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Turismo e tráfico de órgãos para transplante: aspectos conceituais e implicações na prática

EDITORIAL

Turismo e tráfico de órgãos para transplante: aspectos conceituais e implicações na prática

Bartira de Aguiar Roza

Professora Adjunto da Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo - Unifesp - São Paulo (SP), Brasil

Atualmente, os profissionais de saúde que trabalham com doação e transplante precisam enfrentar e discutir importantes problemas evidenciados pelos artigos científicos e mídia mundial: o turismo e o tráfico de órgãos no mundo.

Conforme a classificação em literatura, o pagamento para doação de órgãos pode apresentar-se de duas formas: incentivo direto (monetário) e indireto, caracterizado por outros modos de compensação e definido como moralmente neutro.

Na prática, o incentivo direto não tem a adesão dos profissionais de saúde, pois estes não se sentem à vontade para oferecer dinheiro à família do doador por acreditarem que esta prática minaria o ato altruísta, desencorajando a doação por representar uma espécie de suborno(1).

Os benefícios indiretos, como o custeio às despesas de funeral ou outras formas de compensar a família por esse ato, podem interferir na decisão que, a priori, deveria estar baseada apenas na virtude social. Uma situação típica ilustrativa das implicações do benefício indireto verifica-se, quando os familiares manifestam o desejo de saber se os receptores estão bem e podem conhecê-los, expressando uma compensação pela perda do ente querido na continuidade da vida em outro(2).

Os profissionais de saúde que se opõem a esse argumento, considerado não ético, alegam que não querem estar na posição de oferecer incentivo às famílias, pois minaria a relação de confiança. Para estes, o incentivo indireto parece uma recompensa da sociedade pelo ato da doação (1).

Na construção da relação de confiança e nas implicações contidas nos benefícios de diversas naturezas, questões relativas ao processo de adesão da população têm sido discutidas nos principais congressos sobre pessoas mais pobres e vulneráveis ao turismo para transplante e venda de órgãos e tecidos.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) pela Resolução WHA57.18(3) publicada em 2004, reconhece a existência do comércio de órgãos e solicita aos países membros que tomem medidas, a fim de proteger as pessoas mais pobres e vulneráveis ao turismo para transplante e venda de órgãos e tecidos.

Em 2008, o manifesto denominado Declaração de Istambul foi redigido pelas Sociedades Internacionais de Transplante e de Nefrologia com o objetivo de definir tráfico, turismo e comércio de órgãos para transplantes(4).

Conforme esta Declaração(4), o tráfico de órgãos consiste no "recrutamento, transporte, transferência, refúgio ou recepção de pessoas vivas ou mortas ou dos respectivos órgãos por intermédio de ameaça ou utilização da força ou outra forma de coação, rapto, fraude, engano, abuso de poder ou de uma posição de vulnerabilidade, ou da oferta ou recepção por terceiros de pagamentos ou benefícios no sentido de conseguir a transferência de controle sobre o potencial doador, para fins de exploração através da remoção de órgãos para transplante"(4).

O comercialismo dos transplantes é uma política ou prática, segundo a qual um órgão é tratado como uma mercadoria. As viagens para fins de transplante são a circulação de órgãos, doadores, receptores ou profissionais do setor do transplante através de fronteiras jurisdicionais para fins de transplante(4).

O Brasil passou a ser signatário da Declaração de Istambul pela Portaria nº 201 de 7 de fevereiro de 2012, que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano vivo para fins de transplante no território nacional envolvendo estrangeiros não residentes no País. Especial destaque deve-se atribuir ao Art. 2º no qual o transplante de estrangeiros não residentes com financiamento do Sistema Único de Saúde deve ser precedido de acordo internacional em base de reciprocidade.

Portanto, ante este cenário, o desafio para os profissionais da saúde e, sobretudo para quem trabalha com captação de órgãos e tecidos, é ter a competência ética, para garantir que a credibilidade do Sistema Único de Saúde que oferece esta forma de tratamento, não seja posta em cheque. Esta visão precisa ser parte integrante de quem sonha ter nesse processo a certeza de desenvolver um trabalho justo e benéfico à comunidade.

  • 1. Jasper JD, Nickerson CA, Ubel PA, Asch DA. Altruism, incentives, and organ donation: attitudes of the transplant community. Med Care. 2004;42(4):378-86.
  • 2. Roza BA. Efeitos do processo de doação de órgãos e tecidos em familiares: Intencionalidade de uma nova doação [doutorado]. São Paulo: UNIFESP; 2005.
  • 3. World Health Organization. WHA57.18 Human organ and tissue transplantation. Fifty-seventh World Health Assembly. Genebra, Eighth Plenary Meeting, 22 May 2004 - Committee A, Third Report. Genebra:WHO; 2004.
  • 4. World Health Organization. Cumbre Internacional sobre turismo de trasplante y tráfico de órganos convocada por la Sociedad de Trasplantes y la Sociedad Internacional de Nefrología en Estambul. Estambul: WHO; 2008.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Jan 2013
  • Data do Fascículo
    2012
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