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ABORDAGENS DE(S)COLONIAIS NA GESTÃO E NAS ORGANIZAÇÕES

DE(S)COLONIAL APPROACHES IN MANAGEMENT AND ORGANIZATIONS

ENFOQUES DE(S)COLONIALES EN GESTIÓN Y ORGANIZACIONES

RESUMO

Os objetivos do artigo são distinguir e aproximar duas abordagens de(s)coloniais recentes, que têm contribuído para discussões e práticas de gestão e organizações, nomeadamente as abordagens Decoloniais Latino-Americanas e as Epistemologias do Sul; e analisar artigos científicos sobre gestão e organizações que têm utilizado essas abordagens nos últimos dez anos, com o intuito de destacar como as aproximações entre elas tem contribuído para o campo da gestão e organizações, utilizando uma revisão sistemática da literatura (RSL). Cinco temas se destacaram nos artigos analisados: gestão ambiental; ensino de gestão; gestão em organizações não empresariais; pesquisa relativa à gestão e às organizações; e gestão internacional. Para cada tema, foram destacados conteúdos referentes aos conceitos de transmodernidade pluriversal, ecologia dos saberes e sociologia das ausências e das emergências. A partir dessa análise, foi possível observar contribuições importantes, como a busca por compreensões sobre naturezas alternativas às ocidentais; questionamento de pressupostos modernos, como a noção de sustentabilidade; possibilidades de diálogo entre variados conhecimentos; ênfase em diferentes modelos organizacionais e de gestão; construção de vínculos de solidariedade entre países; e promoção de ensino e pesquisa conectados às histórias e aos conhecimentos locais.

Palavras-chave:
Abordagens Decoloniais Latino-Americanas; Epistemologias do Sul; Gestão; Organizações; Revisão Sistemática de Literatura

The objectives of the article are: to distinguish and bring together two recent de(s)colonial approaches, which have contributed to discussions and practices of management and organizations, namely the Decolonial Latin American approaches and the Epistemologies of he South; and analyze scientific articles on management and organizations that have used these approaches in the last ten years, using a Systematic Literature Review (SLR), with the aim of highlighting how the similarities between them have contributed to the field of management and organizations. Five themes stand out in the analyzed articles: environmental management, management teaching, management in non-business organizations, research on management and organizations, and international management. For each theme, contents related to the concepts of pluriversal transmodernity, ecology of knowledge, sociology of absences and emergencies were covered. From this analysis, it was possible to observe important contributions, such as the search for understandings of nature that are alternative to Western ones; questioning modern assumptions, such as the notion of sustainability; possibilities for dialogue between different knowledge; emphasis on different organizational and management models; building solidarity links between countries; as well as promotion of teaching and researching connected to both local histories and knowledge.

Keywords:
Latin American Decolonial Approaches; Epistemologies of South; Management; Organizations; Systematic Literature Review


Los objetivos del artículo son: distinguir y acercar dos enfoques de(s)coloniales recientes, que han contribuido a las discusiones y prácticas de gestión y organizaciones, a saber, los enfoques Descoloniales Latinoamericanos y las Epistemologías del Sur; y analizar artículos científicos sobre gestión y organizaciones que han utilizado estos enfoques en los últimos diez años, utilizando una Revisión Sistemática de Literatura (RSL), con el objetivo de resaltar cómo las similitudes entre ellos han contribuido al campo de la gestión y las organizaciones. Cinco temas se destacan en los artículos analizados: gestión ambiental, enseñanza de la gestión, gestión en organizaciones no empresariales, investigaciones sobre gestión y organizaciones y gestión internacional. Para cada tema se abordaron contenidos relacionados con los conceptos de transmodernidad pluriversal, ecología del conocimiento, sociología de las ausencias y emergencias. A partir de este análisis fue posible observar importantes aportes, como la búsqueda de comprensiones de la naturaleza alternativas a las occidentales; cuestionar supuestos modernos, como la noción de sostenibilidad; posibilidades de diálogo entre diferentes saberes; énfasis en diferentes modelos organizativos y de gestión; construir vínculos de solidaridad entre países; así como promover la enseñanza y la investigación conectadas con las historias y conocimientos locales.

Palabras clave:
Enfoques Decoloniales Latinoamericanos; Epistemologías del Sur; Gestión; Organizaciones; Revisión Sistemática de la Literatura


INTRODUÇÃO

O campo da gestão, com enfoque gerencialista, surge com a consolidação da lógica de mercado e das estruturas burocráticas, com o intuito de aumentar a produtividade nas organizações e gerar lucro, podendo ser caracterizado como fruto do processo de modernização da sociedade (Motta; Vasconcelos, 2004MOTTA, F. C. P.; VASCONCELOS, I. F. G. Teoria geral da administração. São Paulo: Pioneira, Pioneira Thomson Learning, 2004.; Dussel; Ibarra-Colado, 2006DUSSEL, E.; IBARRA-COLADO, E. Globalization, Organization and the Ethics of Liberation. Organization, v. 13, n. 4, p. 489-508, jul. 2006. DOI: https://doi.org/10.1177/1350508406065852.
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). Apesar disso, teorias críticas têm sido aplicadas ao campo da gestão e organizações, permitindo a realização de estudos que priorizam temas como ideologia e dominação, controle e disciplina, exclusão social e cidadania, questões de gênero, sofrimento psíquico e físico, entre outros (Davel; Alcadipani, 2003DAVEL, E.; ALCADIPANI, R. Estudos Críticos em Administração: A produção científica brasileira nos anos 1990. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 43, n. 4, p. 72-85, dez. 2003. DOI: https://doi.org/10.1590/S0034-75902003000400006.
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). Tais críticas inspiram um pensar-fazer sobre gestão e organizações que considera os desafios sociais contemporâneos, resultados de processos históricos, sem partir de uma lógica gerencialista pretensamente “‘técnica’, ‘neutra’ e ‘apolítica’” (Bispo, 2022, p. 3BISPO, M. de S. Refletindo sobre administração contemporânea. Revista de Administração Contemporânea, Maringá, v. 26, n. 1, e210203, 2022. DOI: https://doi.org/10.1590/1982-7849rac2022210203.por.
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).

Destacam-se aqui os estudos críticos que têm apontado a necessidade de compreender as repercussões do colonialismo na produção de conhecimento e nas práticas de gestão e organizações (Prasad, 2003PRASAD, A. The gaze of the other: Postcolonial theory and organizational analysis. In: PRASAD, Anshuman. (ed.). Postcolonial Theory and Organizational Analysis: A Critical Engagement. New York: Palgrave Macmillan, p. 3-43, 2003.; Westwood; Jack, 2007WESTWOOD, R.. I.; JACK, G. Manifesto for a post-colonial international business and management studies: A provocation. Critical Perspectives on International Business, v. 3, n. 3, p. 246–265, aug. 2007. DOI: https://doi.org/10.1108/17422040710775021.
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; Dussel; Ibarra-Colado, 2006DUSSEL, E.; IBARRA-COLADO, E. Globalization, Organization and the Ethics of Liberation. Organization, v. 13, n. 4, p. 489-508, jul. 2006. DOI: https://doi.org/10.1177/1350508406065852.
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; Alcadipani et al., 2012ALCADIPANI, R.; KHAN, F. R.; GANTMAN, E.; NKOMO, S. Southern voices in management and organization knowledge. Organization, v. 19, n. 2, p. 131-143, feb. 2012. DOI: https://doi.org/10.1177/1350508411431910.
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; Rosa; Alcadipani, 2013ROSA, A. R.; ALCADIPANI, R. A terceira margem do rio dos estudos críticos sobre administração e organizações no Brasil: (re)pensando a crítica a partir do pós-colonialismo. Revista de Administração Mackenzie, São Paulo, v. 14, n. 6, p. 185-215, dez. 2013. DOI: https://doi.org/10.1590/S1678-69712013000600009.
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). Estes estudos têm denunciado, entre outras questões, que o campo da gestão tem se pautado numa lógica ocidental moderna, que enfatiza uma economia capitalista neoliberal e uma forma gerencialista de administrar, desconsiderando outros modos de fazer gestão, particularmente aqueles localizados no Sul Global.

Neste artigo, assume-se que o colonialismo é uma “estrutura conceptual geradora de políticas de violência” (Meneses, 2018, p. 116MENESES, M. P. Colonialismo como violência: a “missão civilizadora” de Portugal em Moçambique. Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, Número Especial, nov. 2018. DOI: https://doi.org/10.4000/rccs.7741.
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), que cria noções como bárbaro e arcaico para justificar a imposição da ordem e do progresso, característicos do projeto civilizador eurocêntrico, a territórios tidos como atrasados, negando o direito dos colonizados à história, à autodeterminação e, consequentemente, à humanidade (Meneses, 2014MENESES, M. P. Diálogos de saberes, debates de poderes: possibilidades metodológicas para ampliar diálogos no Sul global. Em Aberto, Brasília, v. 27, n. 91, p. 90-110, jan. 2014.). Desse modo, o colonialismo é um fenômeno complexo, com dimensões epistemológicas e ontológicas indissociáveis, que permitem o controle econômico e político sobre corpos racializados, generificados e sexualizados.

A continuidade do colonialismo no campo da gestão tem mostrado diversos problemas de grandes proporções, tais como relações de trabalho fragilizadas e desregulamentadas, que submetem trabalhadores/as a condições de exploração; desapropriações de terras e deslocamentos de populações para fins de acumulação; devastações ambientais que partem de compreensões equivocadas sobre os bens naturais serem infinitos; desastres ecológicos; especulações imobiliárias; colapso de mercados locais, entre outros (Quijano, 2003QUIJANO, A. Sistemas alternativos de produção? In: SANTOS, Boaventura de S. Produzir para viver: os caminhos da produção não capitalista. Porto: Edições Afrontamento, p. 407-436, 2003.; Santos, 2017SANTOS, B. de S. Justicia entre saberes: Epistemologías del Sur contra el epistemicidio. Madrid: Ediciones Morata, 2017.; Santos; Cunha, 2022SANTOS, B. de S.; CUNHA, T. Introdução. In: SANTOS, Boaventura de S.; CUNHA, Teresa. Economias de bem viver: contra o desperdício das experiências. Coimbra: Edições 70, 2022.).

Diante de tais problemas, as abordagens de(s)coloniais permitem compreender as continuidades do colonialismo na gestão, as crises decorrentes disso e as lutas contra-hegemônicas travadas pelo/no Sul Global. Um exemplo disso é o esforço empreendido em edição especial da revista Organization, publicada em 2021 (v. 28, n. 5), cujo propósito foi promover diferentes projetos de de(s)colonização empíricas e/ou epistêmicas na área de gestão e organizações em diferentes locais do mundo, como Indonésia, Nova Zelândia, países árabes e Brasil.

Compreende-se que as abordagens de(s)coloniais são heterogêneas, porém partem de algumas premissas comuns, como a exposição do caráter não universal da modernidade eurocêntrica e as repercussões do processo colonial na vida econômica, social, cultural e política (Santos, 2022SANTOS, B. de S. Descolonizar: Abrindo a história do presente. São Paulo: Boitempo, 2022.). Neste sentido, este artigo busca distinguir e aproximar duas abordagens de(s)coloniais recentes que têm contribuído para as discussões sobre gestão e organizações, nomeadamente, a Decolonial, desenvolvida a partir do contexto latino-americano desde os anos 1990 (Dussel, 2005DUSSEL, E. Europa, modernidad y eurocentrismo. In: LANDER, Edgardo. La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciências Sociales. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: Consejo latinoamericano de ciências Sociales - CLACSO. p. 41-53, 2005.; Quijano, 2003QUIJANO, A. Sistemas alternativos de produção? In: SANTOS, Boaventura de S. Produzir para viver: os caminhos da produção não capitalista. Porto: Edições Afrontamento, p. 407-436, 2003., 2014QUIJANO, A. Colonialidade de poder e classificação social. In: SANTOS, Boaventura de S.; MENESES, Maria Paula. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez Editora, p. 68-107, 2014.; Lander, 2005LANDER, E. Ciencias Sociales: saberes coloniales y eurocêntricos. In: LANDER, Edgardo. La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciências Sociales. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: Consejo latinoamericano de ciências Sociales - CLACSO, p. 11-40, 2005.; Maldonado-Torres 2007MALDONADO-TORRES, N. On the coloniality of being. Cultural Studies, v. 1, n. 2-3, p. 240-270, apr. 2007. DOI: https://doi.org/10.1080/09502380601162548.
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, 2014MALDONADO-TORRES, N. A topologia do ser e a geopolítica do conhecimento. Modernidade, império e colonialidade. In: SANTOS, Boaventura de S.; MENESES, Maria Paula. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez Editora, p. 327-367, 2014., 2021MALDONADO-TORRES, N. Introducción a diez tesis sobre colonialidad y decolonialidad. In: TAPIAS, J. A. P.; GROSFOGUEL, R.; FERNÁNDEZ, J. G. (coords.). Descolonizar las ciencias sociales y las humanidades: Perspectivas desde Andalucía y el sur de Europa. Granada: Editorial Universidad de Granada, p. 75-106, 2021.; Grosfoguel, 2014GROSFOGUEL, R. Para descolonizar os estudos de economia política e os estudos pós-coloniais: transmodernidade, pensamento de fronteira e colonialidade global. In: SANTOS, Boaventura de S.; MENESES, Maria Paula. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez Editora, p. 378-412, 2014., 2020GROSFOGUEL, R. El extractivismo epistémico: um diálogo com Alberto Acosta, Leanne Betasamosake Simpsom y Silvia Rivera Cusicanqui. In: SANTOS, Boaventura de S.; MENESES, Maria P. Conocimientos nacidos em las luchas: Construyendo las epistemologias del sur. México: Akal, p. 437-456, 2020.), e consolidada posteriormente como Grupo Modernidade/Colonialidade (Ballestrin, 2013BALLESTRIN, L. América Latina e o giro decolonial. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, n. 11, p. 89-117, mai. 2013. DOI: https://doi.org/10.1590/S0103-33522013000200004.
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); e as Epistemologias do Sul, desenvolvidas a partir dos anos 2000 (Meneses, 2014MENESES, M. P. Diálogos de saberes, debates de poderes: possibilidades metodológicas para ampliar diálogos no Sul global. Em Aberto, Brasília, v. 27, n. 91, p. 90-110, jan. 2014., 2016MENESES, M. P. Os sentidos da descolonização: uma análise a partir de Moçambique. OPSIS (Online), Catalão, v. 16, n. 1, p. 26-44, jan. 2016. DOI: https://doi.org/10.5216/o.v16i1.36904.
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, 2018MENESES, M. P. Colonialismo como violência: a “missão civilizadora” de Portugal em Moçambique. Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, Número Especial, nov. 2018. DOI: https://doi.org/10.4000/rccs.7741.
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; Santos, 2014SANTOS, B. de S. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: SANTOS, Boaventura de S.; MENESES, Maria Paula. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez Editora, p. 23-71, 2014., 2017SANTOS, B. de S. Justicia entre saberes: Epistemologías del Sur contra el epistemicidio. Madrid: Ediciones Morata, 2017., 2018SANTOS, B. de S. O fim do império cognitivo: a afirmação das epistemologias do Sul. Coimbra: Edições Almedina, 2018., 2022SANTOS, B. de S. Descolonizar: Abrindo a história do presente. São Paulo: Boitempo, 2022.; Santos; Meneses, 2020SANTOS, B. de S.; MENESES, M. P. Introducción, las Epistemologías del Sur: Dar voz a la diversidade del Sur. In: SANTOS, Boaventura de S.; MENESES, Maria P. Conocimientos nacidos em las luchas: Construyendo las epistemologias del sur. México: Akal, p. 9-47, 2020.; Santos; Cunha, 2022SANTOS, B. de S.; CUNHA, T. Introdução. In: SANTOS, Boaventura de S.; CUNHA, Teresa. Economias de bem viver: contra o desperdício das experiências. Coimbra: Edições 70, 2022.). Apesar de destacar essas duas abordagens, ressalta-se a importância dos estudos desenvolvidos por outros/as autores/as, como os/as caribenhos/as, que analisaram a crioulização; os/as africanos/as e indianos/as, que analisaram a crioulização no Oceano Índico; e os pós-coloniais, entre tantos/as outros/as (Santos, 2022SANTOS, B. de S. Descolonizar: Abrindo a história do presente. São Paulo: Boitempo, 2022.). Eles não serão contemplados neste texto por não constituírem o foco do artigo, mas são igualmente relevantes.

Ao destacar estas duas abordagens e enfatizar suas principais diferenças e aproximações, o presente artigo analisa, num primeiro momento, o estabelecimento de distinções teóricas que podem ser úteis em termos analíticos, uma vez que cada abordagem parte de diferentes “genealogias e possibilidades” (Jammulamadaka et al., 2021, p. 722JAMMULAMADAKA, N.; FARIA, A.; JACK, G.; RUGGUNAN, S. Decolonising management and organisational knowledge (MOK): Praxistical theorising for potential worlds. Organization, v. 28, n. 5, p. 717-740, sep. 2021. DOI: https://doi.org/10.1177/13505084211020463.
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). Isso se faz necessário devido ao fato dessa comparação não estar sendo explorada, sobretudo no campo da gestão e das organizações no Brasil.

Num segundo momento, são analisados artigos científicos sobre gestão e organizações que têm utilizado as abordagens de(s)coloniais mobilizadas nos últimos dez anos, utilizando uma revisão sistemática da literatura (RSL), com o intuito de destacar como as aproximações entre elas têm contribuído para o campo de estudos em questão. Louredo e Oliveira (2022)LOUREDO, F.; OLIVEIRA, T. C. Administração desnorteada? Uma revisão sistemática da literatura sobre a perspectiva decolonial e os estudos em organizações. Research Society and Development, São Paulo, v. 11, n. 2, p. 1-5, jan. 2022. DOI: http://doi.org/10.33448/rsdv11i2.25378.
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já realizaram esforço similar, contudo, não reconheceram as diferenças entre as abordagens de(s)coloniais, nem utilizaram termos importantes como Descolonial e Epistemologias do Sul na pesquisa. Desse modo, a tarefa aqui empreendida parece urgente.

Insta destacar que a presente pesquisa foi realizada por pesquisadora brasileira, nordestina, da área de gestão e organizações, a partir de experiência de pós-doutorado realizado no contexto do Sul Europeu. Este posicionamento se faz importante por diversos motivos, pois foi a partir dessa vivência no Sul da Europa que se tornou evidente: a predominância de uma abordagem particular na produção científica de(s)colonial brasileira no campo da gestão nos últimos anos; a necessidade de ampliação da noção de Sul Global enquanto espaço epistêmico e não geográfico; a manutenção do colonialismo, mesmo diante das novas configurações globais; e a necessidade de construção de uma abordagem que considere as especificidades da história colonial brasileira. Tais questões serão abordadas ao longo do texto.

1 AS ABORDAGENS DE(S)COLONIAIS

Neste texto, utiliza-se a palavra “de(s)colonial” para abranger os termos descolonial e decolonial, presentes nas duas abordagens mobilizadas: a Decolonial Latino-Americana e as Epistemologias do Sul. No que se refere às contribuições desta última, o termo colonialismo é recorrentemente utilizado e diz respeito à degradação ontológica e epistemológica de grupos humanos, que se dá por meio da imposição de uma perspectiva de mundo eurocêntrica sobre outras, permitindo atender a fins imperialistas de controle político sobre territórios estrangeiros (Meneses, 2018MENESES, M. P. Colonialismo como violência: a “missão civilizadora” de Portugal em Moçambique. Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, Número Especial, nov. 2018. DOI: https://doi.org/10.4000/rccs.7741.
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). Justifica-se pelo propósito de “libertar os indígenas da barbárie, transformálos em seres mais evoluídos ao ensinar-lhes os tempos da modernidade, preenchendo-lhes os espaços ‘vazios’ com os saberes da civilização” (Meneses, 2016, p. 33MENESES, M. P. Os sentidos da descolonização: uma análise a partir de Moçambique. OPSIS (Online), Catalão, v. 16, n. 1, p. 26-44, jan. 2016. DOI: https://doi.org/10.5216/o.v16i1.36904.
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). Por modernidade, entende-se a criação de uma hierarquia intelectual que coloca os conhecimentos europeus como superiores e universais (Meneses, 2018MENESES, M. P. Colonialismo como violência: a “missão civilizadora” de Portugal em Moçambique. Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, Número Especial, nov. 2018. DOI: https://doi.org/10.4000/rccs.7741.
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).

O colonialismo encontra-se intimamente articulado ao capitalismo e ao heteropatriarcado (Santos; Cunha, 2022SANTOS, B. de S.; CUNHA, T. Introdução. In: SANTOS, Boaventura de S.; CUNHA, Teresa. Economias de bem viver: contra o desperdício das experiências. Coimbra: Edições 70, 2022.; Santos, 2022SANTOS, B. de S. Descolonizar: Abrindo a história do presente. São Paulo: Boitempo, 2022.). Nessa dinâmica, o pensamento abissal é um conceito fundamental, posto que se refere a divisões visíveis e invisíveis, estas últimas constituídas por linhas radicais que dividem a realidade social em dois reinos: as sociedades metropolitanas, marcadas pela distinção visível regulação/emancipação; e os territórios colonizados, marcados pela distinção visível entre apropriação/violência (Santos, 2014SANTOS, B. de S. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: SANTOS, Boaventura de S.; MENESES, Maria Paula. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez Editora, p. 23-71, 2014., 2017SANTOS, B. de S. Justicia entre saberes: Epistemologías del Sur contra el epistemicidio. Madrid: Ediciones Morata, 2017.).

Como alternativa a essa dinâmica de violência, Santos (2014SANTOS, B. de S. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: SANTOS, Boaventura de S.; MENESES, Maria Paula. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez Editora, p. 23-71, 2014., 2017SANTOS, B. de S. Justicia entre saberes: Epistemologías del Sur contra el epistemicidio. Madrid: Ediciones Morata, 2017., 2018SANTOS, B. de S. O fim do império cognitivo: a afirmação das epistemologias do Sul. Coimbra: Edições Almedina, 2018., 2022SANTOS, B. de S. Descolonizar: Abrindo a história do presente. São Paulo: Boitempo, 2022.), Santos e Meneses (2020)SANTOS, B. de S.; MENESES, M. P. Introducción, las Epistemologías del Sur: Dar voz a la diversidade del Sur. In: SANTOS, Boaventura de S.; MENESES, Maria P. Conocimientos nacidos em las luchas: Construyendo las epistemologias del sur. México: Akal, p. 9-47, 2020. e Santos e Cunha (2022)SANTOS, B. de S.; CUNHA, T. Introdução. In: SANTOS, Boaventura de S.; CUNHA, Teresa. Economias de bem viver: contra o desperdício das experiências. Coimbra: Edições 70, 2022., propõem o resgate de razões alternativas à razão ocidental moderna, por exemplo, a razão cosmopolita subalterna ou o “corazonar” – termo derivado da palavra corazón, que se refere a uma postura de luta decolonial desenvolvida por povos ameríndios (Sousa, 2017SOUSA, F. B. Corazonar o penar e o fazer pesquisa em educação como proposta para metodologias outras: esboços germinais. Revista COCAR, v. 11, n. 22, p. 248-266, Belém, jul.-dez. 2017. http://páginas.uepa.br/seer/index.php/cocar.
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) –; uma atuação metodológica por meio da sociologia das ausências e das emergências; a ferramenta da ecologia dos saberes, que se contrapõe à monocultura do conhecimento científico; e a artesania das práticas libertadoras. Nesses processos, a ideia de ignorância assume um papel fundamental, como “um ponto de chegada, resultado do esquecimento ou desaprendizagem que o processo de aprender implica” (Santos, 2017, p. 237SANTOS, B. de S. Justicia entre saberes: Epistemologías del Sur contra el epistemicidio. Madrid: Ediciones Morata, 2017.).

Entende-se que a sociologia das ausências se dedica a uma negatividade das exclusões, ou seja, a lançar luz aos conhecimentos e modos de vida invisibilizados, enquanto a sociologia das emergências olha para a positividade dessas exclusões, considerando que as pessoas envolvidas nesses apagamentos epistêmicos não são necessariamente vítimas, mas resistentes à medida que praticam suas formas de ser e de conhecer na luta contra a dominação (Santos, 2018SANTOS, B. de S. O fim do império cognitivo: a afirmação das epistemologias do Sul. Coimbra: Edições Almedina, 2018.). No que diz respeito à ecologia dos saberes, as suas premissas principais são a copresença radical entre saberes e práticas distintas, tanto em termos de conteúdo como em termos de forma de comunicação; a incompletude de todo e qualquer conhecimento, o que leva à necessidade de dialogar com outros; e a precaução, que diz respeito à parcimônia na escolha dos conhecimentos que são cabíveis a determinado problema/realidade (Santos, 2017SANTOS, B. de S. Justicia entre saberes: Epistemologías del Sur contra el epistemicidio. Madrid: Ediciones Morata, 2017.).

Assim, a proposta é valorizar os saberes do Sul Global, nascidos das lutas contra o capitalismo, o colonialismo e o heteropatriarcado, garantindo o diálogo entre eles, de modo que formem verdadeiras constelações de práticas contra-hegemônicas. Vale destacar que, para as Epistemologias do Sul, o Sul Global é entendido como um Sul epistemológico, não geográfico, uma vez que “representa o mundo dos subalternos, das lutas e as possibilidades de teorizar a partir das condições endógenas, alternativas ao neoliberalismo” (Santos; Meneses, 2020, p. 28SANTOS, B. de S.; MENESES, M. P. Introducción, las Epistemologías del Sur: Dar voz a la diversidade del Sur. In: SANTOS, Boaventura de S.; MENESES, Maria P. Conocimientos nacidos em las luchas: Construyendo las epistemologias del sur. México: Akal, p. 9-47, 2020.), o que permite a análise de contextos geográficos diversos.

No que se refere à gestão e às organizações, pode-se dizer que as Epistemologias do Sul têm se centrado frequentemente em questionamentos sobre os pressupostos econômicos que as orientam. Indicam, portanto, que inúmeras são as visões de mundo e as experiências de outras trocas, não organizadas segundo princípios de acumulação ou benefício individual, que constituem uma verdadeira “ecologia de saberes econômicos” invisibilizada (Santos; Cunha, 2022SANTOS, B. de S.; CUNHA, T. Introdução. In: SANTOS, Boaventura de S.; CUNHA, Teresa. Economias de bem viver: contra o desperdício das experiências. Coimbra: Edições 70, 2022.).

As Epistemologias do Sul destacam, portanto, a necessidade de focar em economias políticas que visam à emancipação social e que colocam a vida em abundância no seu centro (Santos; Cunha, 2022SANTOS, B. de S.; CUNHA, T. Introdução. In: SANTOS, Boaventura de S.; CUNHA, Teresa. Economias de bem viver: contra o desperdício das experiências. Coimbra: Edições 70, 2022.). Os princípios fundamentais desse novo enfoque seriam a solidariedade, a sustentabilidade, a reciprocidade, a complementaridade, a responsabilidade, a integralidade, a relacionalidade, a suficiência, a diversidade cultural e identitária, a equidade e a democracia, de modo sempre subordinado aos limites impostos pela natureza (Acosta, 2022ACOSTA, A. O bem viver como alternativa ao desenvolvimento. Algumas reflexões econômicas e outras não tão econômicas. In: SANTOS, Boaventura de S.; CUNHA, Teresa. Economias de bem viver: contra o desperdício das experiências. Coimbra: Edições 70, 2022.).

Esses princípios disruptivos podem estar presentes em sistemas de conhecimentos já existentes (Banerjee, 2021BANERJEE, M. The Politics of Knowledge in Development: An Analytical Frame. Studies in Indian Politics, v. 9, n. 1, p. 1-13, apr. 2021. DOI: https://doi.org/10.1177/2321023021999176.
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), a exemplo do ubuntu e do bem viver.(Santos; Cunha, 2022SANTOS, B. de S.; CUNHA, T. Introdução. In: SANTOS, Boaventura de S.; CUNHA, Teresa. Economias de bem viver: contra o desperdício das experiências. Coimbra: Edições 70, 2022.). Apesar de não existir um consenso sobre o que significa ubuntu, pode ser compreendido como uma forma de humanismo africano que reforça a interconexão entre seres humanos e não humanos, a pertença e o combate ao individualismo (Matthews, 2022MATTHEWS, S. Alternativas africanas ao desenvolvimento: o ubuntu e o debate sobre pós-desenvolvimento. In: SANTOS, Boaventura de S.; CUNHA, Teresa. Economias de bem viver: contra o desperdício das experiências. Coimbra: Edições 70, 2022.). Sobre o bem viver, pode-se afirmar que se aproxima do ubuntu e de outras filosofias inclusivas, e que nasce nas longas lutas da humanidade pela emancipação e pela vida, configurando uma verdadeira mudança civilizacional que rompe com lógicas antropocêntricas do capitalismo e com a visão linear sobre a vida, valorizando “postulados feministas de uma economia orientada para o cuidado da vida, baseada na cooperação, complementaridade, reciprocidade e solidariedade” (Acosta, 2022, p. 421ACOSTA, A. O bem viver como alternativa ao desenvolvimento. Algumas reflexões econômicas e outras não tão econômicas. In: SANTOS, Boaventura de S.; CUNHA, Teresa. Economias de bem viver: contra o desperdício das experiências. Coimbra: Edições 70, 2022.).

Tais sistemas de conhecimentos contra-hegemônicos permitem a criação de outras formas de organizar, como as cooperativas (de crédito, poupança, produção, consumo), as associações, organizações comunitárias, empresas autogeridas, organizações da sociedade civil diversas, entre outros, que possuem diferentes tipos de relações entre produção, distribuição, circulação e consumo (Acosta, 2022ACOSTA, A. O bem viver como alternativa ao desenvolvimento. Algumas reflexões econômicas e outras não tão econômicas. In: SANTOS, Boaventura de S.; CUNHA, Teresa. Economias de bem viver: contra o desperdício das experiências. Coimbra: Edições 70, 2022.). Sobre essas alternativas, há que se destacar uma necessária vigilância para que não sejam romantizadas ao atrelá-las a modos tradicionais de existência descolados dos modos hegemônicos, como foi observado por Matthews (2022)MATTHEWS, S. Alternativas africanas ao desenvolvimento: o ubuntu e o debate sobre pós-desenvolvimento. In: SANTOS, Boaventura de S.; CUNHA, Teresa. Economias de bem viver: contra o desperdício das experiências. Coimbra: Edições 70, 2022..

Também é possível perceber que autoras do campo da gestão (Medeiros; Teixeira, 2018MEDEIROS, A. L.; TEIXEIRA, M. L. M. A potencialidade do pensamento de Boaventura Santos para os estudos organizacionais. Revista de Ciências da Administração, Florianópolis, v. 20, n. 50, abr. p. 166-177, 2018. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-8077.2018v20n50p166.
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) têm realizado aproximação com a abordagem das Epistemologias do Sul ao apontar que o uso das noções de ecologia dos saberes, da sociologia das ausências e das emergências possibilitaria a criação de novos modelos gerenciais capazes de captar as não existências produzidas pelas práticas de gestão convencionais ou hegemônicas. Consequentemente, seria possível a valorização da diversidade nos contextos organizacionais, bem como olhar para além das dicotomias que ainda são utilizadas nos estudos de gestão/administração e organizações.

Autores/as decoloniais, que partem do contexto latino-americano, por sua vez, têm dado importante contribuição ao definirem a modernidade enquanto a “colonização do tempo pelo europeu” (Maldonado-Torres, 2014, p. 339MALDONADO-TORRES, N. A topologia do ser e a geopolítica do conhecimento. Modernidade, império e colonialidade. In: SANTOS, Boaventura de S.; MENESES, Maria Paula. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez Editora, p. 327-367, 2014.). Autores como Lander (2005)LANDER, E. Ciencias Sociales: saberes coloniales y eurocêntricos. In: LANDER, Edgardo. La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciências Sociales. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: Consejo latinoamericano de ciências Sociales - CLACSO, p. 11-40, 2005., Maldonado-Torres (2007MALDONADO-TORRES, N. On the coloniality of being. Cultural Studies, v. 1, n. 2-3, p. 240-270, apr. 2007. DOI: https://doi.org/10.1080/09502380601162548.
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, 2014MALDONADO-TORRES, N. A topologia do ser e a geopolítica do conhecimento. Modernidade, império e colonialidade. In: SANTOS, Boaventura de S.; MENESES, Maria Paula. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez Editora, p. 327-367, 2014., 2021MALDONADO-TORRES, N. Introducción a diez tesis sobre colonialidad y decolonialidad. In: TAPIAS, J. A. P.; GROSFOGUEL, R.; FERNÁNDEZ, J. G. (coords.). Descolonizar las ciencias sociales y las humanidades: Perspectivas desde Andalucía y el sur de Europa. Granada: Editorial Universidad de Granada, p. 75-106, 2021.), Quijano (2003QUIJANO, A. Sistemas alternativos de produção? In: SANTOS, Boaventura de S. Produzir para viver: os caminhos da produção não capitalista. Porto: Edições Afrontamento, p. 407-436, 2003., 2014QUIJANO, A. Colonialidade de poder e classificação social. In: SANTOS, Boaventura de S.; MENESES, Maria Paula. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez Editora, p. 68-107, 2014.) e Grosfoguel (2014GROSFOGUEL, R. Para descolonizar os estudos de economia política e os estudos pós-coloniais: transmodernidade, pensamento de fronteira e colonialidade global. In: SANTOS, Boaventura de S.; MENESES, Maria Paula. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez Editora, p. 378-412, 2014., 2020GROSFOGUEL, R. El extractivismo epistémico: um diálogo com Alberto Acosta, Leanne Betasamosake Simpsom y Silvia Rivera Cusicanqui. In: SANTOS, Boaventura de S.; MENESES, Maria P. Conocimientos nacidos em las luchas: Construyendo las epistemologias del sur. México: Akal, p. 437-456, 2020.) têm argumentado que a modernidade surge no contexto de conquista das Américas – particularmente no ano de 1492, de acordo com Dussel (2005)DUSSEL, E. Europa, modernidad y eurocentrismo. In: LANDER, Edgardo. La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciências Sociales. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: Consejo latinoamericano de ciências Sociales - CLACSO. p. 41-53, 2005.. É neste contexto que surge a colonialidade, conceito indissociável da noção de modernidade, que se refere a padrões de poder que perduram mesmo após a independência das nações colonizadas e que definem modos de ser, de trabalhar, de produzir conhecimento, entre outros aspectos (Maldonado-Torres, 2007MALDONADO-TORRES, N. On the coloniality of being. Cultural Studies, v. 1, n. 2-3, p. 240-270, apr. 2007. DOI: https://doi.org/10.1080/09502380601162548.
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). É constituída pela colonialidade do poder (Quijano, 2014QUIJANO, A. Colonialidade de poder e classificação social. In: SANTOS, Boaventura de S.; MENESES, Maria Paula. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez Editora, p. 68-107, 2014.; Maldonado-Torres, 2014MALDONADO-TORRES, N. A topologia do ser e a geopolítica do conhecimento. Modernidade, império e colonialidade. In: SANTOS, Boaventura de S.; MENESES, Maria Paula. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez Editora, p. 327-367, 2014., 2021MALDONADO-TORRES, N. Introducción a diez tesis sobre colonialidad y decolonialidad. In: TAPIAS, J. A. P.; GROSFOGUEL, R.; FERNÁNDEZ, J. G. (coords.). Descolonizar las ciencias sociales y las humanidades: Perspectivas desde Andalucía y el sur de Europa. Granada: Editorial Universidad de Granada, p. 75-106, 2021.; Grosfoguel, 2014GROSFOGUEL, R. Para descolonizar os estudos de economia política e os estudos pós-coloniais: transmodernidade, pensamento de fronteira e colonialidade global. In: SANTOS, Boaventura de S.; MENESES, Maria Paula. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez Editora, p. 378-412, 2014.), do saber (Lander, 2005LANDER, E. Ciencias Sociales: saberes coloniales y eurocêntricos. In: LANDER, Edgardo. La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciências Sociales. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: Consejo latinoamericano de ciências Sociales - CLACSO, p. 11-40, 2005.) e do ser (Maldonado-Torres, 2007MALDONADO-TORRES, N. On the coloniality of being. Cultural Studies, v. 1, n. 2-3, p. 240-270, apr. 2007. DOI: https://doi.org/10.1080/09502380601162548.
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, 2021MALDONADO-TORRES, N. Introducción a diez tesis sobre colonialidad y decolonialidad. In: TAPIAS, J. A. P.; GROSFOGUEL, R.; FERNÁNDEZ, J. G. (coords.). Descolonizar las ciencias sociales y las humanidades: Perspectivas desde Andalucía y el sur de Europa. Granada: Editorial Universidad de Granada, p. 75-106, 2021.). Estes argumentos, contudo, não são consenso entre as abordagens de(s)coloniais aqui mobilizadas, evidenciando a existência de diferentes narrativas sobre o passado, que colocam a história sempre em disputa e definem compreensões distintas sobre processos coloniais e de(s)coloniais. Isso fica evidente nas diferentes análises de(s)coloniais sobre processos históricos, como as expedições Portuguesas na África desde o século XIII; e a “conquista” de Al-Andalus, território muçulmano e judeu da Península Ibérica, que aconteceu antes da invasão das Américas, no século XVI. Este último processo foi marcado por técnicas genocidas e epistemicidas que inspiraram a colonização do território latino-americano (Grosfoguel, 2016GROSFOGUEL, R. A estrutura do conhecimento nas universidades ocidentalizadas: racismo/sexismo epistêmico e os quatro genocídios/epistemicídios do longo século XVI. Revista Sociedade e Estado, Brasília, v. 31, n. 1, p. 25-49, jan. 2016. DOI: https://doi.org/10.1590/S0102-69922016000100003.
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). Tais práticas já caracterizam aquilo que as Epistemologias do Sul designam de colonialismo.

Por outro lado, autores/as decoloniais latino-americanos/as acreditam que em Al-Andalus não houve questionamentos em torno da humanidade dos muçulmanos e judeus, devido ao fato deles/as terem religião – mesmo que a religião “errada” –, diferente do que aconteceu com indígenas latino-americanos que, por não terem religião, foram lidos como “sem alma” e, consequentemente, definidos como não humanos (Grosfoguel, 2016GROSFOGUEL, R. A estrutura do conhecimento nas universidades ocidentalizadas: racismo/sexismo epistêmico e os quatro genocídios/epistemicídios do longo século XVI. Revista Sociedade e Estado, Brasília, v. 31, n. 1, p. 25-49, jan. 2016. DOI: https://doi.org/10.1590/S0102-69922016000100003.
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). Logo, o padrão de poder colonial moderno, a colonialidade, sobretudo sua dimensão ontológica, não teria surgido em Al-Andalus, mas na América Latina. Desse modo, uma das principais diferenças entre as abordagens aqui mobilizadas se refere às distintas narrativas sobre a história colonial.

Outra distinção importante se observa na associação que autores/as decoloniais latino-americanos/as fazem entre as noções de colonialismo e imperialismo. Para estes/as autores/as, a descolonização se refere à independência política dos países colonizados (Maldonado-Torres, 2021MALDONADO-TORRES, N. Introducción a diez tesis sobre colonialidad y decolonialidad. In: TAPIAS, J. A. P.; GROSFOGUEL, R.; FERNÁNDEZ, J. G. (coords.). Descolonizar las ciencias sociales y las humanidades: Perspectivas desde Andalucía y el sur de Europa. Granada: Editorial Universidad de Granada, p. 75-106, 2021.), que colocaria fim ao colonialismo, mas não à colonialidade. Por outro lado, as Epistemologias do Sul entendem que colonialismo e imperialismo são conceitos distintos, este último associado ao controle político sobre terras estrangeiras, e o primeiro não limitado a um sistema político e econômico, constituído por instituições, mas “um conjunto de axiomas, conceitos e discursos através dos quais se procura representar o mundo através de uma dada perspectiva” (Meneses, 2018, p. 120MENESES, M. P. Colonialismo como violência: a “missão civilizadora” de Portugal em Moçambique. Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, Número Especial, nov. 2018. DOI: https://doi.org/10.4000/rccs.7741.
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).

As principais contribuições da abordagem decolonial latino-americana têm sido evidenciar que um projeto decolonial deve ser desenvolvido a partir de um pensamento crítico de fronteira, que surge a partir de uma geopolítica do conhecimento – a localização epistemológica –, com vistas a desenvolver um mundo transmoderno pluriversal, no qual possam existir diálogos verdadeiramente horizontais entre diferentes povos do mundo. A transmodernidade diz respeito a um projeto de libertação política, econômica, ecológica, erótica, pedagógica e religiosa, que pressupõe a “incorporação do caráter emancipador racional europeu transcendido como projeto de libertação de sua alteridade negada” (Dussel, 2005, p. 51DUSSEL, E. Europa, modernidad y eurocentrismo. In: LANDER, Edgardo. La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciências Sociales. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: Consejo latinoamericano de ciências Sociales - CLACSO. p. 41-53, 2005.).

Estas contribuições se aproximam das Epistemologias do Sul, uma vez que se referem à emergência de um “pensamento crítico de fronteira” – dimensão epistêmica – para a construção de outra modernidade. Nesse sentido, entende-se que a construção de um projeto transmoderno pode ser viabilizado por ferramentas e procedimentos como as sociologias das ausências, das emergências e as ecologias dos saberes.

Particularmente no campo da gestão e das organizações, um dos principais autores que partem da abordagem Decolonial Latino-Americana é Eduardo Ibarra-Colado. Para o autor, os estudos organizacionais reproduzem uma colonialidade epistêmica, o que pode ser observado no fato do conhecimento organizacional do centro estar sendo transferido para realidades periféricas, de forma que os problemas dessas realidades não passam por análise histórica e/ou política, resumindo-se a questões técnicas. Desse modo, entende-se que o conceito de organização serve como um artifício que homogeneíza diferentes realidades, enquadrando as nações de periferia como atrasadas e não modernas, em relação às nações de centro (Ibarra-Colado, 2006IBARRA-COLADO, E. Organization studies and epistemic coloniality in Latin America: thinking otherness from the margins. Organization, v. 13, n. 4, p. 463-488, jul., 2006. DOI: https://doi.org/10.1177/1350508406065851.
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). No Brasil, Alcadipani et al. (2012)ALCADIPANI, R.; KHAN, F. R.; GANTMAN, E.; NKOMO, S. Southern voices in management and organization knowledge. Organization, v. 19, n. 2, p. 131-143, feb. 2012. DOI: https://doi.org/10.1177/1350508411431910.
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reforçam o argumento de Eduardo Ibarra-Colado e destacam que a gestão tem estado comprometida com o projeto moderno e com o modelo de desenvolvimento eurocêntrico, utilizando um discurso universalista e internacional. Recentemente, uma dinâmica de “hipervisibilização do mercado livre” e de invisibilização da “transmodernidade solidária” existente no Sul Global também tem sido percebida neste campo (Faria; Abdalla; Guedes, 2021, p. 557FARIA, A.; ABDALLA, M. M.; GUEDES, A. L. Podemos co-construir um campo de gestão/administração engajado com a maioria? Revista Organizações & Sociedade, Salvador, v. 28, n. 98, p. 543-576, jul. 2021. DOI: https://doi.org/10.1590/1984-92302021v289804pt.
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).

Como possíveis alternativas a estes problemas, há apelos para que as pesquisas em gestão abordem realidades organizacionais do Sul Global, uma vez que elas têm sido pouco visibilizadas (Alcadipani et al., 2012ALCADIPANI, R.; KHAN, F. R.; GANTMAN, E.; NKOMO, S. Southern voices in management and organization knowledge. Organization, v. 19, n. 2, p. 131-143, feb. 2012. DOI: https://doi.org/10.1177/1350508411431910.
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); questionem a dependência cultural do Sul em relação ao Norte Global e pensem a partir da ideia de hibridação, inspirada em Homi Bhabha, evitando o binarismo existente nos estudos críticos brasileiros (Rosa; Alcadipani, 2013ROSA, A. R.; ALCADIPANI, R. A terceira margem do rio dos estudos críticos sobre administração e organizações no Brasil: (re)pensando a crítica a partir do pós-colonialismo. Revista de Administração Mackenzie, São Paulo, v. 14, n. 6, p. 185-215, dez. 2013. DOI: https://doi.org/10.1590/S1678-69712013000600009.
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); e questionem a predominância de conceitos como orientação para o mercado, não mercado e gestão da diversidade (Faria; Abdalla; Guedes, 2021FARIA, A.; ABDALLA, M. M.; GUEDES, A. L. Podemos co-construir um campo de gestão/administração engajado com a maioria? Revista Organizações & Sociedade, Salvador, v. 28, n. 98, p. 543-576, jul. 2021. DOI: https://doi.org/10.1590/1984-92302021v289804pt.
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).

De modo geral, percebe-se que no campo da gestão e organizações, as contribuições inspiradas nas produções Decoloniais Latino-Americanas têm reforçado a importância de compreender e combater o colonialismo epistêmico. Vale destacar a compreensão relativa ao Sul Global adotada pelos/as autores/as Decoloniais, que o veem como um lugar epistêmico informado por uma "corpo-política do conhecimento" (Grosfoguel, 2014, p. 382GROSFOGUEL, R. Para descolonizar os estudos de economia política e os estudos pós-coloniais: transmodernidade, pensamento de fronteira e colonialidade global. In: SANTOS, Boaventura de S.; MENESES, Maria Paula. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez Editora, p. 378-412, 2014.). O quadro 1 resume as principais diferenças e as aproximações entre as duas abordagens.

Quadro 1
Diferenças e aproximações entre a abordagem Decolonial Latino-Americana e as Espistemologias do Sul

Observadas as diferenças e as aproximações entre essas duas abordagens, foram analisados artigos científicos que as utilizam, com o intuito de evidenciar as contribuições que as aproximações entre abordagem Decolonial Latino-Americana e Epistemologias do Sul proporcionam ao campo da gestão e das organizações. Os procedimentos empregados para realização deste segundo objetivo do texto são explicados a seguir.

2 PROCEDIMENTOS

Para compreender as contribuições que as aproximações entre abordagem Decolonial Latino-Americana e Epistemologias do Sul proporcionam ao campo da gestão e das organizações, foi realizada uma RSL do tipo configurativa (Gough; Oliver; Thomas, 2012GOUGH, D.; OLIVER, S.; THOMAS, J. Introducing systematic reviews. In: GOUGH, D.; OLIVER, S.; THOMAS, J. An introduction to systematic reviews. Los Angeles, London, New Delhi, Singapore, Washington: SAGE, p. 1-16, 2012.; Gough; Thomas, 2012GOUGH, D.; THOMAS, J. Commonality and diversity in reviews. In: GOUGH, D.; OLIVER, S.; THOMAS, J. An introduction to systematic reviews. Los Angeles, London, New Delhi, Singapore, Washington: SAGE, p. 35-65, 2012.), considerando a produção dos últimos dez anos. As bases de dados escolhidas foram Scopus, Ebsco (Elton B. Stephens Co.), Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Scientific Periodics Electronic Library (SPELL), de modo a abranger artigos desenvolvidos a partir de diferentes contextos geográficos. Os procedimentos foram realizados no ano de 2023, de modo que o levantamento dos artigos foi feito no mês de abril; a análise, entre os meses de maio e junho; e a revisão do texto, em julho.

Sobre as estratégias de busca, foram utilizados os seguintes descritores em português e em inglês, respectivamente, para as bases Scopus, Ebsco e SciELO: (descoloni* OR decoloni* OR epistemologias do sul) AND (gestão OR gerencia* OR administra* OR negócios OR organi*); (descoloni* OR decoloni* OR south epistemolog*) AND (management OR administrati* OR business OR organi*). Os asteriscos foram utilizados para abranger variações de um mesmo termo, e os descritores foram buscados somente nos títulos dos artigos, considerando que quando aplicados ao título, resumo e palavras-chave, muitos artigos que estavam fora do escopo da pesquisa foram indicados.

Na base de dados SPELL, os descritores aplicados foram diferentes, uma vez que este repositório não reconhece asteriscos e possui apenas artigos na área de ciências sociais aplicadas. Assim, só foi utilizado o operador booleano OR, com todas as variações possíveis do termo Decolonial e Descolonial em português (decolonizar, descolonizar, decolonizando, descolonizando, decolonialidade, descolonialidade); suas versões em inglês (decolonizing e descolonizing); e os termos Epistemologias do Sul, South Epistemology e South Epistemologies. Ressalta-se que a escolha por determinadas palavras limita o acesso aos trabalhos, apesar de ser necessária. Logo, entende-se que os artigos levantados e analisados não esgotam a discussão sobre gestão e organizações numa perspectiva de(s)colonial.

Os filtros utilizados no Scopus foram: artigos publicados entre 2013 e 2023; em acesso aberto; das áreas de “ciências sociais”, “negócios, gestão e contabilidade”, “artes e humanidades”, “ciência ambiental”, “economia, econometria e finança” e “ciências da decisão”; documentos do tipo artigo; em estágio final de publicação; e publicados em journals. Na base Ebsco, foram aplicados os filtros: artigos publicados entre 2013 e 2023; texto completo; e publicados em revistas acadêmicas. Na SPELL foram aplicados os filtros: somente artigos; publicados entre janeiro de 2013 a abril de 2023; e nas áreas de administração e economia. Na SciELO, foram aplicados filtros referentes aos anos de publicação entre 2013 e 2020, pois a base de dados não forneceu artigos posteriores a 2020; das áreas de ciências sociais aplicadas e ciências humanas; e só artigos.

Na Scopus foram levantados 28 artigos; na Ebsco, 9; na SciELO, 15; e na SPELL, 18, totalizando 70 artigos. A partir das leituras dos títulos dos artigos, dos 28 artigos encontrados no Scopus, 1 foi excluído devido ao seu não enquadramento na discussão sobre gestão e organizações. Dos 15 artigos encontrados na SciELO, 5 foram excluídos por estarem repetidos. Dos 9 artigos encontrados na Ebsco, 5 foram excluídos por estarem repetidos; e 2, por serem de área não correlata. Dos 18 artigos encontrados na SPELL, 8 foram excluídos por estarem repetidos. Desse modo, foram selecionados 49 artigos para leitura completa. Tal descrição detalhada da quantidade de artigos selecionados e excluídos atende ao protocolo Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA), de modo a garantir a confiabilidade do estudo, facilitar a replicação, bem como possibilitar a inclusão das revisões sistemáticas em revisões gerais (Page et al., 2021PAGE, M. J.; MCKENZIE, J. E.; BOSSUYT, P. M.; BOUTRON, I.; HOFFMAN, T. C.; MULROW, C. D.; SHAMSEER, L.; TETZLAFF, J. M.; AKL, E. A.; BRENNAN, S. E.; CHOU, R.; GLANVILLE, J.; GRIMSHAW, J. M.; HRÓBJARTSSON, A.; LALU, M. M.; LI, T.; LODER, E. W.; MAYO-WILSON, E.; MCDONALD, S.; MOHER, D. The PRISMA 2020 statement: an updated guideline for reporting systematic reviews. Systematic Reviews, v. 10, n. 89, p. 1-9, mar. 2021. DOI: https://doi.org/10.1186/s13643-021-01626-4.
https://doi.org/10.1186/s13643-021-01626...
).

No estágio de descrição das características dos estudos, foi realizado um breve mapa descritivo, seguindo orientação de Oliver e Sutcliffe (2012)OLIVER, S.; SUTCLIFFE, K. Describing and analysing studies. In: GOUGH, D.; OLIVER, S.; THOMAS, J. An introduction to systematic reviews. Los Angeles, London, New Delhi, Singapore, Washington: SAGE, p. 135-152, 2012.. Posteriormente, realizou-se uma síntese do tipo sumário temático (Thomas; Harden; Newman, 2012THOMAS, J.; HARDEN, A.; NEWMAN, M. Synthesis: Combining results systematically and appropriately. In: GOUGH, David; OLIVER, Sandy; THOMAS, James. An introduction to systematic reviews. Los Angeles, London, New Delhi, Singapore, Washington: SAGE, 2012. p. 179-226.), o que permitiu distinguir os temas gestão ambiental; ensino de gestão; gestão em organizações não empresariais; pesquisa relativa à gestão e às organizações; e gestão internacional. Para cada tema, foram abordados conteúdos referentes aos conceitos de transmodernidade pluriversal; ecologia dos saberes; e sociologia das ausências e das emergências, uma vez que estes constituem os pontos de aproximação entre as abordagens Decoloniais Latino-Americanas e as Epistemologias do Sul. Nessa fase da pesquisa, o intuito foi entender como as aproximações entre essas abordagens têm contribuído para o campo da gestão e organizações.

3 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Dentre os artigos analisados, a grande maioria é composta por estudos empíricos, que tratam sobre realidades diversas, com destaque para a realidade organizacional africana, particularmente o contexto da África do Sul, Nigéria e Uganda. As organizações e a gestão praticadas e teorizadas na América Latina também merecem destaque nos artigos empíricos, particularmente o contexto do Brasil, Equador, Argentina, Guatemala, Belize e Colômbia. Os países que compõem o Norte Global presentes nos artigos investigados são EUA, Nova Zelândia, Canadá, França, Reino Unido e Alemanha. Apenas a realidade organizacional de um país asiático foi investigada em um dos artigos: a Indonésia. Os demais artigos analisados na revisão sistemática abordam discussões que não se referem a uma realidade geograficamente localizada. Na tabela abaixo estão descritas as quantidades de artigos empíricos que se referem a cada contexto geográfico apontado acima:

Tabela 1
Contextos geográficos abordados nos artigos analisados

Importante destacar que quando a pesquisa foi realizada em países do Norte geográfico, investigaram-se práticas e organizações contra-hegemônicas, como povos indígenas, grupos de mulheres em defesa dos recursos naturais ou instituição de ensino voltada ao público marginalizado. Poucas instituições ocidentais modernas são investigadas a fundo em contextos do Norte geográfico, à exceção do estudo de O’Brien e Mudaliar (2022)O’BRIEN, L.; MUDALIAR, P. Decolonizing land management in institutions of higher education. Journal of Land Use Science, v. 17, n. 1, p. 195-210, dec. 2022. DOI: http://doi.org/10.1080/1747423X.2021.2011969.
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, que analisou instituições de ensino superior dos EUA. Apesar disso, a maioria das pesquisas aponta para violências empreendidas por essas instituições, a partir da perspectiva de grupos vulnerabilizados.

Ressalta-se também que a grande quantidade de artigos brasileiros observada se deu devido à escolha de uma plataforma brasileira, nomeadamente, a SPELL, o que se explica devido ao contexto de origem da autora deste texto, conforme exposto na introdução deste artigo. De todo modo, é possível observar forte presença da língua inglesa nos artigos analisados, 26 artigos, mesmo quando uma plataforma brasileira foi selecionada para a análise. Dos artigos não escritos em inglês foram identificados: 18 em português; 4 em espanhol; e 1 numa das línguas nacionais da África do Sul.

A abordagem metodológica utilizada nos artigos é sempre qualitativa, tendo apenas um dos artigos se aproximando da pesquisa quantitativa ao utilizar o software Iramuteq, para análise fatorial de correspondência, construindo clusters de análise (Bizarria et al., 2020BIZARRIA, F. P. A.; TASSIGNY, M. M.; BARBOSA, F. L. S.; FREIRE, J. C. S. Inovação e gestão universitária no campo decolonial: estudo do suporte normativo de uma universidade de integração internacional. Revista Organizações & Sociedade, Salvador, v. 27, n. 95, p. 855-879, out.-dez. 2020. DOI: http://doi.org/10.1590/1984-9270959.
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). Entre as estratégias metodológicas utilizadas estão: pesquisa ação participativa; pesquisa etnográfica de futuros; combinação de métodos ocidentais e indígenas; investigação-ação e etnografia crítica; etnografia feminista decolonial; história oral; história de vida; abordagem historiográfica; e perspectiva decolonial práxica de investigação historiográfica.

As principais ferramentas metodológicas utilizadas são: entrevistas semiestruturadas e em profundidade, observação, análise documental, análise de conteúdo (por vezes facilitada pelo uso de softwares de categorização como NVivo), análise crítica do discurso, análise narrativa, análise interpretativa e hermenêutica livre. Cabe destacar ainda que alguns autores/as se posicionam no texto, evidenciando suas identidades e seus lugares de enunciação, o que é uma importante estratégia, em termos metodológicos e políticos.

Entre os/as autores/as da área de gestão que realizam crítica de(s)colonial, um dos mais mencionados é Anshuman Prasad, que relaciona teoria pós-colonial com a análise organizacional. Autores/as brasileiros/as também têm sido recorrentemente mencionados/as, inclusive em textos não brasileiros, como Alex Faria e Maria C. Misoczky, cuja inspiração tem sido a abordagem Decolonial Latino-Americana.

Foi possível perceber que a maioria dos estudos utiliza como base teórica a abordagem Decolonial Latino-Americana, principalmente as contribuições de Aníbal Quijano e Enrique Dussel. Este último, em particular, tem sido fortemente utilizado em pesquisas brasileiras. Apenas 12 trabalhos mencionam diretamente o autor Boaventura de Sousa Santos, importante referência das Epistemologias do Sul, e sempre de forma pontual, ou seja, o autor e a abordagem inaugurada por ele nunca são base teórica para a construção das pesquisas.

Poucos são os estudos que estabelecem distinções e aproximações entre as diferentes abordagens de(s)coloniais, e quando as fazem, frequentemente diferenciam somente o pós-colonialismo das perspectivas Decoloniais Latino-Americanas. Ademais, destacam-se algumas compreensões utilizadas nos textos que podem ser problematizadas, como a proposição de Louredo (2019, p. 34)LOUREDO, F. M. Repensando as bases da administração pública brasileira: contribuições de Guerreiro Ramos sob o olhar decolonial. Estudos de Administração e Sociedade, Niteroi, v. 4, n. 1, p. 30-41, jan. 2019. DOI: https://doi.org/10.22409/eas.v4i1.43333.
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, que entende o projeto Modernidade/Colonialidade/Decolonialidade (MCD) como “situado no âmbito das Epistemologias do Sul”, compreensão reforçada por Ballestrin (2013)BALLESTRIN, L. América Latina e o giro decolonial. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, n. 11, p. 89-117, mai. 2013. DOI: https://doi.org/10.1590/S0103-33522013000200004.
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. Mas que pode ser questionada a partir de Santos (2022)SANTOS, B. de S. Descolonizar: Abrindo a história do presente. São Paulo: Boitempo, 2022.; a visão de que a abordagem Decolonial Latino-Americana poderia ser caracterizada como “pós do pós-colonialismo” (Oliveira; Wanderley, 2022OLIVEIRA, C. G.; WANDERLEY, S. E. P. Subalterno pode escrever! Uma contribuição decolonial e interseccional na obra de Carolina Maria de Jesus para os estudos organizacionais. Revista Eletrônica de Ciência Administrativa, Curitiba, v. 21, n. 2, p. 242-274, mai. 2022. DOI: http://doi.org/10.21529/RECADM.2022009.
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), entendimento que pode reproduzir uma compreensão de linearidade histórica, evitada por pensadores/as como Meneses (2016)MENESES, M. P. Os sentidos da descolonização: uma análise a partir de Moçambique. OPSIS (Online), Catalão, v. 16, n. 1, p. 26-44, jan. 2016. DOI: https://doi.org/10.5216/o.v16i1.36904.
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; e a possibilidade de usar o termo descolonial ou descolonização para se referir à independência política dos países colonizados (Kauffer; González, 2020KAUFFER, E.; GONZÁLEZ, L. M. De la descolonización a la Gestión Integrada de Recursos Hídricos (GIRH): La política del agua de Belice a través del tiempo (1981-2015). Gestión y Política Pública, Ciudad de México, v. 29, n. 1, p. 37-66, sep. 2020. DOI: https://doi.org/10.29265/gypp.v29i1.656.
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; Sluyternam, 2020SLUYTERNAM, K. Decolonization and the organisation of the international workforce: Dutch multinationals in Indonesia, 1945-1967. Business History, v. 62, n. 7, p. 1182-1201, jul. 2020. DOI: https://doi.org/10.1080/00076791.2017.1350170.
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; Misoczky, 2022MISOCZKY, M. C. Paulo Freire e Amílcar Cabral: Pedagogos do anticolonialismo. Revista Eletrônica de Administração, Porto Alegre, v. 28, n. 3, p. 646-661, set. 2022. DOI: http://doi.org/10.1590/1413-2311.359.120361.
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; Louredo; Oliveira, 2022LOUREDO, F.; OLIVEIRA, T. C. Administração desnorteada? Uma revisão sistemática da literatura sobre a perspectiva decolonial e os estudos em organizações. Research Society and Development, São Paulo, v. 11, n. 2, p. 1-5, jan. 2022. DOI: http://doi.org/10.33448/rsdv11i2.25378.
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). Esta noção é reforçada por autores Decoloniais (Maldonado-Torres, 2021MALDONADO-TORRES, N. Introducción a diez tesis sobre colonialidad y decolonialidad. In: TAPIAS, J. A. P.; GROSFOGUEL, R.; FERNÁNDEZ, J. G. (coords.). Descolonizar las ciencias sociales y las humanidades: Perspectivas desde Andalucía y el sur de Europa. Granada: Editorial Universidad de Granada, p. 75-106, 2021.), mas que não possui eco nas produções das Epistemologias do Sul, que reconhecem a manutenção do colonialismo, mesmo diante da independência política da maioria dos países do Sul Global (Meneses, 2018MENESES, M. P. Colonialismo como violência: a “missão civilizadora” de Portugal em Moçambique. Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, Número Especial, nov. 2018. DOI: https://doi.org/10.4000/rccs.7741.
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).

Cinco temas foram sistematizados a partir da leitura dos artigos, nomeadamente, gestão ambiental; ensino de gestão; gestão em organizações não empresariais; pesquisa relativa à gestão e às organizações; e gestão internacional. Os conteúdos desses temas foram analisados a partir dos conceitos de transmodernidade pluriversal, ecologia dos saberes, sociologia das ausências e das emergências, que constituem os pontos de aproximação entre as abordagens Decoloniais Latino-Americanas e as Epistemologias do Sul. Desse modo, foi possível destacar nos artigos analisados aquilo que vai além da denúncia, indicando possibilidades de superação do poder colonial presente ainda na atualidade.

Nos artigos que discutem a gestão ambiental, foi possível observar outros modos de gestão, que se baseiam em princípios que colocam a vida no centro (Santos; Cunha, 2022SANTOS, B. de S.; CUNHA, T. Introdução. In: SANTOS, Boaventura de S.; CUNHA, Teresa. Economias de bem viver: contra o desperdício das experiências. Coimbra: Edições 70, 2022.); e que se referem a sistemas de conhecimentos já existentes (Banerjee, 2021BANERJEE, M. The Politics of Knowledge in Development: An Analytical Frame. Studies in Indian Politics, v. 9, n. 1, p. 1-13, apr. 2021. DOI: https://doi.org/10.1177/2321023021999176.
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). É o caso do modelo decolonial de gestão e conservação ambiental proposto por Artelle et al. (2021)ARTELLE, K. A.; ADAMS, M. S.; BRYAN, H. M.; DARIMONT, C. T.; HOUSTY, J. (‘Cúagilákv); HOUSTY, W. G. (Dúqváísḷa); MOODY, J. E.; MOODY, M. F.; NEASLOSS, D. (Muq’vas Glaw); SERVICE, C. N.; WALKUS, J. Decolonial Model of Environmental Management and Conservation: Insights from Indigenous-led Grizzly Bear Stewardship in the Great Bear Rainforest. Ethics, Policy & Environment, v. 24, n. 3, p. 283-323, jan. 2021. DOI: http://doi.org/10.1080/21550085.2021.2002624.
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, construído a partir de experiências de diferentes nações indígenas em diálogo, na Floresta Tropical Do Grande Urso, no Canadá. Os princípios desse modelo de gestão são: a gestão é indissociável de direitos, títulos, responsabilidades, autodeterminação e soberania dos povos indígenas; os praticantes administram as interconexões entre espécies, pessoas e seus ambiente; todas as fontes de conhecimento são consideradas e respeitadas; a gestão é baseada no local, ou seja, dada a escala do local; práticas refletem, suportam ou são lideradas por estruturas de governança local e sistemas legais; as práticas refletem valores e visões de mundo locais; e governança reconhece, respeita e aborda a importância de diferentes espécies e lugares.

Esse tipo de gestão, alinhada a modos de organizar indígenas, parte de compreensão onto/epistemológica alternativa às ocidentais, uma vez que esta última enxerga a natureza como algo exterior ao ser humano e como selvagem ou indomada, ou seja, não colonizada (Parsons; Fisher, 2022PARSONS, M.; FISHER, K. Decolonising Flooding and Risk Management: Indigenous Peoples, Settler Colonialism, and Memories of Environmental Injustices. Sustainability, Basel, v. 14, n. 18, Artigo 11127, sep. 2022. DOI: https://doi.org/10.3390/su141811127.
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; Jacobs et al., 2022JACOBS, L. A.; HAZELWOOD, S. P.; AVERY, C. B.; SANGSTER-BIYE, C. Reimagining U.S. Federal Land Management through Decolonization and Indigenous Value Systems. Journal of Park and Recreation Administration, v. 40, n. 1, 195-206, jan. 2022. DOI: https://doi.org/10.18666/JPRA-2021-10973.
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). Essa compreensão alternativa coloca o respeito à terra, à água, aos animas e às plantas em primeiro plano (Gordon, 2022GORDON, H. S. J. Alaska Native Subsistence Rights: Taking an Anti-Racist Decolonizing Approach to Land Management and Ownership for Our Children and Generations to Come. Societies, v. 12, n. 72, apr. 2022. DOI: https://doi.org/10.3390/soc12030072.
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), os entendendo, muitas vezes, como parentes (Artelle et al., 2021ARTELLE, K. A.; ADAMS, M. S.; BRYAN, H. M.; DARIMONT, C. T.; HOUSTY, J. (‘Cúagilákv); HOUSTY, W. G. (Dúqváísḷa); MOODY, J. E.; MOODY, M. F.; NEASLOSS, D. (Muq’vas Glaw); SERVICE, C. N.; WALKUS, J. Decolonial Model of Environmental Management and Conservation: Insights from Indigenous-led Grizzly Bear Stewardship in the Great Bear Rainforest. Ethics, Policy & Environment, v. 24, n. 3, p. 283-323, jan. 2021. DOI: http://doi.org/10.1080/21550085.2021.2002624.
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), cuja relação precisa ser mantida em equilíbrio a partir de práticas recíprocas de cuidado (Parsons; Fisher, 2022PARSONS, M.; FISHER, K. Decolonising Flooding and Risk Management: Indigenous Peoples, Settler Colonialism, and Memories of Environmental Injustices. Sustainability, Basel, v. 14, n. 18, Artigo 11127, sep. 2022. DOI: https://doi.org/10.3390/su141811127.
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). A compreensão exposta acima implica o Relacionamento entre todos os seres, que junto à Responsabilidade, à Recipocidade e à Redistribuição, forma os quatro “Rs” essenciais aos processos de de(s)colonização da gestão ambiental. A Responsabilidade se refere às obrigações comunitárias para cuidar de parentes-plantas. A Reciprocidade diz respeito àsobrigações cíclicas que refletem os ciclos da vida e dinâmicas enraizadas nas relações. A Redistribuição, por sua vez, envolve a partilha de responsabilidades para equilibrar e reequilibrar as relações. Esses “Rs” foram elaborados a partir da incorporação de pilares da gestão indígena sobre as terras no contexto dos EUA, onde as agências federais de gestão de terra e a criação de parques e áreas protegidas são vistos como produtos do colonialismo que ameaçam o bem-estar de povos originários. Além disso, essas compreensões sobre os quatro “Rs” estão relacionadas a uma gestão que cria funções de cogestão para as nações indígenas, de modo que elas possam trabalhar junto a agências federais de gestão ambiental, de forma não hierárquica e partilhando recursos, terras, tempo, conhecimentos e responsabilidades (Jacobs et al., 2022JACOBS, L. A.; HAZELWOOD, S. P.; AVERY, C. B.; SANGSTER-BIYE, C. Reimagining U.S. Federal Land Management through Decolonization and Indigenous Value Systems. Journal of Park and Recreation Administration, v. 40, n. 1, 195-206, jan. 2022. DOI: https://doi.org/10.18666/JPRA-2021-10973.
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).

Isso implica que conceitos modernos, pouco questionados no campo da gestão e das organizações sejam problematizados, como o de sustentabilidade. A partir de saberes subalternizados, outra compreensão sobre sustentabilidade é defendida, diferente daquela priorizada pelo modelo de desenvolvimento hegemônico. Essa sustentabilidade está associada à subsistência (Gordon, 2022GORDON, H. S. J. Alaska Native Subsistence Rights: Taking an Anti-Racist Decolonizing Approach to Land Management and Ownership for Our Children and Generations to Come. Societies, v. 12, n. 72, apr. 2022. DOI: https://doi.org/10.3390/soc12030072.
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), que é uma prática importante para garantia de segurança alimentar, bem-estar e realização espiritual de comunidades indígenas, considerando os nexos globais e locais de conhecimento e poder existentes nos movimentos ambientais (Dwived, 2001).

Observados esses movimentos, é possível perceber a possibilidade de construção de uma gestão orientada à transmodernidade pluriversal, na medida em que promove o diálogo entre diferentes agentes, por meio de uma verdadeira ecologia de saberes, que não prioriza o conhecimento científico, mas o coloca em diálogo com os conhecimentos locais, principalmente aqueles subalternizados, como os dos indígenas. Esta noção de transmodernidade pluriversal e diálogo entre saberes diversos também estimula olhar para diferentes organizações, tirando do centro do debate as organizações de tipo empresarial, cujo objetivo é o lucro. Nesse sentido, ricas contribuições são observadas no tema gestão em organizações não ocidentais, permitindo que organizações não formais e não estruturadas do Sul Global sejam focos de análise, bem como seus processos de gestão, nem sempre instrumentais. É o que faz Möntmann (2021)MÖNTMANN, N. Small-scale art organizations as participatory platforms for decolonizing practices and sensibilities. Journal of Aesthetics & Culture, v. 13, n. 1, Artigo 1972526, dec. 2021. DOI: https://doi.org/10.1080/20004214.2021.1972526.
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, por exemplo, ao destacar o papel de pequenas organizações artísticas para a construção de um projeto de(s)colonial, em alternativa aos museus antropológicos, evidenciando que repensar a organização – que pode ser vista como um espaço de convívio ou uma plataforma discursiva –, implica enxergar a gestão em outros termos. Neste sentido, a autora reflete sobre uma gestão crítica, integrada aos processos cotidianos, na qual a equipe de trabalho seja organizada de modo não hierárquico, a comunidade seja envolvida, os serviços adquiridos apoiem a economia local e haja participação de curadores/as do Sul Global em cargos efetivos.

Autores/as que problematizam o papel das ONGs em contextos do Sul Global também apontam para a possibilidade de uma gestão de(s)colonial que implica o envolvimento ativo com a realidade, numa perspectiva emancipatória; uma contextualidade radical, considerando níveis macro e micro de uma realidade organizacional; a prática autorreflexiva do/a gestor/a (Girei, 2017GIREI, E. Decolonising management knowledge: A reflexive Journey as practitioner and researcher in Uganda. Management Learning, v. 48, n. 4, p. 453–470, mar. 2017. DOI: http://dx.doi.org/10.1177/1350507617697867.
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); e a possibilidade do recurso à noção de indigenização que, segundo Lilley (2021)LILLEY, S. Transformation of library and information management: Decolonization or Indigenization? International Federation of Library and Institutions, v. 47, n. 3, p. 305-312, jun. 2021. DOI: http://doi.org/10.1177/03400352211023071.
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, significa incluir e manter conhecimentos, valores e práticas indígenas nas instituições que se relacionam com essas populações, de modo a satisfazer as necessidades das comunidades indígenas envolvidas. Importante destacar que a noção de indigenização tem sido problematizada por não garantir que o pensamento ocidental moderno e as regras do jogo a ele relacionadas sejam evitadas (Ndlovu-Gatsheni, 2017NDLOVU-GATSHENI, S. J. The emergence and trajectories of struggles for na ‘African University’: The case of unfinished business of African epistemic decolonisation. Kronos, Cape Town, v. 43, n. 1, p. 51-77, 2017. DOI: http://dx.doi.org/10.17159/2309-9585/2017/v43a4.
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; Ruggunan, 2016RUGGUNAN, S. D. ‘Decolonising management studies: A love story’. Acta Commercii, Johannesburg, v. 16, n. 2, p. 103-138, 2016. DOI: http://dx.doi.org/10.4102/ac.v16i2.412.
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). Nesse sentido, cabe a distinção feita por Bastien, Coraiola e Foster (2023)BASTIEN, F.; CORAIOLA, D. M.; FOSTER, W. M. Indigenous Peoples and Organization Studies. Organzation Studies, v. 44, n. 4, p. 659-675, nov. 2023. DOI: https://doi.org/10.1177/01708406221141545.
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entre indigenização cosmética e decolonial. A primeira se refere à apropriação superficial de identidades e conhecimentos indígenas para promover a imagem de uma organização colonial. A segunda prevê mudanças significativas e sistemáticas que abraçam realidades, condições e visões de mundo indígenas.

Outras organizações não formais e não estruturadas que inspiram o debate sobre a construção de um mundo transmoderno e pluriversal, por meio da sociologia das ausências e das emergências, são os movimentos políticos, como o das empregadas domésticas no Brasil, que luta por direitos trabalhistas (Bernardino-Costa, 2015BERNARDINO-COSTA, J. Decolonialidade e interseccionalidade emancipadora: a organização política das trabalhadoras domésticas no Brasil. Revista Sociedade e Estado, Brasília, v. 30, n. 1, p. 147-163, jan. 2015. DOI: https://doi.org/10.1590/S0102-69922015000100009.
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); a luta de trabalhadores/as de aplicativos do Sul Global, inseridos/as numa economia de plataforma colonial, racista e patriarcal (Cordero, 2022CORDERO, K. H. Decolonial readings of platform economies: the organising of on-demand delivery women Workers in Ecuador. Journal für Entwicklungspolitik (JEP): Austrian Journal of Development Studies, Viena, v. 38, n. 2-3, p. 171-192, aug. 2022. DOI: https://doi.org/10.20446/JEP-2414-3197-38-2-171.
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); a organização de agentes de uma comunidade indígena nos EUA, com o objetivo de implementar mudanças de nomes de ruas – e remoção de monumentos – que homenageiam o genocídio de populações nativas (Hill, 2021HILL, M. No Honor in Genocide: A Case Study of Street Renaming and Community Organizing in the Wake of National Decolonization Efforts. Journal of Hate Studies, Spokane, v. 17, n. 1, p. 85–107, oct. 2021. DOI: https://doi.org/10.33972/jhs.200.
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); e o movimento autogestionado e cooperativo, que realiza interlocução com o campo da educação na Argentina, permitindo pensar a gestão a partir de pedagogias descolonizadoras (Guelman; Palumbo, 2017GUELMAN, A.; PALUMBO, M. M. La construcción de pedagogías descolonizadoras: notas desde la práxis del trabajo em organizaciones sociales. Revista Colombiana de Educación, Bogotá, v. 1, n. 76, p. 33-49, jan. 2017. DOI: http://doi.org/10.17227/rce.num76-5929.
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). Este último contexto, particularmente, contribui no sentido de evidenciar que a gestão pode ser enriquecida por meio de vínculos afetivos entre sujeitos coletivos portadores de saberes distintos na organização, “rompendo a fragmentação e atomização do saber associada à divisão especializada do trabalho” (Guelman; Palumbo, 2017, p. 40GUELMAN, A.; PALUMBO, M. M. La construcción de pedagogías descolonizadoras: notas desde la práxis del trabajo em organizaciones sociales. Revista Colombiana de Educación, Bogotá, v. 1, n. 76, p. 33-49, jan. 2017. DOI: http://doi.org/10.17227/rce.num76-5929.
http://doi.org/10.17227/rce.num76-5929...
).

Importante destacar que estes movimentos organizacionais e de gestão podem ser caracterizados como práticas ligadas à sociologia das ausências e das emergências devido ao fato de “resgatarem” aquilo que esteve historicamente ausente dos discursos oficiais, particularmente no campo da gestão, permitindo vislumbrar possibilidades insurgentes e emergentes de presentes e de futuros, conectadas a uma ecologia de saberes. É o que também se observa nas discussões existentes no tema gestão internacional, no qual se destacam vínculos de solidariedade entre organizações de diferentes países do Norte e do Sul Global, agregando diferentes tradições e culturas políticas com vistas à libertação e pondo em diálogo uma pluralidade de agentes – governos, organizações religiosas, sindicatos, partidos políticos e outros (Álvarez, 2022). Contudo, é importante manter um olhar sempre crítico às alianças transnacionais, uma vez que elas podem manter hierarquias coloniais, marginalizando ações, movimentos e intelectuais do Sul (Waites, 2017WAITES, M. LGBTI organizations navigating imperial contexts: the Kaleidoscope Trust, the Commonwealth and the need for a decolonizing, intersectional politics. The Sociological Review, v. 65, n. 4, p. 644-662, jan. 2017. DOI: https://dx.doi.org/10.1111/1467-954X.12424.
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).

Evidenciadas essas possibilidades de organização e de gestão, informadas por uma perspectiva de(s)colonial, que assume a transmodernidade pluriversal, a ecologia dos saberes e a sociologia das ausências e das emergências, cabe destacar que o ensino e a pesquisa em gestão precisam acompanhar esses processos. Nesse sentido, os temas ensino de gestão e pesquisa relativa à gestão e às organizações indicam caminhos importantes.

No tema ensino de gestão, a imaginação pedagógica é estimulada, indo além da ética gerencial e promovendo a educação para a mudança social. Em termos práticos, essa imaginação pedagógica envolve links entre problemas pessoais e questões públicas, o que é visto como algo importante no ensino da administração, de acordo com Ruggunan (2016)RUGGUNAN, S. D. ‘Decolonising management studies: A love story’. Acta Commercii, Johannesburg, v. 16, n. 2, p. 103-138, 2016. DOI: http://dx.doi.org/10.4102/ac.v16i2.412.
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. America e Grange (2019)AMERICA, C.; GRANGE, L. le. Dekolonisering van die kurrikulum: ʼn Kontekstualisering van Ekonomie- en Besigheidstudieonderrig. Tydskrif vir Geesteswetenskappe, v. 59, n. 1, p. 106-123, 2019. DOI: http://dx.doi.org/10.17159/2224-7912/2019/v59n1a7.
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, que estudam o contexto africano, argumentam sobre a importância de contextualizar o ensino e a aprendizagem em gestão e organizações e, para isso, sugerem: i) conhecer a história econômica e empresarial local; ii) fazer perguntas orientadoras que questionem as visões de mundo hegemônicas, principalmente no que diz respeito à noção de desenvolvimento; e iii) considerar a interculturalidade, por meio de desaprendizagens e aprendizagens contínuas. Tais práticas envolvem, por exemplo, a utilização de estudos de caso locais e o incentivo a inovações afrocêntricas, dado que o contexto da pesquisa é a África.

Ainda pensando em termos práticos, também no contexto africano, mas centrados no ensino da administração pública, Nzewi e Maramura (2021)NZEWI, O. I.; MARAMURA, T. C. A big Picture perspective of decolonization of public administration debate in Africa: Looking back and looking forward. South African Journal of Higher Education, South Africa, v. 35, n. 5, p. 204-215, nov. 2021. DOI: https://dx.doi.org/10.20853/35-5-4123.
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propõem um processo deliberado, racional e intencional de reorientação estratégica do currículo no ensino da gestão. Tal reorientação prevê o reconhecimento e a inclusão de sistemas de conhecimentos indígenas no currículo, de modo a desvincular-se do ideal ocidental de conhecimento. Essa proposta é interessante, pois se utiliza da racionalidade característica do pensamento ocidental-moderno para promover conhecimentos historicamente invisibilizados por este mesmo pensamento.

No tema pesquisa relativa à gestão e às organizações, “a análise das práticas locais, bem como a valorização dos saberes locais e o esforço analético (denúncia e resistência)” (Couto; Honorato; Silva, 2019, p. 256COUTO, F. F.; HONORATO, B. E. F.; SILVA, E. R. Organizações outras: diálogos entre a teoria da prática e a abordagem decolonial de Dussel. Revista de Administração Contemporânea, Maringá, v. 23, n. 2, p. 249-267, mar.-abr. 2019 DOI: http://doi.org/10.1590/1982-7849rac2019180057.
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) é uma preocupação latente, indicando a necessidade de desenvolver a imaginação para novas agendas de pesquisa engajadas com historiografias críticas (Ruggunan, 2016RUGGUNAN, S. D. ‘Decolonising management studies: A love story’. Acta Commercii, Johannesburg, v. 16, n. 2, p. 103-138, 2016. DOI: http://dx.doi.org/10.4102/ac.v16i2.412.
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). Numa perspectiva de(s)colonial, a partir dos estudos analisados, essas pesquisas podem utilizar narrativas polifônicas (Silva; Santos, 2021SILVA, Í.; SANTOS, E. C. Narrativa histórica, decolonialidade e polifonia nos estudos em gestão: uma abordagem teórico-metodológica. Brazilian Business Review, Vitória, v. 18, n. 6, p. 679-699, nov. 2021. DOI: http://doi.org/10.15728/bbr.2021.18.6.5.
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) e uma visão práxica de análise historiográfica engajada, que envolva colegas do Sul e do Norte (Faria; Cunha, 2022FARIA, A.; CUNHA, J. F. Decolonizando business history: o caso da historiografia Unilever. Cadernos Ebape.BR, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 118-134, jan.-fev. 2022. DOI: http://doi.org/10.1590/1679-395120210001.
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).

Algo importante neste tema tem sido o apelo à utilização de autores/as do Sul Global, como Paulo Freire e Orlando Fals-Borda, que inspiram uma pesquisa-ação participativa como método não extrativista no campo da contabilidade e da gestão (Silva; Sauerbronn; Thiollent, 2022SILVA, C. M.; SAUERBRONN, F. F.; THIOLLENT, M. Estudos decoloniais, métodos não extrativos e pesquisa-ação participativa em contabilidade. Revista de Administração Contemporânea, Curitiba, v. 26, n. 4, p. 1-17, jan. 2022. DOI: http://doi.org/10.1590/1982-7849rac2022210014.en.
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); o próprio Enrique Dussel, para compreender a resistência a práticas fetichizadas de poder exercidas por mecanismos institucionais, que se desvirtuam da vontade-de-viver do povo (Couto; Palhares; Carrieri, 2020COUTO, F. F.; PALHARES, J. V.; CARRIERI, A. P. Corrupção organizacional e uma justificação decolonial para as práticas de whistleblowing. Revista Eletrônica de Ciência Administrativa, Curitiba, v. 19, n. 3, p. 337-358, set.-dez. 2020. DOI: http://doi.org/10.21529/RECADM.2020014.
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); autoras feministas Decoloniais Latino-Americanas (Manning, 2021MANNING, J. Decolonial feminist theory: Embracing the gendered colonial difference in management and organisation studies. Gender, Work & Organization, v. 28, n. 4, p. 1203-1219, mar. 2021. DOI: https://doi.org/10.1111/gwao.12673.
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); Amílcar Cabral e, mais uma vez, Paulo Freire, para pensar “a práxis na luta pela libertação das múltiplas formas de opressão e da exploração que o sistema do capital impõe” (Misoczky, 2022, p. 658MISOCZKY, M. C. Paulo Freire e Amílcar Cabral: Pedagogos do anticolonialismo. Revista Eletrônica de Administração, Porto Alegre, v. 28, n. 3, p. 646-661, set. 2022. DOI: http://doi.org/10.1590/1413-2311.359.120361.
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); e Alberto Guerreiro Ramos, para compreender a administração pública e a gestão social brasileiras (Louredo, 2019LOUREDO, F. M. Repensando as bases da administração pública brasileira: contribuições de Guerreiro Ramos sob o olhar decolonial. Estudos de Administração e Sociedade, Niteroi, v. 4, n. 1, p. 30-41, jan. 2019. DOI: https://doi.org/10.22409/eas.v4i1.43333.
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; Hernandéz; Cançado, 2017HERNANDÉZ, A. R.; CANÇADO, A. C. Analisis de la Gestión social brasileña através de la teoria de la decolonialidad. Amazônia, Organizações e Sustentabilidade, Belém, v. 6, n. 1, p. 25-43, jan., 2017. DOI: http://dx.doi.org/10.17800/2238-8893/aos.v6n1p25-43.
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).

A utilização de obras literárias também aparece como uma possibilidade de diálogo entre saberes para a construção de uma transmodernidade pluriversal na pesquisa relativa à gestão e às organizações. Silva, Dias e Santos (2021)SILVA, Í.; DIAS, P. K.; SANTOS, E. C. Gestão, história decolonial e literatura: Macunaíma como personagem antropofágico para (re)pensarmos a crítica nos Estudos Organizacionais. Revista Eletrônica de Ciência Administrativa, Curitiba, v. 20, n. 4, p. 683-714, nov. 2021. DOI: http://doi.org/10.21529/RECADM.2021024.
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, por exemplo, exploram o personagem antropofágico Macunaíma – o herói sem caráter –, do escritor brasileiro Mário de Andrade, para repensar a gestão praticada no Sul Global. Propõem, portanto, uma “Gestão às avessas e sem caráter” (Silva; Dias Santos, 2021, p. 695SILVA, Í.; DIAS, P. K.; SANTOS, E. C. Gestão, história decolonial e literatura: Macunaíma como personagem antropofágico para (re)pensarmos a crítica nos Estudos Organizacionais. Revista Eletrônica de Ciência Administrativa, Curitiba, v. 20, n. 4, p. 683-714, nov. 2021. DOI: http://doi.org/10.21529/RECADM.2021024.
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), que se diferencia da gestão racional/técnica/instrumental, centrada na Europa e nos EUA. Oliveira e Wanderley (2022)OLIVEIRA, C. G.; WANDERLEY, S. E. P. Subalterno pode escrever! Uma contribuição decolonial e interseccional na obra de Carolina Maria de Jesus para os estudos organizacionais. Revista Eletrônica de Ciência Administrativa, Curitiba, v. 21, n. 2, p. 242-274, mai. 2022. DOI: http://doi.org/10.21529/RECADM.2022009.
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, por sua vez, utilizam a obra da escritora brasileira Carolina Maria de Jesus para analisar a realidade de mulheres negras atuantes em multinacionais brasileiras.

Ainda no que se refere ao tema pesquisa relativa à gestão e às organizações, Abdalla e Faria (2017)ABDALLA, M. M.; FARIA, A. Em defesa da opção decolonial em administração/gestão. Cadernos Ebape.BR, Rio de Janeiro, v. 15, n. 4, p. 914-929, out. 2017. DOI: http://doi.org/10.1590/1679-395155249.
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propõem a construção de uma agenda transcosmopolita – nem cosmopolita, nem regionalista, nem continentalista ou nacionalista – em administração/gestão no (e a partir do) Brasil. Essa proposta parte de reflexão crítica sobre o projeto modernidade/colonialidade/decolonialidade, que assumiu “o essencialismo latino-americanista em resposta ao essencialismo eurocêntrico que se radicalizou durante a ‘revolução’ neoliberal” (Abdalla; Faria, 2017, p. 922ABDALLA, M. M.; FARIA, A. Em defesa da opção decolonial em administração/gestão. Cadernos Ebape.BR, Rio de Janeiro, v. 15, n. 4, p. 914-929, out. 2017. DOI: http://doi.org/10.1590/1679-395155249.
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). Esse essencialismo latino-americanista repercute, segundo os autores, no pouco diálogo entre autores/as latino-americanos e as teorias desenvolvidas no Brasil, devido ao fato deste país não compor a “América Espanhola” - preocupação exposta também por Ballestrin (2013)BALLESTRIN, L. América Latina e o giro decolonial. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, n. 11, p. 89-117, mai. 2013. DOI: https://doi.org/10.1590/S0103-33522013000200004.
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. Diante desta problemática, os autores defendem a necessidade de resgatar o engajamento com “outros” por meio da perspectiva transcosmopolita/transmoderna pluriversal de Enrique Dussel, com vistas à libertação.

Essa reflexão é fundamental pois remete às distinções entre abordagens de(s)coloniais evidenciadas anteriormente. Em outros termos, é importante compreender que diferentes perspectivas privilegiam diferentes compreensões e narrativas históricas, sendo sempre necessária à pesquisa em gestão e em organizações inspirada em abordagens de(s)coloniais, um posicionamento sobre o que significa exatamente o colonialismo e de onde parte essa compreensão, em termos geopolíticos, históricos, epistêmicos e discursivos. O intuito aqui é tornar as análises mais coerentes com os processos históricos de cada território colonizado.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio do presente artigo, foi possível diferenciar duas abordagens de(s)coloniais recentes que têm contribuído para a discussão e prática em gestão e organizações, nomeadamente as abordagens Decoloniais Latino-Americanas e as Epistemologias do Sul. As principais diferenças percebidas estão em torno da nomenclatura utilizada – colonialidade, decolonialidade, colonialismo e descolonização –; de diferentes narrativas históricas sobre a origem do poder colonial; das correspondências e distinções entre os termos colonialismo e imperialismo; e dos entendimentos sobre o Sul Global. A aproximação observada entre as duas abordagens discutidas se refere à utilização das sociologias das ausências, das emergências, e das ecologias de saberes para o alcance de projetos transmodernos pluriversais.

Com o objetivo de compreender as contribuições da aproximação entre as abordagens Decoloniais Latino-Americanas e as Epistemologias do Sul para o campo da gestão e das organizações, foi realizada uma RSL que evidenciou cinco temas principais na produção científica dos últimos dez anos: gestão ambiental; ensino de gestão; gestão em organizações não empresariais; pesquisa relativa à gestão e às organizações; e gestão internacional. A partir de análise dos artigos levantados, orientada pelos conceitos de transmodernidade pluriversal, ecologia dos saberes, sociologia das ausências e das emergências, foi possível observar algumas contribuições para o campo da gestão e organizações, a saber:

  • i) estímulo a uma gestão ambiental que parta de compreensões alternativas às ocidentais, entendendo a terra, os animais não humanos, as águas, as plantas, entre outros, como seres que merecem respeito, buscando o diálogo entre diferentes saberes, principalmente os indígenas, sem priorizar o conhecimento científico;

  • ii) questionamento a pressupostos ocidentais modernos, como a noção de sustentabilidade, assumindo as dinâmicas de subsistência locais em contextos de trocas globais;

  • iii) ênfase em modelos organizacionais não empresariais e modos de gestão que se contrapõem ao hegemônico, que envolvam a comunidade, priorizem agentes do Sul Global, se inspirem em pedagogias de(s)colonizadoras, entre outros aspectos, evidenciando ausências e emergências no campo da gestão e das organizações;

  • iv) gestão internacional que incentive os vínculos de solidariedade entre organizações de diferentes países, agregando diferentes tradições, com vistas à liberdade;

  • v) ensino de gestão conectado às histórias e aos conhecimentos locais, desvinculando-se do ideal ocidental moderno; e

  • vi) desenvolvimento de pesquisas situadas histórica e geopoliticamente, inspiradas sobretudo em autores/as locais, e que dialoguem com diferentes conhecimentos, como o literário.

Tais contribuições vão além da denúncia e indicam caminhos para a construção de projetos de(s)coloniais no campo de gestão e organizações. Assim, é possível afirmar que as aproximações entre as abordagens Decoloniais Latino-Americanas e as Epistemologias do Sul são importantes na medida em que permitem reflexões e práticas transformadoras em diferentes áreas no campo da gestão e organizações. Particularmente no que se refere ao desenvolvimento de pesquisas em gestão e organizações, a preocupação demonstrada por Abdalla e Faria (2017)ABDALLA, M. M.; FARIA, A. Em defesa da opção decolonial em administração/gestão. Cadernos Ebape.BR, Rio de Janeiro, v. 15, n. 4, p. 914-929, out. 2017. DOI: http://doi.org/10.1590/1679-395155249.
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, sobre possíveis essencialismos no debate de(s)colonial, precisa ser cada vez mais problematizada, principalmente por meio de pesquisas que se posicionem em termos geopolíticos, epistemológicos, históricos e discursivos, e que estejam abertas à ignorância enquanto “ponto de chegada, resultado do esquecimento ou desaprendizagem que o processo de aprender implica” (Santos, 2017, p. 237SANTOS, B. de S. Justicia entre saberes: Epistemologías del Sur contra el epistemicidio. Madrid: Ediciones Morata, 2017.).

A partir dessas reflexões, alguns questionamentos ficam em aberto. Seria o termo “decolonialidade” apropriado para nomear projetos de resistência em contextos fora da América Latina, “conquistada” pela Espanha, uma vez que este recurso discursivo surge na defesa de uma narrativa histórica específica, que coloca a origem da matriz de poder colonial no território latino-americano? É possível falar em colonialismo no geral, para abarcar diferentes realidades e histórias coloniais? Como construir uma abordagem de(s)colonial brasileira, considerando suas especificidades históricas, aparentemente distintas dos outros países que compõem a América Latina, e que possa dialogar com as abordagens Decoloniais e com as Epistemologias do Sul?

Espera-se que tais questões sejam úteis para pluralizar ainda mais o campo de estudos de(s)coloniais, principalmente no campo da gestão, incentivando a elaboração de novas pesquisas.

  • 2
    A presente publicação foi realizada com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Brasil (CAPES), Código de Financiamento 001, e no âmbito do pós-doutoramento do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES-UC). Agradecimento especial à professora Maria Paula Meneses (CES-UC), supervisora da pesquisa, pelas conversas e contribuições ao artigo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2024

Histórico

  • Recebido
    08 Dez 2023
  • Aceito
    23 Dez 2023
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