Acessibilidade / Reportar erro

COORDENAÇÃO MOTORA GLOBAL E A PRÁTICA ESPORTIVA EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES PARTICIPANTES DE MULTIESPORTE

GLOBAL MOTOR COORDINATION AND SPORTS PRACTICE IN CHILDREN AND ADOLESCENTS MULTI-SPORT PARTICIPANTS

RESUMO

A relação entre a participação esportiva (PE) e a coordenação motora global (CMG) se associa à idade. No entanto, o tempo envolvido na PE pode ser outro mediador. Assim, o objetivo foi investigar a relação entre a CMG e a PE em crianças e adolescentes envolvidos na PE, controlado pelo tempo de prática. Para isso, foram analisados 111 meninos (88 de 6 a 9 anos; 23 de 10 a 12 anos), com PE de duas a quatro modalidades e com o tempo de prática entre um e seis anos. A CMG foi auferida pelo Körperkoordinationstest Für Kinder e a PE mediante entrevista semiestruturada com os responsáveis legais. Os coeficientes de Spearman indicaram que para as crianças dos 6 aos 9 anos de idade não houve correlação entre a CMG e a PE (p >0,05), mesmo quando controlada pelo tempo nas PE. Já para o grupo dos 10 aos 12 anos, houve correlação moderada (ρ = 0,515, p <0,01). Essa informação permite ao profissional de Educação Física entender que a experiência motora das crianças mais jovens é fundamental para potencializar o desenvolvimento motor e que sua implicação na manutenção da participação em atividades esportivas ocorrerá somente nas fases avançadas da infância.

Palavras-chave:
Criança; Adolescente; Atividade motora; Transtornos motores

ABSTRACT

The relationship between sports participation (SP) and global motor coordination (GMC) is associated with age. However, the time of involved in SP may be another mediator. Thus, the objective was to investigate the relationship between GMC and SP in children and adolescents involved, controlled by the time of practice. For this, 111 boys were analyzed (88 aged 6 to 9 years old; 23 aged 10 to 12 years old), with SP of two to four sports and with practice time between one and six years. The GMC was assessed by the Körperkoordinationstest Für Kinder and the SP through a semi-structured interview with the legal guardians. Spearman coefficients indicated that for children aged 6 to 9 years there was no correlation between GMC and SP (p >0.05), even when controlling for time in SP. For the group aged 10 to 12 years old, there was a moderate correlation (ρ = 0.515, p <0.01). This information allows the Physical Education professional to understand that the motor experience of younger children is fundamental to enhancing motor development and that its implication in maintaining participation in sporting activities will only occur in the advanced stages of childhood.

Keywords:
Child; Adolescent; Motor activity; Motor disorders

Introdução

A coordenação motora global tem sido entendida como um construto subjacente ao desenvolvimento das habilidades motoras básicas e específicas11. Kiphard EJ. Insuficiências de movimiento y de coordinación en la edad de la escuela primaria. Buenos Aires, Kapeluscz. 1976;),(22. Vandorpe B, Vandendriessche J, Vaeyens R, Pion J, Matthys S, Lefevre J, et al. Relationship between sports participation and the level of motor coordination in childhood: A longitudinal approach. J Sci Med Sport [Internet]. 2012;15(3):220-5. DOI: 10.1016/j.jsams.2011.09.006.
https://doi.org/10.1016/j.jsams.2011.09....
),(33. Rudd J, Butson ML, Barnett L, Farrow D, Berry J, Borkoles E, et al. A holistic measurement model of movement competency in children. J Sports Sci [Internet]. 2015;1-9. DOI:10.1080/02640414.2015.1061202.
https://doi.org/10.1080/02640414.2015.10...
. Vale destacar que ao investigar a coordenação motora global (CMG) e as habilidades motora básicas, existem evidências favoráveis à sua diferenciação, e propõem que sejam consideradas como duas dimensões que expressam facetas diferentes da competência motora33. Rudd J, Butson ML, Barnett L, Farrow D, Berry J, Borkoles E, et al. A holistic measurement model of movement competency in children. J Sports Sci [Internet]. 2015;1-9. DOI:10.1080/02640414.2015.1061202.
https://doi.org/10.1080/02640414.2015.10...
.

O importante estudo de Vandorpe22. Vandorpe B, Vandendriessche J, Vaeyens R, Pion J, Matthys S, Lefevre J, et al. Relationship between sports participation and the level of motor coordination in childhood: A longitudinal approach. J Sci Med Sport [Internet]. 2012;15(3):220-5. DOI: 10.1016/j.jsams.2011.09.006.
https://doi.org/10.1016/j.jsams.2011.09....
identificou que as crianças que dedicaram mais tempo à prática esportiva, continuamente ao longo de dois anos, foram as crianças que apresentavam maior CMG no início do estudo. Por outro lado, o estudo identificou que esses dois anos de prática esportiva sistematizada não influenciaram no desenvolvimento da CMG, quando considerado as crianças que praticaram sistematicamente e as que não praticaram, sugerindo que a CMG inicial prediz a participação esportiva, mas a participação esportiva não tem efeito sobre a CMG.

Seguindo a linha de pesquisa, Fransen e colaboradores44. Fransen J, Pion J, Vandendriessche J, Vandorpe B, Vaeyens R, Lenoir M, et al. Differences in physical fitness and gross motor coordination in boys aged 6-12 years specializing in one versus sampling more than one sport. J Sports Sci. 2012;30(4):379-86. DOI:10.1080/02640414.2011.642808.
https://doi.org/10.1080/02640414.2011.64...
encontraram evidências de que crianças que apresentam CMG superior são aquelas que praticam sistematicamente vários esportes (dois ou mais), mas esse efeito somente aparece a partir dos 10 anos de idade. Os autores apresentaram a hipótese de que haveria um efeito latente da CMG na participação esportiva (PE), ou seja, que não é perceptível em crianças mais novas, mas será apresentado após alguns anos de prática. No entanto, essa hipótese elaborada considerou apenas a análise de crianças com PE em um esporte versus vários esportes, sem controle da quantidade de anos envolvido nestas PE44. Fransen J, Pion J, Vandendriessche J, Vandorpe B, Vaeyens R, Lenoir M, et al. Differences in physical fitness and gross motor coordination in boys aged 6-12 years specializing in one versus sampling more than one sport. J Sports Sci. 2012;30(4):379-86. DOI:10.1080/02640414.2011.642808.
https://doi.org/10.1080/02640414.2011.64...
.

Vale destacar que o tempo de prática é outro parâmetro da participação esportiva que está claramente associado a CMG44. Fransen J, Pion J, Vandendriessche J, Vandorpe B, Vaeyens R, Lenoir M, et al. Differences in physical fitness and gross motor coordination in boys aged 6-12 years specializing in one versus sampling more than one sport. J Sports Sci. 2012;30(4):379-86. DOI:10.1080/02640414.2011.642808.
https://doi.org/10.1080/02640414.2011.64...
),(55. Fransen J, Deprez D, Pion J, Tallir IB, D’Hondt E, Vaeyens R, et al. Changes in physical fitness and sports participation among children with different levels of motor competence: a 2-year longitudinal study. Pediatr Exerc Sci. 2014Feb;26(1):11-21. DOI:10.1123/pes.2013-0005.
https://doi.org/10.1123/pes.2013-0005...
),(66. Opstoel K, Pion J, Elferink-Gemser M, Hartman E, Willemse B, Philippaerts R, et al. Anthropometric characteristics, physical fitness and motor coordination of 9 to 11 year old children participating in a wide range of sports. PLoS One. 2015;10(5):1-16. DOI: 10.1371/journal.pone.0126282.
https://doi.org/10.1371/journal.pone.012...
. Como exemplo, Opstoel e colaboradores observaram que crianças entre 9 e 11 anos que apresentavam CMG abaixo da média foram aquelas que praticavam esportes com menor frequência semanal, comparadas às crianças com CMG média ou acima da média66. Opstoel K, Pion J, Elferink-Gemser M, Hartman E, Willemse B, Philippaerts R, et al. Anthropometric characteristics, physical fitness and motor coordination of 9 to 11 year old children participating in a wide range of sports. PLoS One. 2015;10(5):1-16. DOI: 10.1371/journal.pone.0126282.
https://doi.org/10.1371/journal.pone.012...
.

Devido a importância da fase de experimentação dos movimentos básicos ou combinados, espera-se que a maior parte das crianças esteja envolvida na PE de diferentes modalidades - multiesporte77. Côte J, Lidor R, Hackfort D. ISSP position stand: To sample or to specialize? Seven postulates about youth sport activities that lead to continued participation and elite performance. Int J Sport Exerc Psychol. 2009;7(1):7-17. DOI:10.1080/1612197X.2009.9671889.
https://doi.org/10.1080/1612197X.2009.96...
. Com isso, a relevância do presente estudo está presente na tentativa de esclarecer como uma variável especificamente motora (CMG) se comporta em relação a prática esportiva multiesportiva, a depender da idade das crianças e adolescentes.

Sendo assim, o objetivo deste estudo foi investigar se o efeito latente da CMG sobre a PE é persistente quando analisada uma amostra de crianças que praticam diversas quantidades de modalidades esportivas, todas engajadas em multiesportes, controlada pela quantidade de anos envolvido nas PE.

Métodos

Participantes

A amostra foi composta por 111 meninos, divididos em dois grupos etários: 6 aos 9 anos (88 crianças) e 10 aos 12 anos (23 adolescentes). O presente estudo utilizou dados secundários, extraídos do projeto “Projeto de Monitoramento do Desempenho de Criança e Jovens Pinheirenses ao Longo do Processo de Formação Esportiva”, realizado através da parceria entre a Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo e o Esporte Clube Pinheiros, ambas da cidade de São Paulo, Brasil. Em relação a prática esportiva, vale ressaltar que, todas as crianças realizavam dois ou mais esportes ao longo da semana; e, cada esporte era ministrado por profissionais diferentes, mas que tinham como objetivo ensinar aspectos sociais, culturais, psicológicos e motores relacionados as modalidades esportivas.

Sendo a amostra pertencente a um projeto maior de formação esportiva, os únicos critérios de inclusão adotados para a amostra deste artigo foram estar na faixa etária entre 6 a 12 anos de idade e a concluir todo o teste para a análise da CMG.

O referido projeto foi aprovado pelo comitê de ética da Universidade de São Paulo (número do parecer 4.242.321). O termo de consentimento para aprovação da participação dos voluntários foi devidamente assinado pelos pais/responsáveis legais.

Procedimentos

O protocolo de coleta e análise da CMG seguiu o manual do Körperkoordinationstest für Kinder (KTK)88. Schilling VF, Kiphard EJ. Körperkoordinationstest für Kinder KTK: manual Von Fridhelm Schilling. Weinhein: Beltz Test. 1974;. Esse é um instrumento que tem apresentado indicadores de validação para coletas em crianças e adolescentes, inclusive no Brasil99. Moreira JPA, Lopes MC, Miranda-Júnior MV, Valentini NC, Lage GM, Albuquerque MR. Körperkoordinationstest Für Kinder (KTK) for Brazilian Children and Adolescents: Factor Analysis, Invariance and Factor Score. Front Psychol. 2019;10(November):1-11. DOI:10.3389/fpsyg.2019.02524.
https://doi.org/10.3389/fpsyg.2019.02524...
.

O KTK apresenta medidas quantitativas de movimento por meio de quatro tarefas: equilíbrio à retaguarda; saltos monopodais; saltos laterais; e transposição lateral. O somatório da pontuação das quatro tarefas permite calcular o quociente motor geral (QMG) a partir da normatização referente à idade e ao sexo da criança, possibilitando posteriormente, a classificação do sujeito quanto a CMG em 5 níveis coordenativos, sendo eles: (1) 56 ≤ QMG ≤ 70, insuficiência coordenativa; (2) 71 ≤ QMG ≤ 85, coordenação pobre; (3) 86 ≤ QMG ≤ 115, coordenação normal; (4) 116 ≤ QMG ≤ 130, coordenação boa; e (5) 131 ≤ QMG ≤ 145, coordenação alta88. Schilling VF, Kiphard EJ. Körperkoordinationstest für Kinder KTK: manual Von Fridhelm Schilling. Weinhein: Beltz Test. 1974;. No presente artigo, utilizou-se o QMG como fator de análise da CMG.

As informações sobre a quantidade de esportes praticados e o tempo de prática foram obtidas por meio de uma entrevista semiestruturada realizada com os pais/responsáveis legais das crianças (enquanto aguardavam a realização da aula/coleta), direcionada pelas seguintes perguntas: “Qual ou quais são os esportes que o seu filho praticou/pratica ao longo da vida?” e “Por quanto tempo ele praticou/pratica cada um deles?”. Em relação a quantidade de esportes, todas as crianças, incluídas neste estudo, praticavam 2 ou mais esportes (indicados no quadro 1). Quanto ao tempo de prática, foram incluídas as crianças que já estavam no mínimo há 1 ano praticando pelo menos duas modalidades.

Quadro 1
Lista geral de esportes praticados pela amostra.

O convite, assim como a disponibilidade dos termos de consentimento, para a realização da coleta de dados foi realizado no momento da inscrição dos alunos nas turmas nas modalidades esportivas do clube esportivo. As coletas ocorreram durante o período das aulas de uma das modalidades (Judô), nos anos de 2018 e 2019. A equipe de coleta foi composta por cinco avaliadores e pelo professor da turma. Cada avaliador realizava uma tarefa do KTK com duas crianças por vez, alternando as crianças em formato de circuito. Assim, todas percorreram as quatro estações referentes às tarefas do teste. Durante a coleta, pais e responsáveis legais permaneciam no ambiente do clube esportivo. Nesse momento, o quinto avaliador da equipe realizava a entrevista semiestruturada sobre o histórico da participação esportiva das crianças e adolescentes.

Análise estatística

Para análise da distribuição dos dados foram aplicados os testes de Kolmogorov-Smirnov e Shapiro-Wilk, além das análises de gráficos de histograma e dispersão simples. Com a normalidade dos dados não assumida, foi utilizado o teste de correlação de Spearman para compreender a relação entre as variáveis do estudo (CMG e quantidade de esportes) para cada grupo de crianças (6-9 e 10-12 anos de idade). Além disso, foi utilizado o teste de correlação parcial de Spearman para analisar a relação entre as variáveis do estudo, controlado pelo tempo de prática e idade das crianças, para cada grupo de crianças. O tamanho do efeito dos coeficientes varia de -1,0 a 1,0, sendo que os valores representam as respectivas forças: Fraca (r=0,10-0,39); Moderada (r=0,40-0,69); e Forte (r=0,70-1,0)1010. Field A. Correlação. In: Descobrindo a estatística usando o SPSS. Porto Alegre: Artmed, 2009. p. 125-55.. Todas as análises foram conduzidas no pacote estatístico Statistical Package for Social Sciences (SPSS) versão 22, com nível de significância de 5%.

Resultados

Dos 111 meninos avaliados, 48 praticavam 2 esportes, 45 praticavam 3 esportes e 18 praticavam 4 esportes. Os valores descritivos da CMG são apresentados na Tabela 1, e para ambos os grupos, expressam um nível coordenativo normal (QMG>85). As demais distribuições estratificadas por grupos etários e quantidades de esporte, tamanho da amostra também estão indicadas na tabela 1.

Tabela 1
Descrição da amostra quanto à coordenação motora global (através do QMG), consoante a participação esportiva (quantidade de esportes e tempo de prática) e os grupos etários

A tabela 2 indica os coeficientes de correlação. Para a amostra total, a CMG foi fraca e positivamente associada ao tempo de prática (ρ = 0,199, p <0,05). Para as crianças dos 6 aos 9 anos de idade não houve associação significativa entre a CMG e a participação esportiva (p >0,05). Já para o grupo mais velho, dos 10 aos 12 anos, a CMG foi moderada e positivamente associada à quantidade de esportes praticados (ρ = 0,499, p <0,01), mesmo quando tal associação foi controlada pelo tempo de prática e idade (ρ = 0,515, p <0,01), indicando que a relação não é afetada pelo tempo de prática.

Tabela 2
Dados inferenciais referentes ao coeficiente de correlação de Spearman e ao respectivo coeficiente de correlação parcial entre a CMG e a participação esportiva (quantidade de esportes e tempo de prática), para crianças dos 6 aos 12 anos de idade

Discussão

O objetivo do presente estudo foi investigar se o efeito latente da CMG sobre a PE é persistente quando analisado em crianças engajadas em multiesportes, controlado pela quantidade de anos envolvido nestas PE.

A partir dos resultados foi possível inferir que a CMG não se associa à quantidade de esportes praticados pelas crianças mais novas (6 aos 9 anos), independente da estratificação em 2, 3 ou 4 esportes. No entanto, para as crianças mais velhas, dos 10 aos 12 anos, tal correlação ganha força e significância. A significância da amostra mais velha foi o que interviu para que a mostra total apresentasse relação fraca e positiva.

O resultado observado para os meninos dos 6 aos 9 anos refuta a hipótese apresentada de que a estratificação da quantidade de esportes poderia revelar variâncias da CMG, considerando 2, 3 ou 4 esportes (p >0,05). Alguns estudos interessados na temática e na fase da infância em questão identificaram que a participação esportiva parece implicar efeitos positivos para a CMG quando comparada a práticas não sistematizadas, como a educação física escolar22. Vandorpe B, Vandendriessche J, Vaeyens R, Pion J, Matthys S, Lefevre J, et al. Relationship between sports participation and the level of motor coordination in childhood: A longitudinal approach. J Sci Med Sport [Internet]. 2012;15(3):220-5. DOI: 10.1016/j.jsams.2011.09.006.
https://doi.org/10.1016/j.jsams.2011.09....
),(1111. Rudd JR, Barnett LM, Farrow D, Berry J, Borkoles E, Polman R. Effectiveness of a 16 week gymnastics curriculum at developing movement competence in children. J Sci Med Sport. 2017;20(2):164-9. DOI: 10.1016/j.jsams.2016.06.013.
https://doi.org/10.1016/j.jsams.2016.06....
. No entanto, quando o parâmetro de comparação é direcionado somente para grupos que praticam esportes, diferentes resultados surgem na literatura. Existem dados em que houve a diferença para crianças mais novas, como o exemplo em que ginastas apresentavam maior CMG em comparação aos jogadores de hóquei no gelo1212. Jaakkola T, Watt A, Kalaja S. Differences in the motor coordination abilities among adolescent gymnasts, swimmers, and ice hockey players. Hum Mov. 2017;18(1):44-49. DOI:10.1515/humo-2017-0006.
https://doi.org/10.1515/humo-2017-0006...
. Por outro lado, existem inferências que identificam que não há diferenças na CMG, independente do esporte praticado66. Opstoel K, Pion J, Elferink-Gemser M, Hartman E, Willemse B, Philippaerts R, et al. Anthropometric characteristics, physical fitness and motor coordination of 9 to 11 year old children participating in a wide range of sports. PLoS One. 2015;10(5):1-16. DOI: 10.1371/journal.pone.0126282.
https://doi.org/10.1371/journal.pone.012...
),(1313. Söğüt M. Gross motor coordination in junior tennis players. J Sports Sci [Internet]. 2016;34(22):2149-52. DOI: 10.1080/02640414.2016.1211311.
https://doi.org/10.1080/02640414.2016.12...
. O que torna a presente discussão válida de atenção devido à falta de consenso da literatura.

Os resultados inconclusivos sobre diferenças na CMG entre esportes ou então pela quantidade de esportes praticados nessa faixa-etária pode refletir o método de treinamento, em que o foco da prática pode ainda não ser o desempenho técnico e tático esportivo, mas sim, atividades motoras globais, referentes a combinação das habilidades motoras fundamentais, para que posteriormente, se alcance as habilidades específicas do esporte em questão1414. Gallahue DL, Ozmun JC, Goodway JD. Compreendendo o desenvolvimento motor: bebes, crianças e adolescentes. Nova Iorque: AMGH Editora Ltda.,2013. p.1-487.. Ademais, essa relação parece se modificar ao longo da vida, sendo que a maior coordenação motora durante a infância pode subsequentemente afetar o envolvimento em atividades esportivas, o que poderia ser benéfico para uma participação sustentável no esporte ao longo da adolescência e da vida adulta1515. Drenowatz C, Greier K. Cross‐sectional and longitudinal association of sports participation, media consumption and motor competence in youth. Scand J Med Sci Sports[Internet]. 2019;29(6):854-61. DOI: 10.1111/sms.13400.
https://doi.org/10.1111/sms.13400...
.

Corroborando com o pressuposto anterior, o presente estudo identificou que para os meninos dos 10 aos 12 anos, independentemente do tempo de prática e da idade, a CMG foi moderada e positivamente associada à quantidade de esportes (ρ = 0,515, p <0,01), ou seja, a variância comum do tempo de prática e da idade não afetaram a variância única da quantidade de esportes em relação a CMG. Tal resultado permite o raciocínio de duas diferentes premissas. A primeira sugerindo que a participação esportiva pode potencializar a aquisição da CMG44. Fransen J, Pion J, Vandendriessche J, Vandorpe B, Vaeyens R, Lenoir M, et al. Differences in physical fitness and gross motor coordination in boys aged 6-12 years specializing in one versus sampling more than one sport. J Sports Sci. 2012;30(4):379-86. DOI:10.1080/02640414.2011.642808.
https://doi.org/10.1080/02640414.2011.64...
),(1616. Côté J, Vierimaa M. The developmental model of sport participation: 15 years after its first conceptualization. Sci Sports [Internet]. 2014;29:S63-9. DOI: 10.1016/j.scispo.2014.08.133
https://doi.org/10.1016/j.scispo.2014.08...
e a segunda pressupondo que a maior CMG pode predizer a participação esportiva22. Vandorpe B, Vandendriessche J, Vaeyens R, Pion J, Matthys S, Lefevre J, et al. Relationship between sports participation and the level of motor coordination in childhood: A longitudinal approach. J Sci Med Sport [Internet]. 2012;15(3):220-5. DOI: 10.1016/j.jsams.2011.09.006.
https://doi.org/10.1016/j.jsams.2011.09....
),(1717. Lopes VP et al. Motor coordination as predictor of physical activity in childhood. Scand J Med Sci Sports. 2011; v. 21(n. 5):663-9. DOI: 10.1111/j.1600-0838.2009.01027.x.
https://doi.org/10.1111/j.1600-0838.2009...
.

A primeira premissa parte do princípio de que praticar esportes variados, como sugerido pelo estágio de diversificação do modelo de desenvolvimento da participação esportiva, estabelece uma gama de experiências motoras positivas essenciais para a aquisição de aspectos individuais, como a CMG1616. Côté J, Vierimaa M. The developmental model of sport participation: 15 years after its first conceptualization. Sci Sports [Internet]. 2014;29:S63-9. DOI: 10.1016/j.scispo.2014.08.133
https://doi.org/10.1016/j.scispo.2014.08...
. Nesse caso, os dados do presente estudo permitem inferir que os meninos que praticavam mais esportes, foram aqueles que se envolveram em diferentes desafios motores e adquiriram maior CMG. Contudo, esse benefício se torna aparente ao final do estágio de diversificação, dos 10 aos 12 anos, devido ao acúmulo das experiências positivas vivenciadas.

Por outro lado, a segunda premissa propõe que os dados não implicam que a melhor CMG seja o resultado direto da maior quantidade de esportes praticados, mas sim que as crianças precisam de maior CMG para se envolverem em maior quantidade de esportes, independentemente do tempo de prática e da idade. Do mesmo modo, foi observado, longitudinalmente, que as crianças com maior CMG aos 6 anos de idade foram aquelas com maior participação aos 10 anos22. Vandorpe B, Vandendriessche J, Vaeyens R, Pion J, Matthys S, Lefevre J, et al. Relationship between sports participation and the level of motor coordination in childhood: A longitudinal approach. J Sci Med Sport [Internet]. 2012;15(3):220-5. DOI: 10.1016/j.jsams.2011.09.006.
https://doi.org/10.1016/j.jsams.2011.09....
),(1717. Lopes VP et al. Motor coordination as predictor of physical activity in childhood. Scand J Med Sci Sports. 2011; v. 21(n. 5):663-9. DOI: 10.1111/j.1600-0838.2009.01027.x.
https://doi.org/10.1111/j.1600-0838.2009...
. Nessa perspectiva, a CMG é considerada como uma condição subjacente à aquisição das habilidades motoras fundamentais e quando maior, pode predizer maior participação esportiva em idades posteriores22. Vandorpe B, Vandendriessche J, Vaeyens R, Pion J, Matthys S, Lefevre J, et al. Relationship between sports participation and the level of motor coordination in childhood: A longitudinal approach. J Sci Med Sport [Internet]. 2012;15(3):220-5. DOI: 10.1016/j.jsams.2011.09.006.
https://doi.org/10.1016/j.jsams.2011.09....
. Na presente amostra, pode-se inferir que os meninos dos 10 aos 12 anos de idade que praticaram mais esportes, foram aqueles com maior CMG.

A CMG e as habilidades motoras podem ser consideradas como parte de um todo chamado competência motora (3). Assim sendo, a CMG como uma capacidade subjacente e necessária para a aquisição das habilidades motoras fundamentais, pode subsequentemente influenciar no rompimento da “barreira de proficiência”22. Vandorpe B, Vandendriessche J, Vaeyens R, Pion J, Matthys S, Lefevre J, et al. Relationship between sports participation and the level of motor coordination in childhood: A longitudinal approach. J Sci Med Sport [Internet]. 2012;15(3):220-5. DOI: 10.1016/j.jsams.2011.09.006.
https://doi.org/10.1016/j.jsams.2011.09....
),(1818. Seefeldt V. Developmental motor patterns: implications for elementary school physical education. In: Psychology of motor behavior and sport. In: Nadeau CH, Halliwell WR, Newell M, Roberts C, editors. Psychology of motor behavior and sport. Champaign: Human Kinetics; 1980. p. 314-23.. Essa “barreira” sugere que as crianças podem não alcançar a proficiência das habilidades esportivas porque não adquiriram as habilidades motoras fundamentais, por motivos como falta de oportunidade para a aprendizagem e desenvolvimento das mesmas1818. Seefeldt V. Developmental motor patterns: implications for elementary school physical education. In: Psychology of motor behavior and sport. In: Nadeau CH, Halliwell WR, Newell M, Roberts C, editors. Psychology of motor behavior and sport. Champaign: Human Kinetics; 1980. p. 314-23.. Deste modo, as crianças com maior CMG, poderão ser aquelas com maior proficiência na execução das habilidades motoras e com isso, terão repertório motor suficiente para participar dos esportes que lhes interessam, refletindo na participação em maior quantidade de esportes e tempo de prática.

Assim sendo, as premissas apresentadas podem indicar uma causalidade circular entre a CMG e a participação esportiva nessa fase da vida. A causalidade circular sugere que os componentes, no caso do presente artigo a CMG e a participação esportiva, são retroalimentados, ou seja, podem agir e interagir continuamente1919. Vasconcellos MJE de. Pensamento sistêmico: o novo paradigma da ciência. Campinas, São Paulo: Papirus Editora, 2013. p. 269.. Porém, para esclarecer se existe relação causal entre CMG e participação esportiva após os 10 anos de idade, além de analisar diferentes grupos etários, tempo de prática e quantidade de esportes praticados como o feito, serão necessários estudos longitudinais com maiores detalhes sobre a dinâmica das práticas esportivas. Por exemplo, como são as atividades realizadas pelos praticantes, globais (movimentos variados com pés e mãos) ou específicas e dependentes somente da prática esportiva em questão.

Além disso, torna-se evidente que maiores informações sobre os hábitos de vida das crianças podem auxiliar no esclarecimento da relação entre a CMG e a prática esportiva. Como por exemplo o tempo de tela, altamente presente da rotina atual das crianças e que, a depender da alta utilização, aparece como influenciador negativo para a competência motora1515. Drenowatz C, Greier K. Cross‐sectional and longitudinal association of sports participation, media consumption and motor competence in youth. Scand J Med Sci Sports[Internet]. 2019;29(6):854-61. DOI: 10.1111/sms.13400.
https://doi.org/10.1111/sms.13400...
, nessa faixa-etária tão importante para a aquisição do bom desenvolvimento motor.

Analisar e discutir o presente tema pode auxiliar na atuação do profissional de Educação Física para conduzir as experiências motoras de forma que o envolvimento futuro com as práticas seja potencializado, mesmo que esse envolvimento seja recreativo. Além disso, se o objetivo da criança e dos seus responsáveis for o alto rendimento, as informações do presente trabalho indicam que possa haver uma fase da infância (10 a 12 anos) em que as experiências motoras passadas poderão ser cruciais como base para alcançar etapas mais específicas e complexas. Assim, os treinadores esportivos poderão conduzir as práticas esportivas anteriores a essa fase com o intuito de projetá-las positivamente para as fases posteriores.

Ressalta-se que o presente estudo apresenta alguns pontos fortes que podem ser destacados, como o fato de ter sido considerada uma abordagem diferente dos estudos atuais que debatem sobre a participação esportiva sistematizada para crianças, tendo sido dada a ênfase para a CMG como uma condição importante para a progressão do desenvolvimento motor e não nas diferenças entre atletas de elite e sub elite ou em medidas de desempenho específicas do esporte. Contudo, o presente estudo também apresenta limitações referentes a não terem sido analisadas crianças que praticavam apenas um esporte, o que permitiria identificar melhor o aspecto do mínimo de quantidade de esportes comparado aos extremos superiores, como 3 ou 4 esportes. Além de não terem sido consideradas informações sobre os métodos das aulas para refletir se as atividades realizadas eram globais ou específicas da modalidade esportiva.

Conclusões

Em conclusão, a CMG e a quantidade de esportes praticados não foram associadas em crianças mais novas, dos 6 aos 9 anos de idade, sugerindo que parece mesmo haver uma relação latente, ou então, oculta nessa fase. Fortalecendo essa premissa, a relação positiva observada entre a CMG e a quantidade de esportes para a amostra dos 10 aos 12 anos, indica que a relação entre as mesmas se torna aparente com o avanço da idade. O efeito latente observado implica a ideia de que apenas com níveis adequados de CMG a criança esteja preparada para adquirir um conjunto de habilidades motoras para que no futuro se torne possível observar a existência da relação entre a sua CMG e a participação esportiva. Assim, evidencia-se a importância da participação esportiva ao longo da infância. Para isso, a atuação do profissional de Educação Física se torna essencial para conduzir as experiências motoras de forma organizada, com a finalidade de potencializar o desenvolvimento motor das crianças e a possível manutenção da participação em atividades esportivas ao longo da vida. Independentemente se o desfecho da prática esportiva será de alto rendimento, saúde ou recreativo.

Referências

  • 1
    Kiphard EJ. Insuficiências de movimiento y de coordinación en la edad de la escuela primaria. Buenos Aires, Kapeluscz. 1976;
  • 2
    Vandorpe B, Vandendriessche J, Vaeyens R, Pion J, Matthys S, Lefevre J, et al. Relationship between sports participation and the level of motor coordination in childhood: A longitudinal approach. J Sci Med Sport [Internet]. 2012;15(3):220-5. DOI: 10.1016/j.jsams.2011.09.006.
    » https://doi.org/10.1016/j.jsams.2011.09.006
  • 3
    Rudd J, Butson ML, Barnett L, Farrow D, Berry J, Borkoles E, et al. A holistic measurement model of movement competency in children. J Sports Sci [Internet]. 2015;1-9. DOI:10.1080/02640414.2015.1061202.
    » https://doi.org/10.1080/02640414.2015.1061202
  • 4
    Fransen J, Pion J, Vandendriessche J, Vandorpe B, Vaeyens R, Lenoir M, et al. Differences in physical fitness and gross motor coordination in boys aged 6-12 years specializing in one versus sampling more than one sport. J Sports Sci. 2012;30(4):379-86. DOI:10.1080/02640414.2011.642808.
    » https://doi.org/10.1080/02640414.2011.642808
  • 5
    Fransen J, Deprez D, Pion J, Tallir IB, D’Hondt E, Vaeyens R, et al. Changes in physical fitness and sports participation among children with different levels of motor competence: a 2-year longitudinal study. Pediatr Exerc Sci. 2014Feb;26(1):11-21. DOI:10.1123/pes.2013-0005.
    » https://doi.org/10.1123/pes.2013-0005
  • 6
    Opstoel K, Pion J, Elferink-Gemser M, Hartman E, Willemse B, Philippaerts R, et al. Anthropometric characteristics, physical fitness and motor coordination of 9 to 11 year old children participating in a wide range of sports. PLoS One. 2015;10(5):1-16. DOI: 10.1371/journal.pone.0126282.
    » https://doi.org/10.1371/journal.pone.0126282
  • 7
    Côte J, Lidor R, Hackfort D. ISSP position stand: To sample or to specialize? Seven postulates about youth sport activities that lead to continued participation and elite performance. Int J Sport Exerc Psychol. 2009;7(1):7-17. DOI:10.1080/1612197X.2009.9671889.
    » https://doi.org/10.1080/1612197X.2009.9671889
  • 8
    Schilling VF, Kiphard EJ. Körperkoordinationstest für Kinder KTK: manual Von Fridhelm Schilling. Weinhein: Beltz Test. 1974;
  • 9
    Moreira JPA, Lopes MC, Miranda-Júnior MV, Valentini NC, Lage GM, Albuquerque MR. Körperkoordinationstest Für Kinder (KTK) for Brazilian Children and Adolescents: Factor Analysis, Invariance and Factor Score. Front Psychol. 2019;10(November):1-11. DOI:10.3389/fpsyg.2019.02524.
    » https://doi.org/10.3389/fpsyg.2019.02524
  • 10
    Field A. Correlação. In: Descobrindo a estatística usando o SPSS. Porto Alegre: Artmed, 2009. p. 125-55.
  • 11
    Rudd JR, Barnett LM, Farrow D, Berry J, Borkoles E, Polman R. Effectiveness of a 16 week gymnastics curriculum at developing movement competence in children. J Sci Med Sport. 2017;20(2):164-9. DOI: 10.1016/j.jsams.2016.06.013.
    » https://doi.org/10.1016/j.jsams.2016.06.013
  • 12
    Jaakkola T, Watt A, Kalaja S. Differences in the motor coordination abilities among adolescent gymnasts, swimmers, and ice hockey players. Hum Mov. 2017;18(1):44-49. DOI:10.1515/humo-2017-0006.
    » https://doi.org/10.1515/humo-2017-0006
  • 13
    Söğüt M. Gross motor coordination in junior tennis players. J Sports Sci [Internet]. 2016;34(22):2149-52. DOI: 10.1080/02640414.2016.1211311.
    » https://doi.org/10.1080/02640414.2016.1211311
  • 14
    Gallahue DL, Ozmun JC, Goodway JD. Compreendendo o desenvolvimento motor: bebes, crianças e adolescentes. Nova Iorque: AMGH Editora Ltda.,2013. p.1-487.
  • 15
    Drenowatz C, Greier K. Cross‐sectional and longitudinal association of sports participation, media consumption and motor competence in youth. Scand J Med Sci Sports[Internet]. 2019;29(6):854-61. DOI: 10.1111/sms.13400.
    » https://doi.org/10.1111/sms.13400
  • 16
    Côté J, Vierimaa M. The developmental model of sport participation: 15 years after its first conceptualization. Sci Sports [Internet]. 2014;29:S63-9. DOI: 10.1016/j.scispo.2014.08.133
    » https://doi.org/10.1016/j.scispo.2014.08.133
  • 17
    Lopes VP et al. Motor coordination as predictor of physical activity in childhood. Scand J Med Sci Sports. 2011; v. 21(n. 5):663-9. DOI: 10.1111/j.1600-0838.2009.01027.x.
    » https://doi.org/10.1111/j.1600-0838.2009.01027.x.
  • 18
    Seefeldt V. Developmental motor patterns: implications for elementary school physical education. In: Psychology of motor behavior and sport. In: Nadeau CH, Halliwell WR, Newell M, Roberts C, editors. Psychology of motor behavior and sport. Champaign: Human Kinetics; 1980. p. 314-23.
  • 19
    Vasconcellos MJE de. Pensamento sistêmico: o novo paradigma da ciência. Campinas, São Paulo: Papirus Editora, 2013. p. 269.

Editado por

Editor: José Luiz Lopes Vieira.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    08 Jan 2024
  • Revisado
    21 Mar 2024
  • Aceito
    22 Fev 2024
Universidade Estadual de Maringá Avenida Colombo, 5790 - cep: 87020-900 - tel: 44 3011 4315 - Maringá - PR - Brazil
E-mail: revdef@uem.br