Acessibilidade / Reportar erro

Prevalência de miopia em crianças de escolas públicas do Sul do Brasil

Prevalence of myopia among children from public schools in Southern Brazil

RESUMO

Objetivo:

Avaliar a prevalência de miopia em crianças de escolas públicas da Região Metropolitana de Porto Alegre (RS, Brasil).

Métodos:

Estudo transversal prospectivo, com amostra de 330 estudantes de escolas públicas da Região Metropolitana de Porto Alegre entre 5 e 20 anos de idade. Os escolares foram submetidos à avaliação oftalmológica completa, incluindo acuidade visual com e sem correção, autorrefração dinâmica e estática, refração subjetiva dinâmica e estática sob cicloplegia e medida do diâmetro axial. Um questionário sobre tempo de uso de telas diário foi aplicado. Os desfechos foram prevalência de miopia, alta miopia e baixa miopia. O teste do qui-quadrado de Pearson foi utilizado para avaliar a relação da prevalência com a variável contemplada no questionário.

Resultados:

A prevalência de miopia foi de 17,4% (IC95% 13,8-21,7%). Baixa e alta miopia corresponderam a 15,2% (IC95% 11,9-19,3%) e 2,1% (IC95% 1,1-4,1%), respectivamente.

Conclusão:

Essa é a maior prevalência de miopia sob cicloplegia encontrada no Brasil até a presente data. Outros estudos para entender a prevalência e a evolução da ametropia no país são necessários.

Descritores:
Miopia; Prevalência; Brasil; Crianças; Estudantes; Epidemiologia

ABSTRACT

Objective:

To assess myopia prevalence in children from public schools of the metropolitan region of Porto Alegre, in Rio Grande do Sul.

Methods:

It is a prospective cross-sectional study with a sample of 330 children from public schools of the metropolitan region of Porto Alegre, from 5 to 20 years old. The students were submitted to an ophthalmological evaluation including auto-refractor measurements, best corrected and uncorrected visual acuity, subjective refraction under cycloplegia and axial length. The outcomes were prevalence of myopia, high myopia, and low myopia. Pearson's chi-squared test was used to assess the relationship between prevalence and the variable contemplated in the questionnaire.

Results:

The prevalence of myopia was 17.4% (CI 13.8 – 21.7%). Low and high myopia corresponded to 15.2% (CI 11.9 – 19.3%) and 2.1% (CI 1.1 – 4.1%), respectively.

Conclusion:

This is the highest prevalence of myopia under cycloplegia found in Brazil to date. Other studies are necessary to understand the prevalence and evolution of the condition in the country.

Keywords:
Myopia; Prevalence; Brazil; Children; Students; Epidemiology

INTRODUÇÃO

A epidemia de miopia é uma preocupação global. Projeções matemáticas estimam que a prevalência mundial de miopia dobrará entre os anos 2000 e 2050, e que a alta miopia triplicará nesse mesmo período.(11 Holden BA, Fricke TR, Wilson DA, Jong M, Naidoo KS, Sankaridurg P, et al. Global prevalence of myopia and high myopia and temporal trends from 2000 through 2050. Ophthalmology. 2016;123(5):1036-42.) Complicações da alta miopia, como descolamento de retina, maculopatia, glaucoma e catarata, podem provocar cegueira irreversível em altos míopes, especialmente na quarta década de vida.(22 World Health Organization (WHO). The impact of myopia and high myopia: report of the Joint World Health Organization – Brien Holden Vision Institute Global Scientific Meeting on Myopia. University of New South Wales, Sydney, Australia, 16-18 March 2015 [cited 2023 Aug 15]. Available from: https://myopiainstitute.org/wp-content/uploads/2020/10/Myopia_report_020517.pdf
https://myopiainstitute.org/wp-content/u...
,33 Ohno-Matsui K, Lai TY, Lai CC, Cheung CM. Updates of pathologic myopia. Prog Retin Eye Res. 2016;52:156-87.)

As altas prevalências de miopia em algumas regiões do mundo já são a primeira causa de cegueira em populações jovens, como no Sul e no Sudeste Asiáticos, o que acarreta uma sobrecarga enorme para os sistemas de saúde.(44 Morgan IG, French AN, Ashby RS, Guo X, Ding X, He M, et al. The epidemics of myopia: Aetiology and prevention. Prog Retin Eye Res. 2018;62:134-49.66 Yang M, Luensmann D, Fonn D, Woods J, Jones D, Gordon K, et al. Myopia prevalence in Canadian school children: a pilot study. Eye (Lond). 2018;32(6):1042-7.) A miopia apresenta seu maior potencial de agravamento durante a infância e a adolescência, podendo acarretar baixo rendimento escolar e problemas de socialização. É muitas vezes confundida com outros diagnósticos médicos, como défice de atenção ou inteligência reduzida.

A distribuição da miopia varia conforme a localização geográfica. O Sul e Sudeste Asiáticos apresentam as mais altas prevalências, com 47% de acometimento populacional, 96% entre estudantes pós-graduandos, e 20% de altos míopes.(44 Morgan IG, French AN, Ashby RS, Guo X, Ding X, He M, et al. The epidemics of myopia: Aetiology and prevention. Prog Retin Eye Res. 2018;62:134-49.) Europa Central, Ásia Central e África Central possuem taxas de 27,1%, 17,0% e 7,0% de prevalência, respectivamente.(11 Holden BA, Fricke TR, Wilson DA, Jong M, Naidoo KS, Sankaridurg P, et al. Global prevalence of myopia and high myopia and temporal trends from 2000 through 2050. Ophthalmology. 2016;123(5):1036-42.) Entre crianças acima de 12 anos, as prevalências também foram maiores no Sudeste Asiático (53,1% em Hong Kong) se comparadas aos Estados Unidos (20%) e à Austrália (11,%).(77 Baird PN, Saw SM, Lanca C, Guggenheim JA, Smith Iii EL, Zhou X, et al. Myopia. Nat Rev Dis Primers. 2020;6(1):99.99 Ip JM, Huynh SC, Robaei D, Kifley A, Rose KA, Morgan IG, et al. Ethnic differences in refraction and ocular biometry in a population-based sample of 11-15-year-old Australian children. Eye (Lond). 2008;22(5):649-56.) O Brasil tem poucas casuísticas, realizadas em diferentes regiões do país, em tempos diferentes e com metodologias variadas, carecendo de estatísticas nacionais.(1010 Yotsukura E, Torii H, Ozawa H, Hida RY, Shiraishi T, Corso Teixeira I, et al. Axial Length and Prevalence of Myopia among Schoolchildren in the Equatorial Region of Brazil. J Clin Med. 2020;10(1):115.1313 Costa DR, Debert I, Sussana FN, Falabreti JG, Polati M, Susanna Júnior R. Vision for the Future Project: Screening impact on the prevention and treatment of visual impairments in public school children in São Paulo City, Brazil. Clinics. 2021;76.)

Apesar do Brasil ser considerado um país de hipermétropes, essa realidade parece estar mudando. Uma coorte realizada na cidade de Goiânia documentou uma progressão de miopia de 3,6% para 9,0% entre 2000 e 2014.(1212 Vilar MM, Abrahão MM, Mendanha DB, Campos LM, Dalia ER, Teixeira LP, et al. Aumento da prevalência de miopia em um serviço oftalmológico de referência em Goiânia - Goiás. Rev Bras Oftalmol. 2016;75(5):356-9.) Em 2005, um estudo na cidade de Natal (RN) detectou prevalência de 13,3%.(1111 Garcia CA, Oréfice F, Nobre GF, Souza Dde B, Rocha ML, Vianna RN. [Prevalence of refractive errors in students in Northeastern Brazil]. Arq Bras Oftalmol. 2005;68(3):321-5.) Estudos transversais realizados em Aracati (CE) e em São Paulo (SP), recentemente, detectaram prevalências de 20,4% e 15,2%.(1010 Yotsukura E, Torii H, Ozawa H, Hida RY, Shiraishi T, Corso Teixeira I, et al. Axial Length and Prevalence of Myopia among Schoolchildren in the Equatorial Region of Brazil. J Clin Med. 2020;10(1):115.,1313 Costa DR, Debert I, Sussana FN, Falabreti JG, Polati M, Susanna Júnior R. Vision for the Future Project: Screening impact on the prevention and treatment of visual impairments in public school children in São Paulo City, Brazil. Clinics. 2021;76.) Com exceção do artigo publicado por Yotsukura et al., todos realizaram refração sob cicloplegia. Os poucos estudos que temos sugerem aumento consistente na prevalência de miopia nas últimas décadas. O presente estudo objetivou avaliar a prevalência de miopia em crianças de escolas públicas da Região Metropolitana de Porto Alegre (RS, Brasil).

MÉTODOS

O desfecho primário deste estudo foi detectar a prevalência de miopia entre escolares da Região Metropolitana de Porto Alegre. Os desfechos secundários incluíram as prevalências de alta e baixa miopia. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, e sua execução respeita a Declaração de Helsinki.

Os participantes foram estudantes de escolas públicas da Região Metropolitana de Porto Alegre que foram atendidos em programa filantrópico para prescrição de óculos. Foram encaminhados pelo Ministério Público, via escolas municipais, sem prévia triagem de acuidade visual, e as crianças incluídas apresentavam idade entre 5 e 20 anos. Cinco centros de atendimento foram incluídos no estudo: Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Hospital Nossa Senhora da Conceição, Complexo Santa Casa, Centro de Olhos Rio Grande do Sul e Instituto Ivo Corrêa Meyer.

Os critérios de exclusão foram: distúrbios do desenvolvimento psicomotor com incapacidade de referir acuidade visual, doenças oftalmológicas congênitas (catarata, cavidade anoftálmica, estrabismo e glaucoma) e uso de lentes de contato. Os exames foram realizados por médicos residentes e oftalmologistas da equipe médica de cada centro, utilizando um protocolo padronizado.

Segundo um cálculo de amostra utilizando como base a prevalência de miopia de 20,4%,(1010 Yotsukura E, Torii H, Ozawa H, Hida RY, Shiraishi T, Corso Teixeira I, et al. Axial Length and Prevalence of Myopia among Schoolchildren in the Equatorial Region of Brazil. J Clin Med. 2020;10(1):115.) seriam necessários 250 escolares para se alcançarem 95% de nível de confiança e intervalo de confiança de 10%.(66 Yang M, Luensmann D, Fonn D, Woods J, Jones D, Gordon K, et al. Myopia prevalence in Canadian school children: a pilot study. Eye (Lond). 2018;32(6):1042-7.,1414 Borges RB, Mancuso AC, Camey SA, Leotti VB, Hirata VN, Azambuja GS, et al. Power and Sample Size for Health Researchers: a tool for calculating sample size and statistical power designed for health researchers. Clin Biomed Res. 2021;40(4):247-53.) O objetivo final foi uma amostra de 278 indivíduos para permitir até 10% de eventuais perdas.(1414 Borges RB, Mancuso AC, Camey SA, Leotti VB, Hirata VN, Azambuja GS, et al. Power and Sample Size for Health Researchers: a tool for calculating sample size and statistical power designed for health researchers. Clin Biomed Res. 2021;40(4):247-53.)

A miopia foi definida como refração sob cicloplegia ≤-0.50 dioptrias.(1515 Flitcroft DI, He M, Jonas JB, Jong M, Naidoo K, Ohno-Matsui K, et al. IMI - Defining and Classifying Myopia: A Proposed Set of Standards for Clinical and Epidemiologic Studies. Invest Ophthalmol Vis Sci. 2019;60(3):M20-M30.,1616 Williams C, Miller LL, Gazzard G, Saw SM. A comparison of measures of reading and intelligence as risk factors for the development of myopia in a UK cohort of children. Br J Ophthalmol. 2008;92(8):1117-21.) O ponto de corte para alta miopia foi refração ≤-6.00D, de acordo com os critérios estabelecidos para estudos clínicos.(1717 Wolffsohn JS, Flitcroft DI, Gifford KL, Jong M, Jones L, Klaver CCW, et al. IMI - Myopia Control Reports Overview and Introduction. Invest Ophthalmol Vis Sci. 2019;60(3):M1-M19.)

Foram primeiramente realizadas três medidas de autorrefração não cicloplegiada em cada olho, com o equipamento HRK 7000 Huvitz, South Korea, seguidas de medidas de acuidade visual corrigida e não corrigida e do diâmetro axial com ecobiometria ultrassônica (equipamento AL-100, Tomey, Japan), 3 medidas por olho. Utilizou-se a tabela de Snellen, com registros em escala logarítmica. Os escolares com acuidade visual não corrigida de 0LogMar sem queixas subjetivas não foram submetidos à cicloplegia. Escolares com acuidade visual inferior a 0,10 LogMAR ou igual a 0LogMar com queixas subjetivas foram instilados com tropicamida 1% (uma gota em cada olho, repetida após 5 minutos). Após 25 a 30 minutos, os escolares foram submetidos a nova autorrefração seguida de refração subjetiva. Todos preencheram um questionário sobre dados demográficos.

Análises estatísticas foram conduzidas por meio da versão 18.0 do software Statisitcal Package for Social Sciences (SPSS, Chicago, Estados Unidos). O coeficiente de Pearson, o teste de Kruskal-Wallis e o Teste Qui-Quadrado. Intervalo de confiança de 95% e p≤0,05 foram considerados estatisticamente significativos.

RESULTADOS

Foram avaliados 330 escolares. Destes, 52% eram do sexo masculino. A etnia baseada em autodeclaração foi composta de 37,5% de caucasianos, 39% de pardos e 0,4% de índios. Do total, 23,1% não souberam ou preferiram não referenciar. A idade média dos escolares foi de 12,74 anos (IC95% 12,38-13,10%). Ao final, 3 estudantes foram excluídos por dificuldades técnicas durante o exame oftalmológico. Dentre as crianças avaliadas 51% atingiram UCVA 0LogMar bilateralmente, e 34,5% faziam uso prévio de óculos.

A prevalência de miopia foi de 17,4% (IC95% 13,8-21,7%). Baixa miopia correspondeu a 15,2% (IC95% 11,9-19,3), enquanto alta miopia foi constatada em 2,1% (IC95% 1,1-4,1%). A média de miopia foi de −2,73 dioptrias (SD 2,69). Houve diferença estatisticamente significatica entre o diâmetro axial dos baixos e altos míopes: 23.58mm (C95% e DP 1.03) e 26.62mm (IC 95% e DP 1.01), com p<0.01.

No sexo feminino, miopia foi constatada em 21,3% das participantes, enquanto no sexo masculino a prevalência foi de 13,2%. O risco relativo para o sexo feminino foi de 1,6 (IC95% 1,00-2,57%; p=0,047). Cada hora adicional de uso de eletrônicos aumentou o risco de desenvolver miopia em 6.5% (IC95% 1.01-1.12%) com p=0.01.

DISCUSSÃO

Os resultados encontrados neste estudo estão alinhados com as crescentes taxas mundiais de miopia.(11 Holden BA, Fricke TR, Wilson DA, Jong M, Naidoo KS, Sankaridurg P, et al. Global prevalence of myopia and high myopia and temporal trends from 2000 through 2050. Ophthalmology. 2016;123(5):1036-42.,44 Morgan IG, French AN, Ashby RS, Guo X, Ding X, He M, et al. The epidemics of myopia: Aetiology and prevention. Prog Retin Eye Res. 2018;62:134-49.) Nossos achados revelam prevalência de 17,4% de míopes, o que representa aumento de 30% relativamente aos achados publicados por Garcia et al., de 13,3% entre 1995 e 2014.(1111 Garcia CA, Oréfice F, Nobre GF, Souza Dde B, Rocha ML, Vianna RN. [Prevalence of refractive errors in students in Northeastern Brazil]. Arq Bras Oftalmol. 2005;68(3):321-5.) O estudo conduzido em Aracati não realizou cicloplegia, o que pode ter superestimado os resultados, enquanto o de São Paulo e o presente estudo realizaram, mas foi o primeiro estudo brasileiro sob cicloplegia a medir o diâmetro axial dos escolares. Ambos os trabalhos corroboram o aumento progressivo de miopia no Brasil.(1010 Yotsukura E, Torii H, Ozawa H, Hida RY, Shiraishi T, Corso Teixeira I, et al. Axial Length and Prevalence of Myopia among Schoolchildren in the Equatorial Region of Brazil. J Clin Med. 2020;10(1):115.,1313 Costa DR, Debert I, Sussana FN, Falabreti JG, Polati M, Susanna Júnior R. Vision for the Future Project: Screening impact on the prevention and treatment of visual impairments in public school children in São Paulo City, Brazil. Clinics. 2021;76.) O estudo realizado em São Paulo demonstrou prevalência semelhante entre miopia e hipermetropia, igualmente inédito para a realidade brasileira. Os métodos utilizados no presente estudo estão de acordo com as recentes orientações publicadas na literatura internacional o que pode justificar taxa tão mais baixa de hipemetropia(1515 Flitcroft DI, He M, Jonas JB, Jong M, Naidoo K, Ohno-Matsui K, et al. IMI - Defining and Classifying Myopia: A Proposed Set of Standards for Clinical and Epidemiologic Studies. Invest Ophthalmol Vis Sci. 2019;60(3):M20-M30.)

A prevalência de 2,1% de altos míopes em nossa amostra é comparável às taxas norte-americanas e européias e bastante distinta das asiáticas, mas superiores aos encontrados por Yotsukura et al. (1,4%).(1010 Yotsukura E, Torii H, Ozawa H, Hida RY, Shiraishi T, Corso Teixeira I, et al. Axial Length and Prevalence of Myopia among Schoolchildren in the Equatorial Region of Brazil. J Clin Med. 2020;10(1):115.) Na revisão de Sankaridurg et al., estima-se que a progressão da miopia ocorra até os 15 anos de idade, progredindo de forma reservada após essa faixa etária.(1818 Sankaridurg P, Tahhan N, Kandel H, Naduvilath T, Zou H, Frick KD, et al. IMI impact of myopia. Invest Ophthalmol Vis Sci. 2021;62(5):2.) Quanto mais cedo iniciar a miopia, maior será a chance de que uma criança se torne um alto míope na vida adulta.

O presente estudo detectou distribuição racial compatível com a nacional entre caucasianos e pardos, de forma a ter uma representação étnica comparável com as demais áreas do país.(1919 Petruccelli JL, Saboia AL, organisadores. Características étnico-raciais da população. Classificações e identidades. Brasília, DF: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2013 [citado 2023 Ago 15]. Disponível em https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv63405.pdf
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza...
) Muito embora a população da Região Sul seja predominantemente caucasiana (78%), estudamos uma população carente, o que pode justificar as diferenças encontradas na proporção étnica deste estudo.(1919 Petruccelli JL, Saboia AL, organisadores. Características étnico-raciais da população. Classificações e identidades. Brasília, DF: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2013 [citado 2023 Ago 15]. Disponível em https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv63405.pdf
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza...
) A literatura atual reconhece como fatores de risco principais para o surgimento da miopia: educação demandante e muitas horas de leitura diárias, pouco tempo de atividades ao ar livre, estilo de vida urbano, famílias intelectualizadas e aspectos genéticos (asiáticos apresentam a maior prevalência e maior risco).(2121 Morgan IG, Wu PC, Ostrin LA, Tideman JW, Yam JC, Lan W, et al. IMI Risk Factors for Myopia. Invest Ophthalmol Vis Sci. 2021;62(5):,2222 Wu PC, Huang HM, Yu HJ, Fang PC, Chen CT. Epidemiology of Myopia. Asia Pac J Ophthalmol (Phila). 2016;5(6):386-93.) Ainda não há consenso sobre a associação causal dos dispositivos eletrônicos (smartphones, tablet e computadores) no surgimento e progressão da miopia, mas o aumento da incidência em crianças chinesas durante a pandemia indica que esta associação existiu. (2323 Yang Z, Wang X, Zhang S, Ye H, Chen Y, Xia Y. Pediatric Myopia Progression During the COVID-19 Pandemic Home Quarantine and the Risk Factors: A Systematic Review and Meta-Analysis. Front Public Health. 2022;10:835449.,2424 Wang J, Li Y, Musch DC, Wei N, Qi X, Ding G, et al. Progression of myopia in school-aged children after COVID-19 home confinement. JAMA Ophthalmol. 2021;139(3):293-300.)

Considerando-se que a educação pública brasileira não exige dedicação de turno integral pela maioria das escolas, nem muitas tarefas a serem realizadas em casa, os autores acreditam que os eletrônicos de uso recreativo por várias horas diárias desempenham fator causal importante para o surgimento e progressão da miopia em nossas crianças.(2525 Education Policy Outlook Brasil. Com foco em políticas internacionais. Itaú Social. 2022 [citado 2023 Ago 15] Disponível em: https://www.oecd.org/education/policy-outlook/country-profile-Brazil-2021-INT-PT.pdf
https://www.oecd.org/education/policy-ou...
,2626 Brasil. Ministério da Educação. Aumento da carga horária terá impacto positivo na aprendizagem, diz Haddad. Brasília, DF: Ministério da Educação [citado 2023 Ago 15]. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/component/tags/tag/jornada-escolar
http://portal.mec.gov.br/component/tags/...
)

Embora a prevalência de 17,4% seja mais baixa do que a encontrada nos Estados Unidos, recente estudo canadense apresentou taxas semelhantes.(66 Yang M, Luensmann D, Fonn D, Woods J, Jones D, Gordon K, et al. Myopia prevalence in Canadian school children: a pilot study. Eye (Lond). 2018;32(6):1042-7.) Isso demonstra que o Brasil se encontra num processo aparentemente sustentável do aumento da prevalência da miopia em sua população infantil. Necessitamos de estimativas nacionais, realizadas com a mesma metodologia e num período de tempo próximo em todas as regiões, para obtenção de dados conclusivos sobre a prevalência de miopia no Brasil.

Os oftalmologistas precisam difundir a ideia de que as taxas nacionais de miopia parecem estar aumentando, educar seus pacientes e familiares quanto aos riscos e orientá-los sobre como evitar o agravamento da ametropia. Além disso, precisam auxiliar as esferas públicas a divulgar esses dados e planejar políticas educacionais e de saúde, juntamente aos Ministérios e Secretarias de Educação e da Saúde. De forma proativa e preventiva, podemos ajudar a evitar complicações visuais futuras para as crianças brasileiras.

  • Instituição onde o trabalho foi realizado: Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil.
  • Fonte de auxílio à pesquisa: trabalho não financiado.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à Administração Central e à Coordenação Ambulatorial do Hospital de Clínicas; aos funcionários do setor de Oftalmologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre; ao Fundo de Incentivo à Pesquisa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre; à Bioestatística do Grupo de Pesquisa e Pós-Graduação do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (GPPG); aos alunos de medicina, residentes e bolsistas de Oftalmologia de todas as unidades; ao Ministério Público de Porto Alegre e Viamão e a Sociedade de Oftalmologia do Rio Grande do Sul. Estes apoios foram essenciais para coletar dados durante a pandemia de Coronavírus e ajudar a divulgar a prevalência de miopia brasileira para o mundo na Conferência Internacional de Miopia 2022. Agradecemos também à Essilor e à Sociedade Brasileira de Oftalmologia, pela premiação e pelo reconhecimento deste trabalho no ano de 2022.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Holden BA, Fricke TR, Wilson DA, Jong M, Naidoo KS, Sankaridurg P, et al. Global prevalence of myopia and high myopia and temporal trends from 2000 through 2050. Ophthalmology. 2016;123(5):1036-42.
  • 2
    World Health Organization (WHO). The impact of myopia and high myopia: report of the Joint World Health Organization – Brien Holden Vision Institute Global Scientific Meeting on Myopia. University of New South Wales, Sydney, Australia, 16-18 March 2015 [cited 2023 Aug 15]. Available from: https://myopiainstitute.org/wp-content/uploads/2020/10/Myopia_report_020517.pdf
    » https://myopiainstitute.org/wp-content/uploads/2020/10/Myopia_report_020517.pdf
  • 3
    Ohno-Matsui K, Lai TY, Lai CC, Cheung CM. Updates of pathologic myopia. Prog Retin Eye Res. 2016;52:156-87.
  • 4
    Morgan IG, French AN, Ashby RS, Guo X, Ding X, He M, et al. The epidemics of myopia: Aetiology and prevention. Prog Retin Eye Res. 2018;62:134-49.
  • 5
    Grzybowski A, Kanclerz P, Tsubota K, Lanca C, Saw SM. A review on the epidemiology of myopia in school children worldwide. BMC Ophthalmol. 2020;20(1):27.
  • 6
    Yang M, Luensmann D, Fonn D, Woods J, Jones D, Gordon K, et al. Myopia prevalence in Canadian school children: a pilot study. Eye (Lond). 2018;32(6):1042-7.
  • 7
    Baird PN, Saw SM, Lanca C, Guggenheim JA, Smith Iii EL, Zhou X, et al. Myopia. Nat Rev Dis Primers. 2020;6(1):99.
  • 8
    Fan DS, Lam DS, Lam RF, Lau JT, Chong KS, Cheung EY, et al. Prevalence, incidence, and progression of myopia of school children in Hong Kong. Invest Ophthalmol Vis Sci. 2004;45(4):1071-5.
  • 9
    Ip JM, Huynh SC, Robaei D, Kifley A, Rose KA, Morgan IG, et al. Ethnic differences in refraction and ocular biometry in a population-based sample of 11-15-year-old Australian children. Eye (Lond). 2008;22(5):649-56.
  • 10
    Yotsukura E, Torii H, Ozawa H, Hida RY, Shiraishi T, Corso Teixeira I, et al. Axial Length and Prevalence of Myopia among Schoolchildren in the Equatorial Region of Brazil. J Clin Med. 2020;10(1):115.
  • 11
    Garcia CA, Oréfice F, Nobre GF, Souza Dde B, Rocha ML, Vianna RN. [Prevalence of refractive errors in students in Northeastern Brazil]. Arq Bras Oftalmol. 2005;68(3):321-5.
  • 12
    Vilar MM, Abrahão MM, Mendanha DB, Campos LM, Dalia ER, Teixeira LP, et al. Aumento da prevalência de miopia em um serviço oftalmológico de referência em Goiânia - Goiás. Rev Bras Oftalmol. 2016;75(5):356-9.
  • 13
    Costa DR, Debert I, Sussana FN, Falabreti JG, Polati M, Susanna Júnior R. Vision for the Future Project: Screening impact on the prevention and treatment of visual impairments in public school children in São Paulo City, Brazil. Clinics. 2021;76.
  • 14
    Borges RB, Mancuso AC, Camey SA, Leotti VB, Hirata VN, Azambuja GS, et al. Power and Sample Size for Health Researchers: a tool for calculating sample size and statistical power designed for health researchers. Clin Biomed Res. 2021;40(4):247-53.
  • 15
    Flitcroft DI, He M, Jonas JB, Jong M, Naidoo K, Ohno-Matsui K, et al. IMI - Defining and Classifying Myopia: A Proposed Set of Standards for Clinical and Epidemiologic Studies. Invest Ophthalmol Vis Sci. 2019;60(3):M20-M30.
  • 16
    Williams C, Miller LL, Gazzard G, Saw SM. A comparison of measures of reading and intelligence as risk factors for the development of myopia in a UK cohort of children. Br J Ophthalmol. 2008;92(8):1117-21.
  • 17
    Wolffsohn JS, Flitcroft DI, Gifford KL, Jong M, Jones L, Klaver CCW, et al. IMI - Myopia Control Reports Overview and Introduction. Invest Ophthalmol Vis Sci. 2019;60(3):M1-M19.
  • 18
    Sankaridurg P, Tahhan N, Kandel H, Naduvilath T, Zou H, Frick KD, et al. IMI impact of myopia. Invest Ophthalmol Vis Sci. 2021;62(5):2.
  • 19
    Petruccelli JL, Saboia AL, organisadores. Características étnico-raciais da população. Classificações e identidades. Brasília, DF: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2013 [citado 2023 Ago 15]. Disponível em https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv63405.pdf
    » https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv63405.pdf
  • 20
    Wolffsohn JS, Jong M, Smith EL 3rd, Resnikoff SR, Jonas JB, Logan NS, et al. IMI 2021 Reports and Digest – Reflections on the Implications for Clinical Practice. Invest Ophthalmol Vis Sci. 2021;62(5):1.
  • 21
    Morgan IG, Wu PC, Ostrin LA, Tideman JW, Yam JC, Lan W, et al. IMI Risk Factors for Myopia. Invest Ophthalmol Vis Sci. 2021;62(5):
  • 22
    Wu PC, Huang HM, Yu HJ, Fang PC, Chen CT. Epidemiology of Myopia. Asia Pac J Ophthalmol (Phila). 2016;5(6):386-93.
  • 23
    Yang Z, Wang X, Zhang S, Ye H, Chen Y, Xia Y. Pediatric Myopia Progression During the COVID-19 Pandemic Home Quarantine and the Risk Factors: A Systematic Review and Meta-Analysis. Front Public Health. 2022;10:835449.
  • 24
    Wang J, Li Y, Musch DC, Wei N, Qi X, Ding G, et al. Progression of myopia in school-aged children after COVID-19 home confinement. JAMA Ophthalmol. 2021;139(3):293-300.
  • 25
    Education Policy Outlook Brasil. Com foco em políticas internacionais. Itaú Social. 2022 [citado 2023 Ago 15] Disponível em: https://www.oecd.org/education/policy-outlook/country-profile-Brazil-2021-INT-PT.pdf
    » https://www.oecd.org/education/policy-outlook/country-profile-Brazil-2021-INT-PT.pdf
  • 26
    Brasil. Ministério da Educação. Aumento da carga horária terá impacto positivo na aprendizagem, diz Haddad. Brasília, DF: Ministério da Educação [citado 2023 Ago 15]. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/component/tags/tag/jornada-escolar
    » http://portal.mec.gov.br/component/tags/tag/jornada-escolar

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    30 Set 2022
  • Aceito
    27 Nov 2023
Sociedade Brasileira de Oftalmologia Rua São Salvador, 107 , 22231-170 Rio de Janeiro - RJ - Brasil, Tel.: (55 21) 3235-9220, Fax: (55 21) 2205-2240 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: rbo@sboportal.org.br