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Análise e Controle Ótimo da COVID-19 no Brasil usando Modelo Epidemiológico SI Intervalar

RESUMO

O objetivo deste trabalho é fornecer cenários possíveis da evolução da pandemia ocasionada pela COVID-19 a partir da aplicação de estratégias de controle ótimo. Uma vez que os dados sobre o coronavírus SARS-CoV-2 são repletos de incerteza ou mesmo falta de informação, a modelagem matemática intervalar é viável para o estudo de modelos epidemiológicos relacionados à COVID-19. Assim, foi proposto o modelo epidemiológico SI intervalar e o problema de controle ótimo intervalar correspondente. A solução do problema de controle ótimo intervalar ilustra cenários pessimistas e otimistas para a evolução da pandemia no Brasil. Dois critérios de tomada de decisão sob incerteza foram considerados e podem auxiliar os agentes de saúde pública. Ambos os critérios levam em consideração custos associados à tomada de decisão.

Palavras-chave:
COVID-19; modelo epidemiológico SI intervalar; controle ótimo intervalar; aritmética intervalar restrita; tomada de decisão

ABSTRACT

The objective of this paper is to provide possible scenarios for the evolution of Coronavirus Disease-19 (COVID-19) from the application of optimal control strategies. Provided that data on the novel coronavirus (SARS-CoV-2) are fraught of uncertainty or even lack of information, interval mathematical models are feasible for the study of epidemiological models related to COVID-19. Thus, the interval SI epidemiological model and the corresponding interval optimal control problem were proposed. The solution of the interval optimal control problem illustrates pessimistic and optimistic scenarios for the evolution of the pandemic in Brazil. Two decision-making criterias under uncertainty have been considered and they can assist the decision making process by public health workers. Both criterias take into account costs associated with the decision-making.

Keywords:
COVID-19; interval SI epidemiological model; interval optimal control problem; constrained interval arithmetic; decision-making

1 INTRODUÇÃO

O coronavírus é uma família de vírus que causam infecções respiratórias 2626 Ministério da Saúde . O que é COVID-19 (2020). URL URL https://coronavirus.saude.gov.br/ . Acesso em: 18 abr. 2020.
https://coronavirus.saude.gov.br/...
. O novo agente do coronavírus foi descoberto no final de 2019, em Wuhan, na China. Ele provoca a doença chamada de coronavírus (COVID-19). Desde a sua descoberta e consequente divulgação, o grande avanço da COVID-19 preocupa especialistas do mundo inteiro, fato esse que fez com que a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretasse estado de pandemia em março de 2020 3636 World Health Organisation. WHO Timeline - COVID-19 (2020). URL URL https://www.who.int/news-room . Acesso em: 18 abr. 2020.
https://www.who.int/news-room...
. Assim, a COVID-19 é uma doença causada pelo coronavírus SARS-CoV-2, e que apresenta um quadro clínico que varia de infecções assintomáticas a quadros respiratórios graves 2626 Ministério da Saúde . O que é COVID-19 (2020). URL URL https://coronavirus.saude.gov.br/ . Acesso em: 18 abr. 2020.
https://coronavirus.saude.gov.br/...
.

Segundo a OMS 3434 World Health Organisation. Coronavirus (COVID-19) (2020). URL URL https://covid19.who.int /. Acesso em: 30 abr. 2020.
https://covid19.who.int...
, existem atualmente mais de 3 milhões da casos confirmados com a COVID-19 e mais de 200 mil mortes. Atualmente, os principais continentes afetados são Europa e América. Já os principais países afetados são Estados Unidos, Espanha e Itália 1616 COVID-19 Information and Resources for JHU. COVID-19 Dashboard by the Center for Systems Science and Engineering at Johns Hopkins University (2020). URL URL https://www.arcgis.com/ . Acesso em: 17 abr. 2020.
https://www.arcgis.com/...
), (3434 World Health Organisation. Coronavirus (COVID-19) (2020). URL URL https://covid19.who.int /. Acesso em: 30 abr. 2020.
https://covid19.who.int...
. No Brasil, o Ministério da Saúde confirma mais de 80000 casos da COVID-19 e mais de 5000 mortes, tendo uma predominância na região Sudeste do Brasil 1515 Coronavírus Brasil. Painel Coronavírus (2020). URL URL https://covid.saude.gov.br/ . Acesso em: 29 abr. 2020.
https://covid.saude.gov.br/...
. Ainda, é provável que o vírus continue se espalhando se medidas de controle não forem adotadas.

Devido à falta de testes e ao grande número de indivíduos infectados e assintomáticos, os dados fornecidos pela OMS e Ministério da Saúde se tornam imprecisos. Da mesma forma, os estudos sobre as características epidemiológicas do coronavírus SARS-CoV-2 assim como a busca por medicamentos estão sendo realizadas durante a pandemia. Assim, a falta de dados precisos, a forma como o vírus se comporta e a falta de medicamento tornam a estratégia de controle da pandemia mais difícil. Há relatos de que o número real de infectados no Brasil pode variar de 5 a 15 vezes em relação ao que é divulgado oficialmente pelo Ministério da Saúde 1818 G1. Total de infectados por coronavírus no DF pode ser 5 vezes maior que número oficial, diz relatório (2020). URL URL https://g1.globo.com . Acesso em: 15 abr. 2020.
https://g1.globo.com...
), (2525 Ministério da Saúde. Ministério da Saúde (2020). URL URL https://saude.gov.br/ . Acesso em: 18 abr. 2020.
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), (3030 Poder 360. Número de infectados pela COVID-19 é 15 vezes maior no Brasil, diz estudo (2020). URL URL https://www.poder360.com.br . Acesso em: 14 abr. 2020.
https://www.poder360.com.br...
.

Dispostos a incorporar incerteza no modelo matemático, assumindo o atual conhecimento do novo coronavírus e os dados divulgados oficialmente, propomos o modelo epidemiológico SI intervalar. A modelagem matemática intervalar ilustra um caso particular de problemas com incerteza generalizada 1212 J.R. Campos , E. Assunção , G.N. Silva , W.A. Lodwick & M.C.M. Teixeira. Discrete-time interval optimal control problem. International Journal of Control, 92(8) (2019), 1778-1784.), (2020 W.A. Lodwick . An overview of flexibility and generalized uncertainty in optimization. Computational & Applied Mathematics, 31(3) (2012), 569-589.), (2121 W.A. Lodwick & P. Thipwiwatpotjana. “Flexible and Generalized Uncertainty Optimization”. Springer, Switzerland (2017).. Assim, um modelo matemático intervalar é adequado para o estudo da pandemia provocada pela COVID-19 uma vez que ele capta incertezas e consequentemente consegue fornecer uma trajetória da evolução da doença COVID-19 com cenário pessimista e otimista. Ainda, a solução do problema de controle ótimo intervalar proposto estabelece estratégias de controle ótimo. Segundo 55 L.C. Barros & R.C. Bassanezi. “Tópicos de lógica fuzzy e Biomatemática”. IMECC-UNICAMP, Campinas (2006)., uma medida de controle é o isolamento social; e a estratégia de controle ótimo proposta é a estratégia de isolamento mais eficiente. A solução do problema de controle ótimo intervalar usa a mesma abordagem desenvolvida em 1010 J.R. Campos, E. Assunção, G.N. Silva, W.A. Lodwick, M.C.M. Teixeira & U.A.S. Leal. Constrained interval arithmetic to solve the discrete-time interval optimal control problem. In “Recent Trends on Fuzzy Systems”. Sociedade Brasileira de Matemática Aplicada e Computacional (2018).), (1111 J.R. Campos, E. Assunção, G.N. Silva & W.A. Lodwick. Biological control of sugarcane caterpillar (Diatraea saccharalis) using interval mathematical models. International Journal on Mathematical Methods and Models in Biosciences, 5(1) (2016), 1604232.), (1212 J.R. Campos , E. Assunção , G.N. Silva , W.A. Lodwick & M.C.M. Teixeira. Discrete-time interval optimal control problem. International Journal of Control, 92(8) (2019), 1778-1784..

É sabido que a solução do problema de controle ótimo intervalar mostra cenários pessimista e otimista, assim como fornece um custo associado para cada cenário. Logo, do ponto de vista do gestor é preciso tomar uma decisão pontual. Sabemos ainda que cada decisão pontual provocada pelo gestor gera um custo durante o seu processo de execução. Nesse sentido, esse trabalho ilustra dois critérios para auxiliar o gestor na tomada de decisão sob incerteza. O primeiro critério é denominado mínimo arrependimento e o segundo é chamado minimin.

Portanto, esse estudo visa ilustrar cenários possíveis da evolução da COVID-19 no Brasil a partir da aplicação de controle ótimo, assim como propor medidas de controle ótimo pontuais de acordo com critérios de tomada de decisão sob incerteza.

O trabalho que apresentamos está organizado da seguinte maneira. Na próxima seção mostramos o modelo epidemiológico SI. Em seguida, na Seção 3, propomos o modelo epidemiológico SI intervalar e o problema de controle ótimo intervalar. Na Seção 4 realizamos a simulação do problema de controle ótimo intervalar. A Seção 5 traz algumas considerações importantes. A Seção 6 ilustra a tomada de decisão sob incerteza. Finalizamos o trabalho com as conclusões.

2 O MODELO EPIDEMIOLÓGICO SI

Um modelo clássico para descrever a dinâmica de doenças transmitidas diretamente é o modelo epidemiológico SI 55 L.C. Barros & R.C. Bassanezi. “Tópicos de lógica fuzzy e Biomatemática”. IMECC-UNICAMP, Campinas (2006). dado por

d S d t = - β S I d I d t = β S I , (2.1)

sendo que S é a proporção de indivíduos suscetíveis, I é a proporção de indivíduos infectados e β é o coeficiente de transmissão. As condições iniciais para esse modelo são S 0 e I 0, isto é, são as proporções iniciais de indivíduos suscetíveis e infectados, respectivamente.

O modelo epidemiológico SI (2.1) leva em consideração a iteração entre os indivíduos suscetíveis e infectados. Além disso, ele é um modelo dado por equações diferenciais e baseia-se na lei de ação de massas originada no estudo de cinética química 55 L.C. Barros & R.C. Bassanezi. “Tópicos de lógica fuzzy e Biomatemática”. IMECC-UNICAMP, Campinas (2006).. Apesar de ser o modelo epidemiológico mais simples, acreditamos ser um modelo aceitável para o estudo da COVID-19 uma vez que no momento não temos clareza da forma de atuação do vírus assim como também não sabemos exatamente o que acontece com os indivíduos infectados, isto é, não sabemos, por exemplo, se os indivíduos infectados se tornam completamente imunes 1717 G1. OMS alerta para a incerteza sobre casos de reinfecção (2020). URL URL https://g1.globo.com/bemestar . Acesso em: 25 abr. 2020.
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),(3535 World Health Organisation. Immunity passports in the context of COVID-19 (2020). URL URL https://www.who.int/news-room . Acesso em: 30 abr. 2020.
https://www.who.int/news-room...
. Essa informação permitiria a análise de modelos mais complexos, como o modelo epidemiológico SIR 11 M.O.R. Abreu. Modelagem matemática da Covid-19 usando SIR. Jornal Eletrônico de Ensino e Pesquisa de Matemática, 4(1) (2020), 27-48.), (33 P.R. Almeida. “Modelos epidêmicos SIR, contínuos e discretos, e estratégias de vacinação”. Mestrado em Matemática, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa (2014).), (2222 M.H.R. Luiz. “Modelos matemáticos em epidemiologia”. Mestrado em Matemática, Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Rio Claro (2012)..

Para ilustrar o modelo epidemiológico (2.1), realizamos uma simulação da evolução da COVID-19 considerando o coeficiente de transmissão igual a 8,01% devido ao tempo de dobra no número de indivíduos infectados no Brasil em torno de 9 dias 2929 Our World in Data. Coronavirus Disease COVID-19 - Statistics and Research (2020). URL URL https://ourworldindata.org/coronavirus . Acesso em: 30 abr. 2020.
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. Esse coeficiente de transmissão é aceitável para a realização de simulações e está de acordo com o momento em que se encontra a evolução do número de indivíduos infectados. Assim, o modelo epidemiológico se torna estável em torno de 200 dias, e com os indivíduos suscetíveis tornando-se infectados. É interessante destacar que o ponto de equilíbrio natural para o modelo é S = 0 e I = 1 (ou I = 100%); porém, esse ponto de equilíbrio não é desejado do ponto de vista de controle da pandemia devido à sobrecarga do sistema de saúde. Ainda, em torno de 70 dias estaríamos aumentando exponencialmente o número de indivíduos infectados. Por volta de 100 dias teríamos 50% da população contaminada se mantido o coeficiente de transmissão. As condições iniciais consideradas foram S 0 = 0, 9996 e I 0 = 0, 0004 (em torno de 84000 indivíduos infectados inicialmente considerando a população do Brasil em 210 milhões de habitantes).

A seguir mostramos o gráfico da simulação do modelo epidemiológico SI com coeficiente de transmissão β = 8, 01%.

Figura 1:
Evolução da dinâmica (suscetíveis) do modelo com S 0 = 0, 9996 e I 0 = 0, 0004.

Figura 2:
Evolução da dinâmica (infectados) do modelo com S 0 = 0, 9996 e I 0 = 0, 0004.

Para esse trabalho, vamos considerar um ponto de equilíbrio desejado para modelo epidemiológico SI (2.1). Escolhemos esse ponto de equilíbrio igual a S = 0, 30 e I = 0. Isso significa que estamos satisfazendo matematicamente o modelo dinâmico descrito em (2.1) e ao mesmo tempo estamos visando valores desejáveis para a evolução da pandemia, isto é, estamos considerando uma taxa de isolamento social igual a 70% da população, nível esse estabelecido por especialistas 22 Agência Brasil. Taxa de isolamento em SP no domingo chega a 59%; índice ideal é 70% (2020). URL URL https://agenciabrasil.ebc.com.br . Acesso em: 20 abr. 2020.
https://agenciabrasil.ebc.com.br...
. Assim, almejamos que o modelo epidemiológico SI (2.1) transfira a condição inicial S 0 e I 0 ao ponto de equilíbrio desejado. Isso seria possível devido à aplicação de controle.

Conforme 66 L.C. Barros, R.C. Bassanezi & W.A. Lodwick. “A first course in fuzzy logic, fuzzy dynamical systems, and Biomathematics”. Springer, Berlin (2017)., o isolamento social ou a quarentena é descrito como medida de controle para uma situação de epidemia.

O modelo epidemiológico SI (2.1) com controle seria dado por

d S d t = - β S I - u * - u d I d t = β S I - v * - v , (2.2)

sendo que u = −β S I é o controle que leva o sistema ao ponto de equilíbrio desejado e u é o controle que estabiliza o sistema nesse ponto. Já v = β S I é o controle que leva o sistema ao ponto de equilíbrio desejado e v é o controle que estabiliza o sistema nesse ponto. Ainda, o controle u seria o isolamento dos indivíduos suscetíveis ou simplesmente indivíduos suscetíveis isolados (isolamento social realizado com supervisão de estados e municípios, etc) e o controle v seria o isolamento dos indivíduos infectados (isolamento executado com a disponibilização de testes rápidos realizados em grandes quantidades, monitoramento e consequente isolamento a partir do momento que ocorrer qualquer sintoma aparente, etc).

Considerando a validade do teorema de Grobman-Hartman 2727 L.H.A. Monteiro. “Sistemas dinâmicos”. Editora Livraria de Física, São Paulo (2002). que nos diz que na vizinhança de um ponto de equilíbrio hiperbólico um sistema não-linear de dimensão finita apresenta um comportamento qualitativamente equivalente ao do sistema linear correspondente, o modelo epidemiológico SI linearizado é dado por

d S d t = - β S * I * - β I * ( S - S * ) - β S * ( I - I * ) - u * - u d I d t = β S * I * + β I * ( S - S * ) + β S * ( I - I * ) - v * - v , (2.3)

ou, simplesmente,

d S d t = - β I * ( S - S * ) - β S * ( I - I * ) - u d I d t = β I * ( S - S * ) + β S * ( I - I * ) - v . (2.4)

Fazendo a mudança de variável z = (z 1 , z 2)T = (SS , II )T obtemos

z ' = - β I * - β S * β I * β S * z + - 1 0 0 - 1 . u v , (2.5)

sendo que z = (SS , II )T é uma translação do ponto de equilíbrio desejado (S , I ) para a origem, e T representa o transposto. Assim, a equação (2.5) é escrita na forma matricial z = Az + Bw, sendo w = (u, v)T .

Substituindo o ponto de equilíbrio desejado no modelo dinâmico (2.5) obtemos

z ' = 0 - 0 , 3 β 0 0 , 3 β z + - 1 0 0 - 1 w . (2.6)

Agora, o modelo (2.6) é discretizado 1414 C.T. Chen. “Linear system theory and design”. Oxford University Press, New York (1999). usando a função ‘c2d’ do MATLAB 7.4; e o sistema que representa o comportamento do sistema original (2.6) na vizinhança do ponto de equilíbrio é dado na forma matricial z k+1 = A d z k + B d w k , onde A d e B d são dados por

A d = 1 1 - e 0 , 3 β 0 e 0 , 3 β e B d = - 1 - 3 β - 10 e 0 , 3 β + 10 3 β 0 - 10 e 0 , 3 β - 1 3 β . (2.7)

Em 1111 J.R. Campos, E. Assunção, G.N. Silva & W.A. Lodwick. Biological control of sugarcane caterpillar (Diatraea saccharalis) using interval mathematical models. International Journal on Mathematical Methods and Models in Biosciences, 5(1) (2016), 1604232. é ilustrado que esse método de discretização de ordem zero fornece uma associação exata entre o modelo contínuo e discreto. Além disso, o modelo discreto e com controle é escrito como

z k + 1 = 1 1 - e 0 , 3 β 0 e 0 , 3 β z k + - 1 - 3 β - 10 e 0 , 3 β + 10 3 β 0 - 10 e 0 , 3 β - 1 3 β w k , (2.8)

sendo que w k = (u k , v k )T e u k e v k são os controles, isto é, a proporção de indivíduos suscetíveis e infectados que devem ir para o isolamento social ou quarentena. A variável z k foi descrita anteriormente e as condições iniciais ficam z 10 = 0, 6996 e z 20 = I 0 = 0, 0004 devido à translação para o ponto de equilíbrio desejado.

3 O MODELO EPIDEMIOLÓGICO SI INTERVALAR E O PROBLEMA DE CONTROLE ÓTIMO INTERVALAR

Em 66 L.C. Barros, R.C. Bassanezi & W.A. Lodwick. “A first course in fuzzy logic, fuzzy dynamical systems, and Biomathematics”. Springer, Berlin (2017)., o coeficiente de transmissão β para o modelo epidemiológico SI é considerado incerto, porém é descrito como um parâmetro fuzzy e dependente da carga viral, que pode ser fraca, média e forte. Nesse trabalho também vamos considerar o coeficiente de transmissão β incerto, porém na forma intervalar. Isso diferencia a modelagem matemática proposta daquela apresentada em 66 L.C. Barros, R.C. Bassanezi & W.A. Lodwick. “A first course in fuzzy logic, fuzzy dynamical systems, and Biomathematics”. Springer, Berlin (2017).. Por outro lado, ainda estamos considerando que os indivíduos infecciosos estão distribuídos homogeneamente em toda a população e tem o mesmo poder de transmitir a doença. Isso também simplifica o modelo epidemiológico proposto uma vez que fontes de heterogeneidade interferem na propagação da doença 55 L.C. Barros & R.C. Bassanezi. “Tópicos de lógica fuzzy e Biomatemática”. IMECC-UNICAMP, Campinas (2006)..

Nessa seção consideramos coeficiente de transmissão β intervalar. Assim, vamos supor que β seja dado por [7, 18%, 8, 01%]. Os valores de 7, 18% e 8, 01% são taxas de equivalência e estão de acordo com os dados divulgados por 3131 M. Roser, H. Ritchie, E. Ortiz-Ospina & J. Hasell. Coronavirus Disease COVID-19 - Statistics and Research . Our World in Data, (2020). doi:https://ourworldindata.org/coronavirus.
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para o Brasil, isto é, estamos considerando que, devido à incerteza envolvida no processo de coleta de dados, o número de casos da COVID-19 dobra entre 9 (8, 01%) e 10 (7, 18%) dias. Do ponto de vista da Análise Intervalar, em particular do uso da aritmética intervalar restrita 1313 Y. Chalco-Cano, W.A. Lodwick & B. Bede. Single-level constraint interval arithmetic. Fuzzy Sets and Systems, 257 (2014), 146-168.), (1919 W.A. Lodwick . Constrained interval arithmetic. Technical Report CCM Report 138, University of Colorado (1999)., temos β (λ 1) = 0, 0718 + 0, 0083 λ 1, λ 1 ∈ [0, 1].

Agora, devido às incertezas também presentes nas condições iniciais, consideramos o modelo epidemiológico SI intervalar com condições iniciais intervalares. Especificamente, consideramos que o número de indivíduos infectados inicialmente é I 0 = [0, 0004, 0, 004] ou, simplesmente, Z 20 = [0, 0004, 0, 004] devido à translação para o ponto de equilíbrio desejado. Isso significa um valor de contágio inicial de 84000 casos confirmados de acordo com o Ministério da Saúde do Brasil 1515 Coronavírus Brasil. Painel Coronavírus (2020). URL URL https://covid.saude.gov.br/ . Acesso em: 29 abr. 2020.
https://covid.saude.gov.br/...
e uma estimativa de casos até 10 vezes superior (840000 casos ou 0, 4% da população). Uma vez que a taxa de transmissão β está correlacionada com a quantidade inicial I 0 de casos da COVID-19, vamos supor que Z 20(λ 1) = 0, 0004 + 0, 0036 λ 1, λ 1 ∈ [0, 1]. De outra forma, consideramos o mesmo λ 1 para os dois intervalos precedentes, e o custo e o tempo computacional para a solução do problema de controle ótimo intervalar é menor 1010 J.R. Campos, E. Assunção, G.N. Silva, W.A. Lodwick, M.C.M. Teixeira & U.A.S. Leal. Constrained interval arithmetic to solve the discrete-time interval optimal control problem. In “Recent Trends on Fuzzy Systems”. Sociedade Brasileira de Matemática Aplicada e Computacional (2018)..

De modo análogo, vamos supor que o número de indivíduos suscetíveis iniciais é intervalar, isto é, consideramos S 0 = [0, 9796, 0, 9996]. Assim, Z 10 = [0, 6796, 0, 6996] devido à translação para o ponto de equilíbrio desejado e consequentemente Z 10(λ 2) = 0, 6796 + 0, 02 λ 2, λ 2 ∈ [0, 1]. Logo, o problema de controle ótimo intervalar sugere o uso da aritmética intervalar restrita 1919 W.A. Lodwick . Constrained interval arithmetic. Technical Report CCM Report 138, University of Colorado (1999). para tratar a incerteza intervalar.

Resumidamente, vamos considerar as simulações com os indivíduos suscetíveis S intervalar e os indivíduos infectados I intervalar variando de acordo com a aritmética intervalar restrita uma vez que o aumento do número de indivíduos infectados diminui o número de indivíduos suscetíveis. Por outro lado, o uso da aritmética intervalar restrita de níveis simples seria considerado para a relação entre o número de indivíduos infectados e o coeficiente de transmissão β (se aumenta o número de indivíduos infectados, aumenta o coeficiente de transmissão). Ainda, cabe salientar que a modelagem matemática utilizando a aritmética intervalar restrita de níveis simples é de fundamental importância para o processamento computacional 99 J.R. Campos. “Problemas de controle ótimo intervalar e intervalar fuzzy”. Ph.D. thesis, Universidade Estadual Paulista, Ilha Solteira - SP, Brasil (2018).), (1010 J.R. Campos, E. Assunção, G.N. Silva, W.A. Lodwick, M.C.M. Teixeira & U.A.S. Leal. Constrained interval arithmetic to solve the discrete-time interval optimal control problem. In “Recent Trends on Fuzzy Systems”. Sociedade Brasileira de Matemática Aplicada e Computacional (2018)..

Assim, o modelo epidemiológico SI intervalar discreto para a situação é dado por

Z 1 k + 1 = Z 1 k 1 e 0 , 3 β Z 2 k Z 2 k + 1 = e 0 , 3 β Z 2 k , (3.1)

sendo que Z k e β são intervalares e foram descritos anteriormente. As condições iniciais também foram explicitadas anteriormente na forma intervalar. Os símbolos ⊕, ⊖ e ⊗ representam as operações aritméticas intervalares 99 J.R. Campos. “Problemas de controle ótimo intervalar e intervalar fuzzy”. Ph.D. thesis, Universidade Estadual Paulista, Ilha Solteira - SP, Brasil (2018)..

A simulação para o modelo epidemiológico SI intervalar (3.1) segue os trabalhos 99 J.R. Campos. “Problemas de controle ótimo intervalar e intervalar fuzzy”. Ph.D. thesis, Universidade Estadual Paulista, Ilha Solteira - SP, Brasil (2018).), (1010 J.R. Campos, E. Assunção, G.N. Silva, W.A. Lodwick, M.C.M. Teixeira & U.A.S. Leal. Constrained interval arithmetic to solve the discrete-time interval optimal control problem. In “Recent Trends on Fuzzy Systems”. Sociedade Brasileira de Matemática Aplicada e Computacional (2018). e é ilustrada nas Figuras 3 e 4. Além disso, a cada iteração ligamos a trajetória intervalar por segmentos para facilitar a visualização da evolução temporal.

Figura 3:
Evolução da dinâmica intervalar para os indivíduos suscetíveis.

Figura 4:
Evolução da dinâmica intervalar para os indivíduos infectados.

A Figura 3 ilustra os indivíduos suscetíveis S intervalar (já revertida à translação).

Aqui, para uma breve ilustração, realizamos a simulação para apenas 20 períodos ou dias. Ainda, percebemos que o número de indivíduos suscetíveis tende a diminuir.

A seguir ilustramos a dinâmica intervalar dos indivíduos infectados I intervalar sem aplicação de controle.

A simulação mostra o aumento no número de indivíduos infectados. Um ponto a destacar é que o número de indivíduos infectados poderia atingir mais de 1 milhão de pessoas no período analisado. Do ponto de vista de saúde pública, esse cenário poderia ocasionar um colapso no sistema de saúde do Brasil caso não houvesse controle prévio.

Portanto, é necessário o controle da COVID-19, que também para o modelo epidemiológico SI intervalar é o isolamento social ou a quarentena.

A seguir apresentamos o problema de controle ótimo intervalar, dado por

m i n C ( Z , U ) : = k = 0 5 Z 1 k 2 15 Z 2 k 2 U 1 k 2 15 U 2 k 2

sujeito a

Z 1 k + 1 = Z 1 k ( 1 e 0 , 3 β ) Z 2 k U 1 k 3 β 10 e 0 , 3 β 10 3 β U 2 k Z 2 k + 1 = e 0 , 3 β Z 2 k 10 e 0 , 3 β 1 3 β U 2 k , (3.2)

sendo que Z k e β foram descritos anteriormente e U 1k e U 2k são as proporções de indivíduos suscetíveis isolados e indivíduos infectados isolados na forma intervalar, respectivamente. As condições iniciais intervalares também já foram descritas.

Para o funcional foi considerado que a minimização da proporção de indivíduos infectados assim como a proporção de indivíduos infectados isolados é 15 vezes superior à proporção de indivíduos suscetíveis e suscetíveis isolados, isto é, estamos priorizando a diminuição do número de indivíduos infectados assim como o isolamento deles. Isso sem dúvida é importante do ponto de vista de controle da pandemia mas também para evitar um colapso no sistema de saúde.

4 SIMULAÇÃO

A simulação foi realizada utilizando a técnica de programação dinâmica 77 R.E. Bellman. “Dynamic programming”. University Press, Princeton (1957).), (88 D.P. Bertsekas. “Dynamic programmingand optimal control, vol. I”. Athena Scientific, Belmont Massachusetts (1995). juntamente com a aritmética intervalar restrita de níveis simples 1313 Y. Chalco-Cano, W.A. Lodwick & B. Bede. Single-level constraint interval arithmetic. Fuzzy Sets and Systems, 257 (2014), 146-168. e a aritmética intervalar restrita 1919 W.A. Lodwick . Constrained interval arithmetic. Technical Report CCM Report 138, University of Colorado (1999)., e ainda de acordo com 99 J.R. Campos. “Problemas de controle ótimo intervalar e intervalar fuzzy”. Ph.D. thesis, Universidade Estadual Paulista, Ilha Solteira - SP, Brasil (2018).), (1010 J.R. Campos, E. Assunção, G.N. Silva, W.A. Lodwick, M.C.M. Teixeira & U.A.S. Leal. Constrained interval arithmetic to solve the discrete-time interval optimal control problem. In “Recent Trends on Fuzzy Systems”. Sociedade Brasileira de Matemática Aplicada e Computacional (2018).), (1111 J.R. Campos, E. Assunção, G.N. Silva & W.A. Lodwick. Biological control of sugarcane caterpillar (Diatraea saccharalis) using interval mathematical models. International Journal on Mathematical Methods and Models in Biosciences, 5(1) (2016), 1604232.), (1212 J.R. Campos , E. Assunção , G.N. Silva , W.A. Lodwick & M.C.M. Teixeira. Discrete-time interval optimal control problem. International Journal of Control, 92(8) (2019), 1778-1784..

A programação dinâmica determina a solução ótima de um problema de multi-estágios decompondo-o em estágios, sendo que cada estágio compreende a um subproblema. A vantagem dessa decomposição é que o processo de otimização em cada estágio se torna uma tarefa mais simples em termos de cálculo do que lidar com todos os estágios simultaneamente. Além disso, um modelo de programação dinâmica é uma equação recursiva que liga os diferentes estágios do problema de maneira que garante que a solução ótima viável de cada estágio também é ótima e viável para o problema inteiro 3232 H.A. Taha. “Pesquisa operacional”. Pearson Prentice Hall, São Paulo (2008).. Já a aritmética intervalar restrita é uma aritmética intervalar mais próxima ao espaço dos números reais quando comparado com outras aritméticas intervalares existentes, por exemplo, a aritmética intervalar padrão 2828 R.E. Moore. “Interval analysis”. Prentice Hall, Englewood Cliffs N. J. (1966).. Ainda, a aritmética intervalar restrita também possui uma rica estrutura algébrica quando comparada com outras aritméticas intervalares 2020 W.A. Lodwick . An overview of flexibility and generalized uncertainty in optimization. Computational & Applied Mathematics, 31(3) (2012), 569-589..

O tempo de processamento para a simulação realizada é de aproximadamente 20 minutos usando um microcomputador com processador Intel Corre i5 e 8 GB de memória. Além disso, as simulações foram realizadas com o software MATLAB 7.4 2323 MATLAB. “Matlab (R2007a), Version 7.4”. The MathWorks Inc., Natick, Massachusetts (2020)..

Os gráficos a seguir mostram a solução do problema de controle ótimo intervalar de acordo com o modelo epidemiológico SI intervalar (3.2) proposto. Comecemos analisando o comportamento do número de indivíduos infectados I intervalar, revertida à translação, conforme a Figura 5.

Figura 5:
Evolução da dinâmica intervalar para os indivíduos infectados com aplicação de controle ótimo intervalar.

A trajetória da proporção de indivíduos infectados I intervalar mostra que no primeiro dia após a aplicação de controle podemos ter no máximo 0, 17% da população infectada e não isolada. A partir do quarto período temos uma situação estável (máximo de 0, 02%). Logo, a aplicação de controle ilustra que a situação de pandemia pode ser controlada através de um isolamento eficiente mesmo sob condições de incerteza.

A Figura 6 mostra a trajetória intervalar de controle para os indivíduos infectados que devem ser isolados, sendo necessário destacar que o número total de indivíduos infectados estaria ilustrado pelas Figuras 5 e 6. Devido à incerteza presente no número de indivíduos infectados inicialmente, no primeiro período o controle ou o isolamento social dos indivíduos infectados deve ser de no máximo 0, 23% da população ou algo em torno de 480 mil pessoas. Conforme já enfatizado anteriormente, uma estratégia para um isolamento dessa magnitude seria possível com a realização de testes em grandes quantidades. O segundo período sugere o isolamento de no máximo mais 0, 1% da população. No terceiro e quarto período o isolamento máximo dos indivíduos infectados diminui. É importante destacar que o número total de indivíduos infectados isolados (controle) é sempre somado aos isolamentos realizados nos períodos anteriores.

Figura 6:
Evolução da dinâmica intervalar para os indivíduos infectados isolados.

A Figura 7 ilustra a trajetória intervalar para os indivíduos suscetíveis S intervalar com aplicação de controle. No último período temos uma taxa de isolamento em torno de 68% da população. Como esperado, a proporção dos indivíduos suscetíveis (não isolados) diminui a partir do momento em que aumentamos o isolamento social dos indivíduos suscetíveis, conforme a Figura 8.

Figura 7:
Evolução da dinâmica intervalar para os indivíduos suscetíveis com aplicação de controle ótimo intervalar.

Figura 8:
Evolução da dinâmica intervalar para os indivíduos suscetíveis isolados.

A Figura 8 ilustra a trajetória intervalar para os indivíduos suscetíveis isolados. Destacamos que o número total de indivíduos suscetíveis estaria ilustrado pelas Figuras 7 e 8. Ainda, o número total de indivíduos suscetíveis isolados é obtido somando os isolamentos realizados nos períodos anteriores.

No primeiro dia o isolamento dos indivíduos suscetíveis é de no máximo 43, 21% e, no segundo, máximo de 16, 46%.

Por fim, apresentamos o custo intervalar ótimo: [0,7471, 0,7921]. O custo intervalar obtido pode ser associado a um custo real. Isso seria feito considerando o isolamento social forçado ou mesmo o custo relacionado as pessoas manterem um bom estado de saúde. Outra forma de associação ao custo real seria o fato das pessoas não serem infectadas e, portanto, não utilizarem ou sobrecarregarem o sistema de saúde do país.

Concluindo, os resultados da simulação mostram um isolamento de indivíduos suscetíveis em torno de 68% e a proporção de indivíduos infectados também diminui com o isolamento deles. Isso evita que o sistema de saúde entre em colapso no período avaliado e controla a pandemia.

A seguir apresentamos a tomada de decisão sob incerteza diante do cenário apresentado nessa Seção 4.

5 TOMADA DE DECISÃO

A tomada de decisão sob incerteza é uma tarefa bastante complicada para os gestores. Muitas vezes, ela se torna resultado da experiência profissional dos especialistas envolvidos na resolução do problema. Ainda, a escolha da decisão poderá trazer resultados favoráveis ou não. A seguir vamos ilustrar a tomada de decisão sob incerteza utilizando dois critérios clássicos 44 E.L. Andrade. “Introdução à pesquisa operacional”. LTC, Rio de Janeiro (2004).), (2424 W.F. Menezes. Escolha e decisão em situação de incerteza e risco. Nexos Econômicos, 5(9) (2011), 48.), (3232 H.A. Taha. “Pesquisa operacional”. Pearson Prentice Hall, São Paulo (2008).: o ‘mínimo arrependimento’ e o ‘minimin’.

5.1 O critério do mínimo arrependimento

Nessa subseção usamos o critério de tomada de decisão sob incerteza denominado mínimo arrependimento. Assim, encontramos o menor do maior arrependimento entre todas as soluções admissíveis ótimas e uma entrada de controle pontual é fornecida para o usuário realizar a tomada de decisão na prática 99 J.R. Campos. “Problemas de controle ótimo intervalar e intervalar fuzzy”. Ph.D. thesis, Universidade Estadual Paulista, Ilha Solteira - SP, Brasil (2018).), (1212 J.R. Campos , E. Assunção , G.N. Silva , W.A. Lodwick & M.C.M. Teixeira. Discrete-time interval optimal control problem. International Journal of Control, 92(8) (2019), 1778-1784.. Logo, esse critério pode auxiliar a tomada de decisão dos agentes públicos de saúde.

Especificamente, a simulação para o critério do mínimo arrependimento sugere as seguintes decisões: no primeiro período um isolamento social de indivíduos infectados de 0, 23%, mais um isolamento de 0, 10% no segundo período, mais 0, 04% no terceiro e mais 0, 02% no quarto período. Já a tomada de decisão para o isolamento social de indivíduos suscetíveis é: 43, 21% no primeiro período, mais 16, 46% no segundo período, mais 6, 17% no terceiro e mais 2, 06% no quarto período. O valor do mínimo arrependimento é 0, 045 e interpretamos essa informação como segue: ‘quando escolhemos a solução que minimiza o arrependimento máximo, o pior ao qual podemos nos arrepender baseado nessa decisão gera um custo de no máximo 0, 045’. Na prática, esse resultado mostra que podemos ter outras decisões que viabilizam o isolamento, mas que tomando à decisão de mínimo arrependimento temos o resultado mais conservador do ponto de vista de garantia da saúde dos indivíduos. Ainda, o custo dado pela solução que minimiza o arrependimento máximo é dado por 0, 7921.

As figuras a seguir ilustram o critério do mínimo arrependimento. A Figura 9 ilustra a evolução da trajetória dos indivíduos infectados e sua respectiva tomada de decisão, que representa a proporção acumulada até o respectivo período de indivíduos infectados isolados. A Figura 10 mostra a mesma abordagem para os indivíduos suscetíveis.

Figura 9:
Ilustração da tomada de decisão via critério do mínimo arrependimento para os indivíduos infectados.

Figura 10:
Ilustração da tomada de decisão via critério do mínimo arrependimento para os indivíduos suscetíveis.

A proporção de indivíduos infectados sem isolamento diminui rapidamente no primeiro e segundo períodos. Enquanto isso, a proporção de indivíduos infectados isolados aumenta até aproximadamente o penúltimo período.

O número de indivíduos suscetíveis sem isolamento também diminui rapidamente e praticamente atingimos o objetivo de isolamento de 70% da população já no terceiro dia.

Portanto, medidas de controle da pandemia da COVID-19 no Brasil podem ser auxiliadas pelas informações contidas nessa tomada de decisão.

5.2 O critério minimin

A Subseção 5.2 aborda o critério minimin para a tomada de decisão sob incerteza. Para um problema de minimização, o critério minimin é baseado em uma visão otimista do ponto de vista financeiro 44 E.L. Andrade. “Introdução à pesquisa operacional”. LTC, Rio de Janeiro (2004).. Consiste em escolher a melhor dentre as melhores situações possíveis.

Assim, o critério minimin sugere as seguintes decisões para o isolamento social de indivíduos infectados: 0, 0069% de isolamento social no primeiro período, mais um isolamento de 0, 0144% no segundo, mais 0, 0098% no terceiro e mais 0, 0047% no quarto período. A tomada de decisão para o isolamento social de indivíduos suscetíveis é: 41, 97% no primeiro período, mais 15, 99% no segundo período, mais 6, 00% no terceiro e mais 2, 00% no quarto período.

O valor do minimin é 0, 7471. Esse resultado mostra que podemos ter uma tomada de decisão que nos leva ao valor mínimo do custo intervalar. Seria o melhor cenário. Por outro lado, do ponto de vista da saúde da população, ele pode ser falho.

As figuras a seguir ilustram o critério minimin. A Figura 11 ilustra a evolução da trajetória dos indivíduos infectados e sua respectiva tomada de decisão, que representa a proporção acumulada até o respectivo período de indivíduos infectados isolados. A Figura 12 apresenta o gráfico para os indivíduos suscetíveis.

Figura 11:
Ilustração da tomada de decisão via critério minimin para os indivíduos infectados.

Figura 12:
Ilustração da tomada de decisão via critério minimin para os indivíduos suscetíveis.

A proporção de indivíduos infectados sem isolamento é baixo no quarto período. Há um aumento na proporção de indivíduos infectados isolados no primeiro período.

O número de indivíduos suscetíveis sem isolamento diminui rapidamente já no segundo dia. Novamente nos aproximamos do objetivo de isolamento de 70% da população no quinto período usando esse critério. O número de indivíduos suscetíveis isolados é maior nos dois períodos iniciais.

As medidas de controle da pandemia da COVID-19 no Brasil podem ser auxiliadas pelas informações apresentadas por esse critério de tomada de decisão.

6 CONSIDERAÇÕES IMPORTANTES

Abaixo destacamos algumas considerações importantes sobre o trabalho.

  1. Os dados usados nas simulações mudam constantemente. Isso gera novos resultados. Assim, se o tempo de dobra no número de indivíduos infectados diminui para, por exemplo, 3-5 dias, o número de indivíduos infectados tende a aumentar rapidamente. Da mesma maneira, se o isolamento social for executado de modo mais efetivo do que o estabelecido na simulação, o número de indivíduos infectados também tende a diminuir mais rapidamente;

  2. Dada a incerteza nas informações fornecidas pelos agentes ou órgãos públicos de saúde, algumas variantes dos resultados apresentados nesse trabalho são aceitáveis. Ainda, nesse contexto, o comportamento qualitativo dos resultados de novas simulações tende a ser preservado;

  3. A simulação enfatizando um peso maior para os indivíduos infectados no funcional acarreta em um menor número de indivíduos infectados e em um isolamento social mais rápido e com maior custo associado a essa medida.

7 CONCLUSÕES

Os resultados obtidos nas simulações ilustram cenários pessimistas e otimistas sobre o avanço da COVID-19 no Brasil com aplicação de controle ótimo. De acordo com os dados simulados, em torno de 5 dias podemos ter um eficiente controle da pandemia. Por outro lado, a falta de testes disponíveis no país ou mesmo a falta de conhecimento sobre o coronavírus SARS-CoV-2 podem atrapalhar as estratégias de controle ótimo.

Utilizando o critério denominado mínimo arrependimento, a tomada de decisão a ser fornecida para os agentes de saúde minimiza um alastramento de casos da COVID-19, porém com um maior custo. Essa estratégia é conservadora e prioriza a preservação de vidas. No final de 5 dias o número de indivíduos infectados tende a ser baixo e o sistema de saúde do Brasil não estaria comprometido.

A tomada de decisão utilizando o critério minimin gera o menor custo financeiro. Por outro lado, ele pode ser falho se a prioridade é salvar vidas. Ao final do período analisado ele também não impacta negativamente o sistema de saúde.

A cidade de Wuhan, na China, adotou critérios de controle ainda mais rigorosos (‘lockdown’) do que as propostas de tomada de decisão estabelecidas nesse trabalho. Ambos, porém, são adequados para controle da pandemia assim como proporcionam o retorno das atividades econômicas.

De modo mais geral, os resultados desse trabalho reforçam que medidas de controle adotadas pelas autoridades de saúde são necessárias. Mostram, assim, que o isolamento social é efetivo no combate a COVID-19.

Portanto, os resultados obtidos nesse trabalho podem auxiliar a tomada de decisão dos agentes públicos de saúde.

Trabalhos futuros poderão analisar modelos mais complexos como o modelo epidemiológico SIR intervalar. Ainda, a extensão para o caso fuzzy, usando a aritmética intervalar fuzzy restrita, também pode ser almejada. Por fim, uma abordagem que ilustre uma estimativa mais realista para o problema intervalar 3333 V.F. Wasques, O. Kosheleva & V. Kreinovich. How to Propagate Interval (and Fuzzy) Uncertainty: Optimism-Pessimism Approach. Technical Report Departmental Technical Reports (CS) 1812, University of Texas (2023)., isto é, uma abordagem de problemas intervalares que pondere cenários otimistas e realistas também pode ser objeto de estudo.

Agradecimentos

Os autores gostariam de agradecer aos revisores pelas valiosas sugestões que ajudaram a melhorar o artigo. O primeiro autor também agradece ao IFSP. Geraldo Nunes Silva foi parcialmente financiado pela FAPESP - CEPID, número 2013/07375-0. Weldon Alexander Lodwick foi parcialmente financiado pelo CNPq, número 400754/2014-2.

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    Os autores mantiveram o contexto original do artigo em relação à data de submissão.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    09 Jun 2020
  • Aceito
    05 Dez 2023
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