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O backlash antidignidade menstrual no Executivo brasileiro: quando falta dinheiro para comida, absorvente é artigo de luxo

THE ANTI-MENSTRUAL DIGNITY BACKLASH IN THE BRAZILIAN EXECUTIVE: WHEN MONEY FOR FOOD IS LACKING, SANITARY PADS ARE A LUXURY ITEM

LA REACCIÓN CONTRA LA DIGNIDAD MENSTRUAL EN EL EJECUTIVO BRASILEÑO: CUANDO NO HAY DINERO PARA COMIDA, LAS COMPRESAS SON ARTÍCULOS DE LUJO

Resumo

O ciclo menstrual é um fator biológico, e a pessoa que menstrua, mensalmente, necessita de absorventes íntimos, água potável, banheiro adequado e medicações; isso é chamado de boa administração do período. Sua ausência, por questões socioeconômicas, incide no que denominamos pobreza menstrual, contrária à saúde, à vida e à dignidade. Por essa razão, o Legislativo levou à sessão plenária o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual, que não teve objeção dos parlamentares, mas foi vetado parcialmente pelo Poder Executivo, o qual, em sequência, proferiu falas públicas para explicar o veto. Então, indaga-se: há backlash nos discursos que sustentam o veto parcial à Lei n. 14.214/2021, que instituía o Programa de Proteção e Promoção à Saúde Menstrual? A hipótese é de que o Executivo agiu de forma conservadora e contraproducente no que se refere aos direitos das mulheres. Para tanto, esta pesquisa utiliza metodologia descritiva e exploratória, com natureza qualitativa, seguida de análise do discurso presidencial no que tange aos insumos previstos pelo projeto de lei, e, ainda, delimita a categoria epistemológica do conceito de mulher. Conclui-se que há a institucionalização do backlash, já que o discurso define quem pode ter acesso a direitos, o que gera insegurança social para uma questão de saúde pública.

Palavras-chave
Poder Executivo; backlash; absorvente; análise do discurso; dignidade menstrual

Abstract

The menstrual cycle is a biological factor, and the person who menstruates, on a monthly basis, needs intimate absorbents, drinking water, adequate bathroom and medications, which we call good management of the period. Its absence, for socioeconomic reasons, incurs in what we call menstrual poverty, contrary to health, life, and dignity. For this reason, the Legislative took to the plenary session the Menstrual Health Protection and Promotion Program, which was not objected by the parliamentarians, but was partially vetoed by the Executive Power, which, afterwards, made public speeches to explain the veto. So, the question is: is there backlash in the speeches supporting the partial veto of Law n. 14.214/2021, that instituted the Menstrual Health Protection and Promotion Program? The hypothesis is that the Executive has acted in a conservative and counterproductive way in relation to women’s rights. To do so, this research uses descriptive and exploratory methodology, with qualitative nature, followed by an analysis of the presidential speech regarding the inputs provided by the Bill, and delimits epistemological category of the concept of woman. It is concluded that there is an institutionalization of backlash, since the discourse defines who can have access to rights, generating social insecurity for a public health.

Keywords
Executive Power; backlash; absorbent; discourse analysis; menstrual dignity

Resumen

El ciclo menstrual es un factor biológico, y la persona que menstrúa cada mes necesita compresas, agua potable, un aseo adecuado y medicación; a esto llamamos buena gestión del periodo. Su ausencia, por razones socioeconómicas, conduce a lo que llamamos pobreza menstrual, que es contraria a la salud, la vida y la dignidad. Por esta razón, la Legislatura brasileña llevó al pleno el Programa de Protección y Promoción de la Salud Menstrual, que no fue objetado por los parlamentarios, pero fue parcialmente vetado por el Poder Ejecutivo, que luego dio discursos públicos para explicar el veto. La pregunta que surge es: ¿Hay un contragolpe en los discursos de apoyo al veto parcial de la Ley n. 14.214/2021, que establecía el Programa de Protección y Promoción de la Salud Menstrual? La hipótesis es que el Ejecutivo actuó de forma conservadora y contraproducente con relación a los derechos de las mujeres. Para eso, esta investigación utiliza una metodología descriptiva y exploratoria, de carácter cualitativo, seguida de un análisis del discurso presidencial en relación con los insumos previstos en el proyecto de ley, y también delimita la categoría epistemológica del concepto de mujer. Se concluye que hay una institucionalización del backlash, ya que el discurso define quién puede tener acceso a derechos, lo que genera inseguridad social para un tema de salud pública.

Palabras clave
Poder ejecutivo; backlash; absorbente; análisis del discurso; dignidad menstrual

Introdução1 1 As autoras agradecem à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) pelo apoio financeiro à pesquisa.

O conceito de pobreza menstrual é atribuído às pessoas menstruantes2 2 Tratar de pessoas menstruantes é incluir, além de mulheres e meninas cisgênero, pessoas não binárias e os homens trans. Por ser o gênero uma categoria científica útil de análise, é possível usar termos inclusivos e não excludentes. que durante o período menstrual não têm itens básicos de higiene. Os itens essenciais para a manutenção do ciclo são: água, sabão e absorvente íntimo. Por isso, afirma-se que pessoas menstruantes ou com ciclo menstrual ativo precisam fazer o controle da sua menstruação. As repercussões da falta de itens básicos de higiene menstrual podem ser sociais, como ausência ao trabalho e à escola, mas, também, de saúde, já que não há acessibilidade mínima para o asseio.

Embora, popularmente, o absorvente seja um item higiênico conhecido, nem sempre ele será acessível, por ser um produto com alta tributação. No Brasil, atualmente, mais de 700 meninas estão com o ciclo menstrual ativo, mas não possuem banheiro ou chuveiro em seu domicílio, tampouco nas escolas públicas. Há 4 milhões de crianças e jovens sem acesso a absorventes, banheiros e sabonetes, e esse cenário agrava-se ainda mais quando os recortes das pessoas em situação de rua e privadas de liberdade estão presentes, formando um dado alarmante sobre a pobreza menstrual no país (Unicef; UNFPA, 2021FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA - UNICEF; FUNDO DE POPULAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS - UNFPA. Pobreza menstrual no Brasil: desigualdades e violações de direitos. [On-line], maio 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/media/14456/file/dignidademenstrual_relatorio-unicef-unfpa_maio2021.pdf . Acesso em: 27 jun. 2022.
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).

Com isso, é demasiado grave que uma condição natural e fisiológica, a qual corresponde ao desenvolvimento do corpo, seja relegada ao esquecimento no âmbito das políticas públicas estatais, tendo em vista que o direito à saúde e seus desdobramentos, como é o caso dos cuidados ligados à menstruação, são conexos, a ponto de ser necessário ressaltar o dever estatal de elaboração de políticas públicas, com transversalidade de gênero, relacionadas à dignidade menstrual. Não à toa, o acesso à higiene menstrual é uma questão de saúde pública e de direitos humanos, afeta à dignidade menstrual, o que significa ter acesso a produtos e a condições adequadas para administrar o ciclo (Unicef; UNFPA, 2021FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA - UNICEF; FUNDO DE POPULAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS - UNFPA. Pobreza menstrual no Brasil: desigualdades e violações de direitos. [On-line], maio 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/media/14456/file/dignidademenstrual_relatorio-unicef-unfpa_maio2021.pdf . Acesso em: 27 jun. 2022.
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).

Desse modo, reconhecendo a ausência de políticas públicas ligadas à dignidade menstrual e, ainda, considerando a situação que as pessoas com ciclo menstrual ativo vivenciam no Brasil, a deputada Marília Arraes (2019ARRAES, Marília et al. Projeto de Lei n. 5.474, de 2019. Disponível em: Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=1666AF0CDEBA02162AF1E7E9EB706FFB.proposicoesWebExterno1?codteor=1819075&filename=PL+5474/2019 . Acesso em: 6 fev. 2021.
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), do Partido dos Trabalhadores de Pernambuco, levou à sessão plenária no dia 28 de agosto de 2021 o Projeto de Lei n. 4.968/2019ARRAES, Marília. Projeto de Lei n. 4.968, de 2019. Disponível em: Disponível em: https://www.congressonacional.leg.br/materias/materias-bicamerais/-/ver/pl-4968-2019 . Acesso em: 20 mar. 2024.
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(Brasil, 2019), que visava instituir o Programa de Proteção e Promoção à Saúde Menstrual. O projeto foi aderido por outros 34 deputados e deputadas.

Cabe destacar que o programa tinha o objetivo de combater a falta de higiene e abastecer os centros públicos com itens necessários ao período menstrual, prevendo a implementação de forma integrada entre todos os entes federados. O poder público teria de promover uma campanha informativa sobre a saúde menstrual e as suas consequências. Entre as suas disposições principais estava a distribuição gratuita de absorventes. O projeto foi bem recepcionado e sem oposição entre os parlamentares, no entanto, isso não aconteceu no Poder Executivo.

O ex-presidente da República, Jair Bolsonaro, vetou os principais pontos desse programa. Entre esses pontos estava a oferta gratuita de absorventes higiênicos, por não ter indicação de fonte de receita. O projeto foi, então, considerado contrário ao interesse público, e foi aprovada apenas a parte relativa à campanha informativa.

Embora o veto político tenha tônus subjetivo, Bolsonaro (2021JAIR BOLSONARO. Live de quinta-feira - 14/10/2021. YouTube, 14 out. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=TAV8IDewNpQ&ab_channel=JairBolsonaro . Acesso em: 14 out. 2021.
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), em live no seu canal oficial “Jair Bolsonaro”, no dia 14 de outubro de 2021, promoveu vários discursos acerca da desnecessidade de um programa para a dignidade menstrual, o qual, em sua visão, funcionaria como uma espécie de “bolsa” para mulheres e meninas cis, e oneraria o poder público com mais um programa de assistência social. Nessa oportunidade, o ex-chefe do Executivo publicizou sua posição sobre a distribuição dos itens: “A gente vai se virar e ‘vamo’ aí estender o Auxílio Modess. É isso mesmo, Auxílio Modess?”.

Já no Palácio da Alvorada, Jair Bolsonaro (2021JAIR BOLSONARO. Live de quinta-feira - 14/10/2021. YouTube, 14 out. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=TAV8IDewNpQ&ab_channel=JairBolsonaro . Acesso em: 14 out. 2021.
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) reforçou ao público a polêmica sobre o veto no projeto de lei ao afirmar que “[m]ulher começou a menstruar no meu governo”; “no governo do PT e do PSDB não menstruavam”. Com o veto, veio a insatisfação popular e parlamentar, razão pela qual a Bancada Feminina da Câmara dos Deputados3 3 As redes sociais administradas por mulheres constantemente mostravam-se contrárias ao veto presidencial. No entanto, esta pesquisa se limita ao teor do discurso publicizado pelo ex-chefe do Executivo. reagiu.

A coordenadora da bancada, Celina Leão (Bancada [...], 2021BANCADA feminina critica veto à distribuição gratuita de absorventes. Câmara dos Deputados, 7 out. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/814709-bancada-feminina-critica-veto-a-distribuicao-gratuita-de-absorventes/ . Acesso em: 10 out. 2021.
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), ressaltou: “Se você compra papel higiênico para escola, não pode comprar absorvente? Para os itens da cesta básica, você não pode incluir absorvente?”. Na mesma linha, há o argumento de que o projeto tem impacto orçamentário mínimo, e de que, “se R$ 84 milhões for muito dinheiro para o governo não dar condições a meninas e mulheres, [ele teria] que rever os seus princípios” (Bancada [...], 2021BANCADA feminina critica veto à distribuição gratuita de absorventes. Câmara dos Deputados, 7 out. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/814709-bancada-feminina-critica-veto-a-distribuicao-gratuita-de-absorventes/ . Acesso em: 10 out. 2021.
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).

O tema é crítico se considerarmos que somente no final da década de 1990 os países latino-americanos passaram a incluir uma agenda política preocupada com os grupos vulnerabilizados, sendo a essa dinâmica atribuída a expressão “Onda Rosa”. No entanto, em contraproposta à difusão da institucionalização de direitos e garantias, houve o surgimento da “Maré Azul”,4 4 Os conceitos de “onda” e “maré” com fins políticos foram criados por Fabricio Pereira Silva (2014). ou seja, há um grau acentuado de regresso dos direitos desses grupos, uma vez que os avanços garantidos rapidamente são revertidos.

A esse evento, de fácil reversibilidade da aquisição de direitos dos grupos vulnerabilizados, é dado o nome de backlash, instituto que se concretiza por meio da reação de poderes e grupos solidificados em sociedade que, ao verem a ascensão de conquistas minoritárias, são contrários a elas, evento esse que se repete na história e é visto após qualquer período de avanços.

Diante disso, indaga-se: há backlash nos discursos que sustentam o veto parcial à Lei n. 14.214/2021 (Brasil, 2021BRASIL. Lei n. 14.214, de 6 de outubro de 2021. Institui o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual; e altera a Lei n. 11.346, de 15 de setembro de 2006, para determinar que as cestas básicas entregues no âmbito do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan) deverão conter como item essencial o absorvente higiênico feminino. Brasília: Presidência da República, 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14214.htm . Acesso em: 27 mar. 2024.
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), que instituía o Programa de Proteção e Promoção à Saúde Menstrual? Este artigo levanta a hipótese de que, devido ao tom dos discursos públicos do ex-presidente Jair Bolsonaro, o veto foi intencional e reacionário à dignidade menstrual.

Para responder a tal questão, a presente pesquisa fez uso de metodologia descritiva e exploratória, com natureza qualitativa (Gil, 1999GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1999.) seguida de análise de discurso (Fairclough, 1995FAIRCLOUGH, Norman. Critical Discourse Analysis: The Critical Study of Language. Londres; Nova York: Longman, 1995. Disponível em: Disponível em: https://www.felsemiotica.com/descargas/Fairclough-Norman-Critical-Discourse-Analysis.-The-Critical-Study-of-Language.pdf . Acesso em: 25 mar. 2024.
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; Orlandi, 2012ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise de discurso: princípios & procedimentos. 10. ed. Campinas, SP: Pontes, 2012.) das falas do ex-chefe do Executivo Federal no que diz respeito ao tema do acesso a produtos de higiene por meio de um projeto de lei que envolve dignidade menstrual.

Como crítica, nota-se que o ex-presidente, ao verbalizar sua opinião sobre a política pública em questão, passa a ter como alvo a mulher cis, como se existisse uma mulher universal. Essa categoria epistemológica é criticável nos feminismos, já que existem recortes de classe, decorrentes da desigualdade socioeconômica, de gênero - e, aqui, encontramos os homens trans e as pessoas não binárias com o ciclo menstrual ativo - e, ainda, de raça, como uma identidade vulnerabilizante extremada, ou seja, a qual agrava a situação da pessoa menstruante.

Diante dessas compreensões, para o presente artigo, cabe destacar que utilizaremos as expressões “pessoas com o ciclo menstrual ativo” e, por vezes, “pessoas menstruantes”, sendo a primeira correlacionada a mulheres cis e a segunda, a homens trans e pessoas não binárias, os quais são invisibilizados dos debates acadêmicos sobre saúde pública e, por consequência, saúde menstrual. Todavia, ao analisar o discurso do ex-presidente, as categorias epistemológicas adotadas serão a de “mulher” e “menina”, considerando a atenção à metodologia utilizada e a verificação das falas do ex-presidente Bolsonaro, embora sustentemos a crítica a esse conceito e usemos as expressões mais amplas mencionadas.5 5 A presente pesquisa tem a compreensão de que essas são expressões ainda em disputa, inclusive dentro dos movimentos feministas, suas epistemologias e vertentes. Dessa maneira, buscamos adotar o conceito mais amplo para descrever todas as possíveis pessoas com ciclo menstrual ativo, ou seja, pessoas que menstruam. Ressaltamos que este artigo não tem como objetivo apresentar as divergências quanto às vertentes feministas utilizadas nesse debate, o qual é corrente, e as diversas discordâncias entre suas autoras, sendo outra a reflexão aqui proposta.

O material investigado tem início na sessão plenária do dia 26 de agosto de 2021,6 6 Para saber mais: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/decreto/d11432.htm. Acesso em: 26 ago. 2021. a qual debatia a votação do Projeto de Lei n. 4.968/2019ARRAES, Marília. Projeto de Lei n. 4.968, de 2019. Disponível em: Disponível em: https://www.congressonacional.leg.br/materias/materias-bicamerais/-/ver/pl-4968-2019 . Acesso em: 20 mar. 2024.
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(Brasil, 2019), responsável por trazer ao público o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual, o qual visava uma propensa distribuição gratuita de absorventes higiênicos. Nesse dia, o programa passou pela Câmara dos Deputados sem objeção. Além disso, em 14 de setembro do mesmo ano, também foi aprovado pelo Senado Federal, sem acréscimos. Porém, em 7 de outubro de 2021, foi divulgado que o ex-presidente da República vetou parcialmente o programa por considerá-lo contrário ao interesse público, sem o uso de documentação comprobatória, sendo o veto acompanhado somente do projeto de lei redigido e apresentado em forma de documento na sessão.

Esta pesquisa inclui também a reiteração do posicionamento do ex-chefe do Executivo, o qual continuou a externar sua opinião sobre o projeto em mídia alternativa e gravada no YouTube. Para tanto, foram analisadas outras entrevistas concedidas por Bolsonaro na saída do Palácio da Alvorada, em dezembro de 2021JAIR BOLSONARO. Live de quinta-feira - 14/10/2021. YouTube, 14 out. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=TAV8IDewNpQ&ab_channel=JairBolsonaro . Acesso em: 14 out. 2021.
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7 7 No Palácio da Alvorada, o ex-presidente concedia entrevistas; em algumas delas, aprofundava temas que foram tratados nas lives do seu perfil oficial no YouTube. Essa, especificamente, ocorreu e foi divulgada pelo O Antagonista (2021). , como a frase “Mulher começou a menstruar no meu governo!”.

Foram analisados somente vídeos, em razão da legitimidade e da não adulteração das falas do ex-presidente, reforçando a pureza no discurso externado.8 8 A pesquisa não despreza que em março de 2022 o veto foi derrubado pelo Congresso Nacional (Agência Senado, 2022). Já para fundamentar a saúde menstrual e a necessidade de dignidade durante o ciclo ativo, em status de direito humano e fundamental, foi feita uma pesquisa bibliográfica.

1. Sem ascensão de classe, sem dignidade

A pobreza menstrual é um fenômeno complexo, multidimensional e transdisciplinar (Unicef; UNFPA, 2021FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA - UNICEF; FUNDO DE POPULAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS - UNFPA. Pobreza menstrual no Brasil: desigualdades e violações de direitos. [On-line], maio 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/media/14456/file/dignidademenstrual_relatorio-unicef-unfpa_maio2021.pdf . Acesso em: 27 jun. 2022.
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). Isso porque ela pode ser sentida pela falta de acesso aos produtos adequados à higiene, como é o caso do absorvente descartável, por questões estruturais que têm forte influência econômica, por ausência de medicações para administrar problemas decorrentes da menstruação e por omissão e desconhecimento de informações sobre o ciclo menstrual.

Ainda, desde 2017, constata-se que a dignidade menstrual tem recebido um conceito amplo, o qual envolve, além do ciclo menstrual, a higiene adequada, o acesso à água, a sabão e a absorvente a um valor acessível, uma vez que este é um item de alta tributação, sendo esses fatores correlacionados à saúde menstrual (Medina-Perucha et al., 2020MEDINA-PERUCHA, Laura et al. Menstrual Health and Period Poverty among Young People Who Menstruate in the Barcelona Metropolitan Area (Spain): Protocol of a Mixed-Methods Study. BMJ Open, v. 10, n. 7, e035914, 2020. DOI: 10.1136/bmjopen-2019-035914
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). Portanto, é um problema multifacetado, visto que a carência desses itens pode gerar quadros clínicos graves de infecção vaginal, em razão de a microbiota do corpo menstruante necessitar de limpeza específica e constante (Souza, 2009SOUZA, Chiara Musso Ribeiro de Oliveira. Infecção vaginal, determinantes, microbiota, inflamação e sintomas: estudo descritivo com autocoleta diária ao longo do ciclo menstrual. 2009. 264 f. Dissertação (Mestrado em Doenças Infecciosas) - Programa de Pós-Graduação do Núcleo de Doenças Infecciosas do Departamento de Medicina do Centro de Ciências da Saúde da Universidade do Espírito Santo, Vitória, 2009.). Ou seja, a demanda pelo correto asseio torna-se redobrada durante o ciclo menstrual.9 9 Para Souza (2009), com base no referencial teórico adotado para o estudo do ciclo menstrual e das infecções vaginais, recomenda-se que a higiene genital feminina adequada seja realizada com água e sabão neutro. Além disso, podemos considerá-lo um tema multideterminado, visto ser entrecruzado por recortes de classe - pela alta tributação do absorvente, pela inacessibilidade a ele, à água e ao sabão -, de gênero - por envolver múltiplos corpos, como o da mulher cis, do homem trans e de pessoas não binárias - e de raça, o que torna essas identidades ainda mais vulnerabilizadas.

Nesse caminho, os países de alta renda dão direito e acesso a banheiros em espaços públicos para que meninas e mulheres cis cuidem de seus sangramentos menstruais com dignidade. Se o referencial teórico for de países de pouca evidência econômica, observa-se que há muitas barreiras a essas mesmas mulheres e meninas que menstruam, relacionadas, por exemplo, à desinformação, à vergonha, ao medo e à ausência de espaço adequado (Sommer et al., 2021SOMMER, Marni et al. How Addressing Menstrual Health and Hygiene May Enable Progress Across the Sustainable Development Goals. Global Health Action, [s.l.], v. 14, n. 1, 1920315, jan. 2021.; Bussinguer; Salvador, 2022BUSSINGUER, Elda Coelho Azevedo; SALVADOR, Raíssa Lima e. O impacto da pobreza menstrual e da desinformação na dignidade da pessoa humana e no direito à saúde das mulheres no Brasil. Revista de Gênero, Sexualidade e Direito, [s.l.], v. 8, n. 1, p. 49-64, jan./jul. 2022.). Há também o apagamento dos homens trans e de pessoas não binárias que têm o ciclo menstrual ativo. Dito isso, fomentar o obscurantismo em torno do assunto já é um indício do posicionamento político e social do Estado em relação ao direito humano e fundamental à saúde menstrual.

Assim, é possível perceber que o tema traz fortes influências culturais, econômicas e sociais. Por isso, entende-se que o acesso a condições básicas para quem menstrua, de modo a manter dignidade durante o ciclo, tem um fator em comum: sem ascensão de classe, não há dignidade. Essa premissa foi observada pelo relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) em parceria com o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), publicado em 2021, que constatou a pobreza como uma situação de urgência para o tratamento da indignidade menstrual, uma vez tratar-se de ponto determinante para as gerações futuras terem qualidade de vida, além de ser um problema típico de saúde coletiva e, por sua vez, um problema público, que precisa de uma política pública (Bucci, 2013BUCCI, Maria Paula Dallari. Fundamentos para uma teoria jurídica das políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2013.).

A partir da análise dos dados mencionados é possível chegar a duas conclusões fundamentais: i) o ciclo menstrual é um período que envolve uma dinâmica fisiológica própria e demanda itens básicos de higiene, como água, sabão e absorvente descartável; ii) se ausentes os itens específicos ligados à dignidade no período menstrual, haverá limitação das pessoas com ciclo menstrual ativo na vida em sociedade, bem como restrição ao direito e ao acesso à saúde menstrual.

É por isso que há repercussão internacional e nacional em torno da dignidade menstrual como direito humano. Nesse sentido, por ser eivado de fundamentalidade, é demasiado grave que políticas públicas ligadas à sua efetivação sejam esquecidas, inviabilizadas ou que tenham sua importância diminuída, já que o acesso desigual a direitos e a oportunidades retroalimenta ciclos trasngeracionais de equidade de gênero, raça, classe social, além de impactar negativamente a trajetória educacional e profissional das pessoas com ciclo menstrual ativo (Unicef; UNFPA, 2021FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA - UNICEF; FUNDO DE POPULAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS - UNFPA. Pobreza menstrual no Brasil: desigualdades e violações de direitos. [On-line], maio 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/media/14456/file/dignidademenstrual_relatorio-unicef-unfpa_maio2021.pdf . Acesso em: 27 jun. 2022.
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).

Então, a quem interessa a disponibilidade de itens higiênicos durante a menstruação? Quem a ausência desses itens constrange? Quem faltará à aula por não ter poder aquisitivo suficiente para comprar não só comida, mas também absorventes? Quem, em situação de rua ou em cumprimento de pena, usará miolo de pão10 10 Análise oriunda das mulheres encarceradas. Ver Queiroz (2015). para conter o sangramento e ficará à mercê de infecções? A mulher ou menina cis, o menino ou homem trans e as pessoas não binárias.

2. Concepção sociojurídica da dignidade menstrual como direito humano11 11 Embora a ONU desde 2014 reconheça a dignidade menstrual como direito humano (Unicef; UNFPA, 2021), no Brasil pode-se dizer que, a partir de uma leitura integrativa do texto constitucional, a fundamentalidade desse direito está implícita.

Os direitos humanos precedem configurações políticas, isso porque são fruto de resistência à normatividade construída e percebida como um padrão a ser seguido ao longo da historicidade dos seres humanos. Ao recortar essa perspectiva e tomar como ponto de análise o contexto latino-americano, percebe-se que, mesmo os Estados afirmando-se democráticos, há situação de pobreza, fome, precariedade na saúde e desrespeito pelos direitos humanos (Gallardo, 2014GALLARDO, Helio. Teoria crítica: matriz e possibilidade de direitos humanos. São Paulo: Editora Unesp, 2014.).

Frisar que são “Estados democráticos” é simbólico e tem peso, já que muitos deles positivaram em sua ordem interna os direitos humanos fundamentais. No Brasil, na Constituição Federal de 1988 (CF/88BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 1988. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm . Acesso em: 20 out. 2021.
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), encontramos os arts. 1o, III, 3o, II e III, 5o, caput e I (Brasil, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 1988. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm . Acesso em: 20 out. 2021.
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). É nesse sentido que Gallardo (2014GALLARDO, Helio. Teoria crítica: matriz e possibilidade de direitos humanos. São Paulo: Editora Unesp, 2014.) menciona o tratamento formal igual, mas materialmente insuficiente, a sujeitos que se encontrem em situações colossais de desigualdade, o que implica a institucionalização da injustiça social.

Embora o marco nacional para tratar formalmente a igualdade entre homens e mulheres tenha sido a CF/88, internacionalmente, desde 1945, o Brasil, os países-membros da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização dos Estados Americanos (OEA) discutiam e ratificavam ações que envolviam a inclusão da mulher cis em sociedade,12 12 São exemplos a Carta das Nações Unidas (1945), a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (1979), a Declaração de Viena (1993), a Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher (1993), a Convenção de Belém do Pará (1995), a Declaração de Beijing (1995) e o Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Cedaw). Esse último documento passou a vigorar no país somente em 2002. e se comprometiam a promover a igualdade entre homens e mulheres por meio de ações públicas.

Não só isso, desde 2014 a ONU considera o acesso à higiene menstrual uma questão de saúde pública e direitos humanos. A pobreza menstrual remete a pessoas em situação de vulnerabilidade econômica e/ou social (Unicef; UNFPA, 2021FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA - UNICEF; FUNDO DE POPULAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS - UNFPA. Pobreza menstrual no Brasil: desigualdades e violações de direitos. [On-line], maio 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/media/14456/file/dignidademenstrual_relatorio-unicef-unfpa_maio2021.pdf . Acesso em: 27 jun. 2022.
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). Ainda, em âmbito global, há recentes discussões e metas para o desenvolvimento da humanidade. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSOBJETIVOS de Desenvolvimento Sustentável. Nações Unidas Brasil, [s.d.]. Disponível em: Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs . Acesso em: 27 jun. 2022.
https://brasil.un.org/pt-br/sdgs...
)(2015) fazem parte da agenda mundial para inclusão e fomento de políticas públicas que visem à ascensão dos direitos humanos em respeito à singularidade de cada indivíduo, e atentam-se à qualidade de vida multissetorial decorrente de violações multifacetadas. Considera-se a qualidade de vida multissetorial porque foca nas discussões relacionadas às mulheres, à diversidade de gênero, ao meio ambiente, à saúde e à educação, entre outras. A meta deve ser cumprida até 2030. Com isso, reconhecendo que são problemas públicos e que demandam políticas públicas, há conexão entre os objetivos e o tema “dignidade menstrual”. Observe o Quadro 1 a seguir.

Quadro 1 -
objetivos de desenvolvimento sustentável e a dignidade menstrual

Todavia, a queda de governos com agenda política inclusiva (Aguiar; Pereira, 2019AGUIAR, Bruna Soares de; PEREIRA, Matheus Ribeiro. O antifeminismo como backlash nos discursos do governo Bolsonaro. Revista Agenda Política, [s.l.], v. 7, n. 3, p. 8-35, 2019.) implica que as decisões institucionais nem sempre serão favoráveis aos grupos vulneráveis e, sobretudo, à dignidade menstrual, tema que ainda envolve tabus. A situação é agravada quando se observa que o Brasil passou a experimentar o Estado pós-democrático de Direito, no qual houve máxima desumanização (Casara, 2017CASARA, Rubens R. R. Estado pós-democrático: neo-obscurantismo e gestão dos indesejáveis. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017.).

Isso significa que as pessoas passaram a ser valorizadas como título de mercadoria. Há uma régua invisível, institucionalizada, que dirá em quem merece ser investido o dinheiro público. Gallardo (2014GALLARDO, Helio. Teoria crítica: matriz e possibilidade de direitos humanos. São Paulo: Editora Unesp, 2014.) afirma que um Estado é patrimonialista e clientelista quando as instituições se tornaram meras servidoras da riqueza, doando-a a quem o controla direta ou indiretamente. Ao mesmo tempo, retira e sanciona uma ordem que produz pobreza, discriminações, transformando eleições e sua administração em um aparato estatal, um negócio precário, no qual não importam as necessidades humanas, ainda que sejam essenciais à vida digna.

Reconhecida como direito humano, com fundamentalidade evidente na CF/88, mas ainda um ODS a ser atingido na Agenda 2030, a dignidade menstrual é inerente à saúde e à vida não só das meninas e mulheres cis, mas também dos homens trans e das pessoas não binárias. Além disso, a efetivação desse direito, com a correta administração do ciclo menstrual - água potável, medicações, absorventes -, implica o ingresso adequado dessas pessoas nos espaços de poder, espaços esses dominados pelo poder hegemônico, por razões sociojurídicas e de historicidade.

Com essas afirmações, compreende-se que o absorvente é um artigo de luxo e que os demais itens para a boa administração do ciclo menstrual são inalcançáveis, o que alimenta a pobreza menstrual. Logo, sua distribuição é uma forma de emancipação político-social, por intermédio do próprio corpo, que possibilita que mulheres e homens trans sejam incluídos, o que, para Corrêa e Petchesky (1996CORRÊA, Sonia; PETCHESKY, Rosalind. Direitos sexuais e reprodutivos: uma perspectiva feminista. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 6, n. 1-2, p. 147-177, 1996.), deveria ser prioridade nas agendas públicas de saúde.

Nesse aspecto, conclui-se que a dignidade menstrual é um direito humano, mas que necessita de solidificação interna, por meio de políticas públicas, para que haja a efetivação do direito à saúde e à vida (art. 196 da CF/88), que são normas de aplicação imediata (art. 5o, §1, da CF/88), isso porque saúde não é só estar vivo, mas ter chances de viver com qualidade, o que reverbera em outros direitos fundamentais implícitos.

3. Análise do discurso e o backlash no Poder Executivo

O backlash é um movimento reacionário que resulta em uma força antagônica à regulamentação dos direitos de grupos vulnerabilizados. Esse modo reativo é usado por setores conservadores, culturalmente dominantes, como forma de instrumentalizar uma reação contrária por meio de um espantalho que amedronta iniciativas progressistas (Post; Siegel, 2007POST, Robert; SIEGEL, Reva. Roe Rage: Democratic Constitutionalism and Backlash. Harvard Civil Rights-Civil Liberties Law Review, Cambridge, v. 42, p. 373-433, 2007.; Fonteles, 2019FONTELES, Samuel Sales. Direito e backlash. Salvador: JusPodivm, 2019.).13 13 No século XX, a palavra “backlash” protagonizou a resistência de grupos que requisitavam direitos fundamentais, como é o caso das pessoas negras e o “White Backlash” e dos feminismos.

Essa dinâmica, segundo Faludi (2001FALUDI, Susan. Backlash: o contra-ataque na guerra não declarada contra as mulheres. Rio de Janeiro: Rocco, 2001.), Duggan (2003DUGGAN, Lisa. The Twilight of Equality? Neoliberalism, Cultural Politics and the Attack on Democracy. Boston: Beacon Press, 2003.) e Solnit (2017SOLNIT, Rebecca. Os homens explicam tudo para mim. São Paulo: Cultrix, 2017.), é aplicada aos feminismos, que, por questionarem tal estrutura hegemônica, recebem forte reação contrária com o intuito de que os avanços na positivação dos direitos das mulheres sejam desmantelados, e isso possibilita a existência de um backlash antifeminista. Com isso, e considerando as mulheres e meninas cis um grupo em situação de vulnerabilidade,14 14 A expressão “em situação de vulnerabilidade” refere-se a um grupo de pessoas que enfrentam dificuldades específicas devido a características pessoais, sociais, econômicas ou a outras circunstâncias. Essas dificuldades são como barreiras, as quais trazem um acesso limitado a recursos, oportunidades e proteções, inclusive à atuação estatal em prol da emancipação social desses grupos. a literatura reforça a existência de uma reação social negativa aos direitos humanos do gênero feminino (Souza, 2017SOUZA, Juliana Mello. Feminina e não feminista: a construção mediática do backlash, do consumo e dos pós-feminismos. Media & Jornalismo, [s.l.], v. 17, n. 30, p. 71-83, 2017. Disponível em: Disponível em: https://impactum-journals.uc.pt/mj/article/view/2183-5462_30_5/3826 . Acesso em: 12 maio 2023.
https://impactum-journals.uc.pt/mj/artic...
; Fonseca, 2018FONSECA, Elaine Cristina. O backlash e a construção do ethos discursivo da mulher. Letras de Hoje, [s.l.], v. 53, n. 3, p. 422-429, jul./set. 2018.; Sardenberg, Mano e Sacchet, 2020SARDENBERG, Cecília Maria Bacellar; MANO, Maíra Kubik; SACCHET, Teresa. Confronting Backlash against Women’s Rights and Gender Equalityin Brazil: A Literature Review and Proposal. Revista Feminismos, [s.l.], v. 8, n. 2, maio/ago. 2020.).15 15 Adotou-se essa literatura com base na corrente epistemológica pertinente à análise do discurso do ex-presidente.

Sobre homens trans e pessoas não binárias, a literatura ainda não faz essa conexão, por vezes incluindo esses grupos nas demandas LGBTQIAP+, como uma identidade social e política (Nunes, 2014NUNES, Ávila Simone. FTM, transhomem, homem trans, trans, homem: a emergência de transmasculinidades no Brasil contemporâneo. 2014. 243 f. Tese (Doutorado em Ciências Humanas) - Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2014.). Para Sousa e Iriart (2018SOUSA, Diogo; IRIART, Jorge Alberto Bernstein. “Viver dignamente”: necessidades e demandas de saúde de homens trans em Salvador, Bahia, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, [s.l.], v. 34, n. 10, e00036318, 2018.), é notável que as políticas públicas sobre a saúde do homem trans, por exemplo, sejam apagadas do cenário social devido a um padrão cisnormativo estrutural e institucional.

Ainda, ao considerar tal estrutura, este artigo observa a existência do backlash no Poder Executivo, sobretudo no Governo Bolsonaro (Aguiar; Pereira, 2019AGUIAR, Bruna Soares de; PEREIRA, Matheus Ribeiro. O antifeminismo como backlash nos discursos do governo Bolsonaro. Revista Agenda Política, [s.l.], v. 7, n. 3, p. 8-35, 2019.; Hernandez, 2022HERNANDEZ, Matheus de Carvalho. A política externa em direitos humanos do governo Bolsonaro e a crise na ONU: o backlash é também verde e amarelo. In: BARBOSA, Jefferson Rodrigues; HERNÁNDEZ, Oscar A. Piñera (orgs.). Extremismos políticos e direitas: Bolsonaro, Trump e a crise das “democracias”. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2022. p. 149-165.), fazendo as restrições necessárias para a análise e a verificação condizente com as falas do ex-chefe do Executivo, e ressaltando a problemática da construção do seu discurso por meio do binarismo, das divisões entre privado e público e do reforço à socialização, imputada pelo poder hegemônico, às mulheres e meninas cis, aos homens trans e às pessoas não binárias.

Nesse caminho, Faludi (2001FALUDI, Susan. Backlash: o contra-ataque na guerra não declarada contra as mulheres. Rio de Janeiro: Rocco, 2001.), ao verificar o fenômeno da reação à conquista de políticas sociais por meio do Direito, a partir dos grupos em situação de vulnerabilidade, nota que, quando estes parecem ter sucesso e marcham rumo à igualdade, há movimentos externos que atrapalham seu efetivo florescimento. Logo, o progresso desses direitos, na cultura ocidental, ao contrário de outros tipos de “progressos”, sempre foi estranhamente reversível. Isso é o resultado do backlash.

Para Faludi (2001FALUDI, Susan. Backlash: o contra-ataque na guerra não declarada contra as mulheres. Rio de Janeiro: Rocco, 2001.), essa dinâmica reativa é forte e recorrente na história, sucessiva aos períodos de avanços, os quais foram pulverizados a partir das instituições, mediante a estrutura social criada e fomentada. Aqui, incluem-se os Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo, tornando possível sedimentar a existência de um backlash institucionalizado, o que Tavares (2022TAVARES, Marcelo Leonardo. O backlash institucional e normativo no Brasil e sua ocorrência no Direito Previdenciário e Assistencial. Revista de Informação Legislativa: RIL, Brasília, v. 59, n. 233, p. 11-33, jan./mar. 2022. Disponível em: Disponível em: https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/59/233/ril_v59_n233_p11 . Acesso em: 11 jan. 2024.
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) compreende como um sentimento coletivo - de parte de um grupo de pessoas - de reagir a uma mudança com reflexos sociais, a qual pode ser firmada na contrariedade de interesses e concepções, por meio de uma resistência organizada.

Mudanças que envolvem a quebra de um paradigma sedimentado há muitos anos por um poder hegemônico nunca trarão comoções positivas, ao contrário, ninguém quer perder sua posição de privilégio. Foi nessa perspectiva que a Maré Azul encobriu a Onda Rosa (Aguiar; Pereira, 2019AGUIAR, Bruna Soares de; PEREIRA, Matheus Ribeiro. O antifeminismo como backlash nos discursos do governo Bolsonaro. Revista Agenda Política, [s.l.], v. 7, n. 3, p. 8-35, 2019.), essa última presente nos governos latino-americanos nos anos 2000, conhecidos por programas assistenciais, mas que entraram em declínio a partir da oposição das classes média e alta ao empoderamento que os grupos em situação de vulnerabilidade estavam recebendo.

A reação pode ser difusa e desorganizada, concretizando-se por meio de uma oposição social, ou, então, institucionalizada e gerida a partir dos Poderes que aquele país tem, com interferência nos órgãos estatais, por exemplo (Tavares, 2022TAVARES, Marcelo Leonardo. O backlash institucional e normativo no Brasil e sua ocorrência no Direito Previdenciário e Assistencial. Revista de Informação Legislativa: RIL, Brasília, v. 59, n. 233, p. 11-33, jan./mar. 2022. Disponível em: Disponível em: https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/59/233/ril_v59_n233_p11 . Acesso em: 11 jan. 2024.
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), que é o caso desta pesquisa. Assim, a análise será do backlash proferido por meio de um espaço de poder, no caso, o Executivo, ao passo que se reconhece a imediata reação do ex-chefe do Executivo ao Programa de Saúde Menstrual, matéria que é afeta à dinâmica de relação entre os Poderes.

A partir disso, o material analisado tem início na sessão plenária, pública e gravada, que ensejou a votação e a aprovação da distribuição gratuita de absorventes higiênicos no dia 26 de agosto de 2021, a qual foi aprovada na Câmara, sem objeções. Em 14 de setembro do mesmo ano, foi aprovada pelo Senado Federal, sem acréscimos. Porém, no dia 7 de outubro de 2021, foi divulgado que o ex-presidente da República vetou parcialmente o programa, por considerá-lo contrário ao interesse público.

No mesmo mês, o ex-chefe do Executivo fez um pronunciamento público em seu canal oficial no YouTube, com 3,96 mil seguidores, sobre as razões que o levaram a vetar o programa. O pronunciamento foi intitulado “Live de quinta-feira 14 de outubro de 2021” (Jair Bolsonaro, 2021JAIR BOLSONARO. Live de quinta-feira - 14/10/2021. YouTube, 14 out. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=TAV8IDewNpQ&ab_channel=JairBolsonaro . Acesso em: 14 out. 2021.
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). Durante a gravação, Bolsonaro debate vários temas relacionados à sua forma de fazer política, à época, como justificativas ao seu eleitorado dos posicionamentos adotados por ele. Diante das suas acusações sobre o projeto de dignidade menstrual para erradicar a pobreza menstrual, o ex-presidente resolveu tecer comentários sobre a ação de incentivo criada no Poder Legislativo:

Vamos agora, aqui, a um assunto que deu polêmica essa semana. O veto do Bolsonaro à distribuição gratuita de absorventes. Primeiro, pessoal, não existe distribuição gratuita de nada. A não ser que tenha alguém aí e que ande distribuindo gratuitamente a coisa pelo Brasil todo, não duvido que tenha. Então teve um projeto, sim, de uma deputada, né, para distribuir absorventes para mulheres pobres, estudantes, do sistema prisional. Só que tem um detalhe: um deputado ou um senador pode votar sim ou não no que ele quiser, ele é inviolável enquanto por palavras, opiniões e votos. Então ele não responde. Se ele votar o maior absurdo do mundo “sim”, ele não responde por nada. Agora quando chega na minha mesa... na minha mesa, eu não posso vetar porque não gosto do autor do projeto, ou por “não sei o quê”, ou vou sancionar porque o autor é um “cara legal”, não existe isso! Eu tenho que seguir as diretrizes dos respectivos ministérios, a saúde dá o parecer, a economia dá o parecer, e qualquer projeto que crie despesa, como esse cria despesa, a distribuição de absorvente, se não apresentar de onde vem o dinheiro, o projeto é inconstitucional (Jair Bolsonaro, 2021JAIR BOLSONARO. Live de quinta-feira - 14/10/2021. YouTube, 14 out. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=TAV8IDewNpQ&ab_channel=JairBolsonaro . Acesso em: 14 out. 2021.
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).16 16 Fala citada a partir de 11 minutos e 40 segundos até 16 minutos do pronunciamento.

Uma das características do backlash são discursos que estimulam a insegurança para financiar uma política pública, trazendo nomes técnicos vinculados aos institutos jurídicos, apresentados a um público que não pode quantificar seu nível de compreensão no assunto, o que gera pânico institucional e orçamentário.

Ao iniciar sua fala e delimitar que “não existe nada de graça” (Jair Bolsonaro, 2021JAIR BOLSONARO. Live de quinta-feira - 14/10/2021. YouTube, 14 out. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=TAV8IDewNpQ&ab_channel=JairBolsonaro . Acesso em: 14 out. 2021.
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), o ex-presidente diverge das competências constitucionais que um Estado deve ter, com aparato dos outros Poderes e instituições, para financiar ações públicas de ascensão social, já que a ausência de saúde menstrual é um problema público e que demanda uma ação de incentivo estatal, como a distribuição de absorventes para mulheres hipossuficientes, pois este é um item altamente tributado e, por consequência, inacessível a essas mulheres. O objetivo é que o público com o ciclo menstrual ativo possa exercer suas atividades diárias sem comprometer a qualidade de vida.

Mais à frente, Bolsonaro reforça a inconstitucionalidade do projeto de lei e que foi isso que ensejou seu veto. Ora, o veto foi apenas político, o que precede a subjetividade, contrariando seu discurso ao afirmar que seria “inconstitucional”, o que demanda um veto técnico e com justificativa jurídica, já que seus motivos foram relacionados somente à escassez orçamentária.17 17 A principal justificativa do governo para o veto aos trechos agora restituídos foi de que a oferta gratuita de absorventes higiênicos femininos “não se compatibiliza com a autonomia das redes e estabelecimentos de ensino”. Também foi citada a não indicação da fonte de custeio ou de medida compensatória, o que violaria a Lei de Responsabilidade Fiscal. O governo alegou, ainda, que a medida, “ao estipular as beneficiárias específicas, não se adequaria no princípio da universalidade, da integralidade e da equidade no acesso à saúde do SUS” (Agência Senado, 2022). Inclusive, em sua fala, ele atribui um valor hipotético de quanto seria custear a distribuição:

No passado, Haddad e Dilma vetaram projeto semelhante, a esquerdalha bate em mim, os militantes batem em mim, batem mais, eles vetaram. Eles não deram solução pra você. Mas eu vou dar! É só o parlamento derrubar o veto que eu sou obrigado a promulgar depois né, sou obrigado, daí a gente arranja recurso, com o Ministro da Saúde, da Educação, ou com os dois. Vou tirar um pouquinho de cada lugar, daí vão dar paulada em mim, “tiroooou” num sei da onde da saúde, da educação, tô tirando porque eu sou escravo da lei! Se o Congresso derrubar o veto, tô torcendo pra que derrube, vou arranjar o absorvente (Jair Bolsonaro, 2021JAIR BOLSONARO. Live de quinta-feira - 14/10/2021. YouTube, 14 out. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=TAV8IDewNpQ&ab_channel=JairBolsonaro . Acesso em: 14 out. 2021.
https://www.youtube.com/watch?v=TAV8IDew...
).18 18 Fala citada a partir de 11 minutos e 40 segundos do pronunciamento.

Outra característica do backlash é a visão estereotipada dos grupos de pessoas em situação de vulnerabilidade. Cria-se um cenário no qual esses grupos fazem requisições além do permitido; no entanto, são desconsiderados os documentos internacionais e técnicos que apontam o índice de pobreza menstrual a ser enfrentado pelo país, e isso inferioriza um problema público. Ainda, alimenta-se a inversão dos valores fundamentais dos direitos humanos e constitucionais ao se criar um discurso populista para fomentar a insegurança do seu eleitorado.

Porque não vai ser gratuito, pessoal! Calcularam uns 100 milhões de reais aqui! Pode ter certeza! Vou multiplicar por três! Vou ter que arranjar 300 milhões de reais! Eu não vou criar imposto pra ter que suprir isso aí e nem majorar imposto pra suprir isso aí, vou ter que tirar de algum lugar, depois vão dizer que cortei da saúde, vão falar “cortou da saúde”, mas não vai dizer de quem foi. Mas vai ser pra atender a derrubada do veto (Jair Bolsonaro, 2021JAIR BOLSONARO. Live de quinta-feira - 14/10/2021. YouTube, 14 out. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=TAV8IDewNpQ&ab_channel=JairBolsonaro . Acesso em: 14 out. 2021.
https://www.youtube.com/watch?v=TAV8IDew...
).19 19 Fala citada a partir de 13 minutos e 33 segundos até 14 minutos e 20 segundos do pronunciamento.

Ainda, outras características do backlash são a diminuição do financiamento de políticas públicas para o direito das mulheres como algo corriqueiro, a inversão de valores e a criação de mitos para alimentar a insegurança.

É importante mencionar que o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual estava orçado em R$ 84 milhões, conforme projeto de lei publicizado pela Câmara dos Deputados (Bancada [...], 2021BANCADA feminina critica veto à distribuição gratuita de absorventes. Câmara dos Deputados, 7 out. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/814709-bancada-feminina-critica-veto-a-distribuicao-gratuita-de-absorventes/ . Acesso em: 10 out. 2021.
https://www.camara.leg.br/noticias/81470...
) e previsto no orçamento anual para a saúde, inclusive, sendo feito o repasse pelo Sistema Único de Saúde (SUS), já que o absorvente higiênico feminino é considerado item essencial; para as apenadas, o repasse seria por meio do Fundo Penitenciário.

No entanto, o ex-chefe do Executivo, ao discursar, majora esse valor e ainda o multiplica por três, razão pela qual confirma a reação característica do backlash, resultando em um discurso retórico, sem fundamentação jurídica e com teor de insegurança orçamentária, quando, na verdade, havia previsão no orçamento.

Não só isso, o direito e o acesso à saúde é de disciplina constitucional, demandando uma posição estatal ativa, como é o caso da atenção à saúde menstrual, que traz dignidade às pessoas com ciclo menstrual ativo.

“Vamo” lá, parlamento, vamo fazer a derrubada do veto! Diferentemente de Haddad e Dilma que vetaram, a gente vai se virar e vamo aí estender o Auxílio Moodes, é isso mesmo, o Auxílio Modess? Absorvente!!!! Para todo mundo! Tá ok? Aqui oh: Antes de Bolsonaro, Haddad vetou distribuição “gratuita” de absorvente! Na época o petista alegou que a medida não se justificava. Haddad fez igualzinho a mim. Lei de Responsabilidade Fiscal. Agora essa deputada que mandou esse projeto... o pessoal reclama muito do valor do salário mínimo, ela podia apresentar um projeto lá pra salário mínimo 10 mil reais, eu veto, aí derruba o veto e a gente arranja dinheiro pra pagar. Como se as coisas resolvessem, né, na votação, em um pedaço de papel, em uma canetada. Acabou as fakenews ou tem mais? (Jair Bolsonaro, 2021JAIR BOLSONARO. Live de quinta-feira - 14/10/2021. YouTube, 14 out. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=TAV8IDewNpQ&ab_channel=JairBolsonaro . Acesso em: 14 out. 2021.
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).20 20 Fala citada a partir de 14 minutos e 21 segundos até 16 minutos do pronunciamento.

O uso de palavras e expressões consideradas pejorativas, como “auxílio” e “Modess”, é mais uma característica do backlash. “Auxílio”, quando originado do poder público, sofre constantes críticas conservadoras, feitas às políticas sociais adotadas pelo Estado, como ocorre com “Bolsa Família”,21 21 Durante o Governo Bolsonaro o Bolsa Família passou a ser chamado “Auxílio Brasil”. um programa social brasileiro, desenvolvido nos anos 2000, com recorte de classe, portanto, para ascensão socioeconômica de pessoas vulneráveis, para o alívio das necessidades materiais imediatas, uma vez que a pobreza não reflete a privação apenas do acesso à renda monetária, mas de um conjunto de serviços, como saúde, educação e assistência social (Campello; Neri, 2014CAMPELLO, Tereza; NERI, Marcelo Côrtes (orgs.). Programa Bolsa Família: uma década de inclusão e cidadania. Brasília: Ipea, 2014.). Isso também ocorreu com o auxílio emergencial no período pandêmico, na gestão Bolsonaro, o qual foi problematizado e alvo de vetos, embora o Plano Emergencial, após inflamação social e legislativa, tenha sido aprovado. Já a palavra “Modess” remete à primeira linha de absorventes criados para o período menstrual, no ano de 1930, a qual também sofreu com críticas sociais e pelo fato de os absorventes não serem anatômicos, representando um recorte de gênero.22 22 Um dos exemplos é o “cinto Modess”, criado em 1940. O debate acerca do tema é pouco divulgado, uma vez que, até então, o estigma da vergonha e o de “não ser um tema necessário” ainda ronda os dados acadêmicos sobre a necessidade do absorvente higiênico. Além disso, o produto era, à época, ainda mais inacessível, adquirido apenas por uma parte da sociedade.

A visão estereotipada, por sua vez, é fruto da socialização, ou seja, ao longo da história, foram reservados espaços específicos para mulheres e homens, construídos de forma heterocentrada, colonial e focada nas masculinidades (Matos, 2008MATOS, Marlise. Teorias de gênero ou teorias e gênero? Se e como os estudos de gênero e feministas se transformaram em um campo novo para as ciências. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 16, n. 2, p. 333-357, maio/ago. 2008.; Matos; Paradis, 2014MATOS, Marlise; PARADIS, Clarisse Goulart. Desafios à despatriarcalização do Estado brasileiro. Cadernos Pagu, Campinas, n. 43, jul.-dez., 2014.). Desse modo, as demandas das mulheres cis tornam-se algo relegado à esfera privada e, portanto, desnecessário de ser tratado em âmbito público por meio de uma ação de incentivo, o que reforça uma estrutura institucional de exclusão.

Além disso, ainda que o ex-presidente não mencione, a distribuição gratuita de absorventes também beneficia os homens trans e as pessoas não binárias, caso tenham o ciclo menstrual ativo. O discurso de Bolsonaro desconhece tais conceituações, razão pela qual confirmamos a hipótese de um backlash com o enfoque de retirar a ação orçamentária das políticas sociais de gênero.

Nesse sentido, o ex-presidente termina por traçar um caminho que o Legislativo deve seguir para que ele seja “obrigado a promulgar”; “por causa da derrubada do veto” (Jair Bolsonaro, 2021JAIR BOLSONARO. Live de quinta-feira - 14/10/2021. YouTube, 14 out. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=TAV8IDewNpQ&ab_channel=JairBolsonaro . Acesso em: 14 out. 2021.
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), criando uma crença popular de que a culpa dos gastos que o Estado está suportando não é dele, mas dos outros Poderes, no caso, do Legislativo.

Com isso, conclui-se que, durante a live transmitida em seu canal oficial, há um fenômeno correlacionado ao backlash, no sentido de que o ex-presidente cria uma relação pública com os espectadores de reação ao projeto aprovado, incutindo uma crença pessoal de que o item não merece entrar como atributo essencial ao direito à saúde, sobretudo à saúde menstrual, e, ainda, de que seria demasiado custoso ao Estado, e atribui argumentos jurídicos para que haja a propagação destes entre aqueles que o seguem, como é o caso de “crime de responsabilidade”, “é inconstitucional”, “vou tirar dinheiro da saúde” (Jair Bolsonaro, 2021JAIR BOLSONARO. Live de quinta-feira - 14/10/2021. YouTube, 14 out. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=TAV8IDewNpQ&ab_channel=JairBolsonaro . Acesso em: 14 out. 2021.
https://www.youtube.com/watch?v=TAV8IDew...
).

Embora esta pesquisa se delimite à live do ex-presidente em seu canal oficial, é interessante mencionar que, mesmo após o dia 14 de outubro de 2021, o ex-chefe do Executivo continuou a externar sua insatisfação com o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual, como foi o caso da entrevista ao vivo concedida na saída do Palácio da Alvorada. Nesta, Jair Bolsonaro disse: “Bacana, né? A mulher começou a menstruar no meu governo. No governo do PT não menstruava, no PSDB não menstruava também” (O Antagonista, 2021O ANTAGONISTA. Bolsonaro: “A mulher só começou a menstruar no meu governo”. YouTube, 25 nov. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=mVNXZHnXWYY&ab_channel=OAntagonista . Acesso em: 25 nov. 2021.
https://www.youtube.com/watch?v=mVNXZHnX...
).23 23 Fala citada a partir de 33 segundos até 1 minuto e 5 segundos do pronunciamento.

Esse posicionamento configura mais uma característica do backlash e é uma incitação reacionária e conservadora, porque faz parecer que as mulheres cis passaram a requisitar, propositalmente, direitos em seu governo, aparentando ser uma questão pessoal e específica à sua gestão, o que gera insegurança e infla crenças em seus apoiadores, que reagem junto ao ex-presidente e culpabilizam a criação da política pública como atentatória ao país. Dessa forma, percebe-se que esse discurso é muito produtivo quando desencadeado a partir de uma estrutura de poder, pois institucionaliza a reação.

Posteriormente, em nova polêmica que também se faz relevante a esta análise discursiva, o ex-presidente adotou um novo item como essencial à saúde do país, que seria custeado pelo governo e distribuído gratuitamente. O objeto-alvo de inclusão era o fármaco masculino popularmente conhecido como Viagra.

O ponto que chama atenção da presente pesquisa é que o absorvente tinha despesa prevista, além de ser considerado um item essencial em decorrência do status de pobreza menstrual que o país experimenta, ou seja, é um problema público e emergencial, por envolver os recortes socioeconômicos. Torna-se contraditório, assim, o discurso de Bolsonaro, confirmando a hipótese do backlash e a escolha daqueles que podem ter acesso a direitos: “Compramos 50 mil comprimidos. Com todo respeito... Isso não é nada! Né?” (Bolsonaro [...], 2022BOLSONARO minimiza compra de Viagra por Forças Armadas: “não é nada”. UOL, 13 abr. 2022. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=PdE-Ukzc-pY . Acesso em: 15 mar. 2024.
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).24 24 Fala citada a partir de 1 minuto e 24 segundos a 1 minuto e 40 segundos da reportagem.

Nesse sentido, o ex-presidente discursou, reativamente, aos direitos de as pessoas com ciclo menstrual ativo receberem gratuitamente o absorvente, gerou falas estereotipadas, pejorativas, com inversão de valores, e propagou crenças de como esse programa poderia arruinar o orçamento brasileiro. O contraponto é ainda mais evidente quando, para Jair Bolsonaro (Bolsonaro [...], 2022BOLSONARO minimiza compra de Viagra por Forças Armadas: “não é nada”. UOL, 13 abr. 2022. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=PdE-Ukzc-pY . Acesso em: 15 mar. 2024.
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), “não é nada” acrescentar uma nova medicação como essencial e sem comprovação da destinação e necessidade pelo público-alvo, mas, quando se trata de absorvente, é “Auxílio Moodes” e “começaram a menstruar no meu governo” (Jair Bolsonaro, 2021JAIR BOLSONARO. Live de quinta-feira - 14/10/2021. YouTube, 14 out. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=TAV8IDewNpQ&ab_channel=JairBolsonaro . Acesso em: 14 out. 2021.
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), de maneira que institucionalizou o backlash ao reagir, não só contra o Legislativo, mas reforçar essa percepção aos seus ouvintes.

3.1. Existe veto presidencial antifeminista?

O instituto do veto é uma atribuição legítima do Poder Executivo e está intimamente ligado à sua função de frear ou estabelecer um contrapeso às atividades legislativas; desse modo, trata-se de um mecanismo de interferência que tem como função demonstrar a vontade do ex-presidente no processo de construção normativa. Cabe destacar que o veto presidencial pode ser fundamentado em razões de inconstitucionalidade ou de interesse público, o tido veto político (Brasil, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 1988. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm . Acesso em: 20 out. 2021.
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), sendo um ato formal e que deve retornar ao Legislativo para posterior deliberação. Sobre os limites legais e a legitimidade de existir um veto por meio do Poder Executivo, não há contestação. O problema é que a subjetividade do veto político não tem um parâmetro, e são multideterminados os critérios objetivos para considerar ou não a existência de um backlash institucionalizado no veto político de Jair Bolsonaro. Com isso, notamos três fatores, entre as várias facetas da gerência do ciclo menstrual, que são fundamentais e necessitam de políticas públicas.

O primeiro fator é a saúde menstrual com natureza jurídica decorrente do direito à saúde, bem como a necessidade de instrução social sobre um período biológico, tendo em vista que a desinformação tem impacto negativo na dignidade menstrual (Bussinguer; Salvador, 2022BUSSINGUER, Elda Coelho Azevedo; SALVADOR, Raíssa Lima e. O impacto da pobreza menstrual e da desinformação na dignidade da pessoa humana e no direito à saúde das mulheres no Brasil. Revista de Gênero, Sexualidade e Direito, [s.l.], v. 8, n. 1, p. 49-64, jan./jul. 2022.). O segundo é o alto valor dos absorventes, em razão da tributação direcionada a produtos tidos como “femininos” (Neris, 2020NERIS, Brenda Borba dos Santos. Políticas fiscais e desigualdade de gênero: análise da tributação incidente nos absorventes femininos. Revista de Filosofia do Direito do Estado e da Sociedade - FIDES, Natal, v. 11, n. 2, p. 743-759, ago./dez. 2020. ), e o terceiro, a forma como essa demanda foi socializada, com marcadores sociais fomentados pelo poder hegemônico, como um empecilho à ascensão do grupo das pessoas com ciclo menstrual ativo, o que pode ser percebido no discurso pejorativo ressaltado pelo ex-presidente ao mencionar o “Auxílio Modess”.

Ainda, o tema gerou atuação entre os entes federados, como foi o caso das legislações estaduais que efetivavam o direito à distribuição gratuita de absorventes nas redes de ensino, considerando que o motivo de não existir uma boa administração do ciclo menstrual é causa direta para a pobreza menstrual. Os estados que aplicaram a medida foram: Amazonas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Paraná, Paraíba, Piauí, Roraima e Rio Grande do Norte (Fiuza, 2021FIUZA, Renan. Onze estados e DF aprovam distribuição gratuita de absorventes. CNN Brasil, São Paulo, 14 out. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/onze-estados-e-df-aprovam-distribuicao-gratuita-de-absorventes/ . Acesso em: 27 jun. 2022.
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).

Com isso, é possível compreender que a política pública para dignidade menstrual não foi um evento isolado do Legislativo federal. Na verdade, foi uma ação política que envolveu a legitimação do parlamento dos estados e municípios com aval do Poder Executivo local. Por isso, considerando todas as forças que contribuíram para a criação do programa, não se mostra plausível o veto presidencial à política pública em comento.

Afirmamos que o veto seria um ato reacionário por ser autocentrado, refratário a todo o progresso político (Bittencourt, 2017BITTENCOURT, Renato Nunes. A onda reacionária e sua chancela ideológica na crise democrática. Revista Espaço Acadêmico, [s.l.], v. 16, n. 188, p. 74-86, jan. 2017.), considerando a premissa de que o backlash a grupos vulneráveis é justamente isto: a cada pequeno avanço, um grande retrocesso. Então, o veto aqui flerta com o populismo; o que pode ser prioridade para a agenda política do ex-presidente nem sempre será o mais indicado para a ascensão social das pessoas com ciclo menstrual ativo.

Instala-se, dessa maneira, o limbo jurídico, que ocorre quando posições individuais podem ser ações populistas. Daí o motivo pelo qual uma ação reacionária, que inflame parcela da sociedade, possa ser um jogo político pessoal, legitimado por meio da negação às políticas públicas de determinado setor. Reconhece-se que os populistas irão se opor ao que, em sua visão, não produza respostas políticas esperadas, em uma suposição ao que seria, por constatação própria, correto (Arditi, 2005ARDITI, Benjamin. Populism as an Internal Periphery of Democratic Politics. In: PANIZZA, Francisco (ed.). Populism and the Mirror of Democracy. Londres: Verso Books, 2005. p. 72-98.; Mouffe, 2005MOUFFE, Chantal. The “End of Politics” and the Challenge of Right-wing Populism. In: PANIZZA, Francisco (ed.). Populism and the Mirror of Democracy. Londres: Verso Books, 2005. p. 50-71.; Panizza, 2005PANIZZA, Francisco. Introduction. In: PANIZZA, Francisco (ed.). Populism and the Mirror of Democracy. Londres: Verso Books, 2005. p. 1-31.; Müller, 2017MÜLLER, Jan-Werner. What is Populism? Filadélfia: University of Pennsylvania Press, 2017.; Salgado, 2018SALGADO, Eneide Desiree. Populismo judicial, moralismo e o desprezo à Constituição: a democracia entre velhos e novos inimigos. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, v. 117, 2018. Disponível em: Disponível em: https://pos.direito.ufmg.br/rbep/index.php/rbep/article/view/594 . Acesso em: 15 abr. 2024.
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).

O Projeto de Lei n. 4.968/2019ARRAES, Marília. Projeto de Lei n. 4.968, de 2019. Disponível em: Disponível em: https://www.congressonacional.leg.br/materias/materias-bicamerais/-/ver/pl-4968-2019 . Acesso em: 20 mar. 2024.
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foi aprovado no Senado em agosto de 2021, e, ao ser apreciado pelo Executivo, dos oito dispositivos, apenas os arts. 2o e o 4o não foram vetados, criando o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual, mas limitando-o a uma “campanha informativa” (Brasil, 2019), insuficiente para combater a indignidade menstrual, já que há a necessidade de ações efetivas, como a distribuição de absorventes.

Para Capraro (2016CAPRARO, Chiara. Direitos das mulheres e justiça fiscal: por que a política tributária deve ser tema da luta feminista. SUR - Revista Internacional de Direitos Humanos, [s.l.], v. 13, n. 24, p. 17-26, 2016.) e Dias Neto e Feriato (2018DIAS NETO, Orlando Fernandes; FERIATO, Juliana Marteli Fais. A tributação como instrumento para a promoção da igualdade de gênero no mercado de trabalho. Revista Direitos Sociais e Políticas Públicas, [s.l.], v. 6, n. 2, p. 420-444, 2018.), destinar parcela orçamentária para ações de incentivo faz parte do combate à inefetividade dos direitos humanos. Para tanto, é indispensável o financiamento estatal, sendo a sua ausência um contributivo para o estímulo à perpetuação da desigualdade de gênero. Além disso, a carga tributária dos produtos considerados “femininos”, como é o caso dos absorventes e dos sabonetes íntimos para mulheres, é desproporcional, explicada por uma seletividade e uma estrutura forjadas na hegemonia. A “carga tributária” é justificada conforme a finalidade da mercadoria. A piora do quadro se dá em razão da obrigatoriedade, mensal, do uso de absorventes por pessoas com o ciclo menstrual ativo, uma vez que é algo inerente, biológico e, portanto, deve ter a administração correta para evitar prejuízos à saúde.

Por isso, embora seja uma concessão constitucional legítima para o ex-presidente, é preciso observar que, ao usar da contrariedade ao interesse público, é possível que o Executivo se fixe mais em uma ação populista revestida pelo manto da subjetividade do que em critérios técnicos, puros, podendo ser um veto reacionário e uma forma de resposta a determinada classe.

Isso porque, se, de um lado, havia pessoas interessadas no progresso, em reformas estruturais, em crescimento e em desenvolvimento social, do outro lado havia o poder hegemônico, que queria e quer ser sustentado, e, para isso, viu nas forças políticas uma maneira de ameaçar e fazer predominar seus ideários contra os grupos vulneráveis em ascensão, entre eles, os grupos feministas,25 25 O feminismo hoje tem diversas epistemologias e vertentes. Ao considerar as múltiplas discriminações, adotamos Matos (2008) como referencial. Todavia, também há o transfeminismo e, em outro norte, a possibilidade de incluir as demandas de saúde dos homens trans e das pessoas não binárias no movimento LGBTQIAP+. que buscam por igualdade de gênero e incluem pessoas vulnerabilizadas em situação de múltiplas discriminações. O veto do ex-presidente pode ser entendido, assim, como um fenômeno “antifeminista” (Soihet, 2013SOIHET, Rachel. Feminismos e antifeminismos: mulheres e suas lutas pela conquista da cidadania plena. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2013.).

Entre conquistas e retrocessos, percebe-se que o discurso presidencial foi uma contraproposta à dignidade menstrual e revelou-se em uma reação com características que limitam, contradizem e deslegitimam a concessão de direitos (Perrot, 1998PERROT, Michelle. Mulheres públicas. São Paulo: Editora da Unesp, 1998.). Nesse sentido, em contraposição ao veto reacionário, a Bancada Feminina da Câmara dos Deputados,26 26 As redes sociais administradas por mulheres mostraram-se constantemente contrárias ao veto presidencial. Todavia, esta pesquisa se limita ao teor do discurso publicizado pelo ex-chefe do Executivo. ao reagir, reforçou que não existiria contrariedade ao interesse público por ser um programa de impacto orçamentário mínimo. Derrubar o veto foi uma reparação a uma violência do governo contra as mulheres (Agência Senado, 2022AGÊNCIA SENADO. Derrubado o veto à distribuição de absorventes para mulheres de baixa renda. Senado Notícias, 10 mar. 2022. Disponível em: Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/noticias/materias/2022/03/10/derrubado-o-veto-a-distribuicao-de-absorventes-para-mulheres-de-baixa-renda . Acesso em: 27 jun. 2022.
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).

Ao incitar crenças populares e insegurança, deslegitimar os direitos das pessoas com ciclo menstrual ativo e reconhecer a independência e a autonomia menstrual como um viés negativo, a cúpula do Poder Executivo valida - e contribui para - um veto antifeminista.

Conclusão

A pobreza menstrual não é um tema novo, mas ganhou notoriedade nos últimos anos no país, ao passo que alguns estados brasileiros tiveram suas próprias atividades legislativas no tocante à distribuição de absorventes e à conscientização sobre o período menstrual. Ainda, é recorrente que as pessoas com o ciclo menstrual ativo não tenham compreensão sobre esse evento biológico, sendo o quadro agravado se a pessoa menstruante é de baixa renda, pois tem de escolher entre comprar alimentos ou um item higiênico. O absorvente, nesse contexto, torna-se um artigo de luxo.

Pensando em unificar a demanda do absorvente como insumo essencial na vida das pessoas com ciclo menstrual ativo, o Projeto de Lei n. 4.968/2019ARRAES, Marília. Projeto de Lei n. 4.968, de 2019. Disponível em: Disponível em: https://www.congressonacional.leg.br/materias/materias-bicamerais/-/ver/pl-4968-2019 . Acesso em: 20 mar. 2024.
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(Brasil, 2019) chegou ao Congresso Nacional, passou por sessão plenária e foi aprovado sem objeções. A única repercussão negativa que o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual teve foi o veto parcial do ex-presidente da República. Constatou-se que a gestão do Executivo da época (2019-2022), por meio dos seus atos públicos, mostrou quais são os grupos que seriam beneficiados com direitos e políticas públicas e, entre eles, não estariam as pessoas que menstruam.

Em um segundo momento, ao analisar o discurso, percebeu-se que o ex-presidente separou seis minutos de sua live oficial para justificar a não adesão ao projeto. Entre os motivos, há uma reclamação orçamentária que interfere na fonte de custeio e na distribuição financeira do país, o que se contrapõe ao que foi apresentado no projeto. Conclui-se, assim, que essa fala pretendia causar pânico na ala conservadora em relação ao dinheiro público e indicar não ser esse um direito que mereça participação estatal.

Em seguida, Jair Bolsonaro discursa pela “derrubada do veto do Auxílio Modess” (Jair Bolsonaro, 2021JAIR BOLSONARO. Live de quinta-feira - 14/10/2021. YouTube, 14 out. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=TAV8IDewNpQ&ab_channel=JairBolsonaro . Acesso em: 14 out. 2021.
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) em tom estereotipado, pejorativo (“as mulheres passaram a menstruar no meu governo”), não apenas reagindo ao Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual, mas institucionalizando o backlash, já que são falas que passam ao vivo e ficam gravadas em seu canal, alcançando um público grande (de, pelo menos, 3,96 mil pessoas) e diverso. A conclusão pela institucionalização do backlash se deu ao percebermos que, mesmo após mais de um mês do veto, este ainda era o assunto presidencial em 25 de novembro de 2021, que inflama o Executivo e repercute naqueles que o apoiam.

Apesar disso, a Bancada Feminina reagiu, os parlamentares derrubaram o veto e afirmaram que foi uma derrubada à violência de gênero, mas a crítica que fica é que o setor conservador parlamentar e social já internalizou o discurso, o que pode repercutir no desmerecimento de novas políticas públicas que tenham a mesma perspectiva: a inclusão de grupos vulnerabilizados, como é o caso das mulheres cis, dos homens trans e das pessoas não binárias com ciclo menstrual ativo, em razão de haver um marcador social na concessão dos seus direitos.

Nesse sentido, para considerar o veto antifeminista, partiu-se dos critérios objetivos quanto à saúde menstrual e à alta tributação dos absorventes, que os torna inacessíveis a boa parte da população. Ainda, considera-se antifeminista a forma como o recorte de gênero foi socializado a partir do poder hegemônico, branco, cisnormativo. Os homens trans e as pessoas não binárias são automaticamente excluídos do discurso de Jair Bolsonaro, do mercado e da saúde pública.

Portanto, apesar de o veto ser subjetivo, a estruturação do seu discurso não é. Ela é clara e evidente, considerada neste artigo pejorativa e estereotipada, contra os grupos vulnerabilizados, fazendo-os serem excluídos das políticas públicas estatais, com desatenção ao direito à saúde e à qualidade de vida.

O ex-presidente não discursou da mesma forma perante a aprovação e a distribuição, como item essencial, do remédio masculino comprado pelo Executivo (“não é nada”, foi sua resposta [ Jair Bolsonaro, 2021JAIR BOLSONARO. Live de quinta-feira - 14/10/2021. YouTube, 14 out. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=TAV8IDewNpQ&ab_channel=JairBolsonaro . Acesso em: 14 out. 2021.
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]). Isso destaca, mais uma vez, que suas falas anteriores relacionadas ao Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual foram uma reação conservadora e discriminante, que contribui para a criação de mitos e para a inversão de valores. Por fim, o ato de vetar de Jair Bolsonaro também foi um posicionamento político. Ele usou do manto da subjetividade do instituto para ter, na verdade, uma ação populista.

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    » https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/59/233/ril_v59_n233_p11
  • 1
    As autoras agradecem à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) pelo apoio financeiro à pesquisa.
  • 2
    Tratar de pessoas menstruantes é incluir, além de mulheres e meninas cisgênero, pessoas não binárias e os homens trans. Por ser o gênero uma categoria científica útil de análise, é possível usar termos inclusivos e não excludentes.
  • 3
    As redes sociais administradas por mulheres constantemente mostravam-se contrárias ao veto presidencial. No entanto, esta pesquisa se limita ao teor do discurso publicizado pelo ex-chefe do Executivo.
  • 4
    Os conceitos de “onda” e “maré” com fins políticos foram criados por Fabricio Pereira Silva (2014SILVA, Fabricio Pereira. Quinze anos da onda rosa latino-americana: balanço e perspectivas. Observador On-line, [s.l.], v. 9, n. 12, 2014.).
  • 5
    A presente pesquisa tem a compreensão de que essas são expressões ainda em disputa, inclusive dentro dos movimentos feministas, suas epistemologias e vertentes. Dessa maneira, buscamos adotar o conceito mais amplo para descrever todas as possíveis pessoas com ciclo menstrual ativo, ou seja, pessoas que menstruam. Ressaltamos que este artigo não tem como objetivo apresentar as divergências quanto às vertentes feministas utilizadas nesse debate, o qual é corrente, e as diversas discordâncias entre suas autoras, sendo outra a reflexão aqui proposta.
  • 6
    Para saber mais: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/decreto/d11432.htmBRASIL. Decreto n. 11.432, de 8 de março de 2023. Regulamenta a Lei n. 14.214, de 6 de outubro de 2021, que institui o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual. Brasília: Presidência da República, 2023. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/decreto/d11432.htm . Acesso em: 27 mar. 2024.
    https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_a...
    . Acesso em: 26 ago. 2021.
  • 7
    No Palácio da Alvorada, o ex-presidente concedia entrevistas; em algumas delas, aprofundava temas que foram tratados nas lives do seu perfil oficial no YouTube. Essa, especificamente, ocorreu e foi divulgada pelo O Antagonista (2021O ANTAGONISTA. Bolsonaro: “A mulher só começou a menstruar no meu governo”. YouTube, 25 nov. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=mVNXZHnXWYY&ab_channel=OAntagonista . Acesso em: 25 nov. 2021.
    https://www.youtube.com/watch?v=mVNXZHnX...
    ).
  • 8
    A pesquisa não despreza que em março de 2022 o veto foi derrubado pelo Congresso Nacional (Agência Senado, 2022AGÊNCIA SENADO. Derrubado o veto à distribuição de absorventes para mulheres de baixa renda. Senado Notícias, 10 mar. 2022. Disponível em: Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/noticias/materias/2022/03/10/derrubado-o-veto-a-distribuicao-de-absorventes-para-mulheres-de-baixa-renda . Acesso em: 27 jun. 2022.
    https://www12.senado.leg.br/noticias/not...
    ).
  • 9
    Para Souza (2009SOUZA, Chiara Musso Ribeiro de Oliveira. Infecção vaginal, determinantes, microbiota, inflamação e sintomas: estudo descritivo com autocoleta diária ao longo do ciclo menstrual. 2009. 264 f. Dissertação (Mestrado em Doenças Infecciosas) - Programa de Pós-Graduação do Núcleo de Doenças Infecciosas do Departamento de Medicina do Centro de Ciências da Saúde da Universidade do Espírito Santo, Vitória, 2009.), com base no referencial teórico adotado para o estudo do ciclo menstrual e das infecções vaginais, recomenda-se que a higiene genital feminina adequada seja realizada com água e sabão neutro.
  • 10
    Análise oriunda das mulheres encarceradas. Ver Queiroz (2015QUEIROZ, Nana. Presos que menstruam. Rio de Janeiro: Record, 2015.).
  • 11
    Embora a ONU desde 2014 reconheça a dignidade menstrual como direito humano (Unicef; UNFPA, 2021FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA - UNICEF; FUNDO DE POPULAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS - UNFPA. Pobreza menstrual no Brasil: desigualdades e violações de direitos. [On-line], maio 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/media/14456/file/dignidademenstrual_relatorio-unicef-unfpa_maio2021.pdf . Acesso em: 27 jun. 2022.
    https://www.unicef.org/brazil/media/1445...
    ), no Brasil pode-se dizer que, a partir de uma leitura integrativa do texto constitucional, a fundamentalidade desse direito está implícita.
  • 12
    São exemplos a Carta das Nações Unidas (1945), a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (1979), a Declaração de Viena (1993), a Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher (1993), a Convenção de Belém do Pará (1995), a Declaração de Beijing (1995) e o Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Cedaw). Esse último documento passou a vigorar no país somente em 2002.
  • 13
    No século XX, a palavra “backlash” protagonizou a resistência de grupos que requisitavam direitos fundamentais, como é o caso das pessoas negras e o “White Backlash” e dos feminismos.
  • 14
    A expressão “em situação de vulnerabilidade” refere-se a um grupo de pessoas que enfrentam dificuldades específicas devido a características pessoais, sociais, econômicas ou a outras circunstâncias. Essas dificuldades são como barreiras, as quais trazem um acesso limitado a recursos, oportunidades e proteções, inclusive à atuação estatal em prol da emancipação social desses grupos.
  • 15
    Adotou-se essa literatura com base na corrente epistemológica pertinente à análise do discurso do ex-presidente.
  • 16
    Fala citada a partir de 11 minutos e 40 segundos até 16 minutos do pronunciamento.
  • 17
    A principal justificativa do governo para o veto aos trechos agora restituídos foi de que a oferta gratuita de absorventes higiênicos femininos “não se compatibiliza com a autonomia das redes e estabelecimentos de ensino”. Também foi citada a não indicação da fonte de custeio ou de medida compensatória, o que violaria a Lei de Responsabilidade Fiscal. O governo alegou, ainda, que a medida, “ao estipular as beneficiárias específicas, não se adequaria no princípio da universalidade, da integralidade e da equidade no acesso à saúde do SUS” (Agência Senado, 2022AGÊNCIA SENADO. Derrubado o veto à distribuição de absorventes para mulheres de baixa renda. Senado Notícias, 10 mar. 2022. Disponível em: Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/noticias/materias/2022/03/10/derrubado-o-veto-a-distribuicao-de-absorventes-para-mulheres-de-baixa-renda . Acesso em: 27 jun. 2022.
    https://www12.senado.leg.br/noticias/not...
    ).
  • 18
    Fala citada a partir de 11 minutos e 40 segundos do pronunciamento.
  • 19
    Fala citada a partir de 13 minutos e 33 segundos até 14 minutos e 20 segundos do pronunciamento.
  • 20
    Fala citada a partir de 14 minutos e 21 segundos até 16 minutos do pronunciamento.
  • 21
    Durante o Governo Bolsonaro o Bolsa Família passou a ser chamado “Auxílio Brasil”.
  • 22
    Um dos exemplos é o “cinto Modess”, criado em 1940BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União: Rio de Janeiro, 31 dez. 1940.. O debate acerca do tema é pouco divulgado, uma vez que, até então, o estigma da vergonha e o de “não ser um tema necessário” ainda ronda os dados acadêmicos sobre a necessidade do absorvente higiênico.
  • 23
    Fala citada a partir de 33 segundos até 1 minuto e 5 segundos do pronunciamento.
  • 24
    Fala citada a partir de 1 minuto e 24 segundos a 1 minuto e 40 segundos da reportagem.
  • 25
    O feminismo hoje tem diversas epistemologias e vertentes. Ao considerar as múltiplas discriminações, adotamos Matos (2008) como referencial. Todavia, também há o transfeminismo e, em outro norte, a possibilidade de incluir as demandas de saúde dos homens trans e das pessoas não binárias no movimento LGBTQIAP+.
  • 26
    As redes sociais administradas por mulheres mostraram-se constantemente contrárias ao veto presidencial. Todavia, esta pesquisa se limita ao teor do discurso publicizado pelo ex-chefe do Executivo.
  • Como citar este artigo

    BRITO, Lorenna Medeiros Toscano de; SIQUEIRA, Mariana de. O backlash antidignidade menstrual no Executivo brasileiro: quando falta dinheiro para comida, absorvente é artigo de luxo. Revista Direito GV, São Paulo, v. 20, e2411, 2024. https://doi.org/10.1590/2317-6172202411

Editora responsável

Catarina Helena Cortada Barbieri (Editora-chefe)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    04 Ago 2022
  • Aceito
    01 Set 2023
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