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IN MEMORIAM

Anita Elizabeth Harding nasceu em Birmingham, Inglaterra e graduou-se em medicina pela Royal Free Hospital Medical School de Londres, em 1975. Lá foi Neurological House Physician do Professor Peter K. Thomas, com quem se casou em 1977. Em 1982, iniciou rápida e vitoriosa carreira médica e acadêmica no Institute of Neurology da Universidade de Londres e no National Hospital for Nervous Diseases, Queen Square. Galgou todos os postos da carreira, até tornar-se, com apenas 37 anos de idade, a primeira mulher em toda a história da neurologia inglesa a alcançar o título de Professor of Neurology. Sua especialidade era Neurogenética, tendo criado, em 1986, o primeiro setor de Neurogenética Clínica da Grã-Bretanha.

Anita Harding agregava em torno de si um grande número de discípulos de variados níveis de especialização. Seu temperamento expansivo e seu brilhante senso de humor faziam-na querida igualmente por colegas, estudantes e pacientes. Juntamente com seu grupo foi a primeira a definir o completo fenótipo clínico das ataxias hereditárias, a delinear as similaridades entre as neuropatias sensitivo-motoras hereditárias, e a descrever, pela primeira vez, deleções do DNA mitocondrial em pacientes com miopatias mitocondriais. O número, e a qualidade, das suas publicações são extraordinários sendo que, mesmo hoje, muitas delas continuam a sair do prelo. De sua autoria é a universalmente aceita classificação das ataxias hereditárias bem como o livro clássico sobre o "The Hereditary Ataxias and Related Disorders".

Anita esteve no Brasil em três ocasiões, tendo sido um dos poucos convidados estrangeiros a frequentar seguidamente três Congressos Brasileiros de Neurologia (1990, 1992, 1994). Em todos deixou a sua marca, não só com palestras excepcionais como também pela extraordinária simpatia. Adorava o Brasil. Ademais considerava os nossos congressos extremamente bem organizados e com elevado nível científico. Lamentava não entender o português para participar mais ativamente das sessões de Posters (que considerava a alma de qualquer congresso). Quando não estava no seu laboratório, ou viajando pelo mundo, em conferências e simpósios, adorava esportes de inverno. Tinha como hobby a carpintaria tendo, inclusive, construído sozinha um esplêndido mezanino de madeira na sua garagem.

Conheci Anita em 1987 no National Hospital. Lembro-me bem, na sala de consultas A do antigo hospital como a famosa especialista em neurogenética lidava com igual habilidade com as mais diversas patologias, desde simples casos de ciática crônica até as mais complexas síndromes heredodegenerativas. Era uma neurologista completa.

Sua doença começou a se manifestar logo após o seu retorno de Fortaleza, onde participou do último Congresso Brasileiro de Neurologia. Foi operada de carcinoma do colon em maio de 1995. Em agosto retornou ao trabalho, no entanto por curto período pois já apresentava metástases disseminadas. Já no leito hospitalar, e plenamente consciente de seu prognóstico, convocou todos os seus assistentes e estudantes e discutiu, por toda uma tarde, os projetos e trabalhos em andamento, corrigindo-os atentamente e dando-lhes forma final. Era também uma professora completa.

Extremamente objetiva no trato científico, também o foi diante da doença inexorável. Pouco antes de falecer, absolutamente consciente e serena, confidenciou a amigos " as a doctor, you know at once when you move from active to palliative care; they stop doing tests". Jamais perdeu, no entanto, o seu famoso senso de humor. Uma das suas últimas - e tipicamente espirituosas - frases: " An advantage of dying now is that it saves having to decide about updating to Windows 95!"

Anita Elizabeth Harding morreu no dia 17 de setembro de 1995, justamente quando estava para assumir o posto máximo da neurologia britânica, a chefia da cadeira de Neurologia da Universidade de Londres, ocupando o lugar que já fora de Jackson e Gowers. Em sua breve vida, conseguiu construir um extraordinário legado científico e pessoal, escrevendo o seu nome no hall dos grandes neurologistas do nosso tempo. O mundo neurológico sofre uma perda irreparável.

Abelardo de Queiroz-Campos Araújo

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Dez 2010
  • Data do Fascículo
    Mar 1996
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