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Fundamentos do processo de trabalho em terapia ocupacional: uma abordagem analítica a partir do diálogo entre Terapia Ocupacional Social e Saúde Coletiva Latino-Americana

Resumo

Introdução

Este artigo apresenta uma abordagem analítica da prática da terapia ocupacional baseada no materialismo histórico dialético, compreendendo que a prática profissional da terapia ocupacional é considerada trabalho no sistema capitalista, podendo ser analisada à luz da Teoria do Processo de Trabalho.

Objetivo

Propor uma abordagem analítica com o intuito de apoiar o desenvolvimento de práticas de terapia ocupacional emancipatórias, baseadas no diálogo entre a Terapia Ocupacional Social e a Saúde Coletiva Latino-Americana.

Método

Com base na pesquisa-ação emancipatória, foram realizadas dez oficinas com dez terapeutas ocupacionais visando à produção coletiva de conhecimento.

Resultados

A atividade humana foi identificada como objeto do processo de trabalho da terapia ocupacional, definida pela categoria trabalho em sua dimensão ontológica. A participação radical foi proposta como o produto intencionado deste processo, sendo entendida como a participação na luta por transformar elementos da determinação social das condições coletivas de trabalho e vida. Os sujeitos desse processo são os terapeutas ocupacionais e os indivíduos, grupos e/ou comunidades acompanhados, todos entendidos como seres sociais em parceria para a transformação social. São identificadas quatro ferramentas teórico-metodológicas: análise emancipatória de atividades humanas, proposição emancipatória de atividades humanas, operacionalização da participação radical e intervenções sobre o tecido social.

Conclusão

A terapia ocupacional como prática social oferece uma contribuição específica para o desenvolvimento de uma práxis revolucionária coletiva que, voltada para a realização de uma utopia concreta, poderá gerar os meios para produzir uma nova sociedade.

Palavras-chave:
Epistemologia; Teoria Crítica; Formação de Conceito; Terapia Ocupacional

Abstract

Introduction

This paper presents an analytical approach to occupational therapy practice grounded in historical dialectical materialism. It understands occupational therapy professional practice as work within a capitalist system, and thus subject to analysis through the labor process theory.

Objective

To propose an analytical approach to occupational therapy practice aimed at supporting the development of an emancipatory practice framework based on the dialogue between Social Occupational Therapy and Latin American Collective Health.

Method

Utilizing emancipatory action research methodologies, this study conducted 10 workshops with 10 occupational therapists aimed at collective knowledge production.

Results

Human activity is identified as the object of occupational therapy working process, defined by the category work in its ontological dimension. Radical participation is set as the intended product of this process, which entails engaging in efforts to transform the social determination of collective living conditions. The individuals in this process include occupational therapists and the followed-up individuals, groups, and/or communities, all viewed as social beings collaborating toward social transformation. Four theoretical-methodological tools are identified: emancipatory analysis of human activities, emancipatory proposition of human activities, operationalization of radical participation, and interventions in the social fabric.

Conclusion

Occupational therapy, as a form of social practice, offers a specific contribution to the development of a collective revolutionary praxis. This praxis, aimed at realizing a concrete utopia, seeks to generate the means to create a new society.

Keywords:
Epistemology; Critical Theory; Concept Formation; Occupational Therapy

Resumen

Introducción

Este artículo presenta una aproximación analítica a la práctica de la terapia ocupacional basada en el materialismo histórico dialéctico. Entiende la práctica profesional de terapia ocupacional como trabajo bajo el capitalismo y, como tal, puede ser analizada bajo la teoría del proceso de trabajo.

Objetivo

Proponer un enfoque analítico de la práctica de la terapia ocupacional con la intención de apoyar el desarrollo posterior de un marco para la práctica de la terapia ocupacional emancipadora basada en el dialogo entre la Terapia Ocupacional Social y la Salud Colectiva Latinoamericana.

Método

A partir de una investigación acción emancipadora, se realizaron 10 talleres con diez terapeutas ocupacionales con el objetivo de la producción colectiva de conocimiento.

Resultados

La actividad humana es identificada como objeto del proceso de trabajo de la terapia ocupacional, definida por la categoría trabajo en su dimensión ontológica. La participación radical se establece como el producto previsto del proceso, es decir, la participación en la lucha por los elementos transformadores de la determinación social de las condiciones de vida colectivas. Los sujetos del proceso de trabajo son los terapeutas ocupacionales y los individuos, grupos y/o comunidades acompañados, todos entendidos como seres sociales en colaboración para la transformación social. Se identifican cuatro herramientas teórico-metodológicas: análisis emancipatorio de las actividades humanas, propuesta emancipadora de las actividades humanas, operacionalización de la participación radical e intervenciones en el tejido social.

Conclusión

La terapia ocupacional como práctica social ofrece una contribución específica al desarrollo de una praxis revolucionaria colectiva que, dirigida a realizar una utopía concreta, puede generar los medios para producir una nueva sociedad.

Palabras clave:
Epistemología; Teoría Crítica; Formación de Conceptos; Terapia Ocupacional

Introdução

Este estudo apresenta uma abordagem analítica à prática da terapia ocupacional baseada no diálogo entre a Terapia Ocupacional Social e o campo da Saúde Coletiva Latino-Americana. Essa abordagem tem se desenvolvido com base em um processo colaborativo de pesquisa e produção de conhecimento realizado durante uma investigação doutoral conduzida entre terapeutas ocupacionais de 2017 a 2021 (Godoy-Vieira, 2021Godoy-Vieira, A. (2021). Fundamentação do processo de trabalho da terapia ocupacional em saúde coletiva: uma abordagem materialista histórico-dialética (Tese de doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo.). Há um ponto comum entre as vertentes da Terapia Ocupacional Social e da Saúde Coletiva Latino-Americana que são fundamentadas no materialismo histórico dialético. Ambas são campos de práticas e produção de conhecimento e assumem uma radicalidade relacionada ao papel emancipatório de nosso trabalho coletivo, reconhecendo que existe uma determinação social da vida cotidiana dos indivíduos (Spiegel et al., 2015Spiegel, J. M., Breilh, J., & Yassi, A. (2015). Why language matters: insights and challenges in applying a social determination of health approach in a North-South collaborative research program. Globalization and Health, 11(9), 1-17.).

Práticas emancipatórias são entendidas como aquelas que permitem a reflexão sobre as origens sociais dos problemas enfrentados pelas pessoas na sociedade. Visando compartilhar ferramentas aos indivíduos para acessar e lutar por seus direitos, essas práticas incentivam valores de solidariedade e reconhecem a condição humana como inerentemente social, contrapondo a noção de indivíduos meramente como entidades biológicas (Campos, 2013Campos, C. M. S. (2013). Necessidades de saúde como objeto das políticas públicas: as práticas do enfermeiro na Atenção Básica (Tese livre-docência). Universidade de São Paulo, São Paulo.). Tais práticas são implementadas tanto na saúde coletiva (Campos et al., 2014Campos, C. M. S., Silva, B. R. B., Forlin, D. C., Trapé, C. A., & Lopes, I. O. (2014). Emancipatory practices of nurses in primary health care: the home visit as an instrument of health needs assessment. Revista da Escola de Enfermagem da USP,48(spe), 119-125.) quanto na terapia ocupacional social (Gonçalves & Malfitano, 2021Gonçalves, M. V., & Malfitano, A. P. S. (2021). Social occupational therapy, impoverished youth, and everyday urban mobility. South African Journal of Occupational Therapy, 51(4), 32-40.).

É crucial afirmar que intervenções focadas nos aspectos sociais da vida cotidiana não se traduzem automaticamente em práticas de transformação social (Pollard & Sakellariou, 2013Pollard, N., & Sakellariou, D. (2013). A commentary on the social responsibility of occupational therapy education. Journal of Further and Higher Education, 37(3), 416-430.). Em outras palavras, um discurso crítico que aborda a questão social como pano de fundo para a prática não é suficiente para impactar aspectos na base dos problemas sociais. De acordo com o materialismo dialético histórico, a questão social deve ser considerada como parte do objeto da prática, radicalmente situada na história e visando superar perspectivas neoliberais sobre políticas sociais que focam em soluções individuais para problemas erroneamente considerados inevitáveis (Netto, 2006Netto, J. P. (2006). 5 notas sobre a questão social. In J. P. Netto. Capitalismo monopolista e serviço social (pp. 41-49). São Paulo: Cortez.).

Uma contribuição significativa da saúde coletiva para esta discussão é a afirmação de que as práticas de saúde são trabalho, e os profissionais são trabalhadores. Isso implica que indivíduos vendem sua força de trabalho para obter condições de vida consumindo bens dentro de um sistema capitalista. Duas implicações principais dessa condição são relevantes para a terapia ocupacional: a) terapeutas ocupacionais, ao lado dos demais trabalhadores que contribuem para a construção da sociedade, incluindo os indivíduos acompanhados por elas, são todos trabalhadores, e a relação entre essas pessoas deve ser reconhecida e nutrida como uma parceria; b) seu processo de trabalho pode ser analisado teoricamente, permitindo o desenvolvimento de uma abordagem sistemática para contribuir com a terapia ocupacional para o sistema de produção e reprodução social.

Considerando esses pontos e sublinhando a natureza dialética dessa investigação, este artigo, após apresentar o problema e objerivo de pesquisa, na seção Base Teórica, inicia um diálogo teórico entre terapia ocupacional social e Saúde Coletiva Latino-Americana. A seção Procedimentos Metodológicos delineia os fundamentos e processos da pesquisa-ação emancipatória. Os Resultados e Discussão são apresentados juntos, refletindo a inseparabilidade inerente à abordagem metodológica radicalmente participativa utilizada. A organização dos resultados e discussão é estruturada em torno das seguintes categorias de análise: objeto, indivíduos, produto final e ferramentas teórico-metodológicas.

Problema e Objetivo da Pesquisa

Existe um desafio colocado à produção de práticas críticas radicais que sejam viáveis em meio às contradições inerentes ao processo de trabalho capitalista em geral, e especialmente dentro do contexto neoliberal. A terapia ocupacional é uma profissão que opera dentro do modo de produção capitalista e, como tal, manifesta o resultado de uma luta entre os seguintes aspectos: os esforços dos trabalhadores para sua própria reprodução social, sua intencionalidadeem relação à sua contribuição para a totalidade social e também os interesses da classe dominante (Viana et al., 2013Viana, N. S., Soares, C. B., & Campos, C. M. S. (2013). Reprodução Social e processo saúde-doença: para compreender o objeto da saúde coletiva. In C. B. Soares & C. M. S. Campos (Orgs.), Fundamentos e saúde coletiva e o cuidado de enfermagem (pp. 7-142). Barueri: Manole Ltda.). Consequentemente, uma perspectiva crítica adotada pelos trabalhadores não é suficiente para iniciar processos emancipatórios (Godoy-Vieira et al., 2018Godoy-Vieira, A., Soares, C. B., Cordeiro, L., & Campos, C. M. S. (2018). Inclusive and emancipatory approaches to occupational therapy practice in substance-use contexts. Canadian Journal of Occupational Therapy, 85(4), 307-317.). Assim, este estudo visa contribuir para a criação de ferramentas que fomentem a investigação coletiva, revelando os mecanismos de opressão e as raízes da desigualdade no cotidiano das pessoas.

O objetivo deste estudo é apresentar uma abordagem analítica à prática da terapia ocupacional, baseada no materialismo dialético histórico, para auxiliar o desenvolvimento de uma estrutura de terapia ocupacional emancipatória apoiada no diálogo entre os princípios da terapia ocupacional social e da Saúde Coletiva Latino-Americana.

Base Teórica

Terapia ocupacional social

Prática para além da saúde

Desde os anos 1970, o Brasil tem visto a defesa da terapia ocupacional social. Trata-se de uma subárea da terapia ocupacional que se concentra na questão social, defendendo uma práxis específica. Essa abordagem adota o conceito de questão social de Castel (2003)Castel, R. (2003). From manual workers to wage laborers: transformation of the social question. London: Routledge Taylor & Francis., que afirma que a estrutura social capitalista é fundamentalmente baseada na relação trabalho-capital, posicionando o trabalho e os salários como principais veículos para inclusão social. Segundo Castel (2003), aCastel, R. (2003). From manual workers to wage laborers: transformation of the social question. London: Routledge Taylor & Francis.questão social se reflete na interação entre o trabalho de um indivíduo e suas redes sociais.

A radicalidade proposta pela terapia ocupacional social é baseada na incorporação da questão social ao objeto das práticas, reformulando-as. Foi desenvolvido um raciocínio que busca conexões entre entre os resultados dos processos sociais, manifestados nos indivíduos, e as percepções sobre o papel e o impacto da atividade humana como mediadora das relações sociais (Lopes, 2021Lopes, R. E. (2021) Citizenship, rights, and social occupational therapy. In R. E. Lopes & A. P. S. Malfitano, (Orgs.), Social occupational therapy: theoretical and practical designs (pp. 169- 176). Philadelphia: Elsevier.). A partir dessa perspectiva, é preciso dissociar-se do campo de práticas da saúde, já que há uma necessidade de romper com o limitado discurso biologizante, confrontando-o com a complexidade da vida em comunidade (Barros et al., 2002Barros, D. D., Ghirardi, M. I. G., & Lopes, R. E. (2002). Terapia ocupacional social. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 13(3), 95-103.).

A prática da terapia ocupacional social se desdobra em dois eixos principais: a) como um marco teórico e metodológico para análise e ação com foco sobre a vida social; b) por meio da implementação de práticas sociais específicas para além do setor de saúde. A terapia ocupacional social enfatiza a necessidade de projetar ações de cuidado centradas na dimensão social da vida. Neste estudo, usamos o primeiro eixo para discutir um quadro teórico-metodológico que permita analisar as práticas da terapia ocupacional, com base nos fundamentos do materialismo histórico dialético.

Cotidiano: o locus de expressão da reprodução social1 1 A reprodução social é um processo contínuo de produção e consumo dentro de uma sociedade. O processo de produção capitalista visa produzir mercadorias, mais-valia e relações capitalistas. A manutenção e reprodução da classe trabalhadora são condições necessárias para a reprodução do capital. Cada classe social possui seus métodos particulares de produção e consumo. As condições sob as quais cada grupo similar dentro de uma classe social trabalha e consome estão estruturalmente conectadas à manifestação de sua vida cotidiana e saúde únicas (Marx, 1984).

Desde os anos 1980, o conceito de cotidiano tem sido discutido no Brasil como um elemento essencial das práticas de terapia ocupacional. Durante esse período, o país estava reconstruindo a democracia após 21 anos de ditadura militar (de 1964 a 1985). O foco naquela época estava em produzir práticas emancipatórias para melhorar as condições concretas de existência para indivíduos e grupos sociais (Galheigo, 2003Galheigo, S. M. (2003). O cotidiano na terapia ocupacional: cultura, subjetividade e contexto histórico-social. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 14(3), 104-109., 2020Galheigo, S. M. (2020). Occupational therapy, everyday life and the fabric of life: theoretical-conceptual contributions for the construction of critical and emancipatory perspectives. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 28(1), 5-25.).

O cotidiano é considerado o locus de trabalho para a terapia ocupacional social, pois é um elemento central na criação de estratégias de intervenção. Essa escolha terminológica implica uma prática que é profundamente enraizada no contexto e nos recursos pessoais, sociais e territoriais da vida das pessoas (Malfitano & Lopes, 2021Malfitano, A. P. S., & Lopes, R. E. (2021). Preface. In R. E. Lopes & A. P. S. Malfitano (Orgs.), Social occupational therapy: theoretical and practical designs (pp. 13-21). Philadelphia: Elsevier.). Essa perspectiva é crítica ao conceito de Atividades da Vida Diária (AVDs), que foi historicamente criado para operacionalizar a prática (Francisco, 1988Francisco, B. R. (1988). Terapia ocupacional. Campinas: Papirus.), mas que deve ser situado no contexto e reconhecido como fortemente orientado ao interesse capitalista de recuperar e manter a força de trabalho da classe trabalhadora.

Almeida (2017)Almeida, A. V. (2017). Fundamentos ontológico-marxistas da vida cotidiana. Revista Cadernos de Ciências Sociais da UFRPE, 1(10), 145-176. sistematizou o cotidiano com base na perspectiva ontológica do materialismo dialético histórico:

O cotidiano é, portanto, uma zona de mediação concreta entre teleologias e causalidades impostas pelo modo de vida dos homens, pelo ser e tornar-se social condicionados pela sociabilidade, que por sua vez é condicionada pelo modo de produção (Almeida, 2017, pAlmeida, A. V. (2017). Fundamentos ontológico-marxistas da vida cotidiana. Revista Cadernos de Ciências Sociais da UFRPE, 1(10), 145-176.. 147).

Barros et al. (2002)Barros, D. D., Ghirardi, M. I. G., & Lopes, R. E. (2002). Terapia ocupacional social. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 13(3), 95-103., considerando a contribuição histórica da terapia ocupacional social, descrevem a complexidade dialética2 2 “Dialética é o método de raciocínio que visa entender as coisas, concretamente, em todo o seu movimento, mudança e interconexão, com seus lados opostos e contraditórios em unidade” (Marxists Internet Archive, 2023b). que a análise do cotidiano nos permite apreender, contra a dualidade simplificada do pensamento positivista:

[…] a terapia ocupacional social ... compreende a pessoa entre a objetividade de seu problema e a subjetividade da interpretação de suas necessidades, entre seu modo de perceber a vida e aquele do terapeuta ocupacional, entre técnica e as dificuldades reais do cotidiano (Barros et al., 2002, pBarros, D. D., Ghirardi, M. I. G., & Lopes, R. E. (2002). Terapia ocupacional social. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 13(3), 95-103.. 102).

O conceito de cotidiano oferece uma oportunidade para identificar a complexidade da experiência da atividade humana situada.

Saúde Coletiva Latino-Americana

A saúde coletiva é um movimento latino-americano que ganhou importância a partir da segunda metade do século XX, graças a acadêmicos e profissionais que incorporaram a perspectiva social como central ao objeto de suas práticas de saúde. Diferentemente do paradigma da saúde pública, que visa alcançar melhorias específicas para a população como uma abstração sem afetar as estruturas sociais, a saúde coletiva visa mudanças radicais para abalar e remover os pilares sociais que produzem problemas de saúde (Breilh, 1995Breilh, J. (1995). Nuevos conceptos y técnicas de investigacion: guia pedagógica para um taller de métodologia (epidemiologia del trabajo). Quito: Centro de Estudios y Asesoría em Salud.).

Acadêmicos latino-americanos construíram (e ainda estão construindo) uma sólida base teórica para essas práticas. Entre eles, destacamos aqueles afiliados ao materialismo histórico dialético. Eles situam as práticas de saúde dentro da divisão social do trabalho, respondendo às manifestações de desigualdade e opressão nos corpos humanos. Baseiam-se na afirmação de que existe uma determinação social da saúde (Spiegel et al., 2015Spiegel, J. M., Breilh, J., & Yassi, A. (2015). Why language matters: insights and challenges in applying a social determination of health approach in a North-South collaborative research program. Globalization and Health, 11(9), 1-17.).

Baseando-se no raciocínio da determinação social da saúde, as necessidades sociais — incluindo as necessidades de saúde — são produzidas de acordo com as condições de trabalho e vida decorrentes da inserção de indivíduos e grupos sociais nas diferentes classes sociais, isto é, as formas reprodução social (Campos & Soares, 2013Campos, C. M. S., & Soares, C. B. (2013). Necessidades de saúde e o cuidado de enfermagem em saúde coletiva. In C. B. Soares & C. M. S. Campos (Orgs.), Fundamentos de saúde coletiva e o cuidado de Enfermagem (pp. 265-292). Barueri: Manole Ltda.). A inserção de um determinado grupo social no modo de produção— isto é, seus empregos, tipos de vínculos, faixas salariais, horas de dedicação, entre outros — determina as possibilidades de consumo desse grupo, isto é, os tipos de moradia, transporte, acesso a serviços de infraestrutura, etc. Tanto a inserção no modo de produção quanto no consumo tem o potencial de fortalecimento (por exemplo, um salário estável com renda disponível, moradia confortável) e de desgaste (por exemplo, salário mínimo, condições precárias de moradia). O equilíbrio-desiquilíbrio entre esses potenciais resulta no espectro saúde-doença desse grupo, que será expresso em corpos individuais e, assim, mediado pela herança genética, entre outros elementos (Laurell, 1983Laurell, A. C. (1983). A saúde-doença como processo social. In E. D. Nunes (Org.), Medicina social: aspectos históricos e teóricos (pp. 133-158). São Paulo: Global., 1989Laurell A. C. (1989). Social analysis of collective health in Latin America. Social Science & Medicine (1982),28(11), 1183-1191.; Laurell & Noriega, 1989Laurell, A. C., & Noriega, M. (1989). Processo de produção e saúde: trabalho e desgaste operário. São Paulo: Hucitec.; Breilh, 1991Breilh, J. (1991). Epidemiologia: economia, política e saúde. São Paulo: Ed. UNESP.; Queiroz & Salum, 1996Queiroz, V. M., & Salum, M. J. L. (1996). Reconstruindo a intervenção de enfermagem em saúde coletiva face a vigilância a saúde. In Anais do Congresso Brasileiro de Enfermagem (pp. 361-385). São Paulo: Aben.; Campos & Soares, 2013Campos, C. M. S., & Soares, C. B. (2013). Necessidades de saúde e o cuidado de enfermagem em saúde coletiva. In C. B. Soares & C. M. S. Campos (Orgs.), Fundamentos de saúde coletiva e o cuidado de Enfermagem (pp. 265-292). Barueri: Manole Ltda.).

Em uma perspectiva restrita sobre a saúde, a resposta às necessidades de saúde será confundida com a implementação de serviços de saúde, com procedimentos e bens de saúde, associando necessidades aos resultados das práticas de saúde (Campos & Soares, 2013Campos, C. M. S., & Soares, C. B. (2013). Necessidades de saúde e o cuidado de enfermagem em saúde coletiva. In C. B. Soares & C. M. S. Campos (Orgs.), Fundamentos de saúde coletiva e o cuidado de Enfermagem (pp. 265-292). Barueri: Manole Ltda.). Por essa perspectiva, não faria sentido, por exemplo, aconselhar um indivíduo com lesão por esforço repetitivo relacionada às condições de trabalho a evitar movimento repetitivo, pois isso interferiria no modo de produção capitalista. Nesse caso, a avaliação associaria a dor do indivíduo a uma necessidade de analgésicos. Os bens na saúde, então, a partir dessa perspectiva restrita, determinam a satisfação de necessidades restritas: uma dor relacionada às condições de trabalho é medicada, e a medicação é a resposta esperada pela pessoa com dor, para que possa continuar trabalhando da mesma maneira.

Em uma perspectiva de saúde coletiva, o serviço de atendimento à saúde é entendido como uma prática social conectada a outras práticas sociais, com a tarefa de assegurar direitos sociais: as práticas de saúde não devem reiterar necessidades restritas, mas devem apoiar a identificação de necessidades sociais mais amplas, baseadas nos processos sociais complexos da determinação social da saúde.

Procedimentos Metodológicos

Tipo de pesquisa

Este estudo utilizou a metodologia de pesquisa-ação emancipatória (PAE). Esse tipo de pesquisa permite e tem como princípio a participação de grupos sociais na tomada de decisão (Thiollent, 2011Thiollent, M. (2011). Metodologia da pesquisa-ação (18. ed.). São Paulo: Cortez.; Toledo, 2011Toledo, R. F. (2011). Pesquisa ação nas áreas de educação, saúde e ambiente: um panorama do desenvolvimento nas universidades estaduais paulistas. São Paulo: FSP USP. Apresentado no seminário: Pesquisa-ação na interface educação, saúde e ambiente.), onde os participantes são encorajados a se engajar ativamente em três eixos: participação, produção de conhecimento e transformação social (Cordeiro et al., 2017Cordeiro, L., Soares, C. B., & Rittenmeyer, L. (2017). Unscrambling method and methodology in action research traditions: theoretical conceptualization of praxis and emancipation. Qualitative Research, 17(4), 395-407. https://doi.org/10.1177/1468794116674771
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). A produção de dados é operacionalizada por meio de oficinas voltadas à produção coletiva de conhecimento (Soares et al., 2018Soares, C. B., Campos, C. M. S., Souza, H. S., Godoy-Vieira, A., Cordeiro, L., Lopes, I. O., & Cavalcanti, B. S. G. (2018). Oficinas emancipatórias como intervenção em saúde do(a) trabalhador(a). Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, 43, 1-11.).

Em sua dimensão teórica, as oficinas baseiam-se na teoria do processo de trabalho para análise dos dados (Mendes Gonçalves, 2017). Em sua dimensão ontológica, os participantes do processo são considerados como seres sociais históricos, e a emancipação é entendida como a superação histórica do estranhamento e da exploração dos seres humanos por outros seres humanos. Na dimensão metodológica, o materialismo histórico dialético informa o processo educacional emancipatório voltado para uma produção praxiológica de conhecimento (Soares et al., 2018Soares, C. B., Campos, C. M. S., Souza, H. S., Godoy-Vieira, A., Cordeiro, L., Lopes, I. O., & Cavalcanti, B. S. G. (2018). Oficinas emancipatórias como intervenção em saúde do(a) trabalhador(a). Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, 43, 1-11.).

As oficinas emancipatórias têm o potencial de produzir sentido para o trabalho, ao mesmo tempo que produzem conhecimento sólido, historicamente situado, sobre a prática. Isso fortalece os trabalhadores em suas contribuições para o trabalho coletivo em direção à justiça, igualdade e liberdade para todos. Envolve um processo dialético que destaca e discute as dinâmicas e interconexões entre os elementos, com os participantes atuando como pesquisadores internos (Soares et al., 2018Soares, C. B., Campos, C. M. S., Souza, H. S., Godoy-Vieira, A., Cordeiro, L., Lopes, I. O., & Cavalcanti, B. S. G. (2018). Oficinas emancipatórias como intervenção em saúde do(a) trabalhador(a). Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, 43, 1-11.).

Participantes

Este estudo visou incluir terapeutas ocupacionais de qualquer área de prática interessados em examinar criticamente suas práticas com o objetivo de transformação social. Os participantes elegíveis precisavam ter pelo menos um ano de experiência e ser capazes de participar de reuniões semanais focadas em práticas de terapia ocupacional informadas pelo materialismo histórico dialético. Conhecimento prévio do arcabouço teórico não era necessário, pois as oficinas incluíam um componente educacional.

O recrutamento inicial ocorreu através de mídias sociais (por exemplo, Facebook, grupos de WhatsApp de terapeutas ocupacionais) e convites diretos a partir da rede profissional da autora principal, empregando a estratégia de amostragem ‘bola de neve’ (Christopoulos, 2010Christopoulos, D. (2010). Peer esteem snowballing: a methodology for expert surveys. In INSNA 29th annual Conference, Corfu.) para expandir o alcance aos participantes. Um total de 26 terapeutas ocupacionais manifestaram interesse. Em seguida, foi realizado um levantamento para determinar os dias e horários mais convenientes para as reuniões, e a agenda foi definida com base nas preferências da maioria. Após a finalização da agenda, 15 pesquisadores confirmaram sua participação, mas apenas 10 se engajaram consistentemente, participando de pelo menos 50% das oficinas. Entre estes, dois só puderam comparecer quinzenalmente, participando de cinco encontros, enquanto um, enfrentando deslocamentos da periferia da cidade, conseguiu participar em seis dos dez encontros. Aqueles com mais ausências nos encontros ainda assim, demonstraram seu compromisso em assistir às gravações, e contribuíram substancialmente compartilhando suas reflexões e participando de discussões teórico-metodológicas. Cinco participantes se retiraram do estudo, incluindo duas mães que mencionaram desafios com o cuidado de seus filhos, enquanto três interromperam a comunicação.

Produção e análise dos dados

As reuniões foram realizadas tanto presencialmente, em uma sala na Universidade de São Paulo (USP), quanto por videochamadas na internet para aqueles fora da cidade de São Paulo, entre agosto e outubro de 2019. Foram realizadas 10 reuniões, cada uma com duração aproximada de três horas. As discussões foram gravadas, resultando em aproximadamente 30 horas de arquivos de vídeo e áudio e transcrição de 489 páginas. Um diário de campo foi mantido pela pesquisadora principal, em colaboração com as orientadoras da pesquisa (coautoras deste artigo), que apoiaram todo o processo de análise e ajustes metodológicos.

O referencial teórico para a análise das produções coletivas foi baseado na teoria do processo de trabalho (Marx, 1984Marx, K. (1984). O capital. São Paulo: Difel.; Mendes-Gonçalves, 2017Mendes-Gonçalves, R. B. (2017).Práticas de saúde: processo de trabalho e necessidades. In J. R. C. M. Ayres & L. Santos (Orgs.), Saúde, sociedade e história (pp. 298-374). São Paulo: Hucitec.) e na ontologia do ser social (Lukács, 1980Lukács, G. (1980). The ontology of social being: 3. London: Merlin Press.).

As oficinas foram conduzidas em ciclos de reflexividade crítica visando à produção de conhecimento coletivo e à transformação das práticas sociais. A síntese gerada pelo grupo, conforme apresentada neste estudo, é considerada o resultado de um processo educacional situado epistemologicamente e uma manifestação de um processo transformador relacionado à participação nas oficinas (Alves & Jackson Filho, 2017Alves, J. C. L., & Jackson Filho, J. M. (2017). Trabalho, saúde e formação política na enquete operária de Marx. Trabalho, Educação e Saúde, 15(1), 13-31. https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00044
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). Essa metodologia dialética abrangente busca entender a realidade, em vez de apenas verificá-la. Portanto, os resultados são apresentados como uma reconstrução do concreto em suas leis internas, não meramente como uma exposição de dados (Lefebvre, 2009Lefebvre, H. (2009). Dialectical Materialism. Minneapolis: University of Minnesota Press.).

Procedimentos éticos

O projeto foi aprovado pelos Comitês de Ética da Universidade de São Paulo (USP) e pela Plataforma Brasil online, base nacional e unificada de registros de pesquisas envolvendo seres humanos (Portal do Governo Brasileiro, 2023Portal do Governo Brasileiro. (2023). Plataforma Brasil. Recuperado em 9 de agosto de 2023, de https://plataformabrasil.saude.gov.br/.
https://plataformabrasil.saude.gov.br/...
).

Resultados e Discussão

Quando analisadas sob a ótica da teoria do processo de trabalho, as práticas sociais são vistas como ações humanas realizadas por pessoas para atender às necessidades humanas. Elas visam responder a uma intencionalidade e, para alcançá-lo, os seres humanos criam e utilizam ferramentas para transformar o objeto em um produto (Mendes-Gonçalves, 2017Mendes-Gonçalves, R. B. (2017).Práticas de saúde: processo de trabalho e necessidades. In J. R. C. M. Ayres & L. Santos (Orgs.), Saúde, sociedade e história (pp. 298-374). São Paulo: Hucitec.). Este estudo examina o processo de trabalho da terapia ocupacional baseado em quatro componentes teóricos: objeto, indivíduos, produto final e ferramentas. Cada elemento será introduzido no início de sua respectiva seção na análise que segue.

Objeto: a dimensão ontológica das atividades humanas no cotidiano

O objeto de um processo de trabalho é aquilo que é transformado pelo trabalho. A atividade humana, como objeto da prática em terapia ocupacional, se define neste artigo como a transformação intencional que os seres humanos fazem em materiais, relações e seu ambiente para atender às suas necessidades, mudando a si mesmos no processo. Essa definição se baseia no conceito marxista de trabalho como as transformações intencionais feitas pelos seres humanos para satisfazer suas necessidades (Marx, 1984Marx, K. (1984). O capital. São Paulo: Difel.), com foco particular nos aspectos ontológicos desse processo para a discussão atual. A ontologia, entendida como o estudo filosófico do ser social (Lukács, 1980Lukács, G. (1980). The ontology of social being: 3. London: Merlin Press.), concentra-se em como os seres humanos se tornam seres sociais através das relações sociais mediadas por sua transformação intencional dos elementos do cotidiano ao seu redor. Isso é crucial porque analisar a atividade humana revela processos ontológicos, iluminando em que uma pessoa está engajada ontologicamente ao realizar uma ação – em outras palavras, como os indivíduos se constituem como seres sociais através da atividade humana.

Sob a perspectiva do materialismo histórico dialético, a análise de como um ser humano se torna um ser social é baseada em como cada pessoa está conectada a outra em uma rede complexa de atividades humanas ao longo do tempo, no cotidiano (Heller, 1987Heller, A. (1987). Everyday life. London: Routledge and Kegan Paul.). Os terapeutas ocupacionais, empregando esse arcabouço teórico e metodológico, podem examinar dialeticamente: intenção; a coordenação de recursos; a possibilidade de escolher conscientemente, acessar e utilizar ferramentas; a consciência de como esse processo afeta a si mesmos e aos outros; a ligação entre a intenção e o produto final para alcançar um objetivo especificado. Isso representa uma contribuição singular da terapia ocupacional para o esforço coletivo de transformação social através das práticas sociais.

A definição do objeto da prática de terapia ocupacional, a partir dos pressupostos teóricos da saúde coletiva, foi amplamente discutida em um estudo anterior (Godoy-Vieira et al., 2020Godoy-Vieira, A., Soares, C. B., & Cordeiro, L. (2020). Occupation and labour: towards emancipatory practices. In H. V. Bruggen, S. Kantartzis & N. Pollard (Eds.), 'And a seed was planted...' Occupation based approaches for social inclusion (pp. 307-317). London: Whiting and Birch.), em que o conceito marxista de trabalho3 3 O conceito marxista de trabalho distingue-se da forma capitalista de trabalho que aliena os trabalhadores, o emprego. Essa distinção é aprofundada em Godoy-Vieira et al. (2020). foi introduzido para definir o que constituiria uma ocupação emancipatória. O termo ocupação emancipatória foi inicialmente proposto para facilitar o diálogo com um público anglófono. No entanto, com pesquisas e desenvolvimentos posteriores, optamos por traduzir diretamente o termo atividade humana (human activity) do arcabouço teórico brasileiro original para fornecer uma descrição mais precisa. Terapeutas ocupacionais e outros profissionais transformam apenas aqueles aspectos da realidade que percebem como passíveis de mudança. Sua análise das necessidades sociais é crucial para determinar sua resposta a essas necessidades (Hammell, 2016Hammell, K. R. (2016). Empowerment and occupation: a new perspective. Canadian Journal of Occupational Therapy, 83(5), 281-287.; Mendes-Gonçalves, 2017Mendes-Gonçalves, R. B. (2017).Práticas de saúde: processo de trabalho e necessidades. In J. R. C. M. Ayres & L. Santos (Orgs.), Saúde, sociedade e história (pp. 298-374). São Paulo: Hucitec.), pois a percepção do problema orienta quais aspectos da realidade devem receber intervenção. Ao buscar uma sociedade igualitária, os profissionais devem reconhecer como a desigualdade influencia a atividade humana e o cotidiano. Também devem analisar como as ferramentas de análise e de proposição de atividades podem revelar a determinação social das limitações e oportunidades dos indivíduos para iniciar movimentos emancipatórios.

É necessário destacar que a perspectiva emancipatória do objeto é conferida pela intenção do terapeuta ocupacional, e não pela atividade em si. Compreender a constituição histórica de cada indivíduo e grupo é essencial, pois os seres humanos

[…] fazem a sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado (Marx, 1969 em Netto, 2011, pNetto, J. P. (2011). Introdução ao estudo do método de Marx. São Paulo: Expressão Popular.. 30, tradução livre).

Assim, manter um foco analítico constante sobre as condições históricas e concretas que moldam movimentos sociais, trabalho e educação emancipatórios é vital para fomentar uma transformação significativa.

A atividade humana não se manifesta como uma “coisa”, mas como um processo que influencia tangivelmente a existência humana ao longo do tempo, dentro de contextos históricos e materiais (econômicos, políticos, culturais) específicos. Sob uma perspectiva crítica da terapia ocupacional, as atividades humanas são vistas tanto como os resultados quanto como os meios pelos quais os seres humanos se constroem como seres sociais e históricos (Medeiros, 2003Medeiros, M. H. R. (2003). Terapia ocupacional: um enfoque epistemológico e social. São Carlos: Edufscar.).

Considerar a atividade humana como o objeto do processo de trabalho implica tomar os indivíduos que realizam atividades como a matéria tangível com a qual o terapeuta ocupacional interage. A atividade humana pode ser identificada observando-se os indivíduos em seu cotidiano, envolvendo-se em atividades que atendem às suas necessidades. Desde escovar os dentes até realizar tarefas de escritório, qualquer atividade em que o indivíduo aplique esforço baseado em uma intenção e que se manifeste como relações sociais, pode ser considerada um objeto para a prática da terapia ocupacional.

Indivíduos: terapeutas ocupacionais e indivíduos acompanhados em suas dimensões coletivas

No processo de trabalho, os indivíduos são aqueles que empregam energia para transformar o objeto de trabalho (Mendes-Gonçalves, 2017Mendes-Gonçalves, R. B. (2017).Práticas de saúde: processo de trabalho e necessidades. In J. R. C. M. Ayres & L. Santos (Orgs.), Saúde, sociedade e história (pp. 298-374). São Paulo: Hucitec.). Na prática da terapia ocupacional, tanto os terapeutas ocupacionais quanto os indivíduos acompanhados participam ativamente na transformação do objeto, que é a atividade humana. A dimensão coletiva da vida individual se expressa nas ferramentas e conhecimentos que utilizamos diariamente. Quase todo o conhecimento que utilizamos foi desenvolvido historicamente pela humanidade. Além disso, nossas ações têm impactos coletivos. A consciência disto afeta a forma como participamos na sociedade e também afeta a forma como nos ligamos ou nos desligamos da ação colectiva no sentido da transformação social que tem impacto na determinação social das nossas vidas. Assim, consideramos a prática da terapia ocupacional mais como uma parceria do que como uma intervenção unilateral, com ambos terapeutas e indivíduos acompanhados sendo transformados pelo processo (Godoy-Vieira et al., 2022Godoy-Vieira, A., Soares, C. B., Malfitano, A. P. S., Farias, A. Z., Rodrigues, C., Bricoli, C. A., Okuma, D., Leite Júnior, J. D., Antunes, J. R., Laranjeira, L. S., Cordeiro, L., Pastore, M. N., Camargo, M., & Fialho, N. (2022). Working process analysis of critical occupational therapy practice Everyday life as means to build occupational revolution towards social transformation. In WFOT Congress 2022 (pp. 307-317). Paris.).

Terapeutas ocupacionais e as pessoas que eles acompanham trabalham juntos no processo profissional (Francisco, 1988Francisco, B. R. (1988). Terapia ocupacional. Campinas: Papirus.). A emancipação é um processo coletivo e, neste contexto, a terapia ocupacional contribui com ferramentas para essa colaboração. Os indivíduos acompanhados são envolvidos, desafiados e munidos de ferramentas pelos profissionais, desencadeando um processo de autotransformação. Através desta lente, os indivíduos tomam-se como objeto dos seus próprios processos de trabalho ontológicos e emancipatórios.

O terapeuta ocupacional é o mediador de um processo de transformação, munido de uma série de ferramentas e com a intenção de produzir liberdade com o outro. Embora os indivíduos possam ter uma intenção clara na produção de um objeto durante uma atividade, eles podem (ainda) não reconhecer a conexão entre esse trabalho singular e o complexo processo de conexões que pode levar ao processo emancipatório. O objetivo emancipatório está relacionado à transformação da consciência do indivíduo, que pode estar restrita às percepções e preocupações individuais, em uma consciência que apreende a determinação coletiva e o impacto de seu trabalho e de sua vida em uma determinada sociedade (Galheigo, 2003Galheigo, S. M. (2003). O cotidiano na terapia ocupacional: cultura, subjetividade e contexto histórico-social. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 14(3), 104-109.).

Malfitano et al. (2021)Malfitano, A. P. S., Whiteford, G., & Molineux, M. (2021). Transcending the individual: the promise and potential of collectivist approaches in occupational therapy. Scandinavian Journal of Occupational Therapy, 28(3), 188-200. identificanam que a luta pela superação de uma prática individualista na terapia ocupacional está relacionada ao reconhecimento da condição ontológica coletiva do ser humano. Indicam que a perspectiva emancipatória não é inerente à perspectiva terapêutica ocupacional no capitalismo: é possível atuar com comunidades e populações em ambientes de terapia ocupacional e, ao mesmo tempo, contribuir para a desigualdade. Por exemplo, quando a inclusão de pessoas com deficiência em empregos mal remunerados é defendida como uma suposta forma de participação social, isso é insuficiente. A verdadeira mudança transformadora radical requer uma análise dos factores sociais que influenciam tais situações. É crucial examinar colectivamente as implicações sociais mais amplas destas actividades. Não se trata de não fazê-lo, mas de localizar melhor o potencial transformador da intervenção, e seu objetivo: ao desenvolver competências para empregos de baixa remuneração, num processo de terapia ocupacional emancipatória, a análise conjunta da atividade deve apoiar os indivíduos em sua conexão com outros para criticar esta forma limitada e distorcida de inclusão, participando ativamente nos esforços para alcançar a transformação social.

Há uma lacuna na literatura que descreva e explique como conduzir processos emancipatórios de terapia ocupacional com comunidades e populações, e a organização coletiva das atividades, bem como as metodologias para elas (Malfitano et al., 2021Malfitano, A. P. S., Whiteford, G., & Molineux, M. (2021). Transcending the individual: the promise and potential of collectivist approaches in occupational therapy. Scandinavian Journal of Occupational Therapy, 28(3), 188-200.). Com base no materialismo histórico dialético, a dimensão coletiva dos indivíduos está relacionada à sua condição ontológica como seres sociais históricos. Significa, por exemplo, que a inserção de classe social molda a participação do indivíduo na sociedade. Os indivíduos manifestam a acumulação de conhecimentos e ações que vieram antes deles, e trazem isso para a sua participação na sociedade. Sem esta análise crítica, a simples reunião de indivíduos em grupos, para discutir questões sociais, não será suficiente para abordar a determinação social das condições de vida desiguais.

A partir dessa discussão, reconhecemos que, em um processo de terapia ocupacional emancipatória, os indivíduos compartilham suas singularidades, mas são todos parte do mesmo todo social. Por meio desse processo, eles se transformam, aprofundando a compreensão de sua condição, o que é dialeticamente refletido tanto nas atividades humanas individuais quanto nas coletivas.

Ferramentas teórico-metodológicas

Ferramentas representam os elementos técnicos específicos utilizados pelos trabalhadores para transformar o objeto no produto (Mendes-Gonçalves, 2017Mendes-Gonçalves, R. B. (2017).Práticas de saúde: processo de trabalho e necessidades. In J. R. C. M. Ayres & L. Santos (Orgs.), Saúde, sociedade e história (pp. 298-374). São Paulo: Hucitec.). Nesta análise, propomos quatro ferramentas teórico-metodológicas, reconhecendo a afirmação de Francisco (1988)Francisco, B. R. (1988). Terapia ocupacional. Campinas: Papirus. de que a terapia ocupacional é uma profissão aplicada, mas sua prática vai além da mera aplicação de técnicas.

Análise emancipatória da atividade humana

A análise emancipatória das atividades humanas é a investigação dos processos de trabalho ativados e executados no cotidiano. Os indivíduos devem ser ativos na compreensão da realidade. Para compreender a realidade além da aparência ou forma do objeto (material ou imaterial) transformado em cada atividade, terapeutas ocupacionais precisam entender sua essência, estrutura e dinâmica. Isso envolve ver a atividade humana como um processo. Para ter sucesso, é necessário o uso de conhecimento, criatividade e imaginação para desvendar as conexões entre suas determinações (Netto, 2011Netto, J. P. (2011). Introdução ao estudo do método de Marx. São Paulo: Expressão Popular.).

O objetivo da análise emancipatória das atividades humanas é fortalecer os indivíduos envolvidos, despertando-os para a possibilidade de participarem conscientemente na criação de sua própria história. Vale ressaltar que, mesmo quando o indivíduo acompanhado não consegue se envolver totalmente na análise (por exemplo, crianças, pessoas com graves deficiências mentais ou indivíduos com demência), a oportunidade para uma análise compartilhada permanece. Famílias, cuidadores, outros profissionais e a sociedade em geral devem estar o mais envolvidos possível nessa análise, com o objetivo de elevar a consciência coletiva sobre a determinação social da condição de alguém. Essa questão diz respeito a todos, pois a superação emancipatória da opressão e da desigualdade só será alcançável por meio de ação coletiva.

Ao se relacionar com a realidade com recursos analíticos maiores e melhores, os participantes dos processos de terapia ocupacional podem começar a reconhecer seu próprio papel na realidade coletiva — tanto como produtos quanto produtores — de forma dialética. Por meio de sucessivas aproximações do ciclo análise-atividade-análise, a complexidade do processo se torna cada vez mais aparente. A intenção é que os indivíduos alarguem a sua perspectiva sobre a sua própria posição na reprodução social, identificando ao mesmo tempo a possibilidade de responder às suas necessidades sociais.

Ao ser convidado a analisar as próprias necessidades, o indivíduo é chamado a observar e pensar em como viabilizar a resposta às suas necessidades sociais. Isto requer ordenar ações concretas e escolher ferramentas, relações e meios de circulação social. Isto estabelece novos processos complexos de teleologia e, portanto, processos ontológicos de autodeterminação e determinação coletiva. Espera-se que esses processos ocorram durante a vivência das atividades humanas propostas pelos terapeutas ocupacionais juntamente com os processos de análise.

Um exemplo da aplicação da análise emancipatória da atividade humana se observa em um caso em que um indivíduo busca hospitalização clínica para lidar com o consumo problemático de substâncias, conforme relatado por um dos pesquisadores internos. O potencial de conscientização da prática emancipatória da terapia ocupacional poderia promover uma análise do uso de substâncias como uma atividade humana, baseada em uma intenção e parte de um processo complexo que gera produtos. Nesse cenário, o terapeuta ocupacional propôs uma análise colaborativa da experiência, provocando uma reavaliação das necessidades do indivíduo à luz dos resultados de suas ações, destacando as contradições entre intenção e resultados das ações. Esse processo foi descrito como uma ampliação da percepção e interpretação da realidade feita pelo indivíduo, revelando que o desejo de consumo não é meramente pessoal, mas influenciado por diversos fatores sociais. Além disso, essa análise possibilitou a identificação de necessidades sociais mais amplas, levando a demandas alternativas, outras escolhas de atividades e reestruturação do cotidiano. Consequentemente, o indivíduo pode optar por iniciar um processo de tratamento comunitário em vez de depender exclusivamente da hospitalização.

Proposição emancipatória de atividades

A proposição emancipatória das atividades tem a intenção de proporcionar a vivência das relações sociais estabelecidas durante as atividades humanas. Essas vivências devem promover a identificação de contradições na condição problemática que ativou a busca pelo processo terapêutico ocupacional. Ciclos de experiência e análise são projetados para aumentar a consciência sobre a participação ativa em relações sociais-chave e atividades do cotidiano.

O objetivo é revelar outros ângulos de percepção e análise das condições de condução da própria vida. Francisco (1988)Francisco, B. R. (1988). Terapia ocupacional. Campinas: Papirus. descreveu a experiência consciente da atividade humana como potencialmente transformadora da sociedade rumo à emancipação: “Um fazer que desvela as determinações sociais vividas, busca descobrir formas revolucionárias, mostra a contradição e o conflito da saúde em uma sociedade de classes” (Francisco, 1988, pFrancisco, B. R. (1988). Terapia ocupacional. Campinas: Papirus.. 78). Este deve ser um processo dialético em que a análise sem experiência não consegue gerar uma transformação significativa, e a experiência sem consciência não leva à superação dos padrões repetitivos da condição inicial.

A proposição emancipatória das atividades deve ter como objetivo produzir a experiência movimentos de transformação em si mesmo, durante o processo de transformação realizado pela atividade (que pode ser a carpintaria, o cuidado de uma criança, uma tarefa de trabalho ou a participação em um movimento social). A escolha da atividade depende do momento do processo de trabalho em curso: por exemplo, o mapeamento inicial das necessidades, ou o momento de tomada de consciência sobre uma contradição importante, ou a intenção de identificar uma crença ideológica opressiva. A atividade escolhida deve considerar a possibilidade de colocar em evidência o processo de ação, destacando o potencial de transformação real possível a partir da própria atividade.

O aspecto emancipatório do processo é introduzido pela ativação, pelo terapeuta ocupacional, dos elementos de mediação inerentes à atividade humana. Na relação dialógica, a ênfase deve ser em engajar-se nos aspectos tangíveis das transformações na realidade.

Um exemplo pode apoiar o entendimento sobre a orientação emancipatória das propostas. Um terapeuta ocupacional poderia propor um jogo a um indivíduo: a vivência de diferentes formas de caminhar na rua. Eles poderiam caminhar juntos em pequenos passos, depois com grandes movimentos, depois olhando para baixo e depois olhando nos olhos das pessoas. Eles poderiam observar como as pessoas reagem a eles, falar sobre como isso os faz sentir e como acham que as pessoas se sentem em relação a eles. A intenção desta proposta poderia ser aumentar a conscientização sobre a percepção social da linguagem corporal de um indivíduo. A partir dessa atividade de produzir efeitos intencionalmente nos outros como uma experiência lúdica, e analisando como isso acontece, seria possível compreender melhor o que as pessoas sentem em sua presença como um processo de comunicação. A partir daí, poderiam identificar em uma necessidade de aprender ou desenvolver outras formas de expressão social, com o objetivo de utilizar melhores formas de comunicar e relacionar-se com os outros.

Neste exemplo, o processo ontológico ocorre através de uma experiência que abre a possibilidade de suscitar uma nova necessidade a partir de uma nova consciência, produzindo uma transformação teleológica. Difere de uma proposta feita por um profissional que faz a análise sozinho e sugere aprender habilidades de comunicação. O processo emancipatório baseia-se na possibilidade de habitar o processo dialético, compartilhando a possibilidade de querer e produzir algo novo para si.

Consequentemente, a proposição emancipatória de atividades, seja no âmbito individual, seja no âmbito de grupos sociais específicos, deve estar articulada a um processo reflexivo coletivo ampliado (Lopes et al., 2014Lopes, R. E., Malfitano, A. P. S., Silva, C. R., & Borba, P. L. O. (2014). Recursos e tecnologias em terapia ocupacional Social: ações com jovens pobres na cidade. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 22(3), 591-602. http://dx.doi.org/10.4322/cto.2014.081.
http://dx.doi.org/10.4322/cto.2014.081...
). Assim, não se trata de abolir a estrutura espontânea da vida cotidiana para torná-la menos alienada, mas de reativar a relação indivíduo-sociedade. As proposições então assumem a forma de um convite à produção de novas maneiras de conduzir a vida que permitam uma nova ordem, baseada numa relação ética, provocativa e consciente com o quotidiano (Galheigo, 2020Galheigo, S. M. (2020). Occupational therapy, everyday life and the fabric of life: theoretical-conceptual contributions for the construction of critical and emancipatory perspectives. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 28(1), 5-25.).

É esperada a emergência de tensão social em resposta às contradições expostas, provocando uma reavaliação das explicações iniciais para essas contradições, bem como das formas naturalizadas e cristalizadas de realizar as atividades até aquele ponto. Nesse momento, é necessário realizar uma análise emancipatória dos fenômenos, oferecendo explicações alternativas ou novas experiências. A intencionalidade é ampliar as capacidades interpretativas e explicativas do indivíduo acompanhado em relação às suas condições de vida. Com uma nova perspectiva sobre sua realidade, espera-se que os indivíduos reconheçam necessidades além daquelas alienadas e individualizadas. Repetindo esse processo por meio de ciclos sucessivos de complexificação da consciência, os indivíduos são fortalecidos na condução de suas próprias vidas e em sua contribuição para com os grupos sociais dos quais fazem parte.

Operacionalização da participação radical

No campo da terapia ocupacional, essa ferramenta metodológica se manifesta em esforços de inclusão social focados na acessibilidade que visam enriquecer a participação social. Operacionalizar as relações sociais é um fator chave para permitir que todos os indivíduos se engajem ativamente na formação de suas vidas sociais. Tornar a participação social viável para todos exige intervenções em espaços, objetos, instituições e relações. Isso envolve intervenções técnicas específicas adaptadas às necessidades individuais, como ajustar uma cadeira de rodas, fornecer treinamento em habilidades sociais, ensinar gestão financeira ou oferecer suporte a uma pessoa com demência ou sua família. Essas ações fazem parte de práticas emancipatórias que criam oportunidades para consctar experiências individuais e coletivas (Godoy-Vieira et al., 2022Godoy-Vieira, A., Soares, C. B., Malfitano, A. P. S., Farias, A. Z., Rodrigues, C., Bricoli, C. A., Okuma, D., Leite Júnior, J. D., Antunes, J. R., Laranjeira, L. S., Cordeiro, L., Pastore, M. N., Camargo, M., & Fialho, N. (2022). Working process analysis of critical occupational therapy practice Everyday life as means to build occupational revolution towards social transformation. In WFOT Congress 2022 (pp. 307-317). Paris.).

Na prática da terapia ocupacional social, esse elemento se identifica com a tecnologia social conhecida como acompanhamento individual e territorial. Baseia-se na percepção e interação com o cotidiano e os contextos de vida das pessoas, interligando suas histórias e trajetórias, suas situações atuais e suas redes sociais.

Esses acompanhamentos começam com uma escuta atenta às demandas das pessoas, grupos ou coletivos, que são frequentemente determinadas por situações de vulnerabilidade, desigualdade social e falta de acesso a serviços sociais e bens essenciais, com o objetivo de desenvolver processos conjuntos (Lopes et al., 2021, pLopes, R. E., Malfitano, A. P. S., Silva, C. R., & Borba, P. L. O. (2021). Resources and technologies in social occupational therapy: actions with poor urban youth. In R. E. Lopes & A. P. S. Malfitano (Orgs.), Social occupational therapy: theoretical and practical designs (pp. 169- 176). Philadelphia: Elsevier.. 173).

Examinar as atividades mediadoras entre a singularidade individual e o contexto social mais amplo permite identificar obstáculos e facilitadores que influenciam a realização de atividades atendendo às necessidades individuais. A operacionalização das experiências envolve a aplicação de conhecimento técnico específico de vários campo de atuação da terapia ocupacional. Dependendo do contexto, um diversificado conjunto de conhecimentos, técnicas e ferramentas é empregado para criar as condições para que o indivíduo realize cada atividade.

Por exemplo, no contexto do atendimento domiciliar, no qual um dos pesquisadores internos trabalha, compreendendo a importância da circulação social para um jovem vivendo com doença mental, propôs que saíssem juntos. Como a mãe do jovem parecia resistir, sentindo-se insegura e explicando ao profissional suas preocupações, o terapeuta ocupacional perguntou ao cliente o que ele pensava e queria fazer (considerando que tinha maturidade e condições para isso). Nesse ponto, o terapeuta ocupacional criou um campo de negociação que não era possível antes desse momento, porque as decisões eram feitas apenas pela mãe e pelos profissionais. Com essa intervenção, as relações de poder foram abaladas e o jovem pôde decidir sair, estabelecendo outro papel possível naquele momento dentro da família, legitimado pelo terapeuta ocupacional.

Outro exemplo fornecido pelos pesquisadores internos envolve atender às necessidades de um indivíduo com uma lesão na mão para comer de forma independente, o que pode incluir a adaptação de talheres. Essa adaptação é possibilitada por meio de observação e análise cuidadosas, com base em conhecimento especializado sobre a funcionalidade da mão, as necessidades do indivíduo e os materiais disponíveis para customização.

É essencial considerar o aspecto dialético do processo de trabalho que marca a inseparabilidade entre a ativação das ferramentas operacionais, a intencionalidade emancipatória e o objeto atividade humana em seu aspecto coletivo. Esses elementos devem ser ativados nos ciclos de análise-atividade-análise. Por exemplo, no caso do jovem supramencionado, a negociação com sua mãe, na ausência de um objetivo emancipatório, poderia focar apenas no ato de sair de casa, sem provocar uma reflexão mais profunda sobre as dinâmicas sociais e familiares ou sobre a autonomia do jovem na tomada de decisões. Da mesma forma, adaptar perfeitamente os talheres para comer de forma independente não garante que o ambiente de vida do indivíduo suporte essa autonomia.

Intervenções sobre o tecido social

A intervenção sobre o tecido social se manifesta em ações que vão além do acompanhamento direto a indivíduos, grupos e famílias. Esta é uma ferramenta teórico-metodológica ativada em resposta à análise das determinações sociais das necessidades identificadas. Aí reside uma das contribuições da profissão para a reorientação do modo de produção: a análise qualificada das mediações da atividade humana no cotidiano da vida coletiva. A análise e as propostas nessa linha fazem parte das práticas emancipatórias, que visam abordar as raízes dos problemas, esforçando-se para reconciliar e conectar as necessidades individuais, coletivas e institucionais (Malfitano & Lopes, 2021Malfitano, A. P. S., & Lopes, R. E. (2021). Preface. In R. E. Lopes & A. P. S. Malfitano (Orgs.), Social occupational therapy: theoretical and practical designs (pp. 13-21). Philadelphia: Elsevier.), como um componente de um processo mais amplo de transformação social.

Intervenções que destacam as contradições nas relações raciais, sociais, culturais, econômicas e históricas, a partir de casos individuais, geram uma tensão importante. A intenção é reposicionar a condição social coletiva que se manifesta em um idivíduo como um aspecto integral do trabalho de toda a rede das partes interessadas, em vez de vê-la apenas como pano de fundo para processos técnicos ou como obstáculos a realizações técnicas. Articulação política, reuniões técnicas em rede, e ações de participação comunitária servem como exemplos de aplicações dessa ferramenta (Godoy-Vieira et al., 2022Godoy-Vieira, A., Soares, C. B., Malfitano, A. P. S., Farias, A. Z., Rodrigues, C., Bricoli, C. A., Okuma, D., Leite Júnior, J. D., Antunes, J. R., Laranjeira, L. S., Cordeiro, L., Pastore, M. N., Camargo, M., & Fialho, N. (2022). Working process analysis of critical occupational therapy practice Everyday life as means to build occupational revolution towards social transformation. In WFOT Congress 2022 (pp. 307-317). Paris.).

Lopes & Malfitano (2021)Lopes, R.E., & Malfitano, A. P. S. (Org.). (2021). Social occupational therapy: theoretical and practical designs. Philadelphia, USA: Elsevier. propõem, sob a perspectiva da terapia ocupacional social, a importância de entender a promoção da convivência como um princípio fundamental de uma prática dedicada à transformação social. Criar e manter espaços que incentivem experiências coletivas no atendimento a necessidades comuns facilita a identificação e o desenvolvimento de estratégias de convivência. Consequentemente, promover mudanças institucionais, comunitárias e políticas baseadas em necessidades coletivas identificadas constitui uma parte do esforço em direção a uma mudança social mais ampla e à criação de um ambiente propício à identificação de outras necessidades.

Um exemplo disso é fornecido por uma pesquisadora interna, que trabalha em um serviço de atenção primária à saúde. Na preparação para a celebração do Dia das Crianças na unidade de saúde, a terapeuta ocupacional assumiu a liderança da organização do evento. Uma jovem se aproximou da terapeuta ocupacional, que aproveitou a oportunidade para fomentar um espaço de convivência ao convidá-la para ajudar nos preparativos da festa. Notando algumas dificuldades da jovem, a terapeuta ocupacional ajustou o ritmo de algumas tarefas enquanto analisava suas necessidades dentro do contexto do serviço comunitário de atenção primária à saúde. Enquanto enchiam balões no corredor do prédio, alguns colegas que passavam por ali perguntaram, de forma jocosa, se a terapeuta ocupacional estava trabalhando ou brincando. Sua resposta, ao mesmo tempo gentil e assertiva, foi que de fato estava trabalhando, criando assim um momento de tensão. Mais tarde naquele dia, durante a reunião de equipe, ela trouxe o assunto à tona, propondo uma discussão sobre o objetivo das práticas, produzindo uma reflexão com toda a equipe e uma revisão de suas próprias perspectivas sobre seus objetos de trabalho. Estava mostrando, através de uma análise do cotidiano da instituição, uma possível redução medicalizante do objeto de trabalho da chamada instituição de base comunitária, restrito a procedimentos dentro dos consultórios.

Mesmo pequenas ações ou breves interações, quando sustentadas por uma consciência de sua dimensão política, podem revelar contradições e levar o coletivo em direção à adoção do aspecto emancipatório de sua prática. Em última análise, reavaliar os processos de trabalho através de uma lente fornecida pela terapia ocupacional nesta perspectiva pode levar à redefinição da missão coletiva da instituição, passando de um mosaico de práticas a um projeto unificado e coerente.

Neste ponto, é possível afirmar um elemento estrutural da prática baseado no reconhecimento da dimensão política da profissão:

[...] toda prática em terapia ocupacional é política. É política porque lida com um mundo concreto, com uma sociedade em particular, com um mundo que queremos construir. Relaciona-se com o tipo de questões que são produzidas por nossas ações e uma sociedade e mercado neoliberais, com um desejado tipo de governança. É política porque somos produzidos por nós mesmos a partir de problemas sociais. E porque os questionamos a partir de uma realidade a que pertencemos e de que participamos (Córdoba et al., 2015, pCórdoba, A. G., Kronemberg, F., & Ramugondo, E. (2015). Southern occupational therapies: emerging identities, epistemologies and practices. South African Journal of Occupational Therapy, 45(1), 3-10.. 8).

Lopes et al. (2021)Lopes, R. E., Malfitano, A. P. S., Silva, C. R., & Borba, P. L. O. (2021). Resources and technologies in social occupational therapy: actions with poor urban youth. In R. E. Lopes & A. P. S. Malfitano (Orgs.), Social occupational therapy: theoretical and practical designs (pp. 169- 176). Philadelphia: Elsevier. sistematizaram tecnologias sociais como recursos em terapia ocupacional social. Duas delas são apresentadas para ilustrar a potencial aplicação da ferramenta teórico-metodológica Intervenção sobre o tecido social. A primeira é a Articulação de recursos no campo social, abrangendo um espectro de ações nos níveis individual, de grupo ou coletivo, e estendendo-se aos domínios da política e da gestão de serviços. Essa estratégia reside na organização de práticas em vários níveis de complexidade, em torno de um objetivo e aproveitando recursos financeiros, materiais, relacionais e emocionais disponíveis para moldar intervenções, seja na esfera macro ou microssocial. A segunda é a Dinamização da rede de serviços, que propoẽ mapear, promover e consolidar todos os programas, projetos e ações direcionados a um grupo populacional específico e/ou sua comunidade. O objetivo é melhorar a interação e integração entre essas pessoas, conectando diferentes setores e níveis de apoio para melhorar a eficácia e direcionamento das estratégias.

Intervir sobre o tecido social significa compartilhar essa análise e argumentar, tanto tecnicamente quanto politicamente, a favor do reconhecimento e redirecionamento do foco da atenção da rede para as necessidades sociais coletivas. Essa tensão exige discussões técnicas coletivas, coordenação política e aprimoramento teórico. Essa abordagem pode suscitar respostas de toda a rede com base em necessidades sociais complexas avaliadas conjuntamente, em vez de cada serviço realizar sua análise técnica específica.

Sem essa perspectiva mais ampla, observa-se frequentemente que casos complexos provocam uma mobilização significativa para fornecer respostas individualizadas para “salvar” um indivíduo ou família, como se fossem casos excepcionais. No entanto, não é incomum que os mesmos casos complexos se repitam ou que as mesmas famílias ou indivíduos retornem aos serviços, sendo considerados falhas apesar do considerável esforço dos profissionais. Isso não se deve a uma falha individual, mas sim à interpretação errônea das necessidades sociais como necessidades individuais. Sem melhorias significativas nas condições coletivas de trabalho e vida, as pessoas não podem sustentar uma nova maneira de viver, conduzir suas atividades e escrever sua história.

A intervenção sobre o tecido social não se manifestará sempre como disputas, mas também como convites para colaboração. Um exemplo compartilhado e validado durante o processo de produção de conhecimento foi a ideia de uma comunidade escolar que revisa seus critérios de avaliação e sucesso acadêmico para todos os alunos, inspirada por um ou mais deles com necessidades especiais. Isso poderia resultar de uma intervenção emancipatória de terapia ocupacional com um aluno com necessidades especiais, que então poderia começar a discutir ativamente e exigir processos de ensino mais adequados baseados em suas necessidades sociais específicas.

Esta ferramenta teórico-metodológica transcende a relação entre terapeutas ocupacionais e indivíduos acompanhados, enfatizando a interconexão entre estruturas macrossociais, política, direitos, cidadania e políticas sociais (Malfitano et al., 2021Malfitano, A. P. S., Whiteford, G., & Molineux, M. (2021). Transcending the individual: the promise and potential of collectivist approaches in occupational therapy. Scandinavian Journal of Occupational Therapy, 28(3), 188-200.) envolvidas em todas as relações sociais de produção. Durante o uso dessa ferramenta, espera-se que ocorra um processo ontológico no indivíduo que participa ativamente de movimentos de transformação social. Trabalhar nesta perspectiva com o cotidiano dos indivíduos só é possível a partir da intenção e da ação por uma vida possível para todos, e implica necessariamente a participação ativa na construção e manutenção das políticas de seguridade social (Malfitano et al., 2020Malfitano, A. P. S., Cruz, D. M. C., & Lopes, R. E. (2020). Terapia ocupacional em tempos de pandemia: seguridade social e garantias de um cotidiano possível para todos. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 28(2), 401-404.).

Reconhecer as demandas dos indivíduos acompanhados como necessidades sociais implica reconhecer que o objeto do processo de trabalho só pode ser transformado no âmbito das relações sociais de produção4 4 As relações sociais de produção referem-se às relações materiais objetivas que existem em qualquer sociedade, independentemente da consciência humana. Essas relações são formadas entre todos os indivíduos no processo de produção social, troca e distribuição da riqueza material. (Marxists Internet Archive, 2023a). . Isto se deve ao fato de que as necessidades são produzidas pelos impactos da reprodução social nas vidas individuais, como resultado do modo de produção capitalista. As relações que o trabalhador estabelece com as estruturas ideológicas, institucionais, políticas e sociais são recursos para a prática da terapia ocupacional, quando associadas à análise emancipatória da atividade humana. Assim, o alcance concreto das ações técnicas não é romantizado como a emancipação imediata dos indivíduos. Reside no estabelecimento de processos coletivos, abrindo espaços para a participação radical dos indivíduos, reunindo forças na mesma direção de outras práticas sociais emancipatórias para a superação da desigualdade.

Produto: a dimensão ontológica da atividade humana transformada na direção da participação radical

O produto de um processo de trabalho é o próprio objeto que foi transformado pelo trabalho do trabalhador. Em outras palavras, o produto manifesta o resultado do processo de trabalho (Mendes-Gonçalves, 2017Mendes-Gonçalves, R. B. (2017).Práticas de saúde: processo de trabalho e necessidades. In J. R. C. M. Ayres & L. Santos (Orgs.), Saúde, sociedade e história (pp. 298-374). São Paulo: Hucitec.). Considerando a dimensão ontológica da atividade humana como o objeto da prática da terapia ocupacional, o produto final será a dimensão ontológica da atividade humana transformada. Essa transformação se manifestará nas relações sociais do indivíduo, ativadas durante as atividades que realiza. Isso significa que o produto se manifestará nas relações sociais mediadas pelas atividades de um indivíduo que incorporou as ferramentas apresentadas pela terapeuta ocupacional (e outras que eles possam ter encontrado ou criado), alcançando um entendimento mais complexo de si mesmo e da sociedade. O impacto da terapia ocupacional emancipatória é percebido como indivíduos e grupos sociais que participam ativamente de suas vidas pessoais e coletivas, demonstrando maior agência em comparação com seus estados anteriores.

A consciência da conexão entre as necessidades individuais e a organização estrutural da sociedade pode ativar um movimento de radicalização em torno da ideia de participação. Por exemplo, para radicalmente abrir espaço para uma participação genuína na vida social para além de espaços segregados para pessoas com deficiência, será necessária uma ampla participação política em relação às condições de transporte, regulamentações de construção e legislação trabalhista de uma cidade.

O conceito de participação radical é intencionalmente proposto para qualificar e criticar a ideia de participação que reconhece as relações sociais de poder sem considerar sua determinação social. A participação radical é caracterizada pela apropriação progressiva pelos indivíduos das mediações das atividades humanas embutidas no cotidiano, relacionadas à sua participação social. A partir desse processo de conscientização, as pessoas elevam sua participação a uma condição em que se tornam capazes de questionar as estruturas econômicas, culturais, institucionais, sociais e até clínicas em direção à sua participação no desenvolvimento coletivo de novas respostas para suas necessidades sociais.

A participação radical é relevante como produto da prática da terapia ocupacional, considerando a constituição ontológica do ser social. Essa constituição resulta da complexa instauração de inúmeros processos de transformação nas atividades do cotidiano, produzindo dialeticamente a sociedade entre a singularidade e a totalidade social.

Os processos compartilhados de análise-atividade-análise realizados com os indivíduos e grupos acompanhados permitem a conscientização, gerando novos processos criativos e estabelecendo novas possibilidades para a transformação individual e social. Para identificar, rejeitar e transformar formas alienadas de existência, esses ciclos são propostos em cadeias de atividades ao longo do cotidiano. A intencionalidade consciente por trás desse processo envolve desafiar ativamente condições de vida opressivas por meio da imaginação política e do engajamento em atividades intencionais e criativas.

Nessa perspectiva, o acesso aos direitos sociais como elemento da prática da terapia ocupacional será tomado como parte de ações complexas para a produção de processos emancipatórios. Isto acontece porque conquistas particulares dificilmente desafiam a principal estrutura histórica e económica com base em problemas sociais, se tomadas isoladamente. Contudo, o indivíduo ou grupo social que se esforçam para alcançar a observância de um direito social, por exemplo, sãos transformado pela série de atividades empreendidas para alcançá-lo. Essa transformação ontológica é o próprio processo emancipatório que se almeja, identificado nas práticas de saúde como “terapêutico”. O resultado coletivo são indivíduos transformados que estarão então mais bem equipados para compor a luta coletiva pela superação da desigualdade na totalidade social, que não acontecerá por lutas isoladas ou pela prática de uma profissão apenas.

Conclusão

Este artigo apresenta uma abordagem analítica da prática da terapia ocupacional com a intenção de apoiar o desenvolvimento de uma estrutura para a prática da terapia ocupacional emancipatória baseada no diálogo entre a Terapia Ocupacional Social e a Saúde Coletiva Latino-Americana. A atividade humana é identificada como objeto do processo de trabalho da terapia ocupacional, definida pela categoria trabalho em sua dimensão ontológica. A participação radical se estabelece como produto pretendido do processo, ou seja, a participação na luta pelos elementos transformadores da determinação social das condições coletivas de trabalho e de vida. Os sujeitos do processo de trabalho são os terapeutas ocupacionais e os indivíduos, grupos e/ou comunidades acompanhados; ambos entendidos como seres sociais em aliança para a transformação social. São identificadas quatro ferramentas teórico-metodológicas: análise emancipatória das atividades humanas, proposição emancipatória das atividades humanas, operacionalização da participação radical e intervenções sobre o tecido social.

  • 1
    A reprodução social é um processo contínuo de produção e consumo dentro de uma sociedade. O processo de produção capitalista visa produzir mercadorias, mais-valia e relações capitalistas. A manutenção e reprodução da classe trabalhadora são condições necessárias para a reprodução do capital. Cada classe social possui seus métodos particulares de produção e consumo. As condições sob as quais cada grupo similar dentro de uma classe social trabalha e consome estão estruturalmente conectadas à manifestação de sua vida cotidiana e saúde únicas (Marx, 1984Marx, K. (1984). O capital. São Paulo: Difel.).
  • 2
    “Dialética é o método de raciocínio que visa entender as coisas, concretamente, em todo o seu movimento, mudança e interconexão, com seus lados opostos e contraditórios em unidade” (Marxists Internet Archive, 2023bMarxists Internet Archive. (2023b). “Dialectics”, Glossary of Terms. Recuperado em 9 de agosto de 2023, de https://www.marxists.org/glossary/terms/d/i.htm
    https://www.marxists.org/glossary/terms/...
    ).
  • 3
    O conceito marxista de trabalho distingue-se da forma capitalista de trabalho que aliena os trabalhadores, o emprego. Essa distinção é aprofundada em Godoy-Vieira et al. (2020)Godoy-Vieira, A., Soares, C. B., & Cordeiro, L. (2020). Occupation and labour: towards emancipatory practices. In H. V. Bruggen, S. Kantartzis & N. Pollard (Eds.), 'And a seed was planted...' Occupation based approaches for social inclusion (pp. 307-317). London: Whiting and Birch..
  • 4
    As relações sociais de produção referem-se às relações materiais objetivas que existem em qualquer sociedade, independentemente da consciência humana. Essas relações são formadas entre todos os indivíduos no processo de produção social, troca e distribuição da riqueza material. (Marxists Internet Archive, 2023aMarxists Internet Archive. (2023a). “Relations of production”, Glossary of terms. Recuperado em 9 de agosto de 2023, de https://www.marxists.org/glossary/terms/r/e.htm
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    ).
  • Como citar: Godoy-Vieira, A., Malfitano, A. P. S., & Soares, C. B. (2024). Fundamentos do processo de trabalho em terapia ocupacional: uma abordagem analítica a partir do diálogo entre Terapia Ocupacional Social e Saúde Coletiva Latino-Americana. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 32, e3627. https://doi.org/10.1590/2526-8910.ctoAO278836271
  • Fonte de Financiamento

    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.

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Editado por

Editor de seção

Prof. Dr. Michael Palapal Sy

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    09 Ago 2023
  • Revisado
    13 Ago 2023
  • Revisado
    17 Nov 2023
  • Aceito
    30 Dez 2023
Universidade Federal de São Carlos, Departamento de Terapia Ocupacional Rodovia Washington Luis, Km 235, Caixa Postal 676, CEP: , 13565-905, São Carlos, SP - Brasil, Tel.: 55-16-3361-8749 - São Carlos - SP - Brazil
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