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Palavras dos Editores

Mais uma vez disponibilizamos a nossos leitores um volume da Alea com tema livre. A experiência de alternar volumes temáticos e com tema livre vem se sistematizando em nossa revista com excelentes resultados, na medida em que abrimos espaço para todo tipo de produção de qualidade, tanto aquela que transita por temáticas de grande circulação no âmbito contemporâneo, com maior potencial para se submeter a chamadas de perfil temático, quanto produções mais específicas, que precisam da chamada de tema livre para sua efetiva divulgação. Em 2018, optamos pela publicação de dois números focados em temas específicos: o primeiro, interessado na literatura neopolicial1 1 Percursos atuais da literatura neopolicial. Editores Convidados:GALLARDO-SABORIDO, Emilio J.; GÓMEZ-DE-TEJADA, Jesús. Ver Editorial disponível em: <http://ref.scielo.org/zwbc6k>. , e o segundo referido ao tema dos imaginários comunitários na contemporaneidade latino-americana2 2 Como viver junto. Editores Convidados:VIDAL, Paloma; CÁMARA, Mario. Ver Editorial disponível em: <http://ref.scielo.org/zwbc6k>. . O volume que apresentamos agora encerra o ano acolhendo trabalhos muito diversos quanto ao tema, à metodologia e ao perfil de seus autores.

Abre o volume um conjunto de textos focados no estudo da literatura francesa. O primeiro explora as mudanças ocorridas na literatura francesa no século XIX a partir da criação do folhetim como espaço textual dedicado à crítica e situado no rodapé dos jornais até a criação de um novo gênero literário: o romance-folhetim. O texto examina as novas relações que o gênero estabelece entre o público leitor e o mercado editorial, assim como a relação conflituosa que manteve com a crítica de seu tempo. Para isso, são estudados dois textos da época que polemizam com esse novo tipo de produção literária, focados especificamente na crítica a Alexandre Dumas e a Honoré de Balzac. Na sequência, incluímos um artigo que, partindo de uma releitura de O Império dos signos, reflete em torno a uma poética do vazio na obra de Roland Barthes; um texto voltado para o estudo do motivo da morte e seu desenvolvimento em L’instant de ma mort, de Maurice Blanchot; outro que indaga sobre as potencialidades da filosofia da imaginação poética de Gaston Bachelard para os estudos literários na contemporaneidade; e um artigo que analisa a visão de modernidade encenada no projeto poético de Francis Ponge. Fechando esse primeiro percurso, incluímos um estudo comparado da poesia de Paul Éluard e César Vallejo, especialmente focado na fase em que ambos os escritores enveredam sua obra pelos caminhos do compromisso político, circulando com sistematicidade pelo tema da fraternidade universal. Para argumentar suas propostas, o autor estuda España, aparta de mí este cáliz, do poeta peruano, e Au rendez-vous Allemand, do grande mestre francês.

Um segundo movimento no percurso de leitura que elaboramos na configuração do número reúne textos sobre literatura e cultura brasileira. O primeiro deles, a partir das noções de campo expandido, pós-autonomia e inespecificidade, oferece um estudo da exposição Corpo-poema, do Ariel Coletivo Literário, de Campina Grande-PB. Trata-se de 18 realizações fotográficas focadas no corpo feminino, que incorporam fragmentos de textos literários, originalmente oriundos do repertório do sarau Dama da noite. Nesse processo, em que corpo e palavra são refuncionalizados, o autor do artigo desenvolve uma ideia singular de literatura que necessariamente se impõe no panorama da literatura brasileira contemporânea. O segundo texto se aproxima da obra do poeta Max Martins, caracterizando sua estética minimalista a partir da aproximação comparativa com a obra do grupo Sankai Juku e seu trabalho no âmbito do Butoh. O autor destaca a significação do espaço em branco e o preenchimento à tinta preta na materialidade da poesia de Max Martins, a partir de um aprofundamento na proposta estética do Butoh, com a qual estabelece vínculos profundos. Continuando esse segundo movimento de leitura, incluímos um texto que estuda a poesia modernista em Pernambuco, e especialmente a produção poética cuja publicação e divulgação se deu fora do livro, mostrando como a heterogeneidade dos ambientes em que o modernismo brasileiro se desenvolveu densifica, em termos de história da literatura, a noção de modernismo e de processo literário nacional. Na sequência, apresentamos um texto que examina os jogos de gênero e a imaginação literária em Rachel de Queiroz. Utilizando fontes produzidas no começo da carreira da escritora, o artigo propõe aproximações entre história da vida literária e história das mulheres a partir da análise dos embates no espaço literário brasileiro na primeira metade do século XX. Em seguida, aparece um artigo cujo centro de reflexão são as tendências distópicas no contexto contemporâneo da literatura nacional, suas especificidades, e como essas narrativas desenham sociedades atrozes e articulam ao elemento fantástico a dimensão crítica. Encerrando esse núcleo de artigos centrados no estudo da literatura brasileira, incluímos um último trabalho sobre a obra de Aluísio Azevedo e a representação do imigrante português no processo de composição de seus personagens, a fim de questionar o pretenso antilusitanismo de que tantas vezes foi acusado o autor de O Cortiço.

Um terceiro movimento de leitura reúne dois estudos focados na literatura portuguesa: o primeiro propõe uma leitura em chave retórica da obra de Fernando Pessoa, ao identificar a heteronímia com uma figura de linguagem, a etopeia, e caracterizar o pathos apreendido no discurso de Alberto Caeiro; o segundo está focado na representação dos refugiados em Macau nos romances do escritor português Rodrigo Leal de Carvalho: Requiem para Irina Ostrakoff e A Mãe.

Uma quarta diretriz de leitura gira em torno do universo caribenho. Incluímos, nessa linha, um texto que analisa o tema do tráfico negreiro e da escravidão no ciclo romanesco dos escritores martiniquenses Simone e André Schwarz-Bart.

Fechando o percurso de leitura proposto, incluímos na reta final do volume um artigo de perfil teórico que atualiza o debate sobre o trágico e o cômico na literatura, vinculando-o à sistematização teórica do romance de formação, e dois textos que transitam pelos estudos da tradução. O primeiro deles está referido às traduções do inglês para o espanhol de dois poemas de Chris McCully, incluídos na coletânea Selected Poems (2011). A partir dessa experiência concreta, o autor do artigo discute o tema controverso da tradução poética, recolocando algumas questões teóricas vinculadas à conhecida dicotomia originalidade/equivalência, para concluir apostando no sentido criativo de todo ato de tradução poética. O segundo estuda quatro traduções para o espanhol do poeta romeno Mihai Eminescu, voltando sua discussão teórica para o tema das eleições do tradutor no momento de definir seu projeto, geralmente pautado pelos binômios aceitabilidade-adequação, tradução filológica-tradução poética, entre outros.

Encerrando o número, apresentamos uma resenha assinada por Andrea Guerini (Universidade Federal de Santa Catarina), que comenta a edição italiana do livro de Antonio Tabucchi: L’automobile, la nostalgia e l’infinito. Su Fernando Pessoa. Uma segunda resenha vem assinada por Ana Maria Lisboa de Mello (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e apresenta a edição brasileira do livro de Zilá Bernd, A persistência da memória. Romances de anterioridade e seus modos de transmissão intergeracional.

Como já é tradicional em nossa revista, publicamos trabalhos de autores que atuam nos mais variados espaços acadêmicos do mundo: Université de Versailles Saint-Quentin-en-Yvelines (França), Universidad de Lima (Peru), Universidade de Macau (China), Universidad Nacional de Mar del Plata (Argentina), University of Essex (Inglaterra) e Universidad de Alicante (Espanha). Com o mesmo interesse de ampliar os diálogos científicos, publicamos trabalhos produzidos em diferentes universidades e regiões do país: Universidade Federal do Pará, Universidade Estadual da Paraíba, Universidade Federal de Sergipe, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade Federal Fluminense, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Universidade de Campinas, Universidade Federal de São Paulo, Universidade de Sorocaba, Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Universidade Federal de Santa Catarina. A intenção é dar conta da abrangência de temas, problemas, debates e metodologias de trabalho que animam hoje os estudos literários nas mais diversas áreas geográficas do mundo, pensar nossa comunidade científica como um espaço de livre e permanente circulação de saberes, de diálogo e movimento transformador.

Nada há de humano que não exija a comunidade daqueles que o querem. Aquilo que vai longe exige esforços conjugados, que ao menos deem continuidade um ao outro, sem se deter no possível de um só. “Se tiver cortado os laços à sua volta, a solidão de um homem é um erro”. (BATAILLE, 2017BATAILLE, Georges. Sobre Nietzsche. [1945] Trad. Fernando Scheibe. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017., p.44) Essa é a lição de Georges Bataille que anima este e cada um dos números da Alea que preparamos.

Referências bibliográficas

  • BATAILLE, Georges. Sobre Nietzsche [1945] Trad. Fernando Scheibe. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017.
  • GALLARDO-SABORIDO, Emilio; GÓMEZ-DE-TEJADA, Jesús. Percursos atuais da literatura neopolicial. Alea, v. 20, n. 1, Rio de Janeiro, jan./abr., 2018.
  • VIDAL, Paloma; CÁMARA, Mario. Como viver junto. Alea, v. 20, n. 2, Rio de Janeiro, maio/ago., 2018.
  • 1
    Percursos atuais da literatura neopolicial. Editores Convidados:GALLARDO-SABORIDO, Emilio J.; GÓMEZ-DE-TEJADA, JesúsGALLARDO-SABORIDO, Emilio; GÓMEZ-DE-TEJADA, Jesús. Percursos atuais da literatura neopolicial. Alea, v. 20, n. 1, Rio de Janeiro, jan./abr., 2018.. Ver Editorial disponível em: <http://ref.scielo.org/zwbc6k>.
  • 2
    Como viver junto. Editores Convidados:VIDAL, Paloma; CÁMARA, MarioVIDAL, Paloma; CÁMARA, Mario. Como viver junto. Alea, v. 20, n. 2, Rio de Janeiro, maio/ago., 2018.. Ver Editorial disponível em: <http://ref.scielo.org/zwbc6k>.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2018
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