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A criança na constituição cultural, sociopolítica e educativa dos assentamentos de reforma agrária: negações e conquistas

RESUMO

Se a infância não pode ser pensada enclausurada na dimensão cronológica, mais ainda a infância campesina não pode ser concebida reduzidamente. As crianças de assentamentos crescem envoltas na incerteza da posse da terra, se educam na luta, cedo aprendem que a organização coletiva é um caminho para vitória e, ao mesmo tempo, é meio de resistência. O objetivo, para este trabalho, foi o de analisar, através das narrativas orais, os processos de constituição das infâncias campesinas, numa escola no assentamento de Reforma Agrária, em Santaluz, BA. A etnografia visual foi a metodologia que conduziu a investigação, possibilitando o uso variado de técnicas para a construção das análises. Elegemos ainda uma ação interativa, denominada Poteca, desencadeadora das narrativas orais das crianças, famílias e professora. A partir do movimento teórico-conceitual, ampliamos o olhar para a constituição das crianças nos planos sociais, educativos, culturais e políticos. É preciso também perceber que o contexto de luta cotidiana contra o preconceito e a criminalização faz surgir uma dinâmica de produção e autoprodução em que essas crianças se constituem, vivem suas infâncias e afirmam-se como um coletivo culturalmente organizado e produtivo. Essas percepções basearam-se nas histórias narradas durante a investigação, por meio das interações proporcionadas pela Poteca. As experiências orais, após serem registradas, sistematizadas e analisadas, poderão subsidiar as práticas pedagógicas e a construção de currículos que considerem as concepções, os conhecimentos, as culturas e os valores oriundos dos movimentos sociais.

Palavras-chave:
Infâncias; Narrativas Orais; Assentamento; Escola

ABSTRACT

If childhood cannot be thought of as confined to the chronological dimension, even more so, rural childhood cannot be conceived in a reduced form. Children in settlements grow up surrounded by the uncertainty of land ownership, are educated in struggle, and learn early on that collective organization is a path to victory and, at the same time, a means of resistance. The aim of this study was to analyze, through oral narratives, the processes of constitution of rural childhoods, in a school in the Agrarian Reform settlement, in Santaluz, BA. Visual ethnography was the methodology that guided the investigation, allowing for the varied use of techniques to construct the analyses. We also chose an interactive activity, named Poteca, which initiates oral narratives from children, families, and teachers. From the theoretical-conceptual movement, we broaden our perspective on the constitution of children in social, educational, cultural, and political realms. It is also necessary to understand that the context of daily struggle against prejudice and criminalization creates a dynamic of production and self-production in which these children establish themselves, experience their childhoods, and affirm themselves as a culturally organized and productive collective. These perceptions were based on the stories narrated during the investigation, through the interactions provided by Poteca. Oral experiences, once they are recorded, systematized, and analyzed, can support pedagogical practices and the development of curricula that take into account the conceptions, knowledge, cultures, and values that originate from social movements.

Keywords:
Childhoods; Oral Narratives; Settlement; School

Introdução

O real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia (GuimarãesRosa, 1994ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994., p. 52).

A travessia que possibilitou o encontro com crianças e adultos de um assentamento da Reforma Agrária, nem tudo o que descobrimos estava à disposição dos nossos olhos e ao alcance das nossas mãos. A investigação1 1 Esta pesquisa foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB). foi desenvolvida no assentamento Rose, na região sisaleira da Bahia, na cidade de Santaluz, que escolheu a educação para fazer frente aos altos índices de trabalho infantil e, consequentemente, evasão escolar.

As narrativas das crianças sobre suas infâncias, sonhos e momentos vividos na ocupação de uma terra tão sonhada, e tão difícil de conquistar, revelaram-se a cada encontro. A investigação evidenciou a necessidade de enfrentar o desafio de pensar as relações entre movimentos sociais, infância, formação docente e currículo.

Sabendo que as crianças de assentamentos de Reforma Agrária vivem num espaço de organização coletiva, onde as dinâmicas sociais, políticas e econômicas são diferenciadas, a investigação foi conduzida pela seguinte problematização: Como a realidade das crianças assentadas se conecta com as abordagens no campo cultural, social, político e educacional?

As narrativas de crianças e adultos permitiram perceber questões que estão invisíveis aos olhos e distantes das mãos de muitos que não conhecem o contexto de um assentamento. Ao optar por um movimento de ação-reflexão-ação, desde os primeiros contatos com os assentados nos colocamos à disposição para caminhar com essas pessoas que sofrem com a segregação e preconceitos.

A primeira ação necessária para quem deseja contribuir na luta contra as opressões sofridas pelos povos do campo é compreender a centralidade da escola na luta pela terra e na transformação social almejada frente às adversidades. Ressaltamos que, nesse processo de luta, a primeira barraca erguida é da escola; desde a fase de acampamento até a fixação na propriedade, a escola constitui-se como um espaço de formação ampliada, onde as crianças têm seus ensinamentos formais, bem como partilham com todos os acampados um processo de formação humana e política.

Por acreditarmos nos ensinamentos e contribuições provenientes da organização social, política e educativa de um assentamento, desenvolvemos na comunidade Rose uma ação interativa que permitiu investigar os processos educativos e as ações de organização. As histórias narradas apresentam situações que vão dos primeiros passos da conquista, em 10 julho de 1989, e seguem até hoje na luta pela permanência na terra.

A mística da coletividade esteve presente já na primeira visita ao Rose. Acreditávamos que para adentrar ao assentamento a permissão deveria ser concedida pelos adultos. Porém, desde o início, onde estavam os adultos, também estavam as crianças; se a intenção era trabalhar com as narrativas infantis, encontramos um ambiente propício para a investigação.

Esse envolvimento direto foi fundamental, afinal, o objetivo da ação investigativa sinalizava para essa participação ampliada, pois intentava analisar como os processos educativos dos assentamentos contribuem para a constituição identitária, cultural e política das crianças, a partir de práticas pedagógicas que utilizem a experiência cultural como caminho para a ampliação da experiência humana.

Um desafio posto foi: como manter a horizontalidade e a perspectiva da organização coletiva numa atividade acadêmica? Para começar a enfrentá-lo, foi necessária uma opção metodológica que permitisse compreender as histórias do povo sertanejo. Algo singelo tinha que surgir para registrar, como nos fala Guimarães Rosa, as “conhecenças” e os “vivimentos” desse povo. Foram as construções da Professora Clarissa Bittencourt de Pinho e Braga, com quem partilhamos vivências no ensino, na pesquisa e na extensão, que apontaram a possibilidade dessas memórias serem “guardadas” em potes de barro. A saudosa professora Clarissa nomeou o coletivo desses potes, cheios de histórias, de Poteca.

A força educativa e investigativa da Poteca tem fundamento na interatividade das histórias narradas com a poética da preparação dos potes. Antes de iniciar as narrativas, os participantes pintam os potes de barros, pois neles serão “guardadas” suas histórias. Como as imagens mentais são associadas a essas histórias, a “capa” do “livro de narrativas”, ao ser ilustrada pelos participantes, ganha pinturas e outros materiais (areia, pedras, fitas, retalhos). Em seguida, é solicitado que encontrem algum objeto que será colocado no pote (Figuras 1 e 2). Tais objetos servirão como geradores das histórias individuais. Assim aconteceu no Assentamento Rose.

Figura 1:
O Pote e o Saco

Figura 2:
O Pote e a Terra

A Poteca não foi assumida como procedimento metodológico, mas sim tomada como uma técnica que denominamos de “ação interativa”, capaz de desencadear as narrativas orais no âmbito da investigação. Essa ação se tornou um importante instrumento que permitiu aos participantes refletirem sobre suas histórias, culturas, identidades e assumirem o protagonismo na narração.

A opção pela Poteca foi sustentada pela compreensão de que outros procedimentos e técnicas para obtenção de dados, que se valem da oralidade, apresentam um roteiro - por vezes fechado - para delinear as narrativas. Já a Poteca, com a sua dimensão criativa, proporciona uma liberdade para a oralidade que viabiliza a fluidez poética e também detalhes das vivências dos participantes. Assim, a opção metodológica se valeu das narrativas orais; a etnografia foi o método e a Poteca a técnica para a construção de dados. A junção desses passos metodológicos possibilitou não apenas a simples recolha de dados, mas também a valorização das subjetividades e vozes dos sujeitos.

As narrativas dos participantes conduziram a todo momento a investigação. Ao introduzir o trabalho com a Poteca, antes mesmo da pintura dos potes, orientamos que tentassem incorporar nas narrativas os espaços que as crianças acessavam na comunidade e também a relação desses espaços com as infâncias delas. Imediatamente, uma criança falou: “É melhor ir nesses lugares, do que só falar” (João, 2019. Informação Verbal). Falas como essas evidenciaram a ligação das crianças com o assentamento. O movimento de “tornar-se sujeito” da própria história (e também na investigação) foi efetivado, pois a posição de cooperação foi percebida nos adultos e também nas crianças. Diante da valiosa manifestação daquela criança, acatamos a sugestão e redimensionamos o planejamento. Então, instauramos um debate e listamos no quadro esses possíveis locais.

Ao erguerem suas vozes no presente estudo, os participantes realizaram elaborações críticas que partiram das histórias de negações e conquistas relacionadas à condição de crianças assentadas na comunidade. As elaborações perpassaram pela constituição cultural, social, política e educativa dos assentamentos, sobretudo das crianças do Rose. Mas, os adultos, para se conectarem com sua terra, também exaltaram a necessidade de manterem o lado criança: “Também cheguei aqui criança (risos), com 21 anos de idade” (Zicks Musical, 2019. Informação Verbal).

Os resultados obtidos permitiram afirmar que a dimensão formativa da organização coletiva, orientada pelos movimentos sociais do campo, pode indicar a possibilidade de uma formação continuada de docente e, consequentemente, de uma perspectiva curricular, dinâmica, plural e contextualizada.

Crianças e infâncias: pluralidade que forma

Entendemos que é preciso ampliar a concepção de crianças e infâncias, pois a diversidade de culturas presentes nas infâncias leva à utilização do termo no plural. Um olhar voltado para a pluralidade requer um processo de formação docente que acompanhe o protagonismo das crianças nos espaços de assentamentos, onde a organização coletiva e dialógica conduz as relações sociais. Foi ouvindo as crianças do Rose que percebemos que as memórias e as infâncias nos assentamentos são constituídas mediante algumas especificidades desse espaço social.

As crianças, sejam elas partícipes de uma vida social urbana ou rural, estabelecem uma relação direta com a história e a realidade que as recebe. Assim, as infâncias são resultados de relações societais inter e intra-geracionais, de gêneros, etnias, entre outros. Sarmento (2008SARMENTO, Manuel Jacinto. Sociologia da Infância: Correntes e Confluências. In: SARMENTO, Manuel Jacinto; GOUVÊA, Maria Cristina Soares de (Org.). Estudos da Infância: educação e práticas sociais. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 17-39.) defende a capacidade criativa das crianças, as considerando produtoras de culturas e não meras reprodutoras das culturas dos adultos. O sociólogo das infâncias nos diz ainda que a dimensão criativa cultural das crianças utiliza mecanismos como: interatividade, ludicidade, fantasia do real e reiteração. Por meio desses mecanismos, as crianças não recebem pacificamente o que vem do adulto, mas interagem com este mundo adulto, trocam informações e significados com seus pares e produzem as suas próprias significações.

Percebemos que a organização educativa, social e política de um assentamento que valoriza as crianças, indivíduos que desde muito cedo lidam com mudanças, conquistas e dificuldades provenientes dos problemas agrários, permite construir uma permanente busca pela valorização das culturas e das identidades infantis.

Considerando a perspectiva social da infância, afirmamos que a concepção de criança construída na modernidade, colocando-a na condição de infans (aquele que não fala), é um forte indicativo da evidente ocultação da participação infantil nos contextos sociais e, consequentemente, nas investigações. Nessa linha de argumentação, Arenhart (2007ARENHART, Deise. Infância, educação e MST: quando as crianças ocupam a cena. Chapecó: Argos, 2007., p. 3) afirma que: “a modernidade funda o conceito de infância como uma categoria específica e diferente dos adultos, essa concepção tem colocado às crianças numa condição de seres irracionais e menores em relação aos adultos”. Contudo, constatamos ao ouvirmos as crianças, que o confinamento e o cerceamento das possibilidades de viverem suas infâncias são rompidos pelo significado político e social que os adultos dão às crianças no assentamento Rose.

Para não ficarmos aprisionados na concepção simplista de criança da modernidade, precisamos ampliar o olhar, considerando as perspectivas sociológica, histórica, antropológica ou social das infâncias. Assim, possivelmente, a análise acerca das infâncias de crianças campesinas também ganhará esse olhar plural e ampliado. Se por um lado pensar as infâncias num contexto específico requer uma aproximação com aspectos teóricos que rompem barreiras temporais e espaciais, por outro, é preciso evidenciar algumas especificidades encontradas nas infâncias campesinas.

O enclausuramento infantil fez surgir um diálogo virtual, em que computador, videogame e smartphones tornaram-se canais de interação para crianças de todas as idades. Esse tipo de relação virtual não é exclusividade de crianças que vivem numa realidade urbana, pois, as do campo, mesmo numa menor proporção, também estão conectadas. Contudo, as relações sociais nas quais crianças da cidade e do campo estão envolvidas apresentam diferenças significativas para a vivência das infâncias.

Na realidade das crianças que vivem em área urbana, além do uso corriqueiro das tecnologias, existe - a depender da classe social a que pertença - uma agenda lotada de atividades extras: aulas de língua estrangeira, esporte, aula de música, etc. Já as que vivem no campo acabam sendo inseridas, desde muito cedo, direta ou indiretamente, no mundo do trabalho. Às crianças do campo é atribuído o estatuto de futuros herdeiros da terra e da propriedade; com o fruto de seu trabalho, manterão viva a esperança de algum dia conquistar a terra capaz de lhes tirar da condição de peões, boias-frias ou arrendatários.

Existe então uma diferença fundamental quando falamos de limitações espaciais e temporais. As crianças campesinas têm seu tempo envolto pela lógica do mundo do trabalho e a família do campo. Para garantirem o próprio sustento, trabalham diretamente na lida com a terra, ou estão em volta de locais e situações em que os adultos vivem não só da produção agrícola, mas, sobretudo, para a produção.

Na vivência cotidiana e direta com a terra, as crianças do campo, sobretudo as que vivenciaram as lutas da fase de acampamento até serem assentadas, vivem momentos de organização que evidenciam que naquele espaço é almejada uma formação humana pautada pela vida coletiva e pelo respeito. Essa organização estrutura-se a partir da necessidade objetiva de lutar pela democratização da terra como estratégia de sobrevivência e manutenção dos trabalhadores rurais no campo. É por meio da ação que nasce a consciência coletiva dos sujeitos que lutam pela terra.

Desde cedo, as crianças são levadas a compreender que a luta vai além da conquista da terra. A luta é por uma sociedade em que homens, mulheres e crianças possam construir novas formas de viver, respeitando irrestritamente a condição humana. Nesse contexto de luta pela (e na) terra, as crianças não assistem passivamente ao percurso da história: a elas são incluídas no próprio fazer da luta. Isso é tão possível quanto real, por ser uma ação que envolve toda a família expropriada da terra, que busca garantir as condições básicas para a sobrevivência do coletivo que ali vive.

As crianças que vivem em espaços de organização coletiva - como são alguns assentamentos - lidam diretamente com a mística, a luta e o trabalho que estruturados nesses espaços. Assim, existe uma intencionalidade educativa nas ações voltadas para todos os sujeitos que ali vivem e convivem. A partir dos princípios pedagógicos e da emergência de valores relacionados à condição de assentados, os sujeitos são educados mutuamente e produzem coletiva e individualmente a(s) identidade(s).

Ao vivenciarmos a forma com que as crianças interagem num contexto de assentamento, constatamos que: “as mudanças na forma de ver e tratar as crianças estão intimamente relacionadas às modificações na estrutura do modelo de organização social” (Arenhart, 2012ARENHART, Deise. Contribuições de Florestan Fernandes ao estudo das culturas infantis. Revista Sociologia da Educação, v. 2, p. 57-78, 2012. https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/16553/16553.PDF
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, p. 18). Se as crianças são consideradas seres sociais, políticos e coletivos, as ações pensadas no espaço de convivência igualmente consideram a sua presença e importância. Um exemplo é a Câmara de Vereadores e a Prefeitura Mirim do Rose. Trata-se de uma vivência democrática através da qual as crianças fazem inscrição, campanha e são votadas. A criança mais votada torna-se a Presidente da Câmara e assume funções de Prefeito Mirim. As ações não acontecem apenas entre crianças e jovens, pois os eleitos participam de atividades dentro e fora da comunidade, com pessoas da sua idade e com os adultos também.

Fazíamos reuniões locais para conversar, dialogar sobre as questões, problemas que a comunidade estava enfrentando. E o que poderíamos fazer. Também visitávamos outras comunidades, porque, no caso, eram seis Prefeituras Mirins aqui no Município, na época em que eu atuei como Vereador Mirim. Sempre havia intercâmbio entre esses grupos, a gente dialogava, conhecia pessoas. Por isso a importância social, porque engajou a gente no movimento político (Levinho, 2019. Informação Verbal).

Essa forma de conceber as crianças opõe-se às ideias de uma educação instituída para preservar e desenvolver um ser imaturo, puro e ingênuo, como pensava Rousseau no século XVIII. Essa perspectiva participativa, somada a uma escola que valorize a diversidade das infâncias, poderá fortalecer uma significação social dessa fase da vida (Kramer, 1992KRAMER, Sônia. A política do Pré-escolar: a arte do disfarce. São Paulo: Cortez, 1992.). Por outro lado, espaços e ideias que não valorizam a potencialidade das crianças acabam cerceando, homogeneizando e até negando as infâncias. As crianças e as infâncias são reais e não podem, portanto, serem invisibilizadas ou cerceadas.

Diante do convívio com as crianças assentadas, nos posicionamos com mais veemência contra formulações que alegam a morte da infância. Postman (2005POSTMAN, Neil. O desaparecimento da infância. Tradução: Suzana M. de Alencar Carvalho e José Laurentino de Melo. Rio de Janeiro: Graphia, 2005.), por exemplo, afirma que as crianças seguem sofrendo um processo de adultização precoce e irreversível, sendo quase impossível acreditar na possibilidade de ainda existir a infância. Quanto a essa ideia, consideramos que o que de fato vem desaparecendo é a ideia mitificada de infância, que considera as crianças de modo a-histórico (Kramer, 2002KRAMER, Sônia. Autoria e autorização: questões éticas na pesquisa com crianças. Cadernos de Pesquisa, n. 116, p. 41-59, 2002. https://www.scielo.br/j/cp/a/LtTkWtfzsbJj8LcPNzFb9zd/?lang=pt
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). Hoje já não é possível pensar as crianças fora dos seus contextos e muito menos como seres passivos. Dessa forma, diante da ampliação da percepção da infância, Sarmento (2005SARMENTO, Manuel Jacinto. Gerações e Alteridade: interrogações a partir da sociologia da infância. Educação e Sociedade, Campinas, SP, v. 26, n. 91, p. 361-378, maio/ago. 2005. https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=87313716003
https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=8...
, p. 10) diz que:

(...) esta concepção da morte da infância elimina a natureza activa das crianças - como sujeitos sociais que são, e não meros receptores passivos da cultura de massas - e obscurece o facto de que as crianças, nas complexas e adversas condições sociais de sua vida actual, vivem-na na especificidade de sua geração.

As crianças - com sua natureza ativa, como sujeitos sociais - diferenciam-se dos adultos. De igual modo, também apresentam diferenças entre si, por serem frutos de relações em múltiplos contextos socioculturais. Diferentes experiências socioculturais, somadas a elementos como classe social, etnia, cultura e gênero, construirão diferentes mundos de infância (Sarmento, 2002SARMENTO, Manuel Jacinto. As culturas da Infância na encruzilhada da 2ª Modernidade. In: SARMENTO, Manuel Jacinto; CERISARA, Ana Beatriz (Coord.). Crianças e miúdos: perspectivas sociopedagógicas da infância e educação. Porto, Portugal: ASA, 2002. p. 9-34.).

Voltando para as experiências socioculturais específicas das crianças assentadas, o fato de estarem tão próximas do trabalho e vivenciarem todo o processo de organização do seu espaço proporciona a identificação enquanto coletividade e a diferenciação em relação às outras crianças. Devido a essa implicação com os seus contextos, essas crianças sonham e acreditam ser corresponsáveis pela construção de um mundo melhor e por refutarem o modo degradante que nega aos homens direitos mais elementares como alimentação, moradia, saúde, educação e cidadania. Por sua vez, ainda na infância, aprendem a negar o modo como são relegadas ao “não lugar”, ao silêncio, à espera. As relações que estabelecem no meio em que vivem permitem a identificação como agentes sociais e protagonistas na construção de uma outra história para si, para seus pares e para a sociedade. Esse protagonismo é incontestável em outra narrativa.

Pensar nas questões políticas, nas melhorias da comunidade, desde cedo, é uma semente lançada. Hoje, penso muito no coletivo e gosto muito de trabalhar na coletividade, porque não estamos sozinhos no mundo. Temos que ser agentes de transformação, até porque a política faz parte do cotidiano (Levinho, 2019. Informação Verbal)

Vivenciamos esse protagonismo infantil no assentamento Rose. Nos momentos em que se fez necessária uma conversa com os adultos do assentamento - professores e lideranças - as crianças estiveram presentes, afinal, tudo que seria discutido estava relacionado com a vida delas. Igualmente, quando a atividade estava voltada para as crianças, os pais acompanhavam o desenrolar das ações. Ainda sobre a forma com as crianças assentadas percebem o mundo, bem como o seu papel social, Arenhart (2003ARENHART, Deise. A mística, a luta e o trabalho na vida das crianças do assentamento Conquista na Fronteira: significações e produções infantis. Dissertação (Mestrado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, 2003. http://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/86109
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, p. 29) apresenta um relato que evidencia a dimensão social da infância campesina:

Sou fruto da Reforma Agrária e quero um Brasil com pessoas livres, onde eu possa expressar meus sentimentos, minhas revoltas, meus sonhos. Um país onde eu possa continuar vivendo no campo. E nele tirar meu sustento, aproveitando as riquezas que a natureza oferece, e preservando o verde da esperança. Um Brasil com educação, onde nós crianças, além de aprender a ler e escrever, também aprender como trabalhar na terra, plantar, preservar. Também queremos brincar, sonhar, expressar o que sentimos, praticar esportes e participar das decisões da educação (Cleonir, 9 anos)

A poética presente nesse modo infantil de ver o mundo é descrita pelo Frei Sérgio Görgen2 2 Religioso da Ordem dos Frades Menores (OFM) e liderança campesina no Rio Grande do Sul. , quando busca, em suas memórias, imagens de crianças durante os anos que militou junto ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Ele narra um episódio de uma criança, no ano de 1981, no momento em que o Exército Nacional e a Polícia Federal invadiam um assentamento no Rio Grande do Sul. O local estava tomado de tal forma que ninguém podia ser solidário com os assentados, levar comida ou mesmo celebrar missas. O Frei, ao conseguir entrar no assentamento, viu uma situação desoladora; contudo, naquele lugar onde reinava o temor da ditadura e os olhares eram de desesperança, uma criança fez o adulto perceber que lutar valeria à pena:

(...) foi quando me chamou a atenção uma criança de uns 4 anos, sentada em cima de um tronco de árvore, na beira da estrada, quase ao centro do acampamento, parecendo alheia a tudo o que ali se passava, sem se importar com o aparato militar que a rodeava. Cantava, a plenos pulmões, a música-hino dos sem-terra naquela época: A grande Esperança. Parei, tomado de emoção, ouvindo aquela voz infantil rompendo o silêncio imposto pela ditadura militar e pelas elites aos camponeses pobres que estavam ousando levantar sua cabeça e dizer sua voz: “A classe loceila e a classe opelália, ansiosa, espela a reforma agrária”. Cantava a vozinha inocente, acordando em mim a coragem amortecida. (MST, 2005, p. 6)

As crianças, num contexto campesino, fazem parte de uma realidade que não pode ser negada: são chamadas a tomar a história nas mãos e serem agentes de transformações pessoais, locais e sociais. No entanto, as próprias crianças continuam a perceber características comuns das infâncias, ao passo que também sabem demarcar a dimensão social: “o que tem de igual entre as crianças sem-terra e as outras é que todas são crianças, todas têm o direito de brincar, estudar e conseguir um futuro. - Volnei, 8 anos” (Arenhart, 2003ARENHART, Deise. A mística, a luta e o trabalho na vida das crianças do assentamento Conquista na Fronteira: significações e produções infantis. Dissertação (Mestrado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, 2003. http://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/86109
http://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/...
, p. 31).

Sendo a organização no assentamento de Reforma Agrária uma missão familiar, as crianças têm papel importante. Primeiro porque não são proibidas de vivenciar as reuniões, pelo contrário: são incentivadas a participar. Depois, para a fase dos acampamentos, das mobilizações e até mesmo dos momentos de conflitos, produzem um efeito contagiante, por trazerem na sua essência a alegria e a esperança. Essa valorização infantil na organização comunitária é justificada pela percepção de alguns movimentos sociais do campo para o fato de que a luta pela terra é projeto do presente e do futuro, ou seja, é um projeto de vida inteira. Para Caldart (2000CALDART, Roseli Salete. Escola é mais do que escola na Pedagogia do Movimento Sem Terra. Petrópolis: Vozes, 2000.), o lado terno desses movimentos parte da inserção de um modo feminino de ver a luta, bem como é fortalecido com a presença das crianças.

Reforçamos, assim, que essa perspectiva social de infância permite a construção de uma identidade coletiva infantil. De acordo com Caldart (2000CALDART, Roseli Salete. Escola é mais do que escola na Pedagogia do Movimento Sem Terra. Petrópolis: Vozes, 2000.), essa construção identitária torna-se possível pela forma como os movimentos campesinos entendem a própria condição infantil. Ou seja, na condição de aprendizes, essas crianças participam diretamente na história e são inclusas na organicidade dos movimentos sociais do campo.

Por mais que essa condição infantil seja invisibilizada pelos meios de comunicação e tenha pouco espaço nas produções acadêmicas, não é possível negar que no Brasil os povos do campo são os que mais sofrem com prisões, chacinas, massacres e tantas outras formas de violência física e simbólica. Caldart (2000CALDART, Roseli Salete. Escola é mais do que escola na Pedagogia do Movimento Sem Terra. Petrópolis: Vozes, 2000.) destaca que, mesmo nesse contexto de negações e privações, as lideranças campesinas não se preocupam apenas em produzir alimentos, mas também têm como intencionalidade a constituição de seres humanos que possam contribuir para manter o sonho de dignidade vivo.

Que os olhares voltados para a constituição das crianças não sejam restritivos a uma fase cronológica. Que a capacidade infantil para aprender e ensinar, de viver despropositadamente, encha muitos vazios que nós adultos criamos, mas, sobretudo, que as crianças nos levem a perceber o quanto podem transformar o entorno. Para tanto, pensando o espaço educativo do assentamento, a escola, a primeira instalação na fase de acampamento, é preciso organização a partir de uma nova perspectiva de formação e de currículo.

Por uma ação formativa e educativa libertadora

No caso do assentamento Rose, três elementos encontram-se associados quando analisamos a organização do trabalho pedagógico na escola: educação, cultura e participação democrática. O processo histórico da conquista da escola na comunidade, nessa perspectiva, vinculado com as relações de lutas por uma educação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Pedagogia do Movimento, as Escolas Itinerantes, as Cirandas Infantis, os projetos culturais da comunidade, como por exemplo: Expressões Sertanejas, Griôs Sisaleiros, Rosas Vivas e outros, faz pulsar as ações educativas do Rose.

Para compreender as possibilidades educativas do Rose é preciso conhecermos a lógica educativa libertadora dos movimentos sociais do campo. Nesse sentido, optamos por um movimento dialógico em que apresentamos as narrativas, surgidas com a Poteca, relacionando-as com algumas reflexões acerca da ação formativa e da educação libertadora. A narrativa da primeira professora do assentamento Rose oferece subsídios para a compreensão do que envolve a educação campesina.

Meu pote tem areia, pau e fé, pois foi com isso que eu ajudei a levantar o assentamento. Eu fui uma professora precoce. Desde muito cedo fui chamada a ajudar meus irmãos a lerem. Mas emoção mesmo eu senti quando eu alfabetizei meu pai (Sol, 2015. Informação Verbal)

Ao ouvir a beleza e a profundidade da narrativa da primeira professora do Rose, a ansiedade por outros capítulos daquela história ficou latente. Ressaltamos que essa narrativa foi realizada na primeira atividade que realizamos no Rose, quando apresentamos os objetivos da pesquisa. Na oportunidade, ao realizarmos a Poteca com lideranças locais, a professora Sol tirou um pouco de areia e um pedaço de madeira do pote e, emocionada, contou, além das palavras acima, outros desafios enfrentados. A forma com que enfrentou as adversidades constituiu sua identidade de assentada e professora da Escola 10 de Julho.

Tudo é mistura num movimento único de areia, pau, fé, emoção, educação, cultura e organicidade. Esses elementos indivisíveis demarcam a história singular de pessoas rotuladas como os “sem-terras” do Rose. Essa mesma história aponta para a possibilidade de construção de uma educação contra-hegemônica. O processo de ocupação de uma terra improdutiva, tendo como protagonistas pessoas simples, às quais sempre foram negados diversos direitos básicos, tem muito a ensinar. As bases educativas, culturais e políticas de uma ocupação, como a do Rose, podem revelar uma forma de lutar capaz de ensinar aos movimentos sociais que é preciso não apenas resistir, mas, sobretudo, reexistir.

Os arranjos sociais, políticos e educativos da localidade investigada demonstram que as histórias construídas no Rose têm especificidades e estão diretamente associadas com a constituição da identidade e da cultura dos sujeitos pertencentes a esses espaços, inclusive as crianças. Considerando a história de um movimento social do campo específico - o MST - será possível encontrar mais convergências do que divergências. Uma dessas convergências está relacionada à forma como a escola e os processos educativos formais chegam às ocupações e aos assentamentos.

Se algumas discrepâncias podem ser constatadas na luta do Rose em relação às ações do MST, por outro lado, aproximações são facilmente percebidas. Um desses pontos convergentes é que a organização da luta, em ambos os casos, teve como prioridade a conquista da terra. Também converge que, com o desdobramento dessas lutas, tornou-se necessário buscar respostas para outros desafios: a educação, a formação cultural, a saúde, a produção, o meio ambiente, a sustentabilidade etc. A consolidação e qualificação dessa luta, tanto para o MST quanto para os campesinos do Rose, sempre foi sustentada em dois princípios fundamentais e indissociáveis: organicidade e coletividade (Stédile; Fernandes, 2005STÉDILE, João Pedro; FERNANDES, Bernardo Mançano. Brava Gente: a trajetória do MST e a luta pela terra no Brasil. 3. ed. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2005.).

A organicidade refere-se “à capacidade que um Movimento tem de fazer com que as ideias, discussões e orientações comuns percorram e se articulem, em todo o corpo da organização, de forma permanente” (Peloso, 2012PELOSO, Ranulfo. Trabalho de Base: seleção de roteiros organizados pelos Cepis. São Paulo: Expressão Popular, 2012., p. 54). A organicidade requer uma unidade de pensamento e de ação, mantendo a autonomia de quem participa das tomadas de decisão, e é essencial para um trabalho coletivo, democrático e participativo. Isso é evidenciado nas lutas travadas no Rose.

Bernardo Mançano Fernandes (2000FERNANDES, Bernardo Mançano. A formação do MST no Brasil. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2000.), ao tratar da formação do MST, fala de algumas necessidades que surgiram para além da luta pela terra. Ele destaca, então, que a educação e a escola eram tão importantes quanto os aspectos ligados à produção. Segundo Fernandes (2000, p. 27), logo nos primeiros anos do MST, o objetivo girava em torno de: “conhecer a realidade educacional do Movimento; garantir acesso, qualidade e permanência das crianças nas escolas; construção de uma proposta educacional e princípios pedagógicos; valorização do trabalho cooperativo; formação de professores; alfabetização de jovens e adultos, entre outros”. Nos assentamentos a messe é grande e poucos são os operários, tornando necessária a criação de comissões para reivindicar e organizar a escola na comunidade.

No Rose, a preocupação inicial foi com a construção da escola enquanto espaço físico. Para Sandra Dalmagro (2010DALMAGRO, Sandra Luciana. A escola no contexto das lutas do MST. Tese (Doutorado em Educação). Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2010.), numa situação de ocupação sempre é possível perceber duas concepções de escola: a necessidade da escola e a escola como necessidade de luta. Segundo a autora, “a primeira é entendida como uma condição de acesso aos bens culturais produzidos socialmente, já a segunda expressa a necessidade de outra perspectiva política, qual seja, da transformação social e de mudanças na escola” (Dalmagro, 2010, p. 167). A primeira concepção é uma necessidade imediata; já a segunda precisa ser assumida pelo coletivo, como garantia de um diferencial para educação local.

As primeiras iniciativas pela escola no assentamento Rose envolveram não só a necessidade do espaço físico, mas também a preocupação com a segurança. Como o local em que inicialmente acamparam não seria o mesmo em que viria a ser construído o povoado, todos que estavam acampados passavam por grandes apuros. A Professora Sol (2019) relembra, emocionada, esse período.

A gente corria riscos por conta da ignorância desse pessoal. Eles achavam que a gente tava aqui roubando o que era dos outros, que a gente era um bando de desocupados, quando, na verdade, a gente tava era buscando nossos direitos de querer só um pedaço de terra para dar uma vida mais digna para nossas famílias (Sol, 2019. Informação Verbal)

A formação da primeira professora desenvolveu-se com muito suor e coragem; gradativamente, ela notava o nascimento de um novo mundo. Esse mundo tinha o toque da mão de agricultora-professora: “Na época tinha só magistério, depois fiz Pedagogia. Fiz uma Pós-Graduação em Gestão e fiz Ciências Biológicas. Tudo foi com muito sacrifício. A gente olha pra trás e vê que tudo valeu a pena” (Sol, 2019. Informação Verbal).

Entendemos que, o que já existe concretizado sobre a educação do MST é uma experiência preexistente que deve ser considerada e reconhecida quando se fala de educação campesina. Olhar para as singularidades da chamada Pedagogia do Movimento pode oferecer importantes pistas para o fortalecimento dos processos educativos no Rose.

O ponto inicial para pensar um processo diferenciado de educação é conceber que as crianças não são reprodutoras de padrões dos adultos, como outrora acreditava-se. Assim, um processo educativo emancipador passa necessariamente pela criação de estratégias que assumam, como centro do processo educativo, ações dialógicas que permitam que as crianças ergam suas vozes, ou seja, atentar para o que está subjacente à expressão “precisamos dar a voz”. Reiteradas vezes ouvimos e utilizamos essa expressão, mas, se assumirmos o poder de “darmos a voz”, podemos ser percebidos como os detentores da ação dialógica. Não correríamos o perigo de sermos percebidos como responsáveis por determinar o momento em que o outro falará? O “dar a voz” a alguém não está implícito que ela não tem voz?

O mais condizente com a amplitude da dialogia freiriana é assumirmos um movimento de escuta/fala ativa e elaborante. Existe a necessidade de atentarmos para sutilidade desse movimento de “dar a voz”. Imaginemos um agricultor, não alfabetizado, ao chegar num espaço de aprendizagem esperar que alguém lhe dê a voz. Saberes e voz eles têm de sobra. Então, se na relação dialógica, intencionalmente fizermos a pessoa perceber que é detentora de uma voz ativa, que seus saberes são fundamentais para a roda dialógica, ela não se sentirá acanhada e não será silenciada. Também com as crianças, o processo educativo requer estratégias que permitam que ergam suas vozes quando sentirem necessidade. A escola pode ligar essas crianças às situações acima.

Como um dos espaços educativos de um assentamento, a escola conecta as histórias da comunidade Rose e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. A primeira escola oficial num acampamento do MST foi instalada em 1986, na Fazenda Anonni, localizada em Sarandi, no Rio Grande do Sul. Uma das agricultoras que iniciou a luta pela escola no acampamento foi Roseli Celeste Nunes da Silva, a Rose. Em 31 de março de 1987, a agricultora foi atropelada e morta por um caminhão de uma empresa agrícola, durante uma manifestação na beira de uma estrada. A cerca de 3.000 km de distância, num assentamento da região sisaleira da Bahia, Rose foi o nome político dado ao assentamento Lagoa do Boi.

As condições objetivas de uma ocupação também trazem outras relações entre as duas localidades e a escola. Como relata Ana Luedke (2013LUEDKE, Ana Marieli dos Santos. A formação da criança e a ciranda infantil do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2013., p. 84) sobre a escola da Fazenda Anonni, “antes mesmo da aprovação e da arrecadação de verbas para construção da escola pelos órgãos estaduais, o MST iniciou suas atividades num barracão de lona preta”. Nas duas ocupações, a instalação da escola teve um importante significado para a luta campesina: os agricultores conseguiam construir e oficializar suas escolas em áreas de conflito e de suposta ilegalidade. Estas não podem ser consideradas coincidências: precisam ser vistas como exemplos para a manutenção da luta pela terra e pelas condições básicas de permanência no território.

Essa escola, que já nasce da luta, precisa seguir com uma organização didático-pedagógica diferenciada. É nesse sentido que o MST, após a criação de setores específicos para elaboração de uma educação campesina, oferece esses subsídios, com o nome de Pedagogia do Movimento Sem Terra.

Roseli Caldart (2003CALDART, Roseli Salete. Movimento Sem Terra: lições de Pedagogia. Revista Currículo Sem Fronteiras, v. 3, p. 50-59, 2003. http://www.curriculosemfronteiras.org/vol3iss1articles/roseli1.pdf
http://www.curriculosemfronteiras.org/vo...
) demarca que a Pedagogia do Movimento refere-se ao “jeito através do qual o Movimento vem, historicamente, formando o sujeito social de nome Sem Terra, e educando no dia a dia as pessoas que dele fazem parte” (p. 52). Já Edgar Kolling, membro do setor de educação do MST, Maria Cristina Vargas e Roseli Caldart apresentam as linhas gerais que definem a Pedagogia do Movimento.

Trata-se de uma intencionalidade formativa produzida na dinâmica de uma luta social (pela terra, pelo trabalho, de classe), e de uma organização coletiva de trabalhadores camponeses, que pode ser pensada como um processo educativo. Sua lógica ensina sobre como fazer a formação humana em outras situações, mesmo institucionais, mas também pode ajudar a intencionalizar as próprias ações da luta na direção de objetivos mais amplos: pensar como cada ação - seja uma ocupação, uma marcha, uma forma de produção de alimentos - pode ajudar no processo de formação de seus sujeitos: como Sem Terra, como camponês, como trabalhador, como classe trabalhadora, como ser humano; que valores propõe, nega ou reforça; que postura estimula diante da luta, da sociedade, da vida; e que desafios de superação coloca à sua humanidade (Kolling; Vargas; Caldart, 2012KOLLING, Edgar Jorge; VARGAS, Maria Cristina; CALDART, Roseli Salete. MST e Educação. In: Dicionário da Educação do Campo. Expressão Popular, SP, 2012. p. 500-508., p. 549).

De acordo com Roseli Caldart (2004CALDART, Roseli Salete. Pedagogia do Movimento sem Terra. 3. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2004., p. 380), além das linhas gerais acima apresentadas, alguns fatores impulsionam o surgimento da escola nos acampamentos/assentamentos. Esses fatores estariam relacionados ao reconhecimento do valor da escola. Esse valor é destacado como um dos princípios organizativos do Movimento, por ser compreendido como fundamental para a luta e a conquista da formação humana. Outro grupo de fatores estaria relacionado ao reconhecimento da precariedade educacional no Brasil, principalmente no meio rural: a preocupação com o baixo nível de escolaridade, a iniciativa de mães e professoras em levarem adiante essa preocupação com a escolaridade, assumindo a tarefa de educar e organizar atividades educacionais para as crianças e ainda a organicidade do Movimento que induz a participação de mulheres e crianças na sua coletividade.

Ao serem identificados esses fatores, foi preciso “se preocupar e se ocupar mais detidamente com essa luta específica, igualmente com o que acontecia dentro das escolas conquistadas” (Caldart, 2004CALDART, Roseli Salete. Pedagogia do Movimento sem Terra. 3. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2004., p. 380). Essa é a preocupação que nenhuma escola, sobretudo as nascidas das lutas nesses contextos de privações e exclusões, deveria prescindir. Ocupar-se do desenvolvimento pedagógico deveria ser princípio norteador e não apenas preocupação. Fazemos essa constatação por conhecermos a realidade de algumas escolas de assentamento e sabermos que, a intencionalidade pedagógica que visa a formação “na” e “para a” luta coletiva, vem se perdendo em muitos desses locais. Essa constatação é sustentada pelo fato de que, em locais onde os agricultores não conseguem influenciar diretamente na dimensão pedagógica - seja na condição de professores, gestores, alunos ou comunidade organizada - essas orientações são “terceirizadas”. Geralmente, as Secretarias de Educação assumem essas escolas, enviam professores sem implicação com a comunidade e trazem toda uma estrutura curricular que destoa do contexto do assentamento. Assim, aliena-se o trabalho. As lideranças locais, quando menos percebem, podem ver os princípios destacados por Caldart escaparem como água entre os dedos.

As escolas de assentamentos/acampamentos e os educadores do campo, estejam ligadas ou não ao MST, precisam reconhecer a construção histórica do Movimento na área educacional. Diversos materiais, resultantes de estudos e cursos de formação, foram disponibilizados pelo Setor de Educação do Movimento ao longo dos anos. Dentre esses materiais está o “Dossiê MST e Escola”, publicado em 2005. Trata-se de uma coletânea em que estão sintetizados os documentos e produções do MST no período de 1990 a 2001. O Dossiê apresenta treze princípios pedagógicos e cinco princípios filosóficos que devem orientar a formação e a prática educativa. Esses princípios são:

Os princípios filosóficos indicam: educação para a transformação social; educação para o trabalho e a cooperação; educação voltada para as várias dimensões da pessoa humana; educação com/para valores humanistas e socialistas; e educação como um processo permanente de formação e transformação humana. Os princípios pedagógicos que reforçam os objetivos da educação no MST são: relação teoria e prática; combinação metodológica entre processos de ensino e capacitação; a realidade como base da produção do conhecimento; conhecimentos formativos socialmente úteis; educação para o trabalho e pelo trabalho; vínculo orgânico entre processos educativos e políticos; vínculo orgânico entre processos educativos e processos econômicos; vínculo orgânico entre educação e cultura; gestão democrática; auto-organização dos/das estudantes; criação de coletivos pedagógicos e formação permanente dos educadores/educadoras; atitude e habilidade de pesquisa; combinação entre processos pedagógicos coletivos e individuais (MST, 2005).

O que há de subversivo é que uma educação guiada por esses princípios subverteria a educação preconceituosa, classificatória e sexista que impera nas escolas. Queremos acreditar que educadores comprometidos com causas sociais só negarão esses princípios se os desconhecerem. Então, por que é tão difícil ver uma escola erguida e mantida por esses princípios? Será que não é realmente necessária, para além de uma resistência pedagógica, uma reexistência? Resistir a quê?

Se a resistência estiver relacionada aos processos educativos que estão majoritariamente postos, não há o que resistir, mas sim subverter. Ampliamos essa problematização para as escolas que atendem crianças em condições de excludências e precariedades. Ressaltamos a necessidade das escolas do campo, sobretudo dos acampamentos/assentamentos, reexistirem e tomarem o controle o quanto antes, pois, se considerarmos as políticas públicas, o futuro para essas escolas é incerto e obscuro.

Foi pensando na dimensão ampliada de educação e nos diferentes tempos e espaços formativos que o Movimento organizou, e segue produzindo, um número considerável de materiais sobre a educação dos povos do campo em todos os níveis, bem como define e orienta as chamadas escolas itinerantes. Também organiza a educação infantil em torno das cirandas infantis e lutou/luta pela ampliação de cursos superiores direcionados para os povos do campo; existe uma produção ampla, que não se aplica apenas às escolas de acampamentos e assentamentos do MST. Como diz Caldart (2004CALDART, Roseli Salete. Pedagogia do Movimento sem Terra. 3. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2004., p. 219), “é uma síntese e combinação de diversas matrizes pedagógicas”, assim sendo, tem ampla possibilidade de exequibilidade para os educadores e comunidades que desejam uma educação diferenciada. Portanto, nessa construção permanente por uma educação campesina libertadora, ainda podemos citar as Escolas Itinerantes e as Cirandas Infantis, dentre outras.

Considerando o que vivenciamos no assentamento e algumas produções relacionadas a essa escola libertadora, podemos dizer que o Rose e a sua escola são exemplos de que é possível, num contexto de adversidade, construir ações contra-hegemônicas. Considerando as atividades realizadas com as crianças e a percepção final que teve a própria professora, foi possível constatar que as memórias da resistência e ocupação não são tão vivas para as crianças dessa geração como foram para as outras gerações que passaram pela Escola 10 de Julho. Isso é formativo. Isso é um currículo vivo. Por isso, é preciso estar alerta para a forma de condução do currículo estabelecido pelas Secretarias de Educação, pois se uma história é negada pelos manuais oficiais, não insistir em estratégias para mantê-la viva pode ser o caminho para o esquecimento.

Para concluir, a palavra é construir

Construção sempre será a palavra quando se trata de educação. As vivências e aprendizagens no assentamento Rose nos dão a certeza que precisamos seguir construindo um processo formativo para os professores das escolas do campo, valorizando as histórias e a dimensão cultural dos povos do campo. É preciso tornar as conquistas e as bases constitutivas da comunidade como elemento de um currículo dinâmico e em ação. Assim, o currículo poderá ser concebido como o projeto de uma prática concreta, real, histórica, resultado das relações sociais, políticas e pedagógicas, que se expressam na organização do trabalho pedagógico, no trato com conhecimentos vinculados à formação do ser humano, sob a responsabilidade da escola.

Nesse sentido, Miguel Arroyo (2015ARROYO, Miguel Gonzalez. Os Movimentos Sociais e a construção de outros currículos. Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. 55, p. 47-68, 2015. https://www.scielo.br/j/er/a/xYJBbBhyTpcKNjp5HpxZVht/?format=pdf⟨=pt
https://www.scielo.br/j/er/a/xYJBbBhyTpc...
, p. 48) nos chama a atenção para algumas questões: “que indagações e contribuições têm trazido a diversidade de movimentos sociais, especificamente do campo, para a construção de outro currículo nas escolas do campo, indígenas, quilombolas, comunidades camponesas negras e para a construção de outro currículo de formação de outros professores?”.

Os problemas postos são reais. Nos cabe ainda respondermos coletivamente: como construir esses currículos mediados pelas experiências dos movimentos sociais? Precisamos conhecer o que de positivo trazem essas experiências e quais suas possibilidades. Encarar essas questões passa necessariamente por conhecermos essa tal Educação do Campo. Concebê-la como uma Educação do Campo que: defenda uma visão de campo com lugar de vida digna e significativa; defenda uma fixação e reaproximação no campo; defenda a construção de uma cidadania do campo em contraposição a visão de atraso; desenvolva um olhar crítico sobre si e sobre o mundo para reafirmar a dignidade humana; desenvolva a certeza de que os povos do campo são responsáveis em prover o alimento da cidade; promova mudança na área da produção e distribuição. Mas, sobretudo, que conceba a importância de um “campo” que participe na construção de um projeto de desenvolvimento nacional.

Olhar para experiências como a do Rose nos faz acreditar que uma formação para os povos do campo precisa cada vez mais considerar o “lugar da diversidade nas concepções de currículo, de conhecimento e de cultura” (Arroyo, 2015ARROYO, Miguel Gonzalez. Os Movimentos Sociais e a construção de outros currículos. Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. 55, p. 47-68, 2015. https://www.scielo.br/j/er/a/xYJBbBhyTpcKNjp5HpxZVht/?format=pdf⟨=pt
https://www.scielo.br/j/er/a/xYJBbBhyTpc...
, p. 56). Experiências como essas apontam para a possibilidade de construção de outros currículos e para a necessidade de outra formação, uma formação que contribua para a desocupação do latifúndio do saber, das escolas, das universidades, e outros locais onde possam ser semeadas possibilidades, das quais brotem novos conhecimentos.

Referências

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  • STÉDILE, João Pedro; FERNANDES, Bernardo Mançano. Brava Gente: a trajetória do MST e a luta pela terra no Brasil. 3. ed. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2005.
  • APOIO/FINANCIAMENTO

    Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia - FAPESB. Projeto de Pesquisa: Pequenas Vozes do Sertão: Narrativas de crianças assentadas sobre a identidade camponesa- 326/2016.
  • DISPONIBILIDADE DE DADOS DE PESQUISA

    Dados serão fornecidos se solicitados.
  • 1
    Esta pesquisa foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB).
  • 2
    Religioso da Ordem dos Frades Menores (OFM) e liderança campesina no Rio Grande do Sul.
  • 3
    O presente artigo foi revisado por Bruno Lopes de Almeida. Após ter sido diagramado, foi submetido para validação do(s) autor(es) antes da publicação.

Disponibilidade de dados

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    21 Nov 2022
  • Aceito
    10 Jan 2024
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