados “revisionistas”, sobretudo por Robert Faurisson, David Irving, Ernst Zundel e Roger Garaudy, que a partir da década de 1970 afirmaram que o extermínio dos judeus na Segunda Guerra Mundial era invenção sionista. Esses autores diziam estar revisando o conhecimento disponível sobre o assunto, baseados na análise de fontes inéditas. Segundo Vidal-Naquet, o que os revisionistas faziam não deveria ser definido como o usual procedimento de construção do conhecimento científico. O que estava em jogo seria a manipulação do vocabulário científico para a produção deliberada da mentira, com o objetivo de “atingir uma comunidade nas mil fibras ainda dolorosas que a ligam a seu próprio passado” (NAQUET, 1988, p. 10). A solução seria confrontar os revisionistas na arena científica, apontando suas mentiras através da adequada interpretação dos registros disponíveis e mostrando que, sim, o holocausto é verdade histórica inquestionável. Era necessário, como o próprio Vidal-Naquet diz, “pisar no terreno da história positiva” e, “rankeanamente”, provar que os revisionistas estavam mentindo.1 1 O curioso é que ao usar o termo “revisionistas”, Vidal-Naquet adota a nomenclatura formulada pelos seus adversários. Somente alguns anos depois, Henri Rousso apontou o equívoco em usar o termo “revisionismo” para definir o empreendimento de Faurrison e sua trupe, popularizando o termo “negacionismo histórico”. O revisionismo, argumenta Rousso, faz parte da liturgia científica e pode ser definido como o constante exercício de diálogo com a comunidade especializada, testando consensos estabelecidos e, quando necessário, revisando-os (ROUSSO, 2004). A revisão, portanto, se faria necessária quando houvesse indícios de que os “consensos estabelecidos” já não se sustentam empiricamente. O que os negadores do holocausto fizeram, ainda segundo Rousso, foi a pura e simples negação, no sentido mais literal que o termo possa ter: o de negar verdades reais para fins moralmente repulsivos (Idem).

A agenda de enfrentamento proposta por Vidal-Naquet consiste em mobilizar o procedimento disciplinar como estratégia de combate. Segundo essa proposta, a negação não resistiria às boas práticas historiadoras. Há no argumento a presunção de uma dicotomia envolvendo o procedimento disciplinar e a negação. De um lado, a historiografia profissional com seus protocolos, capaz de trazer à luz a verdade histórica. Por outro lado, a mentira negacionista, frágil e facilmente desmascarada pelo trabalho de arquivo. Para enfrentar a negação, bastaria a pesquisa regrada pelo método da ciência histórica, tal como foi delineado no século XIX. Será que essa forma de tratar, e combater, o negacionismo histórico é mesmo eficiente?

Examino neste artigo uma modalidade de negacionismo histórico que ganhou projeção pública no Brasil ao longo dos últimos anos. Trata-se do Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, empreendimento liderado pelo jornalista Leandro Narloch que no primeiro momento teve a forma de best-seller consagrado no mercado editorial e depois se tornou programa de TV.2 2 De modo algum, as diferenças entre os registros impresso e audiovisual devem ser tratadas como algo menor, como se a forma fosse invólucro neutro, sem capacidade de interferir no conteúdo do discurso. No entanto, nos limites deste artigo, priorizo a análise do enunciado abusivo produzido pelo Guia, deixando a importante discussão sobre as modalidades de recepção para outro momento. Analiso, também, entrevistas que Leandro Narloch concedeu a canais de imprensa ao longo dos últimos anos, assim como textos que publicou no jornal Folha de São Paulo. Diferente do que fizeram os negacionistas da geração de Faurrison, Narloch não rejeita a historiografia profissional produzida nas universidades. Seus ataques são direcionados aos historiadores “marxistas”, que teriam falseado o processo histórico brasileiro com a ideia da luta de classes.

Os ricos só ganham o papel de vilões e se fazem alguma bondade é porque foram movidos por interesses. Já os pobres são eternamente “do bem”, vítimas da elite e das grandes potências, e só fazem besteira porque são obrigados a isso. Nessa estrutura simplista, o único aspecto que importa é o econômico: o passado vira um jogo de interesses e apenas isso (NARLOCH, 2009NARLOCH, Leandro. Guia politicamente incorreto da história do Brasil. São Paulo: Ed. Leya, 2009., p. 04).

Teria surgido nos anos 1980 “uma nova geração de acadêmicos” que corrigiu os equívocos dos marxistas, mostrando que nem os pobres são vítimas e nem os ricos são vilões e que a relação entre eles se daria mais pela negociação do que pelo conflito. Narloch se apresenta como herdeiro, e divulgador, dessa historiografia. Os argumentos do Guia foram fartamente refutados por Renato Venâncio (2018VENÂNCIO, Renato. O incorreto no Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil. HHMagazine, 9 nov. 2018. Disponível em:), sendo algo redundante qualquer coisa que eu pudesse dizer nesse sentido. Desejo, portanto, mostrar como o abuso cometido pelo Guia resulta em prática negacionista na medida em que distorce o topos da agência subalterna desenvolvido pela historiografia brasileira nas décadas de 1980 e 1990 (RAMOS, 2014RAMOS, Igor Guedes. Genealogia de uma operação historiográfica: as apropriações dos pensamentos de Edward Palmer Thompson e de Michel Foucault pelos historiadores brasileiros na década de 1980. (Doutorado em História). Programa de Pós-Graduação em História. São Paulo: Universidade Estadual Paulista, 2014.). Utilizo como inspiração teórica as noções de “memória manipulada” e de “história abusiva”, formuladas, respectivamente, por Paul Ricoeur e Antoon De Baets.

Minha hipótese sugere que antes de mentir, o Guia abusa de verdades possíveis delineadas pela historiografia profissional. Portanto, acionar os arquivos e o método disciplinar é insuficiente para combater essa modalidade de negação. Faz-se necessária postura autoral politicamente vigilante por parte dos historiadores em relação à produção e à circulação do conhecimento que produzem, reconhecendo os dilemas que envolvem o fazer historiográfico em tempos nos quais o negacionismo histórico exerce função estratégica nas práticas de governabilidade de uma extrema-direita violenta e antidemocrática (AVELAR; VALIM, 2020AVELAR, Alexandre; VALIM, Patrícia. Negacionismo histórico: entre a governabilidade e a violação dos direitos fundamentais. Revista Cult [RP4] , setembro de 2020. Disponível em: https://revistacult.uol.com.br/home/negacionismo-historico/ . Acesso em 30 set 2021.
https://revistacult.uol.com.br/home/nega...
).

O texto está dividido em três partes. Primeiro, examino como o topos da agência escrava é usado, e abusado, pelo Guia. Em seguida, faço o mesmo para a agência indígena. Por último, como conclusão, proponho uma agenda teórico/política de enfrentamento a essa modalidade de negacionismo histórico.

O uso abusivo do topos da agência escrava

[Discutimos aqui] as limitações dos estudos que vêm a escravidão como um sistema absolutamente rígido, quase um campo de concentração, em que o escravo aparece como vítima igualmente absoluta; ou, ao contrário, dos estudos que enfatizam o heroísmo épico da rebeldia [...] No Brasil [...], os escravos negociaram mais do que lutaram abertamente contra o sistema. Com isso, os proprietários, e a sociedade como um todo, foram sempre obrigados a reconhecer um certo espaço de autonomia para os cativos (REIS; SILVA, 1989REIS, João; SILVA, Eduardo. Negociação e conflito: a resistência negra no Brasil escravista. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 1989. , p. 07-11). Em franca reação à visão reificadora do africano sugerida pelos estudos das décadas de 1960 e 1970, os historiadores [que produziram na década de 1980] buscaram mostrar o negro como sujeito da história, protagonista da escravidão, ainda que não aquilombado, quando não cúmplice do cativeiro. Essa nova corrente de estudos descobriu personagens bem diferentes dos pares senhor cruel/escravo rebelde ou senhor camarada/escravo submisso (NARLOCH, 2009NARLOCH, Leandro. Guia politicamente incorreto da história do Brasil. São Paulo: Ed. Leya, 2009., p. 43).

Vinte anos separam as citações. O livro Negociação e conflito: a resistência negra no Brasil escravista, de João José Reis e Eduardo Silva, publicado em 1989REIS, João; SILVA, Eduardo. Negociação e conflito: a resistência negra no Brasil escravista. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 1989. , é um dos textos mais emblemáticos daquilo que ficou conhecido como a “nova história da escravidão”. Como já sabemos, o Guia foi publicado em 2009 e rapidamente se tornou um dos livros mais vendidos no mercado editorial brasileiro. Em um caso, temos texto acadêmico assinado por historiadores consagrados e reconhecidos pela comunidade acadêmica. No outro, temos livro assinado por um jornalista rejeitado por essa mesma comunidade, que o considera representante dos negacionismos históricos tão em voga no debate público nacional. Numa primeira mirada, João José Reis, Eduardo Silva e Leandro Narloch parecem estar dizendo algo semelhante: a escravidão no Brasil não foi marcada apenas pelo conflito, mas também pela negociação envolvendo proprietários e cativos, que possuiriam alguma autonomia e capacidade de agência. Narloch tenta convencer seus leitores de que faz parte da mesma tradição interpretativa onde estão João Reis e Eduardo Silva, citados pelo negacionista, junto com outros representantes da “nova história da escravidão”, como Manolo Florentino, Eduardo França Paiva e Flávio Gomes. Diz Narloch que essa geração é formada por “acadêmicos alertas e não por políticos a escrever manifestos”.

Eles tentam elaborar conclusões científicas baseadas em arquivos inexplorados de cartórios, igrejas ou tribunais, têm mais cuidado ao falar de consequências de uma lógica financeira e pesquisam sem se importar tanto com o uso ideológico de suas conclusões. As interpretações que tiram dos arquivos são mais complexas e, numa boa parte das vezes, saborosamente desagradáveis para os que adotam o papel de vítimas ou bons mocinhos (NARLOCH, 2009NARLOCH, Leandro. Guia politicamente incorreto da história do Brasil. São Paulo: Ed. Leya, 2009., p. 4).

Narloch argumenta que esses historiadores tiveram o mérito de desmontar os argumentos dos “dinossauros marxistas”, que entre as décadas de 1950 e 1970 teriam escrito a história do Brasil na chave da luta de classes, o que o negacionista diz ser ato de militância política e desonestidade intelectual. Não é mentira que a geração de historiadores identificados à “nova história da escravidão” (e poderíamos citar aqui, também, os nomes de Silvia Lara, de Maria Helena Machado, de Sidney Chalhoub e do brasilianista Robert Slenes) estabeleceu interlocução crítica com a historiografia marxista. Não é o caso de reconstruir a história dessa historiografia3 3 Destacamos aqui os trabalhos de Suely Queiróz (1998), de Roberto Adolfo (2014), de João Escostegy (2015), de Luís Cláudio Palermo (2017). . É suficiente destacar as linhas gerais dessa discussão, pois foi exatamente nas críticas à historiografia marxista que os “jovens historiadores” tão elogiados por Leandro Narloch formularam o topos da agência subalterna, usado e abusado pelo Guia.

Tomemos como ponto de partida o artigo de Maria Helena Machado (1988MACHADO, Maria Helena. Em torno da autonomia escrava: uma nova direção para a história social da escravidão. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 8, n. 16, p. 143-160, 1988. Disponível em: mariahelenamachado (1).pdf. Acesso em 07 de março de 2022.).

Dentre a variedade de questões que têm chamado a atenção dos historiadores interessados na problemática da escravidão e sua superação no novo mundo. [...] Conceitos de resistência e autonomia entre os escravos têm sido apontados como núcleos centrais para uma história preocupada em reverter as perspectivas tradicionais e integrar os grupos de escravos em seus comportamentos históricos, como agentes efetivamente transformadores da instituição (MACHADO, 1988MACHADO, Maria Helena. Em torno da autonomia escrava: uma nova direção para a história social da escravidão. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 8, n. 16, p. 143-160, 1988. Disponível em: mariahelenamachado (1).pdf. Acesso em 07 de março de 2022., p. 146, grifos meus).

A autora afirma que os conceitos norteadores da “nova história da escravidão” eram “experiência”, “autonomia” e “agência”. Em seguida, tensiona com as “perspectivas tradicionais” que estavam sendo revisadas por esses novos estudos. Temos aqui exemplo daquilo que podemos chamar de “revisão historiográfica”, em sentido pleno. Uma tradição historiográfica munida de novos documentos e outros aportes teóricos revisa as teses da tradição anterior. As “perspectivas tradicionais” eram as de inspiração marxista, que vinculavam a escravidão brasileira às estruturas do capitalismo moderno. Esse tipo de análise foi especialmente forte no grupo de pesquisadores que integrava aquela que ficou conhecida como “escola paulista de sociologia”, que teve na Universidade de São Paulo, a USP, seu centro institucional.

Liderada por Florestan Fernandes e integrada por nomes como Fernando Henrique Cardoso, Octávio Ianni e Emília Viotti da Costa, a “escola paulista” interpretou a escravidão brasileira à luz do aparato conceitual marxista. Bebendo na fonte de Caio Prado Jr, esses autores destacaram as marcas deixadas pela experiência colonial na longa duração da história brasileira. Entre essas marcas, estaria a exclusão social de grandes parcelas da população, notadamente as pessoas pretas, por conta da escravidão, tratada como parte do modo de produção capitalista (ADOLFO, 2014ADOLFO, Roberto Manoel Andreoni. As transformações na historiografia da escravidão entre os anos de 1970 e 1980: uma reflexão teórica sobre possibilidades de abordagem do tema. Revista de Teoria da História, Goiânia, v. 11, n. 1, p. 110-125, 2014. Disponível em: https://revistas.ufg.br/teoria/article/view/30165 . Acesso em 15 de março de 2022.
https://revistas.ufg.br/teoria/article/v...
). Nessa perspectiva, escravizados e seus descendentes aparecem como vítimas de uma estrutura econômica e social sobre a qual não possuem agência. Nas palavras de Fernando Henrique Cardoso.

A possibilidade efetiva de os escravos desenvolverem ações coordenadas tendo em vista propósitos seus era muito pequena. Não tinham condições para definir alvos que levassem à destruição do sistema escravista e não dispunham dos meios culturais (de técnicas sociais ou materiais) capazes e permitir a consecução dos propósitos porventura definidos (CARDOSO, 1977CARDOSO, Fernando Henrique. Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional: o negro na sociedade escravocrata do Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997., p. 139).

Segundo Robert Slenes, essa abordagem se caracterizou pela “marginalização dos homens livres pobres e pela vitimização do escravo, ocasionadas por um sistema econômico perverso” (SLENES, 1999SLENES, R. W. Na senzala, uma flor: esperanças e recordações na formação da família escrava (Brasil Sudeste, Século XIX) . Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999., p. 32). A “nova história da escravidão” confrontou essa tese, considerada incapaz de perceber os movimentos dos sujeitos escravizados em suas práticas de agenciamento cotidiano. Silvia Lara argumentou que os “uspianos”, com sua abordagem “exclusivamente econômica”, colaboraram para produzir uma imagem caricata da colonização e da escravidão, como se todos os que viveram sob esse regime de poder fossem “incapazes de estabelecer qualquer agência sobre a vida social, sendo tão somente marionetes controladas por estruturas maléficas e perversas” (LARA, 2005LARA, Silvia H. Conectando Historiografias: a escravidão africana e o antigo regime na América portuguesa. In: BICALHO, Maria Fernanda; FERLINI, Vera Lúcia A. (org.). Modos de Governar: ideias e práticas políticas no Império Português - (Séculos XVI-XIX) . São Paulo: Alameda, 2005, pp. 56-87., p. 24).

A despeito das particularidades que singularizam os trabalhos de Robert Slenes, Silvia Lara, João Reis, Eduardo Silva e outros tantos, a perspectiva da agência subalterna se tornou lugar comum para esses historiadores, tendo sido formada a partir da crítica à abordagem marxista desenvolvida das décadas de 1960 e 1970 pela “escola paulista”. Os produtores da série televisiva parecem conhecer as linhas gerais desse debate. No início terceiro episódio da série, intitulado “Brasil Negro”, o apresentador Felipe Castanhari promete “contar uma história da escravidão diferente daquela que está nos livros didáticos e é contada tradicionalmente nas escolas”. A historiadora Mary Del Priore analisa o funcionamento do Quilombo de Palmares.

É importante que se diga que os quilombos não eram formados “apenas por negros, mas também por mestiços, homens pobres e índios, por todos aqueles que eram capazes de se contrapor cotidianamente à realidade da escravidão e da violência colonial. Diferente do que disseram por muito tempo os historiadores, os pobres, explorados e desvalidos não são incapazes de agir no mundo em que vivem (DEL PRIORE, HISTORY CHANNEL, 2017HISTORY CHANNEL. Guia Politicamente incorreto da história do Brasil. Série Televisiva. 2017. Disponível em: https://www.youtube.com/playlist?list=PLJaLHR2LwSrzLyBVLkrQuvApme1racTSD/ Acesso em 12 de março de 2022. Disponível em: https://www.youtube.com/playlist?list=PLJaLHR2LwSrzLyBVLkrQuvApme1racTSD/ Acesso em 12 de março de 2022. https://hhmagazine.com.br/o-incorreto-no-Guia-politicamente-incorreto-da-historia-do-brasil/ Acesso em: 22 de agosto de 2022.
https://www.youtube.com/playlist?list=PL...
, min. 15).

Os tais “historiadores” são evocados também por Leandro Narloch, que no minuto 16 diz que o “quilombo de Palmares não era uma sociedade alternativa e igualitária, como disseram por muito tempo alguns historiadores”. Esses “historiadores” não são nomeados, tampouco são rotulados como “marxistas”, tal como é feito no livro. Para o expectador, é informado que “alguns historiadores” durante muito tempo tentaram falsear a história da escravidão tratando os cativos apenas como “coitadinhos e explorados, sem nenhuma capacidade de ação”, nas palavras de Narloch.

“Mas de onde tiramos todas essas informações?”, é a pergunta lançada por Felipe Castanhari no minuto 18, poucos segundos antes da segunda aparição de Mary Del Priore e da primeira participação de Ronaldo Vainfas, outro importante especialista nos estudos especializados na colonização portuguesa na América. O apresentador afirma que essas informações são tiradas dos arquivos históricos e de “novos estudos” sobre o tema.

Novos estudos preocupados não apenas com a dinâmica econômica, mas também com a social e cultura da vida cotidiana mostram que os escravos não estavam com a faca em punho querendo matar o senhor o tempo todo. Não! Não imaginemos esses lugares como campo de concentração onde as pessoas não possam sair. [...] No diário da Condessa de Barral, nós a vemos pilando café com os escravos, dançando com eles. [...] Os escravos saíam da fazenda, dançavam, se divertiam e namoravam. Aquilo que Gilberto Freyre falava e foi tão atacado por muito tempo, de fato, existe na mentalidade do nordeste (DEL PRIORE, HC, 2017HISTORY CHANNEL. Guia Politicamente incorreto da história do Brasil. Série Televisiva. 2017. Disponível em: https://www.youtube.com/playlist?list=PLJaLHR2LwSrzLyBVLkrQuvApme1racTSD/ Acesso em 12 de março de 2022. Disponível em: https://www.youtube.com/playlist?list=PLJaLHR2LwSrzLyBVLkrQuvApme1racTSD/ Acesso em 12 de março de 2022. https://hhmagazine.com.br/o-incorreto-no-Guia-politicamente-incorreto-da-historia-do-brasil/ Acesso em: 22 de agosto de 2022.
https://www.youtube.com/playlist?list=PL...
, min. 22-24).

Mary Del Priore não especifica quem teria “atacado Gilberto Freyre por tanto tempo”. Mas algum conhecimento sobre a história do pensamento histórico brasileiro nos revela como a “escola sociológica paulista” teve na crítica à leitura freyreana da escravidão um dos seus elementos fundadores. Acredito que não seria exagerado supor que os “historiadores tradicionais”, ou “os alguns historiadores” mencionados ao longo do vídeo como exemplos de uma história mal escrita são os marxistas que se debruçaram sobre o tema da escravidão entre as décadas de 1950 e 1970. Logo após a intervenção de Del Priore, Vainfas diz que era “possível com algum pecúlio, escravos comprarem escravos”. Toda a trama discursiva do episódio está fundada no topos da agência escrava. Tal como no livro best seller, a série promete uma “história nova”, diferente da usualmente contada nas escolas, mas devidamente baseada em pesquisas desenvolvidas por uma “nova geração” de historiadores.

Afirmação da agência escrava, crítica aos estudos de viés marxista estruturalista e destaque para o cotidiano dos escravizados são enunciados presentes tanto no Guia como nos textos dos historiadores da “nova história da escravidão”. Estariam historiadores e negacionistas dizendo as mesmas coisas? Ou algo semelhante? Acredito que não. Entre a historiografia que na década de 1980 revisou as interpretações marxistas da escravidão brasileira e o negacionismo aqui examinado não existe relação de continuidade. A perspectiva da agência escrava foi desenvolvida pelos historiadores no diálogo crítico com o estruturalismo marxista, no sentido de destacar o protagonismo das pessoas escravizadas. Nos anos 1980, no Brasil e no mundo, novos movimentos sociais demonstravam insatisfação com a racionalidade estruturalista marxista. “Diversidade”, “pluralidade”, “subjetividade” foram as bandeiras norteadoras dessa “nova esquerda”, a new left, que rejeitou as organizações político/partidárias tradicionais, especialmente no que se refere às suas hierarquias e à tendência de reduzir as experiências de opressão ao aspecto econômico (LEVY, 1962LEVY, Peter. The New Left and Labor in the 1960s. Illinois: University of Illinois Press, 1992.). O conceito “classe social”, tal como elaborado por pela tradição do marxismo estruturalista representada por Louis Althusser foi criticado, tratado como universalizante e limitado. O historiador Edward Thompson foi a principal inspiração teórica para essa new left, especialmente com seu conceito de “classe”, que definia a identidade de classe não apenas a partir da materialidade econômica, mas sim por experiências compartilhadas, o que trazia a dimensão cultural para o centro do debate intelectual e político. Já é bem conhecida a influência dos trabalhos de Thompson sobre os historiadores da “nova história da escravidão”, que estavam profundamente marcados pela agenda política da new left, como reconheceu o Edgar De Decca (1995DECCA, Edgar de. E. P. Thompson: um personagem dissidente e libertário. Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da PUC-SP, São Paulo, v. 13, n. 12, pp. 30-23, out/1995. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/view/11306 . Acesso em 12 de março de2022.
https://revistas.pucsp.br/index.php/revp...
), um dos pioneiros na formulação do topos das agências subalternas. Esses historiadores, portanto, não criticam o “marxismo tradicional” pelo seu “viés ideológico”, tampouco o acusam de manipular e falsear o conhecimento histórico. A crítica é outra e se direciona às lacunas identificadas no materialismo histórico de “primeira geração”, para utilizar as palavras de De Decca.

O Guia ataca a historiografia marxista com outros interesses, abusando dos trabalhos produzidos pelos historiadores da “nova história da escravidão”. Atoon De Baets já alertou que a história abusiva não é, necessariamente, incompetente, pois a incompetência historiográfica, “provocada por erros, concepções e equívocos não é necessariamente irresponsável ou abusiva, podendo ser apenas inábil, ou, no limite, incompetente” (DE BAETS, 2013DE BAETS, Antoon. Uma teoria do abuso da História. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 33, n. 65, p. 17-60, 2013. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbh/a/3zbNZYB56nWgH5FJ5G3HC5m/?format=pdf⟨=pt . Acesso em 10 de março de 2022.
https://www.scielo.br/j/rbh/a/3zbNZYB56n...
, p. 22). Da mesma forma, a aparente competência historiográfica, com análise de fontes, citação de bibliografia especializada e produção discursiva de qualidade ortográfica e clareza semântica, não garante imunidade ao abuso. Isso fica evidente no negacionismo praticado pelo Guia. A historiografia especializada foi estudada e largamente citada. O material audiovisual é atraente, lúdico e tecnicamente bem elaborado. O abuso não é resultado do desleixo metodológico ou da incompetência operacional. É derivado da distorção de dados que, sim, podem ser encontrados nos documentos e na historiografia profissional. Esse tipo de abuso, como sugere De Baets, é de difícil “rastreabilidade” e tende a causar danos maiores. Afinal, “quanto mais difícil for a identificação dos rastros [do abuso], maior será a dificuldade de reconhecer e medir o abuso e a extensão do dano” (DE BAETS, 2013DE BAETS, Antoon. Uma teoria do abuso da História. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 33, n. 65, p. 17-60, 2013. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbh/a/3zbNZYB56nWgH5FJ5G3HC5m/?format=pdf⟨=pt . Acesso em 10 de março de 2022.
https://www.scielo.br/j/rbh/a/3zbNZYB56n...
, p. 42).

Joana Batista, mulher negra livre que viveu no final do século XVII, vendeu a si mesma como escrava. Machado de Assis, André Rebouças e Teodoro Sampaio foram negros de sucesso social e econômico no século XIX, em plena vigência da escravidão. O Barão de Guaraciaba, negro, foi dono de centenas de escravos. O Guia não está mentindo, mas sim abusando de verdades possíveis com objetivos políticos, por “motivos instrumentais ou consequenciais”, nas palavras de De Baets. Mas quais seriam essas motivações políticas?

É necessário reconstruir a situação política do Brasil na época da publicação do formato impresso do Guia. Em 2009, o então Presidente Luiz Inácio Lula da Silva tinha 87% de aprovação popular. A força da esquerda na política brasileira parecia inabalável. Tamanho sucesso se explicava, em alguma medida, pelas políticas públicas reparatórias desenvolvidas no período, como as cotas raciais nas universidades públicas. Essas políticas públicas se inspiravam em determinada visão do processo histórico nacional, segundo a qual o Estado brasileiro possuí dívidas com determinados grupos sociais. É essa noção de “dívida histórica” que está no alvo do ataque negacionista. Com seu livro, Narloch confronta a tese de que a história do Brasil é atravessada pelo conflito e pela violência. Aqui, a perspectiva da agência subalterna se torna estratégica, sendo usada, e abusada, para pintar o quadro de uma realidade histórica onde inexistem violências e conflitos estruturais, pois a relação entre brancos e negros teria sempre se dado muito mais pela negociação do que pelo conflito. A ideia de dívida histórica seria uma falácia usada para falsear o conhecimento histórico em função da perpetuação da esquerda no poder. Em diversas entrevistas, o próprio Narloch critica as cotas raciais, argumentando que “devemos deixar a história de lado nesse debate, para não ficarmos com dezenas de passados e nenhum futuro” (NARLOCH, 2017NARLOCH, Leandro. Cotas não desligam o motor da desigualdade na USP. Folha de São Paulo, 12 de julho de 2017. [8] Disponível em: [8] https://www1.folha.uol.com.br/colunas/leandro-narloch/2017/07/1900510-cotas-nao-desligam-motor-de-desigualdade-da-usp.shtml . Acesso em 15 de abril de 2022.
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/le...
). Usar a história para legitimar as cotas seria “falho e mentiroso”, pois sugeriria a existência da perpetuação de um trauma capaz de anular o “mérito dos negros”.

Elas [as cotas] aumentam o estigma da cor e colocam em dúvida o esforço individual dos que se beneficiam delas. A pior coisa que pode acontecer aos negros é que seu mérito seja colocado em dúvida. Eles devem ser reconhecidos por chegar à universidade por mérito próprio (NARLOCH, 2017NARLOCH, Leandro. Entrevista à rádio Jovem Pan. 13 de dezembro de 2017. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=f9qYQaaHLv4 . Acesso em 20 de abril de 2022.[9]
https://www.youtube.com/watch?v=f9qYQaaH...
)[1] [RP2] .

Ao abordar o tema da escravidão, Narloch, como acontece em toda representação do passado, está falando para, e no, seu próprio tempo. Situando-se à direita da disputa política, o negacionista manipula a memória pública da escravidão para deslegitimar a necessidade de políticas públicas reparatórias. É nesse sentido que a categoria “memória manipulada”, formulada por Paul Ricoeur, é inspiradora. Segundo o autor, a manipulação da memória inscreve uma relação “frágil com passado”, no sentido de que as experiências passadas perdem a capacidade de referenciar as lembranças produzidas no tempo presente. Essa fragilidade, de ordem cognitiva, pode ter desdobramentos políticos, como acontece na operação negacionista. Na medida em que o passado manipulado pela necessidade da afirmação de uma identidade, seja individual ou coletiva, a memória é “acionada para ser fiadora de discursos e práticas de legitimação, tanto na construção de um passado comum para determinada comunidade como para servir de apoio para ideologias” (RICOEUR, 2009RICOUER, Paul. A memória, a história e o esquecimento. Campinas: Ed Unicamp, 2007., p. 94). Ao abusar da topos da agência escrava, o Guia manipula, cognitiva e politicamente, todo um repertório analítico produzido pela historiografia especializada nos seus esforços de compreensão da história da escravidão brasileira. A dissonância produzida possui dupla dimensão: a propriamente cognitiva, na medida em que induz uma leitura equivocada do passado histórico em questão, e a política, pois serve a interesses que, deliberadamente, defendem a restrição dos direitos de grupos historicamente oprimidos. Como demonstro a seguir, a manipulação negacionista não ficou restrita à temática da escravidão negra.

O uso abusivo do topos explicativo da agência indígena.

Nos anos 1960 e 1970, uma historiografia de base marxista [...] criticava essas abordagens com denúncias sobre as atrocidades cometidas contra os índios. Desconstruíam o caráter heroico dos nossos colonizadores, porém mantinham a perspectiva anterior de supervalorização de seu desempenho, na medida em que consideravam os índios como vítimas incapazes de agir diante da violência de um sistema no qual não tinham outra alternativa a não ser a fuga, a morte pela rebeldia ou a submissão aos dominadores (ALMEIDA, 2017ALMEIDA, Maria Regina Celestina. A atuação dos indígenas no Brasil: revisões historiográficas. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 37, n. 75, 2017, pp. 17-38. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbh/a/b7Z47VbMMmvPQwWhbHfdkpr/?lang=pt&format=pdf . Acesso em 10 de março de 2022.
https://www.scielo.br/j/rbh/a/b7Z47VbMMm...
, p. 19-20).

A historiadora Maria Regina Celestino de Almeida é referência incontornável na renovação dos estudos especializados na história indígena que se consolidou no Brasil na década de 1990. A “nova história indígena” se formou a partir de duas críticas. A primeira é direcionada aos estudos que desde o século XIX tratam os indígenas como pertencentes a uma espécie de menoridade civilizatória, como se vivessem em temporalidade menos evoluída. Carl von Martius e Francisco Varnhagen são as matrizes dessa perspectiva evolucionista que inspirou a “tese da extinção”, pressupondo o desaparecimento das comunidades indígenas pela assimilação ao mundo tido como “civilizado”. A “tese da extinção” teria sido a responsável por sedimentar uma “visão pessimista do futuro indígena no imaginário nacional, pois aos indígenas restaria a apenas a extinção pela assimilação” (MONTEIRO, 1995MONTEIRO, John Manuel. O desafio da história indígena no Brasil. In: SILVA, Aracy Lopes da S.; GRUPIONI, Luís D. Benzi (ed.). A temática indígena na escola: novos subsídios para professores de 1° e 2° graus. Brasília: MEC; Mari; Unesco, 1995. p. 221-228., p. 222). A segunda crítica é direcionada à historiografia marxista que teria reduzido os indígenas à posição de “vítimas incapazes” da conquista europeia, tratada como parte da história do capitalismo. Aqui, a “tese da extinção” é reconfigurada a partir das ideias de “genocídio” e “extermínio étnico”. Os principais representantes dessa interpretação seriam Florestan Fernandes (1949FERNANDES, Florestan. A organização social dos Tupinambá [1949] . São Paulo: Hucitec, 1989.) e Darcy Ribeiro (1972RIBEIRO, Darcy. Os índios e a civilização: a integração das populações indígenas no Brasil moderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972.). A “nova história indígena” aciona o topos explicativo da agência subalterna para confrontar a tese da extinção. Segundo John Monteiro:

ao passo as abordagens estruturalistas subordinavam o pensamento e a ação dos índios às estruturas inconscientes, as teses globalizantes enquadravam as sociedades invadidas como inermes e inocentes vítimas de processos externos. A tendência geral era a de minimizar, ou mesmo eliminar, os índios enquanto atores históricos. Em contrapartida, a antropologia histórica buscava qualificar a ação consciente - agency, em inglês - dos povos nativos enquanto sujeitos da história (MONTEIRO, 1995MONTEIRO, John Manuel. O desafio da história indígena no Brasil. In: SILVA, Aracy Lopes da S.; GRUPIONI, Luís D. Benzi (ed.). A temática indígena na escola: novos subsídios para professores de 1° e 2° graus. Brasília: MEC; Mari; Unesco, 1995. p. 221-228., p. 226-227).

Aconteceu na década de 1990 em relação à história indígena movimento semelhante ao dos anos 1980 em relação à história da escravidão. A coletânea organizada por Manuela Carneiro da Cunha (1992CARNEIRO DA CUNHA, M. História dos índios no Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, 1998 [1992] .) é considerada o marco fundador da nova história indígena no Brasil (MONTEIRO, 1995MONTEIRO, John Manuel. O desafio da história indígena no Brasil. In: SILVA, Aracy Lopes da S.; GRUPIONI, Luís D. Benzi (ed.). A temática indígena na escola: novos subsídios para professores de 1° e 2° graus. Brasília: MEC; Mari; Unesco, 1995. p. 221-228.; SANTOS, 2017SANTOS, Maria Cristina. Caminhos historiográficos na construção da história indígena. História Unisinos. São Leopoldo, [15] v. 21, n. 3, p. 337-350, Setembro/Dezembro de 2017, Unisinos. Disponível em: https://revistas.unisinos.br/index.php/historia/article/view/htu.2017.213.04 . Acesso em 10 de março de 2022.
https://revistas.unisinos.br/index.php/h...
; ALMEIDA, 2017ALMEIDA, Maria Regina Celestina. A atuação dos indígenas no Brasil: revisões historiográficas. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 37, n. 75, 2017, pp. 17-38. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbh/a/b7Z47VbMMmvPQwWhbHfdkpr/?lang=pt&format=pdf . Acesso em 10 de março de 2022.
https://www.scielo.br/j/rbh/a/b7Z47VbMMm...
). O livro reuniu textos que abordam aspectos que até então recebiam pouca atenção, como as formas de resistência através da religião, da cultura, da diplomacia e da negociação com os colonizadores. O trabalho de Vainfas (1995VAINFAS, R. 1995. A heresia dos índios. São Paulo, Companhia das Letras.), outro marco importante dessa renovação historiográfica, mostra como as religiosidades indígenas não foram passivas no processo de conversão, sendo capazes de pautar a inquisição portuguesa, inspirando normas, punições e até mesmo negociações e práticas informais de tolerância ao que era considerado “heresia” pelo Santo Ofício. A trilha aberta por John Monteiro, Manuela Carneiro da Cunha e Ronaldo Vainfas foi seguida por outros autores. Os trabalhos da já mencionada Maria Regina Celestino de Almeida se debruçam sobre como as aldeias coloniais dirigidas pela administração portuguesa eram um “mal menor para os índios, diante das guerras, escravizações em massa e crescente redução de territórios livres e recursos naturais” (ALMEIDA, 2003ALMEIDA, Maria Regina Celestina. Metamorfoses indígenas: identidade e cultura nas aldeias coloniais do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003., p. 32). O trabalho do brasilianista Warrean Dean (1996DEAN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.) impactou profundamente a percepção que os estudiosos brasileiros tinham a respeito da devastação da mata atlântica, ao afirmar que os indígenas eram “indiferentes à noção contemporânea de ecologia, estando bem longe de serem guardiões da integridade da floresta” (DEAN, 1996DEAN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 1996., p. 16). Dedicado ao Maranhão do século XVII, o trabalho de Rafael Rocha (2013) mostra como cargos e títulos eram distribuídos a chefes indígenas que prestavam serviços à coroa. Já o estudo de Silvana de Godoy (2017), sobre a Vila de São Paulo do século XVI, examina a formação de uma elite mestiça através da estratégia do matrimônio que atendia aos interesses de colonizadores e indígenas. Por mais diversificadas que sejam as abordagens propostas por esses estudos, a perspectiva da agência subalterna é o topos que atribui identidade teórico/política à “nova história indígena”. Leandro Narloch conhece essa renovação historiográfica e, tal como fez com os historiadores da “nova história da escravidão”, usa esses autores como aliados em sua jornada contra a “historiografia marxista “.

Historiadores como Florestan Fernandes [...] montaram relatos onde a cultura indígena teria sido destruída pelos conquistadores europeus. Os índios que ficaram para essa história foram os bravos e corajosos que lutaram contra os portugueses. Quando eram derrotados e entravam para a sociedade colonial, saíam dos livros. Apesar de tentar dar mais valor à cultura indígena, os textos continuaram encarando os índios como coisas, seres passivos que não tiveram outra opção senão lutar contra os portugueses ou se submeter a eles (NARLOCH, 2009NARLOCH, Leandro. Guia politicamente incorreto da história do Brasil. São Paulo: Ed. Leya, 2009., p. 8).

O texto de Fernandes é tratado pelo negacionista como exemplo da história “politicamente correta” e “militante” que teria reduzido os indígenas à condição de “vítimas”. Essa visão militante “foi superada na última década por uma nova leva de estudos, que ainda não se popularizou, e que toma a cultura indígena não como um valor cristalizado” (NARLOCH, 2009NARLOCH, Leandro. Guia politicamente incorreto da história do Brasil. São Paulo: Ed. Leya, 2009., p. 9). Narloch traz para si a missão de “popularizar” essas novas abordagens.

A colonização foi marcada também por escolhas e preferências dos índios, que os portugueses, em número muito menor e precisando de segurança para instalar suas colônias, diversas vezes acataram. Muitos índios foram amigos dos brancos, aliados em guerras, vizinhos que se misturaram até virar a população brasileira de hoje. Os índios transformaram-se mais do que foram transformados”, afirma a historiadora Maria Regina Celestino de Almeida na tese “Os índios Aldeados no Rio de Janeiro Colonial”, de 2000 (NARLOCH, 2009NARLOCH, Leandro. Guia politicamente incorreto da história do Brasil. São Paulo: Ed. Leya, 2009., p. 8-9, grifos meus).

Como contraponto a Fernandes, Narloch cita o trabalho de Celestino de Almeida, representante da “nova história” que precisava ser “popularizada”. Se Fernandes escreveu uma história militante e falsa, Celestino de Almeida teria produzido uma história verdadeira “baseada em fontes traz uma versão do passado difícil de ser engolida por aqueles que desejam a história politicamente correta contada pelos marxistas militantes” (NARLOCH, 2009NARLOCH, Leandro. Guia politicamente incorreto da história do Brasil. São Paulo: Ed. Leya, 2009., p. 10). No texto negacionista, a historiografia marxista é tratada como “militante”, “ultrapassada” e desonesta. Já os “novos estudos” são elogiados como “inovadores e sem compromisso com nenhum tipo de militância política”. O Guia nega a existência de um genocídio praticado pelos portugueses, pintando a imagem da colonização como experiência de congraçamento entre indígenas e portugueses, onde interesses diferentes se complementaram na festa, no matrimônio e em alianças políticas. A ideia de congraçamento é levada ao nível da caricatura no quarto episódio da série televisiva, quando o economista Eduardo Gianetti menciona as “crônicas do descobrimento” escritas por Pero Vaz de Caminha, “especialmente a ocasião em que o português Diogo Dias pula do barco e dança com os índios, ao som de um gaiteiro”. Esse teria sido “o primeiro ensaio do carnaval”. O economista conclui indagando: “Você imagina isso na América do norte? Um puritano vendo um índio de pele escura e indo dançar de mãos dadas? É belo, vamos cultivar isso!!!” (GIANETTI, HC, 2017HISTORY CHANNEL. Guia Politicamente incorreto da história do Brasil. Série Televisiva. 2017. Disponível em: https://www.youtube.com/playlist?list=PLJaLHR2LwSrzLyBVLkrQuvApme1racTSD/ Acesso em 12 de março de 2022. Disponível em: https://www.youtube.com/playlist?list=PLJaLHR2LwSrzLyBVLkrQuvApme1racTSD/ Acesso em 12 de março de 2022. https://hhmagazine.com.br/o-incorreto-no-Guia-politicamente-incorreto-da-historia-do-brasil/ Acesso em: 22 de agosto de 2022.
https://www.youtube.com/playlist?list=PL...
, min. 8, 2017).

O Guia não economiza nas referências à “nova história indígena”. O trabalho de John Monteiro (1994MONTEIRO, John Manuel. Negros da terra: índios e bandeirantes - origens de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.) é citado como fonte para a afirmação de que as bandeiras eram formadas mais por indígenas do que por paulistas e que, por isso, “o extermínio e a escravidão dos índios não seriam possíveis sem o apoio dos próprios índios”. Não haveria sentido falar em “genocídio”, já que “quem mais mataram índios não foram os portugueses, mas sim os próprios índios”. Prossegue Narloch, citando Monteiro, “cogita-se até que o modelo militar das bandeiras seja resultado mais da influência indígena que europeia” (NARLOCH, 2009NARLOCH, Leandro. Guia politicamente incorreto da história do Brasil. São Paulo: Ed. Leya, 2009., p. 14). O livro de Warren Dean é mencionado no formato impresso e no audiovisual do Guia. No impresso, a referência é feita também na discussão sobre as bandeiras. “É difícil evitar a impressão, por exemplo, de que as bandeiras representavam uma predileção tupi por aventuras militares”, afirma Narloch, citando as palavras de Dean (NARLOCH, 2009NARLOCH, Leandro. Guia politicamente incorreto da história do Brasil. São Paulo: Ed. Leya, 2009., p. 15). Na série televisiva, o trabalho de Dean é mencionado no primeiro episódio, por vários convidados: Eduardo Bueno, Mary Del Priore, Tiago Cordeiro, Reinaldo Lopes, todos se sustentam no historiador norte-americano para afirmar que os indígenas jamais se preocuparam em preservar a floresta. Muito pelo contrário, como diz Reinaldo Lopes: “eram os que mais predavam, ateando fogo no mato e infertilizando terrenos” (LOPES, HC,2017HISTORY CHANNEL. Guia Politicamente incorreto da história do Brasil. Série Televisiva. 2017. Disponível em: https://www.youtube.com/playlist?list=PLJaLHR2LwSrzLyBVLkrQuvApme1racTSD/ Acesso em 12 de março de 2022. Disponível em: https://www.youtube.com/playlist?list=PLJaLHR2LwSrzLyBVLkrQuvApme1racTSD/ Acesso em 12 de março de 2022. https://hhmagazine.com.br/o-incorreto-no-Guia-politicamente-incorreto-da-historia-do-brasil/ Acesso em: 22 de agosto de 2022.
https://www.youtube.com/playlist?list=PL...
, Ep. 1. Min 8).

Não tem só aquela cena dramática que foi repetida à sociedade pela historiografia do índio amarrado na boca do canhão sendo explodido pelos ares. Essa gente (os índios) sobreviveu por quase 500 anos na base da negociação, e estão aí, para afirmar sua existência, deixando claro que não foram exterminados, que conseguiram se adaptar (DEL PRIORE, HC, 2017HISTORY CHANNEL. Guia Politicamente incorreto da história do Brasil. Série Televisiva. 2017. Disponível em: https://www.youtube.com/playlist?list=PLJaLHR2LwSrzLyBVLkrQuvApme1racTSD/ Acesso em 12 de março de 2022. Disponível em: https://www.youtube.com/playlist?list=PLJaLHR2LwSrzLyBVLkrQuvApme1racTSD/ Acesso em 12 de março de 2022. https://hhmagazine.com.br/o-incorreto-no-Guia-politicamente-incorreto-da-historia-do-brasil/ Acesso em: 22 de agosto de 2022.
https://www.youtube.com/playlist?list=PL...
, ep. 4, min. 10).

É só elencar o número de lideranças indígenas que recebeu condecorações do rei português por terem servido à colonização, como o hábito de cavaleiro da ordem de cristo que o Arariboia e o Tibiriça receberam. São índios leais, inclusive reprimiram os primeiros quilombos. Essa situação de ambivalência vale a pena ser registrada. Houve muita cumplicidade entre grupos indígenas e portugueses. As lideranças queriam se nobilitar, garantir privilégios e as terras indígenas (VAINFAS, HC, 2017HISTORY CHANNEL. Guia Politicamente incorreto da história do Brasil. Série Televisiva. 2017. Disponível em: https://www.youtube.com/playlist?list=PLJaLHR2LwSrzLyBVLkrQuvApme1racTSD/ Acesso em 12 de março de 2022. Disponível em: https://www.youtube.com/playlist?list=PLJaLHR2LwSrzLyBVLkrQuvApme1racTSD/ Acesso em 12 de março de 2022. https://hhmagazine.com.br/o-incorreto-no-Guia-politicamente-incorreto-da-historia-do-brasil/ Acesso em: 22 de agosto de 2022.
https://www.youtube.com/playlist?list=PL...
, ep. 4, min. 10).

Os autores estão empenhados em destacar a participação dos indígenas como aliados, da colonização portuguesa. A colonização teria sido obra coletiva, reunindo esforços de portugueses e indígenas. Del Priore critica a “historiografia” (que não é nomeada, mas tudo leva a crer que seja a de orientação marxista) por ter transmitido à população a imagem do índio como vítima dos colonizadores. A verdade apontaria para a capacidade indígena de se adaptar à realidade da colonização e sobreviver, nos deixando heranças na forma de um “Brasil mameluco”. O argumento final do Guia contra a ideia de “genocídio” é apresentado no quarto episódio, quando o apresentador menciona os resultados da pesquisa realizada pela Universidade Federal de Minas Gerais intitulada “Retrato molecular do Brasil”. O geneticista Sérgio Pena explica que o objetivo era estudar o perfil genético de brasileiros autodenominados brancos oriundos de quatro regiões geográficas do Brasil: Sul, Sudeste, Norte e Nordeste.

Seguindo o cromossomo Y, que é exclusivo da linhagem paterna, quase todos os descendentes de brancos brasileiros têm origem europeia. O DNA mitocondrial, que é de origem materna, demonstra que 33% dos brasileiros autodeclarados brancos têm origem indígena, 33% tem origem negra e apenas 33% tem origem europeia. Então, quem se acha branco não é muito branco (PENA, HC, 2017HISTORY CHANNEL. Guia Politicamente incorreto da história do Brasil. Série Televisiva. 2017. Disponível em: https://www.youtube.com/playlist?list=PLJaLHR2LwSrzLyBVLkrQuvApme1racTSD/ Acesso em 12 de março de 2022. Disponível em: https://www.youtube.com/playlist?list=PLJaLHR2LwSrzLyBVLkrQuvApme1racTSD/ Acesso em 12 de março de 2022. https://hhmagazine.com.br/o-incorreto-no-Guia-politicamente-incorreto-da-historia-do-brasil/ Acesso em: 22 de agosto de 2022.
https://www.youtube.com/playlist?list=PL...
, ep. 4, min. 20).

Apresentada como modelo de cientificidade objetiva, a genética é chamada para confirmar aquilo que a “nova história indígena” já dizia desde a década de 1990. Os indígenas sobreviveram à colonização porque foram agentes e não vítimas, conseguindo se adaptar à nova realidade e deixar suas heranças na sociedade, na cultura e no DNA do povo brasileiro. O “genocídio indígena” seria mais uma mentira contada pelos historiadores marxistas que durante tanto tempo teriam falseado a história nacional, enganando as crianças nas escolas e mentido para a sociedade em geral.

Críticas à abordagem marxista, à ideia “genocídio” e à “crônica da extinção”. Afirmação dos indígenas como agentes no processo colonial. Novamente, parece que o discurso negacionista e a historiografia especializada estão dizendo coisas semelhantes. Outra vez, afirmo que não é o caso. O procedimento negacionista do Guia não opera com a mentira e o falseamento deliberado, mas sim, como já discuti na seção anterior, com o uso abusivo de verdades possíveis com interesses políticos. Quais interesses?

A constituição de 1988 é marco na luta em defesa dos direitos indígenas. O texto constitucional alterou o paradigma estabelecido pelo Estatuto do Índio (Lei 6.001, de 1973). Se o estatuto “previa prioritariamente que as populações indígenas deveriam ser integradas ao restante da sociedade, a constituição garantia o respeito e a proteção à cultura das populações originárias” (PROENÇA, 2015PROENÇA, Gustavo. Os povos indígenas na constituição. 2015. Tese (Doutorado em Direito) - Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas: Goiânia, Universidade Federal de Goiás, 2015. [12] , p. 65). A demarcação de terras indígenas passou a ser entendida como “direito originário” anterior à criação do Estado, o que define o processo de colonização como experiência de violência contra os direitos originários indígenas, o que segundo o legislador constituinte deveria ser reparado pelo próprio Estado brasileiro.

Somados, os governos petistas de Lula da Silva e de Dilma Rousseff homologaram 84 terras indígenas, enquanto o governo de Fernando Henrique Cardoso, “de quem os indígenas não esperavam nada”, homologou 118 demarcações (REIS, 2021REIS, Maxi. A questão das terras indígenas e os governos brasileiros no século XXI. Revista Estudos Anarquistas e decoloniais. Rio de Janeiro, UFRJ, v. 1, n. 1, 2021. [14] Disponível em Disponível em https://revistas.ufrj.br/index.php/read/article/view/47814/0 . Acesso em: 07 de março de 2022.
https://revistas.ufrj.br/index.php/read/...
, p. 82). Ainda assim, Narloch acredita que os governos petistas “exageraram nas demarcações, prejudicando os interesses do agronegócio, que é quem produz riqueza nesse país” (NARLOCH, JOVEN PAN, 2017NARLOCH, Leandro. Entrevista à rádio Jovem Pan. 13 de dezembro de 2017. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=f9qYQaaHLv4 . Acesso em 20 de abril de 2022.[9]
https://www.youtube.com/watch?v=f9qYQaaH...
), como disse em 2018, em entrevista à rádio Jovem Pan. A percepção equivocada talvez se explique pelos compromissos históricos que o PT assumiu com a defesa dos direitos das comunidades indígenas. Seja qual for o motivo do equívoco, estou interessado no argumento utilizado, pois é aqui que identifico as motivações políticas do negacionismo histórico praticado pelo Guia.

O excesso nas demarcações é justificado pela ideia de que os índios foram vítimas de violência na colonização. Isso não é uma verdade completa. Além disso, os próprios índios desejavam ser integrados ao mundo dos brancos, detestavam viver no mato e destruíam floresta muito mais do que os portugueses (NARLOCH, JOVEN PAN, 2017NARLOCH, Leandro. Entrevista à rádio Jovem Pan. 13 de dezembro de 2017. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=f9qYQaaHLv4 . Acesso em 20 de abril de 2022.[9]
https://www.youtube.com/watch?v=f9qYQaaH...
).

Na “Folha de São Paulo”, em março de 2022, Narloch afirma que:

existem líderes indígenas que querem desenvolver suas terras permitindo a mineração e esse direito precisa ser respeitado. Muitas comunidades indígenas estão cansadas de depender do Estado e querem se desenvolver por si mesmas, o que é coerente com a história dos índios no Brasil, marcada pelo protagonismo e pela recusa se contentar com a posição de vítimas” (NARLOCH, 2022NARLOCH, Leandro. Líderes indígenas defendem mineração em suas terras. Jornal Folha de São Paulo, 11 de março de 2022.).

O negacionista mobiliza o topos da agência subalterna para criticar a demarcação e para defender o garimpo nas terras demarcadas. Narloch está militando pelos interesses políticos que desejam restringir direitos adquiridos pelas comunidades indígenas. A agenda político/historiográfica da “nova história indígena” é completamente diferente, não se limitando aos interesses acadêmicos, na medida em que visava “fornecer subsídios para as lutas e reivindicações dos índios” (MONTEIRO, 1995MONTEIRO, John Manuel. O desafio da história indígena no Brasil. In: SILVA, Aracy Lopes da S.; GRUPIONI, Luís D. Benzi (ed.). A temática indígena na escola: novos subsídios para professores de 1° e 2° graus. Brasília: MEC; Mari; Unesco, 1995. p. 221-228., p. 223). São dois tipos de militância político/intelectual opostos e inconciliáveis. Enquanto Narloch defende a restrição de direitos, a “nova história indígena” defende a ampliação e a consolidação dos direitos previstos na constituição.

O Guia pratica negacionismo histórico não porque mente ou falsifica evidências encontradas nas fontes de época. O negacionismo se dá pelo uso abusivo de uma determinada perspectiva historiográfica para defender propósitos políticos que contrariam os propósitos defendidos pelos historiadores que a formularam. Como é possível combater essa modalidade de negacionismo histórico?

Para concluir, uma proposta de enfrentamento

Nunca ninguém teve dúvidas que a verdade e a política estão em bastante más relações, e ninguém, tanto quanto saiba, contou alguma vez a boa fé no número das virtudes políticas. As mentiras foram sempre consideradas como instrumentos necessários e legítimos, não apenas na profissão de político ou demagogo, mas também na de homem de estado (ARENDT, 1995ARENDT, Hannah. Verdade e política. Lisboa: Relógio D’Água Editores, 1995., p. 3-4).

Não é de hoje que a mentira é dilema para os historiadores. Basta lembrarmos de quando Tucídides acusou Heródoto de ser o “pai da mentira” por ter narrado eventos que não testemunhou com os próprios olhos. A mentira de Heródoto seria resultado da flexibilização da autópsia, que para Tucídides era a garantia da verdade da narrativa historiográfica (MOMIGLIANO, 2004MOMIGLIANO, Arnaldo. As raízes clássicas da historiografia moderna. Bauru:). O surgimento do negacionismo/revisionismo histórico na segunda metade do século XX deu outra dimensão ao problema da mentira na historiografia. A mentira não era mais resultado do erro metodológico, da imperícia na execução de determinado procedimento de pesquisa. Passava a ser projeto motivado pelo interesse em manipular a memória coletiva para legitimar violências. O negacionismo histórico é questão, antes de tudo, política. A história do negacionismo histórico, portanto, se insere no estudo dos fenômenos políticos em sentido amplo, atravessados, como nos lembra Hannah Arendt, pelo uso da mentira como instrumento de exercício do poder. Sendo assim, é insuficiente combater o negacionismo histórico somente com a afirmação de um procedimento de pesquisa, como se estivéssemos diante de uma questão apenas científica (se é que existe alguma questão que seja “apenas científica”). Se o sentido histórico não é produzido unicamente pela comunidade profissional e pelas instituições que autorizam a historiografia especializada, não há razão para acreditar que o combate à negação pode ser feito apenas no plano metodológico. Como defende Mateus Pereira, o enfrentamento deve acontecer, também e fundamentalmente, no plano da “interpretação engajada do ponto de vista ético, político e existencial” (PEREIRA, 2021PEREIRA, Mateus Henrique de Faria. Lembrança do presente. Belo Horizonte: Autentica, 2021, p. 91).

O combate ao negacionismo histórico demanda um gesto de ativismo político que convida os historiadores a tomarem a situação de crise democrática como premissa epistêmica para seu trabalho. O final da década de 2010 foi marcado pela ascensão de governos autoritários de extrema-direita em diversos países, sendo os casos do Brasil e dos EUA os mais paradigmáticos. O objetivo desses governos é implodir as instituições da democracia liberal-representativa, o que coloca os historiadores diante de desafios distintos daqueles observados em tempos de normalidade democrática. Diante da crise, todo trabalho de pesquisa, escrita e divulgação precisa ter a situação de crise democrática como preocupação existencial. Daniel Pinha argumenta que escrever história “desde a crise” demanda uma ética historiográfica específica, “balizada por sua recepção, por seus leitores, pelo conjunto de interlocutores no presente”. Isso não significa colocar em questão a autonomia do trabalho dos historiadores, mas sim de levar em consideração “que a conclusão interpretativa, no caso dos temas sensíveis e de interesse público, afeta politicamente uma comunidade maior de leitores, que realizam batalhas de memória, usos e disputas a partir das quais apoiam projetos políticos no presente” (PINHA, 2020PINHA, Daniel. Ditadura civil-militar e formação democrática como problemas historiográficos: interrogações desde a crise. Revista Transversos, Dossiê: Historiografia e Ensino de História em tempos de crise democrática, Rio de Janeiro, n. 18 [11] , vol. 11, p. 37-63, 2020. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/transversos/article/view/50330 . Acesso em 10 de março de 2022.
https://www.e-publicacoes.uerj.br/transv...
, p. 44).

Valdei Araujo e Marcelo Rangel (2015ARAUJO, Valdei; RANGEL, Marcelo de Mello. Teoria e história da historiografia: do giro linguístico ao giro ético-político. História da Historiografia: International Journal of Theory and History of Historiography, Ouro Preto, v. 8, n. 17, 2015. DOI: 10.15848/hh.v0i17.917. Disponível em: https://www.historiadahistoriografia.com.br/revista/article/view/917 . Acesso em 15 de março de 2022.
https://www.historiadahistoriografia.com...
) já chamaram atenção para o “giro ético/político” que caracteriza a historiografia contemporânea, produzida dentro da “tradição pós-moderna ou neo-historicista”, que torna “mais problemática a tarefa do discurso histórico de traçar uma clara linha separando presente e passado” (ARAUJO; RANGEL, 2015ARAUJO, Valdei; RANGEL, Marcelo de Mello. Teoria e história da historiografia: do giro linguístico ao giro ético-político. História da Historiografia: International Journal of Theory and History of Historiography, Ouro Preto, v. 8, n. 17, 2015. DOI: 10.15848/hh.v0i17.917. Disponível em: https://www.historiadahistoriografia.com.br/revista/article/view/917 . Acesso em 15 de março de 2022.
https://www.historiadahistoriografia.com...
, p. 326). Estaríamos vivendo em temporalidade marcada pela constante “invasão” do presente pelo passado, que surge como espectro assombroso, principalmente naquilo que se refere aos eventos traumáticos. Seria essa a nossa condição contemporânea, no sentido mais amplo possível, que deixa suas marcas não apenas na historiografia, mas também em outros dispositivos culturais como a ficção, especialmente nos gêneros da literatura testemunhal e do romance histórico (TURIN, 2017TURIN, Rodrigo. A polifonia do tempo: ficção, trauma e aceleração no Brasil contemporâneo. ArtCultura, Uberlândia, v. 19, n. 35, p. 55-70, jul.-dez. 2017. [17] [17] https://seer.ufu.br/index.php/artcultura/article/view/41252 . Acesso em 15 de março de 2022.
https://seer.ufu.br/index.php/artcultura...
). Essa quase total indistinção entre passado e presente fez com que o ocidente contemporâneo abandonasse tanto as pretensões historicistas pela reconstrução metodológica do passado como as utopias modernistas de construção de futuros alternativos, que foram substituídas pela constante busca pela reparação (MUDROVCIC, 2014MUDROVCIC, María Inés. About lost futures or the political heart of history. Historein, v. 14, n. 21, p. 7-21, 2014. Disponível em: https://ejournals.epublishing.ekt.gr/index.php/historein/article/view/2294 . Acesso: 10 de março de 2022.
https://ejournals.epublishing.ekt.gr/ind...
). As mídias digitais, que levaram ao infinito a capacidade de arquivamento, potencializaram a diluição das fronteiras entre passado e presente, impondo os dilemas da imprescritibilidade dos crimes e da incapacidade de conceder perdão (SILVEIRA, 2017SILVEIRA, Pedro Telles da. Lembrar e esquecer na internet: memória, mídias digitais e a temporalidade do perdão na esfera pública contemporânea. Varia Historia, Belo Horizonte, v. 37, n. 73, p. 287-321, jan/abr 2021. [16] Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/j/vh/a/qJ39yWqGZBNd6YvffnSLGTj/ . Acesso em 10 de março de 2022.
https://www.scielo.br/j/vh/a/qJ39yWqGZBN...
). A tradição historicista dentro da qual se deu a fundação da ciência histórica foi, então, superada por uma nova temporalidade que diluiu as fronteiras que separam passado e presente, libertando os historiadores da tutela do método que os constrangia a reprimir seus elementos de presença no sentido de estabelecer relação tão somente heurística com os eventos passados. No século XIX, Leopold Ranke desaconselhou os estudos sobre eventos presentes, que colocariam os historiadores sob risco de serem afetados por seus próprios valores e convicções. Nos dias de hoje, os historiadores enfrentam sem constrangimento a agenda do engajamento ético/político, como fica claro na “nova história da escravidão” e na “nova história indígena”, que, como já sabemos, foram produzidas a partir do comprometimento político dos historiadores profissionais com os interesses de determinados movimentos sociais.

O combate aos negacionismos históricos é outra possibilidade de engajamento ético/político para os historiadores. Antes mesmo do agravamento da crise democrática, com o controverso impeachment da Presidenta Dilma Rousseff, em 2016, e com a vitória de Jair Bolsonaro na eleição presidencial de 2018, Mateus Pereira (2015PEREIRA, Mateus Henrique de Faria. Nova direita? Guerras de memória em tempos de comissão da verdade (2012-2014). Varia História, Belo Horizonte, v. 31, n. 57, p. 853-902, set-dez 2015. Disponível em: https://www.scielo.br/j/vh/a/NcJrcx93VSTVnnQnHVGXLYf/?format=pdf⟨=pt . Acesso em 12 de março de 2022.
https://www.scielo.br/j/vh/a/NcJrcx93VST...
) já chamava atenção para a existência de “batalhas de memória” na internet envolvendo a temática da ditadura militar. O autor demonstra como a negação dos crimes cometidos pelos governos militares estava se tornando elemento de identidade política para uma “nova direita”. Têm destaque também os estudos de Renato Venâncio (2018VENÂNCIO, Renato. O incorreto no Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil. HHMagazine, 9 nov. 2018. Disponível em:), de Sônia Meneses (2019MENESES, Sônia. Uma história ensinada para Homer Simpson: negacionismos e os usos abusivos do passado em tempos de pós-verdade. Revista História Hoje, São Paulo, v. 8, n.15 [7], p. 66-88, 2019. Disponível em Disponível em https://rhhj.anpuh.org/RHHJ/article/view/522 . Aceso em 13 de março de 2022.
https://rhhj.anpuh.org/RHHJ/article/view...
; 2021MENESES, Sônia. Os vendedores de verdades: o dizer verdadeiro e a sedução negacionista na cena pública como problema para o jornalismo e a história (2010-2020). Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 41, n. 87, p. 61-87, 2021. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/j/rbh/a/868cZ9QBynvNmBW97MnNmfz/abstract/?lang=pt . Acesso em 13 de março de 2022.
https://www.scielo.br/j/rbh/a/868cZ9QByn...
), de Fernando Nicolazzi (2021NICOLAZZI, Fernando. Brasil Paralelo: restaurando a pátria, resgatando a história. A Independência entre memórias públicas e usos do passado. Apresentação no Seminário 3x22: 1822 - Independência: Memória e Historiografia (24-28 de maio de 2021). Disponível em https://www.academia.edu/49455769/NICOLAZZI_Fernando_Brasil_Paralelo_restaurando_a_pa_tria_resgatando_a_histo_ria_A_Independ%C3%AAncia_entre_mem%C3%B3rias_p%C3%BAblicas_e_usos_do_passado . Acesso 09/03/2022.
https://www.academia.edu/49455769/NICOLA...
), de Alexandre Avelar e Patrícia Valim (2021AVELAR, Alexandre de Sá; BERVERNAGE, Berber; VALIM, Patrícia. Negacionismo: história, historiografia e perspectivas de pesquisa. Revista Brasileira de História, vol. 41, n. 27, pp. 13-36, 2021. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbh/a/mKqxgYCgFLmDBCNWmVKJ4gd/?format=pdf⟨=pt . Acesso em 14 de março de 2022.
https://www.scielo.br/j/rbh/a/mKqxgYCgFL...
). Todos esses autores exploraram diversos aspectos do negacionismo histórico. É com essa bibliografia que pretendo contribuir, propondo uma agenda de enfrentamento a partir das especificidades do tipo de negacionismo histórico praticado pelo Guia. Vamos à proposta.

Já que o abuso da historiografia especializada é estratégia negacionista, seria importante que os historiadores tentassem antever possíveis abusos, na tentativa de proteger seus trabalhos dos usos inadequados e facilitar a rastreabilidade das distorções. Esse gesto teórico/político de imaginação somente é possível a partir da combinação de duas “virtudes epistêmicas”, para usar formulação tão importante para as reflexões de João Ohara (2017OHARA, João R. M. Virtudes Epistêmicas na Prática do Historiador: o caso da sensibilidade histórica na historiografia brasileira (1980-1990). História da Historiografia: International Journal of Theory and History of Historiography, Ouro Preto, v. 9, n. 22, 2017. [10] Disponível em: https://www.historiadahistoriografia.com.br/revista/article/view/1107 . Acesso em 10 de março de 2022.
https://www.historiadahistoriografia.com...
): amplo conhecimento da crônica política da crise democrática e do funcionamento de diversos tipos de negacionismo histórico. Cito dois exemplos que me parecem inspiradores. O primeiro é a crítica de Suely Queiróz à nova história da escravidão. Escrevendo no final dos anos 1990, a autora argumentou que a “nova história da escravidão” enfatizava “excessivamente” o caráter consensual do cativeiro. A preocupação era com possíveis distorções ideológicas feitas por aqueles que “desejassem negar o caráter violento da escravidão” (QUEIRÓZ, 1998QUEIRÓZ, Suely Robles Reis de. Escravidão negra em debate. In: FREITAS, Marcos Cezar (org). Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 1998 [13] . pp. 13-45., p. 64). O fato de a advertência ter sido feita vinte antes do início da crise democrática e da projeção pública dos negacionismos históricos no Brasil torna a percepção ainda mais impressionante.. A sagacidade de Queiróz evidencia a importância de nós, historiadores, termos consciência dos dilemas estruturais da sociedade que é a destinatária do conhecimento que produzimos. Nesse sentido, penso que todo historiador, independente de sua especialização temática, deveria, em alguma medida, ser um historiador da crise democrática.

Quando proponho a antevisão do abuso como gesto teórico/político de combate ao negacionismo histórico não estou convidando os historiadores a “preverem o futuro”. O convite é outro: reforçar a necessidade de saber o que está acontecendo na atualidade onde o conhecimento histórico é produzido e imediatamente consumido, algo especialmente verdadeiro na dinâmica acelerada da circulação de conteúdos e informações proporcionada pela tecnologia digital. Não estou sugerindo que o historiador pratique autocensura, evitando fazer algumas afirmações por receio de alimentar projetos políticos autoritários. Estou dizendo que é importante que o profissional tenha consciência da possibilidade do abuso e insira em seu texto, ou qualquer outro suporte onde conhecimento histórico esteja materializado, enunciados de prevenção. Assim agiu Maria Celestino de Almeida, a quem tomo como segundo exemplo inspirador. Em artigo publicado em 2017ALMEIDA, Maria Regina Celestina. A atuação dos indígenas no Brasil: revisões historiográficas. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 37, n. 75, 2017, pp. 17-38. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbh/a/b7Z47VbMMmvPQwWhbHfdkpr/?lang=pt&format=pdf . Acesso em 10 de março de 2022.
https://www.scielo.br/j/rbh/a/b7Z47VbMMm...
, a autora elabora um balanço historiográfico da “nova história indígena”. Naquela altura, o Guia já era amplamente conhecido e, apesar de não ter citado o nome de Leandro Narloch em nenhum momento, é possível perceber a preocupação da autora em se prevenir do tipo de abuso praticado pelo negacionista. Celestino de Almeida reforça a importância do topos da agência para os historiografia especializada nos estudos indígenas. Porém, faz questão de deixar claro que afirmar a agência indígena não significa negar a existência de violências estruturais que vitimaram as sociedades nativas ao longo do processo colonial.

Sem desconsiderar o tamanho da violência contra os índios e as condições desiguais de negociação entre eles e os europeus, podemos observar que, apesar de restritas, suas atuações impuseram uma série de limites aos colonizadores. [...] as pesquisas atuais demonstram como as escolhas e ações indígenas foram decisivas para vitórias ou derrotas, embora eles próprios tenham sido sempre os maiores prejudicados (ALMEIDA, 2017ALMEIDA, Maria Regina Celestina. A atuação dos indígenas no Brasil: revisões historiográficas. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 37, n. 75, 2017, pp. 17-38. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbh/a/b7Z47VbMMmvPQwWhbHfdkpr/?lang=pt&format=pdf . Acesso em 10 de março de 2022.
https://www.scielo.br/j/rbh/a/b7Z47VbMMm...
, p. 21-23, grifos meus).

Em diversos momentos do artigo, encontramos enunciados preventivos, tais como os destacados na citação. A autora não fez esse tipo de formulação em seus primeiros textos, publicados no início do século XXI. Tampouco o fizeram os outros historiadores da “nova história indígena”. Naquele momento, o abuso negacionista não era realidade concreta e, como não podemos exigir que todos tenham a mesma astúcia de Suely Queiróz, é de se esperar que essa não fosse uma agenda para historiografia nas décadas de 1990 e de 2000. Em 2017, a situação já era bastante diferente e o texto de Celestina de Almeida mostra que a autora percebeu isso. Os enunciados preventivos que matizam o topos da agência são práticas de enfrentamento ao negacionismo do Guia, pois é difícil de imaginar que, naquela altura, a autora ignorasse que seus estudos estavam sendo abusados por produtos de tão grande circulação na mídia impressa, televisiva e digital. Percebo no texto de Celestina as duas virtudes acadêmicas que destaquei há pouco: a autora sabe que está escrevendo a partir, e na, crise democrática, com direitos das comunidades indígenas sendo destruídos. Conhece, também, as especificidades do tipo de negacionismo praticado pelo Guia. Diante disso, ela age, nos limites do seu ofício. Por si só, a ação é suficiente para impedir o abuso negacionista? Sabemos que não. Mas seria imperdoável acreditar que por não conseguir resolver plenamente o problema, o correto seria, simplesmente, não fazer nada

É perturbador pensar que por quase dez anos, Leandro Narloch circulou pela imprensa, pela TV, usando e abusando dos trabalhos de dezenas de historiadores profissionais praticamente sem ser desautorizado. Esses estudiosos ignoravam a existência do Guia? Não tiveram o interesse de folhear o livro que, evocando a identidade genérica historiográfica, era um dos mais vendidos no país? Ou, sim, conheciam o texto negacionista e acharam que se tratava de algo menos importante? Ou, o que seria ainda mais grave, concordaram com o abuso, achando positivo verem seus estudos divulgados para audiência tão ampliada? Impossível saber. Fato é que outra ação que acredito ser indispensável para enfrentar o tipo de negacionismo praticado pelo Guia é o acompanhamento dos desdobramentos do conhecimento histórico que produzimos, de sua circulação social, monitorando possíveis usos abusivos e confrontando publicamente os abusadores. Isso significa dizer que a responsabilidade dos historiadores não acaba no momento da publicação do trabalho. Novamente, é possível encontrar alguns exemplos inspiradores.

Entre o fim de 2016 e o início de 2017, o produtor Mateus Ruas, representando a empresa Fly, convidou diversos intelectuais a participarem de um documentário sobre a história do Brasil. A princípio os convidados não foram informados de que o tal documentário se tratava da versão televisiva do Guia, o que provocou constrangimento em alguns deles, que chegaram a pedir que suas colaborações não fossem ao ar (BORGES; OGASSAWARA, 2019BORGES, Viviane Trindade; OGASSAWARA, Juliana Sayuri. O historiador e a mídia: diálogos e disputas na arena da história pública. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 39, n. 80, 2019, pp. 37-59. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbh/a/FKyMw5pFhRdL5jbRCYB6fnD/?format=pdf⟨=pt . Acesso em 15 de março de 2022.
https://www.scielo.br/j/rbh/a/FKyMw5pFhR...
). Foi esse o caso do escritor Lira Neto, das historiadoras Isabel Lustosa e Mary Del Priore e do jornalista Laurentino Gomes e da antropóloga Lilia Schwarcz. O protesto mais contundente foi o de Lira Neto, que recorreu à imprensa e às suas páginas nas mídias digitais, dizendo-se enganado pelos produtores, deixando claro que se soubesse do envolvimento de Narloch no projeto, não teria concedido a entrevista. A reação mostra que naquele momento parte da intelectualidade brasileira estava atenta ao risco negacionista, e disposta a enfrentá-lo. O episódio nos leva a refletir sobre valores importantes para a cultura intelectual moderna, fundada na ideia de “autoria subjetiva”, segundo a qual o texto é “propriedade psicológica do seu autor” (LA CAPRA, 2003LA CAPRA, Dominick. Rethinking intelectual history and reading texts. In: LA CAPRA, D.; KAPLAN, Steven (org). Modern European intellectual history: reappraisals & New perspectives. Ithaca: Cornell University Press, 2003 [6] , pp. 56-78., p. 32). Esses valores definiram o plágio como a maior ofensa intelectual possível. Nesse sentido, um autor estaria sendo lesado quando alguém se apropria de seus textos sem fazer as devidas referências e citações. O negacionismo histórico praticado pelo Guia nos coloca diante de outra possibilidade de violência intelectual. Os autores têm seus trabalhos citados e referenciados, mas os argumentos são manipulados no sentido de endossar interesses políticos eticamente repulsivos. Não é plágio, é abuso, sendo tão grave quanto.

No Brasil dos nossos dias, o negacionismo histórico é indissociável do projeto de dominação política liderado por Jair Bolsonaro, que foi projetado do baixo clero da Câmara dos Deputados à Presidência da República na atmosfera de uma crise democrática marcada, também, pela explosão de diversos ressentimentos provocados pelas políticas públicas reparatórias efetivadas pelas administrações petistas (ROCHA, 2021ROCHA, João Cezar de Castro. Guerra cultural e retórica do ódio: crônicas de um Brasil pós-político. Editora e Livraria Caminhos: Goiânia, 2021.). Essas políticas públicas empoderaram parcelas da população historicamente oprimidas, que passaram a exigir reparação em diversas esferas da vida social. Piadas e comentários racistas, machistas e homofóbicos são cada vez menos tolerados, o que criou um ambiente de disciplinarização das relações sociais que costuma ser chamado, de modo pejorativo, de “politicamente correto”. A reação a isso se manifestou na cultura do politicamente incorreto, que reivindica para si a “liberdade” de continuar a praticar atos e dizer palavras hoje consideradas ofensivas e criminosas. Desde seu início, o empreendimento do Guia alimentou esses ressentimentos, oferecendo uma leitura da história do Brasil que representasse o incômodo daqueles que resistiam a abandonar hábitos e manifestações não mais admitidos no contexto da ampliação dos direitos democráticos experimentada no país na primeira década do século XXI. Jair Bolsonaro vocalizou essa rebeldia, tornando-se líder desses descontentes. Durante a corrida eleitoral (2018), Bolsonaro se assumiu como “politicamente incorreto”, em entrevista concedida ao programa Roda Viva, mobilizando argumentos semelhantes aos desenvolvidos por Leandro Narloch. O sucesso editorial do Guia, a chegada de Bolsonaro à presidência da República e a formação do bolsonarismo como ideologia autoritária fazem parte da mesma experiência de crise democrática (DI CARLO; KAMRADT, 2018DI CARLO, Josnei; KAMRADT, João. Bolsonaro e a cultura do politicamente incorreto na história brasileira. Revista Teoria e Cultura, UFJF, Juiz de Fora, v. 13, n. 2, pp. 55-72. dez de [5]2018.Disponível em Disponível em https://periodicos.ufjf.br/index.php/TeoriaeCultura/article/view/12431/0 . Acesso em 10 de março de 2022.
https://periodicos.ufjf.br/index.php/Teo...
).

Entendida como trabalho autônomo desenvolvido por profissionais especializados, a historiografia profissional só existe plenamente na normalidade democrática. A história está repleta de exemplos que mostram como os historiadores são perseguidos e constrangidos em momentos de ascensão de autoritarismos, quando o controle do que se pode falar sobre o passado se torna necessidade política fundamental. Mais do que uma agenda ética, defender a democracia, para os historiadores, é questão de sobrevivência. Para isso, é fundamental entender as especificidades dos diversos tipos de negacionismos históricos que circulam pelo país no contexto da atual crise democrática. A resistência começa pela compreensão.

Agradecimento:

Agradeço a Sofia Brito, bolsista de iniciação científica, pelo levantamento de dados.

Referências

  • ADOLFO, Roberto Manoel Andreoni. As transformações na historiografia da escravidão entre os anos de 1970 e 1980: uma reflexão teórica sobre possibilidades de abordagem do tema. Revista de Teoria da História, Goiânia, v. 11, n. 1, p. 110-125, 2014. Disponível em: https://revistas.ufg.br/teoria/article/view/30165 Acesso em 15 de março de 2022.
    » https://revistas.ufg.br/teoria/article/view/30165
  • ALMEIDA, Maria Regina Celestina. A atuação dos indígenas no Brasil: revisões historiográficas. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 37, n. 75, 2017, pp. 17-38. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbh/a/b7Z47VbMMmvPQwWhbHfdkpr/?lang=pt&format=pdf Acesso em 10 de março de 2022.
    » https://www.scielo.br/j/rbh/a/b7Z47VbMMmvPQwWhbHfdkpr/?lang=pt&format=pdf
  • ALMEIDA, Maria Regina Celestina. Metamorfoses indígenas: identidade e cultura nas aldeias coloniais do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003.
  • ANDERSON, Perry. Teoria, política e história: um debate com E. P. Thompson. Campinas: Ed. UNICAMP, 2018.
  • ARAUJO, Valdei; RANGEL, Marcelo de Mello. Teoria e história da historiografia: do giro linguístico ao giro ético-político. História da Historiografia: International Journal of Theory and History of Historiography, Ouro Preto, v. 8, n. 17, 2015. DOI: 10.15848/hh.v0i17.917. Disponível em: https://www.historiadahistoriografia.com.br/revista/article/view/917 Acesso em 15 de março de 2022.
    » https://doi.org/10.15848/hh.v0i17.917» https://www.historiadahistoriografia.com.br/revista/article/view/917
  • ARENDT, Hannah. Verdade e política. Lisboa: Relógio D’Água Editores, 1995.
  • AVELAR, Alexandre de Sá; BERVERNAGE, Berber; VALIM, Patrícia. Negacionismo: história, historiografia e perspectivas de pesquisa. Revista Brasileira de História, vol. 41, n. 27, pp. 13-36, 2021. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbh/a/mKqxgYCgFLmDBCNWmVKJ4gd/?format=pdf⟨=pt Acesso em 14 de março de 2022.
    » https://www.scielo.br/j/rbh/a/mKqxgYCgFLmDBCNWmVKJ4gd/?format=pdf⟨=pt
  • AVELAR, Alexandre; VALIM, Patrícia. Negacionismo histórico: entre a governabilidade e a violação dos direitos fundamentais. Revista Cult [RP4] , setembro de 2020. Disponível em: https://revistacult.uol.com.br/home/negacionismo-historico/ Acesso em 30 set 2021.
    » https://revistacult.uol.com.br/home/negacionismo-historico/
  • BORGES, Viviane Trindade; OGASSAWARA, Juliana Sayuri. O historiador e a mídia: diálogos e disputas na arena da história pública. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 39, n. 80, 2019, pp. 37-59. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbh/a/FKyMw5pFhRdL5jbRCYB6fnD/?format=pdf⟨=pt Acesso em 15 de março de 2022.
    » https://www.scielo.br/j/rbh/a/FKyMw5pFhRdL5jbRCYB6fnD/?format=pdf⟨=pt
  • CARDOSO, Fernando Henrique. Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional: o negro na sociedade escravocrata do Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
  • CARNEIRO DA CUNHA, M. História dos índios no Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, 1998 [1992] .
  • DE BAETS, Antoon. Uma teoria do abuso da História. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 33, n. 65, p. 17-60, 2013. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbh/a/3zbNZYB56nWgH5FJ5G3HC5m/?format=pdf⟨=pt Acesso em 10 de março de 2022.
    » https://www.scielo.br/j/rbh/a/3zbNZYB56nWgH5FJ5G3HC5m/?format=pdf⟨=pt
  • DEAN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
  • DECCA, Edgar de. E. P. Thompson: um personagem dissidente e libertário. Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da PUC-SP, São Paulo, v. 13, n. 12, pp. 30-23, out/1995. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/view/11306 Acesso em 12 de março de2022.
    » https://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/view/11306
  • DI CARLO, Josnei; KAMRADT, João. Bolsonaro e a cultura do politicamente incorreto na história brasileira. Revista Teoria e Cultura, UFJF, Juiz de Fora, v. 13, n. 2, pp. 55-72. dez de [5]2018.Disponível em Disponível em https://periodicos.ufjf.br/index.php/TeoriaeCultura/article/view/12431/0 Acesso em 10 de março de 2022.
    » https://periodicos.ufjf.br/index.php/TeoriaeCultura/article/view/12431/0
  • ESCOSTEGUY FILHO, J. C. Reflexões sobre agência e estrutura na historiografia da escravidão. Revista Tessituras, Recife, v. 6, p. 102-117, 2015. Disponível em Disponível em https://periodicos.ufpe.br/revistas/index.php/revistaclio/article/view/237678 Acesso em 10 de março de 2022.
    » https://periodicos.ufpe.br/revistas/index.php/revistaclio/article/view/237678
  • FERNANDES, Florestan. A organização social dos Tupinambá [1949] . São Paulo: Hucitec, 1989.
  • HISTORY CHANNEL. Guia Politicamente incorreto da história do Brasil. Série Televisiva. 2017. Disponível em: https://www.youtube.com/playlist?list=PLJaLHR2LwSrzLyBVLkrQuvApme1racTSD/ Acesso em 12 de março de 2022. Disponível em: https://www.youtube.com/playlist?list=PLJaLHR2LwSrzLyBVLkrQuvApme1racTSD/ Acesso em 12 de março de 2022. https://hhmagazine.com.br/o-incorreto-no-Guia-politicamente-incorreto-da-historia-do-brasil/ Acesso em: 22 de agosto de 2022.
    » https://www.youtube.com/playlist?list=PLJaLHR2LwSrzLyBVLkrQuvApme1racTSD/
  • LA CAPRA, Dominick. Rethinking intelectual history and reading texts. In: LA CAPRA, D.; KAPLAN, Steven (org). Modern European intellectual history: reappraisals & New perspectives. Ithaca: Cornell University Press, 2003 [6] , pp. 56-78.
  • LARA, Silvia H. Conectando Historiografias: a escravidão africana e o antigo regime na América portuguesa. In: BICALHO, Maria Fernanda; FERLINI, Vera Lúcia A. (org.). Modos de Governar: ideias e práticas políticas no Império Português - (Séculos XVI-XIX) . São Paulo: Alameda, 2005, pp. 56-87.
  • LEVY, Peter. The New Left and Labor in the 1960s. Illinois: University of Illinois Press, 1992.
  • MACHADO, Maria Helena. Em torno da autonomia escrava: uma nova direção para a história social da escravidão. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 8, n. 16, p. 143-160, 1988. Disponível em: mariahelenamachado (1).pdf. Acesso em 07 de março de 2022.
  • MENESES, Sônia. Os vendedores de verdades: o dizer verdadeiro e a sedução negacionista na cena pública como problema para o jornalismo e a história (2010-2020). Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 41, n. 87, p. 61-87, 2021. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/j/rbh/a/868cZ9QBynvNmBW97MnNmfz/abstract/?lang=pt Acesso em 13 de março de 2022.
    » https://www.scielo.br/j/rbh/a/868cZ9QBynvNmBW97MnNmfz/abstract/?lang=pt
  • MENESES, Sônia. Uma história ensinada para Homer Simpson: negacionismos e os usos abusivos do passado em tempos de pós-verdade. Revista História Hoje, São Paulo, v. 8, n.15 [7], p. 66-88, 2019. Disponível em Disponível em https://rhhj.anpuh.org/RHHJ/article/view/522 Aceso em 13 de março de 2022.
    » https://rhhj.anpuh.org/RHHJ/article/view/522
  • MOMIGLIANO, Arnaldo. As raízes clássicas da historiografia moderna. Bauru:
  • MONTEIRO, John Manuel. Negros da terra: índios e bandeirantes - origens de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
  • MONTEIRO, John Manuel. O desafio da história indígena no Brasil. In: SILVA, Aracy Lopes da S.; GRUPIONI, Luís D. Benzi (ed.). A temática indígena na escola: novos subsídios para professores de 1° e 2° graus. Brasília: MEC; Mari; Unesco, 1995. p. 221-228.
  • MUDROVCIC, María Inés. About lost futures or the political heart of history. Historein, v. 14, n. 21, p. 7-21, 2014. Disponível em: https://ejournals.epublishing.ekt.gr/index.php/historein/article/view/2294 Acesso: 10 de março de 2022.
    » https://ejournals.epublishing.ekt.gr/index.php/historein/article/view/2294
  • NARLOCH, Leandro. Cotas não desligam o motor da desigualdade na USP. Folha de São Paulo, 12 de julho de 2017. [8] Disponível em: [8] https://www1.folha.uol.com.br/colunas/leandro-narloch/2017/07/1900510-cotas-nao-desligam-motor-de-desigualdade-da-usp.shtml Acesso em 15 de abril de 2022.
    » https://www1.folha.uol.com.br/colunas/leandro-narloch/2017/07/1900510-cotas-nao-desligam-motor-de-desigualdade-da-usp.shtml
  • NARLOCH, Leandro. Entrevista à rádio Jovem Pan. 13 de dezembro de 2017. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=f9qYQaaHLv4 . Acesso em 20 de abril de 2022.[9]
    » https://www.youtube.com/watch?v=f9qYQaaHLv4
  • NARLOCH, Leandro. Guia politicamente incorreto da história do Brasil. São Paulo: Ed. Leya, 2009.
  • NARLOCH, Leandro. Líderes indígenas defendem mineração em suas terras. Jornal Folha de São Paulo, 11 de março de 2022.
  • NICOLAZZI, Fernando. Brasil Paralelo: restaurando a pátria, resgatando a história. A Independência entre memórias públicas e usos do passado. Apresentação no Seminário 3x22: 1822 - Independência: Memória e Historiografia (24-28 de maio de 2021). Disponível em https://www.academia.edu/49455769/NICOLAZZI_Fernando_Brasil_Paralelo_restaurando_a_pa_tria_resgatando_a_histo_ria_A_Independ%C3%AAncia_entre_mem%C3%B3rias_p%C3%BAblicas_e_usos_do_passado . Acesso 09/03/2022.
    » https://www.academia.edu/49455769/NICOLAZZI_Fernando_Brasil_Paralelo_restaurando_a_pa_tria_resgatando_a_histo_ria_A_Independ%C3%AAncia_entre_mem%C3%B3rias_p%C3%BAblicas_e_usos_do_passado
  • OHARA, João R. M. Virtudes Epistêmicas na Prática do Historiador: o caso da sensibilidade histórica na historiografia brasileira (1980-1990). História da Historiografia: International Journal of Theory and History of Historiography, Ouro Preto, v. 9, n. 22, 2017. [10] Disponível em: https://www.historiadahistoriografia.com.br/revista/article/view/1107 Acesso em 10 de março de 2022.
    » https://www.historiadahistoriografia.com.br/revista/article/view/1107
  • PALERMO, Luís Cláudio. Disputas no campo da historiografia da escravidão brasileira: perspectivas clássicas e debates atuais. Dimensões, Rio de Janeiro, n. 39, jul.-dez. 2017. Disponível em: https://periodicos.ufes.br/dimensoes/article/view/18638 Acesso em 10/03/2022.
    » https://periodicos.ufes.br/dimensoes/article/view/18638
  • PEREIRA, Mateus Henrique de Faria. Lembrança do presente. Belo Horizonte: Autentica, 2021
  • PEREIRA, Mateus Henrique de Faria. Nova direita? Guerras de memória em tempos de comissão da verdade (2012-2014). Varia História, Belo Horizonte, v. 31, n. 57, p. 853-902, set-dez 2015. Disponível em: https://www.scielo.br/j/vh/a/NcJrcx93VSTVnnQnHVGXLYf/?format=pdf⟨=pt Acesso em 12 de março de 2022.
    » https://www.scielo.br/j/vh/a/NcJrcx93VSTVnnQnHVGXLYf/?format=pdf⟨=pt
  • PINHA, Daniel. Ditadura civil-militar e formação democrática como problemas historiográficos: interrogações desde a crise. Revista Transversos, Dossiê: Historiografia e Ensino de História em tempos de crise democrática, Rio de Janeiro, n. 18 [11] , vol. 11, p. 37-63, 2020. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/transversos/article/view/50330 Acesso em 10 de março de 2022.
    » https://www.e-publicacoes.uerj.br/transversos/article/view/50330
  • PROENÇA, Gustavo. Os povos indígenas na constituição. 2015. Tese (Doutorado em Direito) - Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas: Goiânia, Universidade Federal de Goiás, 2015. [12]
  • QUEIRÓZ, Suely Robles Reis de. Escravidão negra em debate. In: FREITAS, Marcos Cezar (org). Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 1998 [13] . pp. 13-45.
  • RAMOS, Igor Guedes. Genealogia de uma operação historiográfica: as apropriações dos pensamentos de Edward Palmer Thompson e de Michel Foucault pelos historiadores brasileiros na década de 1980. (Doutorado em História). Programa de Pós-Graduação em História. São Paulo: Universidade Estadual Paulista, 2014.
  • REIS, João; SILVA, Eduardo. Negociação e conflito: a resistência negra no Brasil escravista. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 1989.
  • REIS, Maxi. A questão das terras indígenas e os governos brasileiros no século XXI. Revista Estudos Anarquistas e decoloniais. Rio de Janeiro, UFRJ, v. 1, n. 1, 2021. [14] Disponível em Disponível em https://revistas.ufrj.br/index.php/read/article/view/47814/0 Acesso em: 07 de março de 2022.
    » https://revistas.ufrj.br/index.php/read/article/view/47814/0
  • RIBEIRO, Darcy. Os índios e a civilização: a integração das populações indígenas no Brasil moderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972.
  • RICOUER, Paul. A memória, a história e o esquecimento. Campinas: Ed Unicamp, 2007.
  • ROCHA, João Cezar de Castro. Guerra cultural e retórica do ódio: crônicas de um Brasil pós-político. Editora e Livraria Caminhos: Goiânia, 2021.
  • SANTOS, Maria Cristina. Caminhos historiográficos na construção da história indígena. História Unisinos. São Leopoldo, [15] v. 21, n. 3, p. 337-350, Setembro/Dezembro de 2017, Unisinos. Disponível em: https://revistas.unisinos.br/index.php/historia/article/view/htu.2017.213.04 Acesso em 10 de março de 2022.
    » https://revistas.unisinos.br/index.php/historia/article/view/htu.2017.213.04
  • SILVEIRA, Pedro Telles da. Lembrar e esquecer na internet: memória, mídias digitais e a temporalidade do perdão na esfera pública contemporânea. Varia Historia, Belo Horizonte, v. 37, n. 73, p. 287-321, jan/abr 2021. [16] Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/j/vh/a/qJ39yWqGZBNd6YvffnSLGTj/ Acesso em 10 de março de 2022.
    » https://www.scielo.br/j/vh/a/qJ39yWqGZBNd6YvffnSLGTj/
  • SLENES, R. W. Na senzala, uma flor: esperanças e recordações na formação da família escrava (Brasil Sudeste, Século XIX) . Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
  • TURIN, Rodrigo. A polifonia do tempo: ficção, trauma e aceleração no Brasil contemporâneo. ArtCultura, Uberlândia, v. 19, n. 35, p. 55-70, jul.-dez. 2017. [17] [17] https://seer.ufu.br/index.php/artcultura/article/view/41252 . Acesso em 15 de março de 2022.
    » https://seer.ufu.br/index.php/artcultura/article/view/41252
  • VAINFAS, R. 1995. A heresia dos índios. São Paulo, Companhia das Letras.
  • VENÂNCIO, Renato. O incorreto no Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil. HHMagazine, 9 nov. 2018. Disponível em:
  • VIDAL-NAQUET, Pierre. Os assassinos da memória. Papirus: Campinas/SP, 1988.
  • 1
    O curioso é que ao usar o termo “revisionistas”, Vidal-Naquet adota a nomenclatura formulada pelos seus adversários. Somente alguns anos depois, Henri Rousso apontou o equívoco em usar o termo “revisionismo” para definir o empreendimento de Faurrison e sua trupe, popularizando o termo “negacionismo histórico”. O revisionismo, argumenta Rousso, faz parte da liturgia científica e pode ser definido como o constante exercício de diálogo com a comunidade especializada, testando consensos estabelecidos e, quando necessário, revisando-os (ROUSSO, 2004). A revisão, portanto, se faria necessária quando houvesse indícios de que os “consensos estabelecidos” já não se sustentam empiricamente. O que os negadores do holocausto fizeram, ainda segundo Rousso, foi a pura e simples negação, no sentido mais literal que o termo possa ter: o de negar verdades reais para fins moralmente repulsivos (Idem).
  • 2
    De modo algum, as diferenças entre os registros impresso e audiovisual devem ser tratadas como algo menor, como se a forma fosse invólucro neutro, sem capacidade de interferir no conteúdo do discurso. No entanto, nos limites deste artigo, priorizo a análise do enunciado abusivo produzido pelo Guia, deixando a importante discussão sobre as modalidades de recepção para outro momento.
  • 3
    Destacamos aqui os trabalhos de Suely Queiróz (1998QUEIRÓZ, Suely Robles Reis de. Escravidão negra em debate. In: FREITAS, Marcos Cezar (org). Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 1998 [13] . pp. 13-45.), de Roberto Adolfo (2014ADOLFO, Roberto Manoel Andreoni. As transformações na historiografia da escravidão entre os anos de 1970 e 1980: uma reflexão teórica sobre possibilidades de abordagem do tema. Revista de Teoria da História, Goiânia, v. 11, n. 1, p. 110-125, 2014. Disponível em: https://revistas.ufg.br/teoria/article/view/30165 . Acesso em 15 de março de 2022.
    https://revistas.ufg.br/teoria/article/v...
    ), de João Escostegy (2015ESCOSTEGUY FILHO, J. C. Reflexões sobre agência e estrutura na historiografia da escravidão. Revista Tessituras, Recife, v. 6, p. 102-117, 2015. Disponível em Disponível em https://periodicos.ufpe.br/revistas/index.php/revistaclio/article/view/237678 . Acesso em 10 de março de 2022.
    https://periodicos.ufpe.br/revistas/inde...
    ), de Luís Cláudio Palermo (2017PALERMO, Luís Cláudio. Disputas no campo da historiografia da escravidão brasileira: perspectivas clássicas e debates atuais. Dimensões, Rio de Janeiro, n. 39, jul.-dez. 2017. Disponível em: https://periodicos.ufes.br/dimensoes/article/view/18638 . Acesso em 10/03/2022.
    https://periodicos.ufes.br/dimensoes/art...
    ).

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

  • Financiamento

    Não se aplica
  • Endereço para correspondência:

    Estrada de São Lázaro , 197, Federação, CEP: 40.210730, Salvador-BA.
  • Aprovação no comitê de ética:

    Não se aplica.
  • Modalidade de avaliação

    Duplo-cega por pares.
  • Disponibilidade de dados de pesquisa e outros materiais

    Não se aplica.

Editado por

Editores responsáveis

Flávia Varella - Editora-chefe Ricardo Ledesma-Alonso - Editor executivo

Disponibilidade de dados

Não se aplica.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    22 Ago 2022
  • Revisado
    08 Nov 2022
  • Aceito
    22 Nov 2022
Sociedade Brasileira de Teoria e História da Historiografia (SBTHH) Rua do Seminário, s/n, Centro. , CEP: 35420-000, Tel: +55 (31) 3557 9423 - Mariana - MG - Brazil
E-mail: sbthh@yahoo.com.br