Acessibilidade / Reportar erro

Luto do consumidor: entendendo como os consumidores lidam com a perda de experiências extraordinárias

Resumo

Apesar do interesse pelo papel do consumo no processo de luto, o conceito de luto do consumidor e o processo através do qual os consumidores vivenciam o luto permanecem pouco estudados. Considerando a ruptura trazida pela pandemia da COVID-19 e a necessidade de entender como os consumidores respondem a esse cenário, este artigo tem como objetivo conceituar o luto do consumidor, entendendo os mecanismos criados pelos consumidores para lidar com a perda. Tendo em vista a importância de experiências extraordinárias e seus efeitos transformacionais no corpo e no tecido social, neste estudo netnográfico exploramos a perda de uma experiência extraordinária a partir da investigação com corredores de maratona. O artigo evidencia que o consumidor lida com a perda da experiência por meio de um processo composto por cinco mecanismos, mediados pelas redes sociais, que permitem ao consumidor reverter, reenquadrar e restabelecer a experiência perdida. Os mecanismos de refutação, desespero, abstenção-compensação, transgressão e aceitação mostram como os consumidores se comportam nos diferentes momentos de luto, permitindo-lhes construir suas trajetórias no processo de luto, individual e coletivamente. Como contribuição, expandimos a literatura sobre o luto do consumidor, explicando os processos pelos quais os consumidores passam quando lidam com a perda de uma experiência. Além disso, apresentamos uma perspectiva coletiva sobre o processo de luto, deslocando a análise do luto de um indivíduo ou de uma unidade familiar para a socialização do luto.

Palavras-chave:
COVID-19; Luto do Consumidor; Luto; Experiência Extraordinária

Abstract

Despite the interest in the role of consumption in the bereavement process, the concept of consumer grief and the process consumers experience when grieving remain undertheorized. This article aims to conceptualize consumer grief considering the disruption brought by the COVID-19 pandemic and the need to understand how consumers respond to this scenario, understanding the mechanisms consumers create to deal with loss. In view of the importance of extraordinary experiences due to their embodied, social, and transformational power, in this netnographic study, we explore marathon runners’ loss of an extraordinary experience. Consumers deal with the loss of an experience through a process composed of five mechanisms mediated by social media, which enable consumers to reverse, reframe, and reestablish the experience. The mechanisms of refutation, despair, abstention-compensation, transgression, and acceptance show how consumers behave in different moments of grief, allowing them to build their trajectories in the grieving process, individually and collectively. As a contribution, we expand the literature on consumer grief by focusing on the specific concept of consumer grief, explaining the processes consumers go through when they deal with the loss of an experience. Additionally, we present a collective perspective on the grieving process, shifting the analysis of the grief of an individual or a family unit to the socialization of grief.

Keywords:
COVID-19; Consumer Grief; Grief; Extraordinary Experience

Resumen

A pesar del interés en el papel del consumo en el proceso de duelo, el concepto de duelo del consumidor y el proceso que experimentan los consumidores cuando están en duelo siguen sin teorizarse. Considerando la disrupción provocada por la pandemia de COVID-19 y la necesidad de comprender cómo los consumidores responden a este escenario, este artículo tiene como objetivo conceptualizar el luto del consumidor, entendiendo los mecanismos creados por los consumidores para lidiar con la pérdida. En vista de la importancia de las experiencias extraordinarias y sus efectos transformadores sobre el cuerpo y el tejido social, en este estudio netnográfico exploramos la pérdida de una experiencia extraordinaria a partir de una investigación con corredores de maratón. Los consumidores afrontan la pérdida de la experiencia a través de un proceso compuesto por cinco mecanismos, mediados por las redes sociales, que les permiten revertir, replantear y restablecer la experiencia perdida. Los mecanismos de refutación, desesperación, abstención-compensación, transgresión y aceptación muestran cómo se comportan los consumidores en los diferentes momentos del duelo, permitiéndoles construir sus trayectorias en el proceso de duelo, de forma individual y colectiva. Como contribución, ampliamos la literatura sobre el duelo del consumidor enfocándonos en el concepto específico de duelo del consumidor, explicando los procesos que atraviesan los consumidores cuando enfrentan la pérdida de una experiencia. Adicionalmente, presentamos una perspectiva colectiva sobre el proceso de duelo, trasladando el análisis del duelo de un individuo o una unidad familiar a la socialización del duelo.

Palabras clave:
COVID-19; Duelo del consumidor; Duelo; Experiencia extraordinaria

INTRODUÇÃO

A pandemia da COVID-19 mudou a vida das pessoas em todo o mundo, através da necessidade de as pessoas elaborarem estratégias de enfrentamento para lidar com a insegurança dessa nova realidade (Belk, 2020Belk, R. W. (2020). Post-pandemic consumption: portal to a new world? Cadernos EBAPE.BR, 18(3), 639-647.), lançando luz sobre a necessidade de enfrentar as perdas trazidas pela pandemia (Walsh, 2020Walsh, F. (2020). Loss and resilience in the time of COVID-19: Meaning making, hope, and transcendence. Family Process, 59(3), 898-911.). Na pesquisa do consumidor, Belk (1988)Belk, R. W. (2020). Post-pandemic consumption: portal to a new world? Cadernos EBAPE.BR, 18(3), 639-647. foi o primeiro a propor que a perda de posses pode diminuir o senso de identidade dos consumidores, levando-os a lamentar a identidade investida em suas posses, em uma transição de luto. Essa noção, endossada por Hill (1991Hill, R. (1991). Homeless women, special possessions, and the meaning of “home”: An ethnographic case study. Journal of consumer Research, 18(3), 298-310.) e Gentry, Kennedy, Paul, e Hill (1995Gentry, J., Kennedy, P., Paul, C., & Hill, R. (1995). Family transitions during grief: Discontinuities in household consumption patterns. Journal of Business Research, 34(1), 67-79.), mostra que existe um processo de luto pelo qual os consumidores passam no caso da perda de bens, expectativas e experiências. A pesquisa sobre o luto do consumidor tem se dedicado ao papel do consumo no processo de luto (Turley & O’Donohoe, 2012Turley, D., & O’Donohoe, S. (2012). The sadness of lives and the comfort of things: Goods as evocative objects in bereavement. Journal of Marketing Management, 28(11-12), 1331-1353.), rituais de descarte de material (Canning & Szmigin, 2010Canning, L., & Szmigin, I. (2010). Death and disposal: The universal, environmental dilemma. Journal of Marketing Management, 26 (11-12), 1129-1142.) ou elaborações dos consumidores após a perda (Bonsu, 2007Bonsu, S. K. (2007). The presentation of dead selves in everyday life: Obituaries and impression management. Symbolic Interaction, 30(2), 199-219.; O ‘Donohoe & Turley, 2005Turley, D., & O’Donohoe, S. (2012). The sadness of lives and the comfort of things: Goods as evocative objects in bereavement. Journal of Marketing Management, 28(11-12), 1331-1353.), sem um foco específico no processo de luto do consumidor. Assim, o conceito de luto do consumidor e o processo que os consumidores vivenciam ao sofrer perdas permanecem pouco estudados.

Considerando a disrupção trazida pela COVID-19 e a necessidade de entender como os consumidores respondem a esse cenário (Belk, 2020Belk, R. W. (2020). Post-pandemic consumption: portal to a new world? Cadernos EBAPE.BR, 18(3), 639-647.; Campbell, Inman, Kirmani, & Price, 2020Campbell, M. C., Inman, J. J., Kirmani, A., & Price, L. L. (2020). In times of trouble: A framework for understanding consumers’ responses to threats. Journal of Consumer Research, 47(3), 311-326.; Walsh, 2020Walsh, F. (2020). Loss and resilience in the time of COVID-19: Meaning making, hope, and transcendence. Family Process, 59(3), 898-911.), bem como a necessidade de compreender as mudanças no comportamento do consumidor (Belk, 2020), este artigo se concentra no processo de luto do consumidor. Com base na suposição de Gentry et al. (1995Gentry, J., Kennedy, P., Paul, C., & Hill, R. (1995). Family transitions during grief: Discontinuities in household consumption patterns. Journal of Business Research, 34(1), 67-79., p. 68), que “você lamenta a perda de algo que faz de você quem você é”, e o fato de que as experiências de consumo são fonte de significados simbólicos, estimulando os prazeres sensoriais, o fluxo de sentimentos e respostas emocionais dos consumidores (Holbrook & Hirshman, 1982Hirshman, E. C., & Holbrook, M. B. (1982). The experimental aspects of consumption. The Journal of Consumer Research, 9(2), 132-140.), questionamos no presente trabalho: como os consumidores lidam com a perda de uma experiência?

Mais especificamente, investigamos o contexto das experiências extraordinárias, um tipo de experiência hedônica caracterizada pela intensidade, conteúdo emocional e poder transformacional (Arnould & Price, 1993Arnould, E. J., & Price, L. L. (1993). River magic: Extraordinary experience and the extended service encounter. Journal of Consumer Research, 20(1), 24-45.). Tais experiências promovem impactos na conexão dos consumidores com seus corpos (Scott, Cayla, & B. Cova 2017Scott, R., Cayla, J., & Cova, B. (2017). Selling pain to the saturated self. Journal of Consumer Research, 44(1), 22-43.), socialização (Celsi, Rose, & Leigh, 1993Celsi, R., Rose, R., & Leigh, T. (1993). An exploration of high-risk leisure consumption through skydiving. Journal of Consumer Research, 20(1), 1-23.), senso de produtividade (Keinan & Kivetz, 2011Keinan, A., & Kivetz, R. (2011). Productivity orientation and the consumption of collectable experiences. Journal of Consumer Research, 37(6), 935-950.) e identidades (B. Cova, 2020Cova, B. (2020). The new frontier of consumer experiences: escape through pain. AMS Review, 11, 60-69.). Experiências extraordinárias tornaram-se uma importante fonte de fuga para os consumidores, que encontram oportunidades para aliviar o estresse em tais atividades, romper o fardo da vida diária e construir um senso mais poderoso de si mesmo (B. Cova, 2020Cova, B. (2020). The new frontier of consumer experiences: escape through pain. AMS Review, 11, 60-69.; Scott et al., 2017Scott, R., Cayla, J., & Cova, B. (2017). Selling pain to the saturated self. Journal of Consumer Research, 44(1), 22-43.). Levando em conta a importância das experiências extraordinárias, é razoável dizer que a perda de tal experiência pode iniciar um processo de luto, sendo um caso adequado para o propósito deste artigo, que é conceituar o luto do consumidor e compreender os mecanismos criados por consumidores para lidar com a perda.

Para atender a esse objetivo, realizamos um estudo com maratonistas que estavam se preparando para correr uma maratona em 2020, e as repercussões do cancelamento obrigatório de maratonas devido à pandemia da COVID-19. Corredores comprometem-se com uma rotina de treino intensa e exigente para se prepararem para maratonas de 16 a 20 semanas (Rupprecht & Matkin, 2012Rupprecht, P. M., & Matkin, G. S. (2012). Finishing the race: Exploring the meaning of marathons for women who run multiple races. Journal of Leisure Research, 44(3), 308-331.). Eles formam um grupo homogêneo que compartilha hábitos, práticas, crenças e um sentimento de identificação com a prática, afetando a forma como esses indivíduos se percebem e criam uma identidade social (Robinson, Patterson, & Axelsen, 2014Robinson, R., Patterson, I., & Axelsen, M. (2014). The “loneliness of the long-distance runner” no more: Marathons and social worlds. Journal of Leisure Research, 46(4), 375-394.). Além disso, a maratona é capaz de conduzir os indivíduos a dimensões transcendentais, promovendo uma dissociação da realidade (Garcia & Marinho, 2010Garcia, R., & Marinho, T. (2010). A morte na maratona: celebração da vida. Cultura, Ciencia y Deporte, 5(15), 45-53.), em alinhamento com a ideia de fuga fomentada por experiências extraordinárias. O cancelamento das maratonas em todo o mundo interrompeu esse processo de preparação, socialização, as expectativas de auto renovação e os projetos identitários, servindo como um contexto promissor para investigar o luto pela perda das experiências.

LUTO NA PESQUISA DO CONSUMIDOR

O processo de luto tradicional foi elaborado por Kübler-Ross (1973)Kubler-Ross, E. (1973). On Death and Dying. London, UK: Routledge., que revelou cinco fases pelas quais as pessoas passam quando lidam com a possibilidade de morte ou perda de um ente querido. A negação é uma recusa em aceitar a situação; a raiva indica o desejo de lutar contra o destino indesejado; barganhar sugere uma negociação entre a esperança e a realidade; a depressão é a fase de tristeza, desesperança e frustração; e na aceitação os indivíduos reconhecem a perda e recriam uma nova realidade. Neimeyer (2001Neimeyer, R. A. (2001). Meaning reconstruction and the experience of loss. Washington, DC: American Psychological Association.) ampliou esse entendimento ao discutir que as perdas indesejadas pelas quais os indivíduos passam demandam a reconstrução do mundo do significado. Nesse sentido, o luto pode ser vivenciado em eventos de vida estressantes que promovem severo impacto no bem-estar psicológico dos indivíduos, exigindo-lhes o enfrentamento de uma nova realidade.

Na pesquisa do consumidor, Belk (1988Belk, R. W., Sherry J. F., Jr., & Wallendorf, M. (1988). A naturalistic inquiry into buyer and seller behavior at a swap meet. Journal of Consumer Research, 14(4), 449-470.) foi quem propôs que a perda de bens pode desencadear um trauma devido à diminuição do senso de si mesmo. Além disso, lança uma tentativa de auto-restauração, que pode ser comparada ao processo de luto (Gentry et al., 1995Gentry, J., Kennedy, P., Paul, C., & Hill, R. (1995). Family transitions during grief: Discontinuities in household consumption patterns. Journal of Business Research, 34(1), 67-79.; Hill, 1991Hill, R. (1991). Homeless women, special possessions, and the meaning of “home”: An ethnographic case study. Journal of consumer Research, 18(3), 298-310.).

Outras pesquisas sobre o luto do consumidor abrangeram três perspectivas principais. A primeira diz respeito às elaborações dos consumidores, abrangendo os sentimentos e respostas emocionais vivenciados após a perda, incluindo como os indivíduos organizam suas relações com a memória do falecido (Bonsu, 2007Bonsu, S. K. (2007). The presentation of dead selves in everyday life: Obituaries and impression management. Symbolic Interaction, 30(2), 199-219.; O’Donohoe & Turley, 2005O’Donohoe, S., & Turley, D. (2005). Till death us do part? Consumption and the negotiation of relationships following a bereavement. In G. Menon & A. R. Rao (Eds.), NA - Advances in Consumer Research (Vol. 32, pp. 625-626). Duluth, MN: Association for Consumer Research.) e o papel dos rituais fúnebres (Bonsu & Belk, 2003Bonsu, S. K., & Belk, R. W. (2003). Do not go cheaply into that good night: Death-ritual consumption in Asante, Ghana. Journal of Consumer Research, 30(1), 41-55.). A segunda perspectiva centra-se no descarte de bens materiais, em relação à forma como os consumidores lidam com os objetos deixados pelo falecido (Canning & Szmigin, 2010Canning, L., & Szmigin, I. (2010). Death and disposal: The universal, environmental dilemma. Journal of Marketing Management, 26 (11-12), 1129-1142.; Guillard, 2017Guillard, V. (2017). Understanding the process of the disposition of a loved one’s possessions using a theoretical framework of grief. Consumption Markets & Culture, 20(5), 477-496.; Kates, 2001Kates, S. (2001). Disposition of possessions among families of people living with AIDS. Psychology & Marketing, 18(4), 365-387.). A terceira perspectiva analisa as práticas de consumo durante o processo de luto, como as transições de padrões de consumo após a morte de um membro da família (Gentry et al., 1995Gentry, J., Kennedy, P., Paul, C., & Hill, R. (1995). Family transitions during grief: Discontinuities in household consumption patterns. Journal of Business Research, 34(1), 67-79.), o papel do consumo como ferramenta para os consumidores criarem uma nova narrativa para lidar com a perda (Turley & O’Donohoe, 2012O’Donohoe, S., & Turley, D. (2005). Till death us do part? Consumption and the negotiation of relationships following a bereavement. In G. Menon & A. R. Rao (Eds.), NA - Advances in Consumer Research (Vol. 32, pp. 625-626). Duluth, MN: Association for Consumer Research.), bem como as práticas em torno do consumo de serviços funerários (O’Donohoe & Turley, 2006O’Donohoe, S., & Turley, D. (2005). Till death us do part? Consumption and the negotiation of relationships following a bereavement. In G. Menon & A. R. Rao (Eds.), NA - Advances in Consumer Research (Vol. 32, pp. 625-626). Duluth, MN: Association for Consumer Research.).

Essas três perspectivas mostram como o consumo opera no contexto da perda de um amigo ou familiar. Apesar do interesse dos pesquisadores do consumidor pela perda de bens (Belk, 1990Belk, R. W. (1990). The role of possessions in constructing and maintaining a sense of past. Advances in Consumer Research, 17(1), 669-676.; Belk & Costa,1998), a literatura carece de uma compreensão do processo específico pelo qual os consumidores passam quando enfrentam a perda de experiências. Devido ao papel das experiências em ajudar os consumidores na construção dos seus projetos de identidade (Arnould & Thompson, 2005Arnould, E. J., & Thompson, C. J. (2005). Consumer culture theory (CCT): Twenty years of research. Journal of Consumer Research, 31(4), 868-882.; B. Cova, 2020Cova, B. (2020). The new frontier of consumer experiences: escape through pain. AMS Review, 11, 60-69.; Doson, 1996; Scott et al., 2017Scott, R., Cayla, J., & Cova, B. (2017). Selling pain to the saturated self. Journal of Consumer Research, 44(1), 22-43.) e o impacto de perder algo que nos dá uma sensação de self (Gentry et al., 1995Gentry, J., Kennedy, P., Paul, C., & Hill, R. (1995). Family transitions during grief: Discontinuities in household consumption patterns. Journal of Business Research, 34(1), 67-79.; Neimeyer, 2001Neimeyer, R. A. (2001). Meaning reconstruction and the experience of loss. Washington, DC: American Psychological Association.), entender a perda de uma experiência torna-se uma questão importante na pesquisa do consumidor. Adicionalmente, vislumbramos a contribuição de desvelar outras facetas do processo de luto do consumidor através da compreensão de perda de uma experiência. Este assunto torna-se ainda mais relevante no contexto da pandemia da COVID-19, quando os indivíduos tiveram que enfrentar não apenas a perda de familiares e amigos, mas também a perda em diferentes áreas da vida, como emprego, a normalidade, bem comos aspectos de suas identidades pessoais (Walsh, 2020Walsh, F. (2020). Loss and resilience in the time of COVID-19: Meaning making, hope, and transcendence. Family Process, 59(3), 898-911.).

Como pesquisadores do consumidor, somos chamados a esclarecer os fenômenos do consumo pós-pandemia (Belk, 2020Belk, R. W. (2020). Post-pandemic consumption: portal to a new world? Cadernos EBAPE.BR, 18(3), 639-647.) e das respostas adaptativas dos consumidores (Campbell et al., 2020Campbell, M. C., Inman, J. J., Kirmani, A., & Price, L. L. (2020). In times of trouble: A framework for understanding consumers’ responses to threats. Journal of Consumer Research, 47(3), 311-326.). Considerando a lacuna em relação ao luto do consumidor, investigamos a perda da experiência de consumo, mais especificamente o caso das experiências extraordinárias, um contexto altamente emocional que promove a socialização dos consumidores, criação de identidade e autoconstrução. Assim, é razoável dizer que a interrupção de uma experiência extraordinária desencadeia um processo de luto, sendo um caminho adequado para explorar o processo de luto vivenciado pelos consumidores.

EXPERIÊNCIAS EXTRAORDINÁRIAS

Desde a introdução da subjetividade do consumidor na pesquisa da experiência de consumo (Holbrook & Hirshman, 1982Hirshman, E. C., & Holbrook, M. B. (1982). The experimental aspects of consumption. The Journal of Consumer Research, 9(2), 132-140.), as experiências extraordinárias surgem como um tipo especial de experiência baseado em altos níveis de intensidade emocional e interação interpessoal em ambientes experienciais fora dos domínios da vida moderna (Abrahams, 1986Abrahams, R. D. (1986). Ordinary and Extraordinary Experience. In V. W. Turner, & E. M. Bruner (Eds.). The Anthropology of Experience (pp. 45-73). Champaign, IL: University of Illinois Press.). Mais do que uma quebra da rotina e uma fuga das obrigações diárias por meio de aventuras intensas (Arnould & Price, 1993Arnould, E. J., & Price, L. L. (1993). River magic: Extraordinary experience and the extended service encounter. Journal of Consumer Research, 20(1), 24-45.), essas experiências intensas e altamente emocionais ajudam os indivíduos a vivenciar novos significados e perspectivas, servindo ainda para reduzir a ansiedade e desenvolver um novo senso de si mesmo (Abrahams, 1986).

Segundo B. Cova (2020Cova, B. (2020). The new frontier of consumer experiences: escape through pain. AMS Review, 11, 60-69.), a base das experiências extraordinárias é o escapismo: as experiências extraordinárias estão ligadas ao estar longe, à desconexão e à distância do quotidiano. O desejo de fugir da vida contemporânea tem levado os consumidores a utilizarem as fantasias como rota de fuga ao estilo de vida urbano (Belk & Costa, 1998Belk, R. W., & Costa, J. A. (1998). The mountain man myth: A contemporary consuming fantasy. Journal of Consumer Research, 25(3), 218-240.); praticar esportes de alto risco (Celsi et al., 1993Celsi, R., Rose, R., & Leigh, T. (1993). An exploration of high-risk leisure consumption through skydiving. Journal of Consumer Research, 20(1), 1-23.; Tumbat & Belk, 2011Tumbat, G., & Belk, R. (2011). Marketplace tensions in extraordinary experiences. Journal of Consumer Research, 38(1), 42-61., 2013Tumbat, G., & Belk, R. (2013). Co-construction and performancescapes. Journal of Consumer Behaviour, 12(1), 49-59.) e enfrentar experiências dolorosas para se reconectar com seus corpos como meio de despertar de uma realidade alienada de si mesmo (Scott et al., 2017Scott, R., Cayla, J., & Cova, B. (2017). Selling pain to the saturated self. Journal of Consumer Research, 44(1), 22-43.). A literatura também mostra experiências extraordinárias como uma oportunidade para descobrir um novo ritmo de vida (Husemann & Eckhardt, 2019Husemann, K., & Eckhardt, G. (2019). Consumer deceleration. Journal of Consumer Research, 45(6), 1142-1163.) e encontrar uma conexão entre corpo e mente, como um caminho de despertar espiritual (V. Cova & B. Cova, 2019Belk, R. W. (1988). Possessions and the extended self. Journal of consumer research, 15(2), 139-168.). Recentemente, B. Cova (2020)Belk, R. W. (1990). The role of possessions in constructing and maintaining a sense of past. Advances in Consumer Research, 17(1), 669-676. apresentou o conceito de self-escape a partir do pressuposto de que as experiências extraordinárias vão além da fuga rotineira. Mais do que uma necessidade de estar longe, os consumidores buscam experiências que os possibilitem escapar de si mesmos e usar a dor física como conexão com sua corporalidade esquecida.

Para além do desejo de diversão e prazer ou das emoções de uma nova aventura, as experiências extraordinárias são um caminho para que os consumidores criem suas próprias narrativas sobre si mesmos, restaurem sua relação com seus corpos e construam um novo eu do qual extraiam diversão e prazer. No entanto, durante a pandemia da COVID-19, indivíduos de todo o mundo foram obrigados a ficar em casa, situação que exigiu adaptação do consumidor em vários aspectos de suas vidas, incluindo a cessação de todo envolvimento com experiências extraordinárias externas e, com isso, interrompendo diversos projetos pessoais dos consumidores. Devido ao conteúdo altamente emocional das experiências extraordinárias, sua interrupção pode se assemelhar à diminuição do self promovida pela perda de um bem (Belk, 1988Belk, R. W., Sherry J. F., Jr., & Wallendorf, M. (1988). A naturalistic inquiry into buyer and seller behavior at a swap meet. Journal of Consumer Research, 14(4), 449-470.), o que nos leva a explorar mais esse tipo de luto do consumidor.

MÉTODO

Esta pesquisa teve início em 2018 com o objetivo inicial de compreender os processos e dinâmicas envolvidos na jornada dos corredores para viver a extraordinária experiência de correr uma maratona. Na primeira fase deste projeto etnográfico, a autora principal mergulhou em uma subcultura de maratonistas no Brasil. De 2017 a 2020, ela desenvolveu um diário etnográfico abrangendo sua experiência em três maratonas, além de fotos e vídeos, e 33 entrevistas (média de 30 a 40 minutos), totalizando 192 páginas de transcrições. Essa fase se estendeu até o início da pandemia, em março de 2020, com o cancelamento das maratonas.

Na segunda fase, pela impossibilidade de treinar fora ou conhecer pessoalmente os maratonistas, implementamos uma estratégia netnográfica (Kozinets, 2015Kozinets, R. (2015). Netnography: Redefined. London, UK: Sage.), de março de 2020 a março de 2021. Acompanhamos os perfis pessoais no Instagram dos 33 corredores entrevistados na primeira fase, juntamente com várias outras contas da comunidade de corrida online, incluindo corredores, influenciadores digitais e treinadores de corrida. A netnografia também incluiu conversas no WhatsApp entre o autor principal e vários parceiros de corrida e um grupo de corrida. Além disso, monitoramos dois dos canais populares no YouTube (288 mil e 148 mil inscritos) no Brasil, assistindo a mais de 30 vídeos e analisando os comentários dos seguidores. Na segunda fase, coletamos mais de 100 screenshots com fotos e descrições sobre o efeito da pandemia em sua rotina de treinos e selecionamos 45 comentários do YouTube sobre o tema. Por fim, em março de 2021, com os novos protocolos de corrida fora do Brasil, foram realizadas entrevistas pessoalmente com dois maratonistas (média de 20 minutos), cujos perfis do Instagram foram rastreados durante a estratégia netnográfica. Esses participantes eram do sexo feminino (28 e 45 anos), que haviam corrido 5 e 2 maratonas antes da pandemia, com planos de maratona cancelados devido à pandemia.

Para a análise dos dados, seguimos um processo hermenêutico (Belk & Costa, 1998Belk, R. W., & Costa, J. A. (1998). The mountain man myth: A contemporary consuming fantasy. Journal of Consumer Research, 25(3), 218-240.; Kozinets, 2015Kozinets, R. (2015). Netnography: Redefined. London, UK: Sage.) com múltiplas leituras, análises e comparações. O foco da análise foram os dados da segunda fase da pesquisa (dados netnográficos e duas entrevistas). Os dados da primeira fase foram um conteúdo útil para nos ajudar a entender as mudanças vividas pelos consumidores diante da perda da experiência. Primeiramente, organizamos as fotos das capturas de tela, as narrativas online dos consumidores, as citações transcritas dos vídeos do YouTube, os comentários dos consumidores no YouTube e as anotações do diário de pesquisa em uma linha cronológica. Em seguida, utilizamos o processo de codificação proposto por Saldaña (2015Saldaña, J. (2015). The coding manual for qualitative researchers. Newcastle, UK: Sage.), que se inicia com a codificação dos dados.

O material visual (fotos e vídeos) foi codificado considerando seus elementos (local do treinamento, equipamentos, marcas), interações (se os indivíduos corriam sozinhos, acompanhados ou supervisionados por treinadores) e sentimentos identificados, considerando o contexto da pesquisa. Para este tipo de dados, seguimos as recomendações de Schembri e Boyle (2013Schembri, S., & Boyle, M. V. (2013). Visual ethnography: Achieving rigorous and authentic interpretations. Journal of Business Research, 66(9), 1251-1254.), que defendem que o material visual pode contribuir para a análise de experiências sociais e culturais que constroem fenômenos de consumo. Para os autores, o que permite a análise de materiais visuais é o processo de imersão do pesquisador em seu campo.

Por fim, os códigos foram agrupados em categorias, que possibilitaram delinear as diferentes etapas do processo de luto do consumidor.

RESULTADOS

Os consumidores lidam com a perda da experiência por meio de um processo composto por cinco mecanismos independentes mediados pelas mídias sociais. Esse processo possibilita ao consumidor reverter, reformular e restabelecer a experiência por meio da socialização com a comunidade online. Com semelhanças com as fases do modelo de luto tradicional (Kübler-Ross, 1973Kubler-Ross, E. (1973). On Death and Dying. London, UK: Routledge.), os mecanismos de refutação, desespero, abstenção-compensação, transgressão e aceitação mostram como os consumidores se comportam de forma diferente em momentos distintos de luto, o que lhes permite construir suas trajetórias no processo de luto, individual e coletivamente.

Refutação. Compartilhando características com a negação e a fase de barganha do modelo tradicional de luto (Kübler-Ross, 1973Kubler-Ross, E. (1973). On Death and Dying. London, UK: Routledge.), o mecanismo de refutação indica a forma como os consumidores negociam com a realidade que envolve o contexto pandêmico e o cancelamento das corridas, com forte desconfiança sobre a situação e uma tentativa de minimizar notícias e reportagens científicas sobre a COVID-19. Ilustramos essa situação com um comentário de um vídeo do YouTube sobre correr seguro durante a pandemia:

“Tento analisar os números friamente. 80% dos municípios brasileiros não têm sequer um caso confirmado da doença. Outros têm algumas dezenas. O estudo leva em consideração que você estará rodando em um local COM pessoas próximas, o que a grande maioria das pessoas (eu me incluo) não está fazendo. Aposto que é mais fácil você morrer atropelado na rua do que ficar doente. O comércio de rua da minha cidade já foi liberado. Milhares de outros profissionais nem pararam desde o início. Além das escolas e outros setores, a vida segue normalmente. Nem vou dar crédito à grande maioria das pessoas, mesmo que apresentem sintomas se ficarem doentes. Não há razão para questionar sua corrida solo na rua. Minha opinião” (abril de 2020).

A indefinição no âmbito institucional sobre o que pode e o que não pode ser feito e as constantes mudanças nas proibições no Brasil validam esse mecanismo, deixando nas mãos a decisão de ficar em casa ou manter suas rotinas. Quando o presidente do Brasil questiona as diretrizes científicas, desencoraja o lockdown e o distanciamento social e discorda da posição do Ministro da Saúde sobre a pandemia (Ortega & Orsini, 2020Ortega, F., & Orsini, M. (2020). Governing COVID-19 without government in Brazil: Ignorance, neoliberal authoritarianism, and the collapse of public health leadership. Global public health, 15(9), 1257-1277.), os consumidores ficam desorientados no processo de fazer suas escolhas. Na ausência de acordo de saúde pública, as decisões sobre as práticas de consumo recaem sobre os consumidores. Assim, para evitar mudanças nas práticas de suas atividades de consumo, que poderiam deixá-los viver os sentimentos desconfortáveis ​​trazidos pelo reconhecimento da perda (Gentry et al., 1995Gentry, J., Kennedy, P., Paul, C., & Hill, R. (1995). Family transitions during grief: Discontinuities in household consumption patterns. Journal of Business Research, 34(1), 67-79.), os consumidores encontram formas alternativas de continuar correndo durante a pandemia.

Esse comportamento é reforçado pela lógica de produtividade e eficiência que orienta o consumo experiencial (Keinan & Kivetz, 2011Keinan, A., & Kivetz, R. (2011). Productivity orientation and the consumption of collectable experiences. Journal of Consumer Research, 37(6), 935-950.) e a ideologia da performance em torno de experiências extraordinárias (Scott et al., 2017Scott, R., Cayla, J., & Cova, B. (2017). Selling pain to the saturated self. Journal of Consumer Research, 44(1), 22-43.; Tumbat & Belk, 2011Tumbat, G., & Belk, R. (2011). Marketplace tensions in extraordinary experiences. Journal of Consumer Research, 38(1), 42-61., 2013). A refutação também é motivada pelas notícias sobre como os atletas compartilham um sistema imunológico saudável (Yousfi, Bragazzi, Briki, Zmijewski, & Chamari, 2020Yousfi, N., Bragazzi, N., Briki, W., Zmijewski, P., & Chamari, K. (2020). The COVID-19 pandemic: how to maintain a healthy immune system during the lockdown - a multidisciplinary approach with special focus on athletes. Biology of Sport, 37(3), 211-216.), o que poderia protegê-los do contágio. Nessa perspectiva, a corrida é entendida como um recurso de prevenção, pois manter a rotina de exercícios pode ser um impulsionador da imunidade. Esse discurso encontra ressonância na necessidade dos consumidores de escrever suas próprias narrativas heróicas a partir de experiências extraordinárias (Scott et al., 2017). Na impossibilidade de correr a maratona, os corredores se recusam a aceitar a realidade, construindo também sua identidade heróica a partir do mecanismo de refutação. Vários corredores decidem continuar correndo ao ar livre, compartilhando nas redes sociais o que estão fazendo para trocar informações sobre as possibilidades de correr durante o confinamento. Mais do que um ambiente online para construir suas narrativas (Scott et al., 2017), as mídias sociais se tornaram o local onde os corredores podiam se encontrar, substituindo a socialização prévia ao ar livre pela interação online por meio do compartilhamento de suas experiências de corrida durante a pandemia. No Instagram começam a aparecer muitos posts sobre corrida com máscaras, por exemplo:

“Ao ar livre, sempre de máscara. Para correr, não posso. Por isso corro perto de casa, em circuitos de 200/400 metros. Posso aumentar para 1000 metros com colinas. Eu abaixo a máscara e se passar por alguém, cubro a boca e o nariz. E sigo assim, saindo para correr e só para o essencial”.

Além da recusa em usar a máscara adequadamente, este post demonstra que os consumidores veem a corrida como uma atividade essencial. Assim, podemos comparar a perda da experiência de perder uma parte importante de seu self estendido (Belk, 1988Belk, R. W., Sherry J. F., Jr., & Wallendorf, M. (1988). A naturalistic inquiry into buyer and seller behavior at a swap meet. Journal of Consumer Research, 14(4), 449-470.), o que potencializa a recusa dos consumidores em parar de correr. Assim, a recusa em parar de treinar é uma forma de “fazer algo para não me perder”, um mecanismo de defesa e proteção contra sentimentos negativos. Ao contrário do processo de luto tradicional (Kübler-Ross, 1973Kubler-Ross, E. (1973). On Death and Dying. London, UK: Routledge.), em que a perda de um ente querido é inevitável, a perda da experiência inicia uma negociação com a perda, uma tentativa de ressignificação, desafiando a realidade imposta. Além disso, a tentativa de reverter a perda da experiência correndo em tempos e lugares alternativos assemelha-se às transições de práticas de consumo que os consumidores vivem após a morte de um familiar (Gentry et al., 1995Gentry, J., Kennedy, P., Paul, C., & Hill, R. (1995). Family transitions during grief: Discontinuities in household consumption patterns. Journal of Business Research, 34(1), 67-79.). Reafirma a decisão dos consumidores de deixar a dor para trás e focar no comportamento de refutação.

Desespero. O mecanismo do desespero diz respeito ao apego dos consumidores a sentimentos como tristeza e desesperança durante a perda da experiência. Semelhante à fase de depressão do modelo de luto tradicional, quando os indivíduos começam a perceber a certeza da perda (Kübler-Ross, 1973Kubler-Ross, E. (1973). On Death and Dying. London, UK: Routledge.), os consumidores transformam sua frustração com o cancelamento das corridas e a interrupção dos treinos em tristeza, iniciando uma baixa NO estado de humor. Os comentários típicos no YouTube foram:

“Minha primeira reação foi ficar muito triste, chorei, fiquei chateado, fiquei pensando, bem, me preparei para essa corrida por quase seis meses, então vivi tudo por quase seis meses, vivi o sonho, visualizei. Imaginei como ia ser, e agora a corrida foi cancelada. Fiquei triste, chorei, cheguei em casa e parecia que estava vivendo em um filme, parecia que não estava acontecendo comigo”.

A perda da experiência não se trata apenas de um evento cancelado, mas da preparação, tempo e esforço despendidos no processo de construção da performance (Scott et al., 2017Scott, R., Cayla, J., & Cova, B. (2017). Selling pain to the saturated self. Journal of Consumer Research, 44(1), 22-43.; Tumbat & Belk, 2013Tumbat, G., & Belk, R. (2013). Co-construction and performancescapes. Journal of Consumer Behaviour, 12(1), 49-59.) que é interrompido, e os consumidores sofrem um instante mudança em seu mundo (Fuchs, 2017). Como revelam as linhas anteriores, os consumidores sentem a perda de tempo, esforço, expectativas, sonhos e possibilidades. Isso significa desapegar-se não apenas dos aspectos tangíveis, mas também da subjetividade envolvida nas experiências extraordinárias. A pesquisa mostrou que experiências extraordinárias ajudam os consumidores a se conectarem com uma versão melhor de si mesmos (Arnould & Price, 1993Arnould, E. J., & Price, L. L. (1993). River magic: Extraordinary experience and the extended service encounter. Journal of Consumer Research, 20(1), 24-45.). No caso dos maratonistas, tais sentimentos estão ligados à chance de renascimento e à entrada em uma condição humana superior (Garcia & Marinho, 2010Garcia, R., & Marinho, T. (2010). A morte na maratona: celebração da vida. Cultura, Ciencia y Deporte, 5(15), 45-53.). Assim, as experiências extraordinárias tornam-se parte do self estendido do consumidor (Belk, 1988), iniciando um processo de luto quando a experiência é perdida. Isso está relacionado à diminuição do autoconceito no caso de perda de objetos materiais, em uma transição restaurativa que compartilha semelhanças com o luto (Hill, 1991Hill, R. (1991). Homeless women, special possessions, and the meaning of “home”: An ethnographic case study. Journal of consumer Research, 18(3), 298-310.).

A literatura sobre o luto reconhece que a perda promove uma transformação do sujeito sentida principalmente no corpo, incluindo alterações de humor, perda ou excesso de apetite e distúrbios do sono (Fuchs, 2018Fuchs, T. (2018). Presence in absence. The ambiguous phenomenology of grief. Phenomenology and the Cognitive Sciences, 17(1), 43-63.). Alguns participantes pararam de se exercitar ou mudaram os comportamentos alimentares, usando a comida para compensar o vazio deixado pela perda da experiência. Eles também lidaram com ansiedade e sentimentos como tristeza e desesperança, semelhantes à fase de depressão do processo de luto tradicional (Kübler-Ross, 1973Kubler-Ross, E. (1973). On Death and Dying. London, UK: Routledge.). Alguns entrevistados relataram aversão às atividades e lamentam o que poderia ter sido se a perda não tivesse acontecido. A citação a seguir ilustra essa situação:

Comecei a correr para emagrecer e depois que emagreci, me apaixonei muito pela corrida e se tornou minha terapia, minha fuga, minha liberdade, meu lazer, meu momento de levar minha alma para passear, meu momento. E parar de correr era isso. Ganhei peso, reduzi muito meu condicionamento, estava fazendo uma maratona sem problemas, sofri, claro, mas fiz tranquilamente, e hoje uma prova de 10 km não sei se me inscrevo. Regredi muito no meu condicionamento físico e ganhei peso, porque até então a corrida estava me mantendo magra. Meu corpo mudou. Aumentei meu peso, mudei minhas medidas, mudei minha força, mudei minha respiração, mudei tudo, cheguei ao desespero” (Líly, 45 anos, entrevista em janeiro de 2021).

A fala de Lily evidencia como o cancelamento da maratona impactou diferentes aspectos de sua vida, incluindo um caminho de fuga (B. Cova, 2020Cova, B. (2020). The new frontier of consumer experiences: escape through pain. AMS Review, 11, 60-69.) e uma conexão com a corporalidade (Scott et al., 2017Scott, R., Cayla, J., & Cova, B. (2017). Selling pain to the saturated self. Journal of Consumer Research, 44(1), 22-43.). Além disso, os projetos de identidade dos consumidores (Belk, 1988Belk, R. W., Sherry J. F., Jr., & Wallendorf, M. (1988). A naturalistic inquiry into buyer and seller behavior at a swap meet. Journal of Consumer Research, 14(4), 449-470.) são transformados quando perdem a maratona, o que serve como um caminho para uma vida melhor para impulsionar mudanças positivas. O treinamento para as maratonas desperta um eu produtivo e eficiente (Keinan & Kivetz, 2011Keinan, A., & Kivetz, R. (2011). Productivity orientation and the consumption of collectable experiences. Journal of Consumer Research, 37(6), 935-950.), replicado em outras esferas da vida, e se torna um elemento fundamental para a autovalorização e o autocuidado. Quando a experiência é interrompida, a manutenção desse eu é colocada em risco. Assim como os indivíduos devem lidar com os bens materiais deixados por um falecido (Canning & Szmigin, 2010Canning, L., & Szmigin, I. (2010). Death and disposal: The universal, environmental dilemma. Journal of Marketing Management, 26 (11-12), 1129-1142.; Guillard, 2017Guillard, V. (2017). Understanding the process of the disposition of a loved one’s possessions using a theoretical framework of grief. Consumption Markets & Culture, 20(5), 477-496.; Kates, 2001Kates, S. (2001). Disposition of possessions among families of people living with AIDS. Psychology & Marketing, 18(4), 365-387.), os consumidores que vivem a perda de uma experiência devem enfrentar o desafio de lidar com a perspectiva aterrorizante de perder seus corpos, esperanças, sonhos e identidades junto com a experiência.

Como explica Fuchs (2018Fuchs, T. (2018). Presence in absence. The ambiguous phenomenology of grief. Phenomenology and the Cognitive Sciences, 17(1), 43-63.), a depressão causada pelo luto promove um sentimento de ambiguidade que conecta presença e ausência, presente e passado, o velho e o novo mundo. No caso dos consumidores, vemos o surgimento de práticas nostálgicas como forma de manter o senso de identidade dos consumidores (Belk, 1990Belk, R. W. (1990). The role of possessions in constructing and maintaining a sense of past. Advances in Consumer Research, 17(1), 669-676.). Esse retorno ao passado é visto em muitos posts nas redes sociais que descrevem as experiências anteriores dos corredores. Em junho de 2020, a primeira autora publicou o seguinte post em sua conta pessoal do Instagram, estimulando uma discussão com mais de 30 comentários sobre “como sinto a minha falta”:

“Vou usar a vibe nostálgica no dia do #TBT e falar da minha grande saudade nesses tempos estranhos: eu! Louca que estou, em pleno isolamento social, estou com saudades. Foi um bate-papo com minha psicóloga nas últimas duas semanas que me levou a essa saudade, a esse lugar onde me encontro, me reconectar e recarregar. E esse momento acontece na rua, no vento, no sol. É na corrida que tudo isso acontece. Você sabe muito bem que eu gosto de metas e planos. Mas é mais do que isso. Eu preciso deles. Tenho tendência a não apreciar nada que seja fácil, por isso adoro os sentimentos que uma coisa complexa e desafiadora me traz. Eu gosto muito dessa mulher! O eu de hoje é um pouco preguiçoso demais, condescendente demais. Ao mesmo tempo em que todas as vozes conscientes me dizem para ter calma, essa busca por menos é difícil de engolir aqui. Eu tenho uma queda por danos. Assim, enquanto aglomerações não são permitidas e os abraços suados após a prova ficam apenas na memória, continuo revivendo meus álbuns virtuais e fazendo planos - e só eles já me levam para um lugar mais gostoso!”.

Mais do que representar como os consumidores mudam sua relação com suas memórias (Bonsu, 2007Bonsu, S. K. (2007). The presentation of dead selves in everyday life: Obituaries and impression management. Symbolic Interaction, 30(2), 199-219.; O’Donohoe & Turley, 2005O’Donohoe, S., & Turley, D. (2005). Till death us do part? Consumption and the negotiation of relationships following a bereavement. In G. Menon & A. R. Rao (Eds.), NA - Advances in Consumer Research (Vol. 32, pp. 625-626). Duluth, MN: Association for Consumer Research.), essa citação demonstra o apego dos consumidores à ideologia da produtividade que permeia a sociedade contemporânea, mesmo nas atividades de lazer (Keinan & Kivetz, 2011Keinan, A., & Kivetz, R. (2011). Productivity orientation and the consumption of collectable experiences. Journal of Consumer Research, 37(6), 935-950.). Há tristeza em desacelerar (Husemann & Eckhardt, 2019Husemann, K., & Eckhardt, G. (2019). Consumer deceleration. Journal of Consumer Research, 45(6), 1142-1163.). A desaceleração é um motor de sentimentos ruins e do encontro com um eu que os consumidores não apreciam. A interrupção da experiência priva os consumidores de alcançar o seu melhor eu, uma perda que nostalgicamente faz falta. Além da desconexão do eu produtivo, a citação anterior indica a impossibilidade de escapar da rotina. As experiências extraordinárias são conhecidas por sua natureza escapista, com o poder de desvincular os consumidores da vida cotidiana (Arnould & Price, 1993Arnould, E. J., & Price, L. L. (1993). River magic: Extraordinary experience and the extended service encounter. Journal of Consumer Research, 20(1), 24-45.; Belk & Costa, 1998Belk, R. W., & Costa, J. A. (1998). The mountain man myth: A contemporary consuming fantasy. Journal of Consumer Research, 25(3), 218-240.; Scott et al., 2017Scott, R., Cayla, J., & Cova, B. (2017). Selling pain to the saturated self. Journal of Consumer Research, 44(1), 22-43.; Tumbat & Belk, 2011Tumbat, G., & Belk, R. (2011). Marketplace tensions in extraordinary experiences. Journal of Consumer Research, 38(1), 42-61., 2013). No entanto, durante a pandemia, os consumidores devem ficar em casa e enfrentar a rotina sem possibilidade de fuga, potencializando sentimentos negativos e uma celebração sentimental do passado.

Antes da pandemia, a mídia social era um lugar usado pelos consumidores para mostrar aos outros suas conquistas, juntamente com fotos e descrições de seus desafios superados (Scott et al., 2017Scott, R., Cayla, J., & Cova, B. (2017). Selling pain to the saturated self. Journal of Consumer Research, 44(1), 22-43.). Agora, de um lugar de celebração, a mídia social se torna um lugar nostálgico para conectar os consumidores através da dor de perder a experiência. Nesse sentido, a comunidade online de corrida funciona como um grupo de aconselhamento, onde os consumidores encontram conforto nos textos compartilhados por outros corredores que vivem a mesma situação, em um luto coletivo. Assim como os consumidores precisam do grupo para viver a experiência extraordinária (Arnould & Price, 1993Arnould, E. J., & Price, L. L. (1993). River magic: Extraordinary experience and the extended service encounter. Journal of Consumer Research, 20(1), 24-45.; Tumbat & Belk, 2011Tumbat, G., & Belk, R. (2011). Marketplace tensions in extraordinary experiences. Journal of Consumer Research, 38(1), 42-61., 2013), os consumidores precisam que o grupo passe pelo processo de luto e se cure da perda da experiência.

Abstenção-compensação. O mecanismo de abstenção-compensação decorre dos consumidores que interromperam sua prática de corrida. É uma resposta física do corpo à interrupção da experiência, potencializada pelas sensações subjetivas de isolamento. Como o escapismo é a essência de experiências extraordinárias (B. Cova, 2020Cova, B. (2020). The new frontier of consumer experiences: escape through pain. AMS Review, 11, 60-69.), e altos volumes de treinamento de corrida podem desencadear o vício em exercícios (Ertl et al., 2017), a interrupção não voluntária de experiências extraordinárias levou os consumidores a se sentirem irritados, estressados e frustrados por terem suas ações restringidas. Um trecho das notas de campo do primeiro autor durante a pandemia ilustra esses sentimentos:

“Estou sentindo falta dessa pressa, dessa sensação de esquecer completamente a realidade e me transportar para um lugar de puro êxtase. Eu nunca usei drogas antes, mas sempre brinquei que a sensação de correr deveria ser a mais próxima que eu experimentei de ficar chapado. Agora, não há mais. Isso ficou mais claro agora, trancado em casa, pois pareço estar em crise de abstinência: mal-humorada, irritada e com a sensação constante de que algo está faltando”.

Em nossas entrevistas anteriores à pandemia, as pessoas usavam constantemente a expressão “vício” para revelar o poder da corrida na promoção da fuga, com um momento de pico no dia da maratona. Experiências extraordinárias são fenômenos biossociais, uma vez que as sensações físicas que emergem de tais atividades são potencializadas quando compartilhadas com outras pessoas, o que confere um caráter de dependência a tais experiências (Goulding, Shankar, Elliott, & Canniford, 2009Goulding, C., Shankar, A., Elliott, R., & Canniford, R. (2009). The marketplace management of illicit pleasure. Journal of Consumer Research, 35(5), 759-771.). Ao cessar esses momentos, a falta de sensações fisiológicas aliada ao distanciamento social promovem um estado de ausência, marcado por “estresse muito alto, que levou a mau humor, ansiedade, cansaço, ganho de peso” (Mary, 28 anos, entrevista em janeiro de 2021).

Para aliviar os sintomas de abstenção, os consumidores recorrem a um mecanismo de compensação, ressignificando as práticas de modo a restabelecer rotinas corporais e preencher o vazio deixado pela perda. Alguns participantes começam com adaptação à rotina (Phipps & Ozzane, 2017Phipps, M., & Ozanne, J. (2017). Routines disrupted: Reestablishing security through practice alignment. Journal of Consumer Research, 44(2), 361-380.), fazendo exercícios em casa ou participando de planos nutricionais para controlar o ganho de peso durante a pandemia. Alguns improvisaram com o que têm em casa, usando garrafas e caixas para musculação e corridas estáticas dentro de casa. À medida que a pandemia continua, alguns recorrem ao mercado para comprar esteiras de corrida, bicicletas ergométricas e equipamentos de musculação, estimulando um mercado em torno do exercício dentro de casa. A adaptação de rotina inclui a prática de trocar de equipamento com outros corredores de tempos em tempos. Como muitas academias estavam fechadas devido à pandemia, estas também começaram a alugar seus equipamentos. Essas atividades ajudaram os maratonistas a aliviar as sensações corporais e os estados mentais derivados da abstenção. Habilitar rotinas de exercícios também reforça a identidade dos corredores. Uma influenciadora digital postou sua rotina de exercícios em casa, afirmando: “fazendo meu 1% para recuperar minha essência de maratonista”.

A adaptação à rotina, no entanto, não consegue resgatar diferentes tipos de benefícios emocionais e simbólicos proporcionados pelas experiências perdidas. Os consumidores continuam a lamentar a intensidade e o conteúdo emocional (Arnould & Price, 1993Arnould, E. J., & Price, L. L. (1993). River magic: Extraordinary experience and the extended service encounter. Journal of Consumer Research, 20(1), 24-45.) que as experiências extraordinárias possibilitam, como a elaboração de uma versão melhor de si mesmos (Scott et al., 2017Scott, R., Cayla, J., & Cova, B. (2017). Selling pain to the saturated self. Journal of Consumer Research, 44(1), 22-43.) e a amplificação que o compartilhamento de experiências evoca (Goulding et al., 2009Goulding, C., Shankar, A., Elliott, R., & Canniford, R. (2009). The marketplace management of illicit pleasure. Journal of Consumer Research, 35(5), 759-771.). A interrupção de experiências extraordinárias promove um sofrimento mais profundo, considerando os efeitos no corpo, as dimensões sociais e de fuga. Nesse sentido, a adaptação da rotina tem impacto limitado sobre os consumidores e não atende inteiramente aos benefícios que a experiência original costumava proporcionar.

Isso pode ser explicado pelo fato de que as práticas não são apenas sobre fazer algo, mas a ocasião e o contexto em que a prática acontece (Schatzki, 1996Schatzki, T. (1996). Social practices: A Wittgensteinian approach to human activity and the social. Cambridge, UK: Cambridge University Press.). No caso dos maratonistas, o desafio de atingir a meta, o momento de pico no dia da prova e a socialização relacionada. Igualmente importante, a insatisfação com a rotina impulsiona esse tipo de experiência de consumo (Husemann & Eckhardt, 2019Husemann, K., & Eckhardt, G. (2019). Consumer deceleration. Journal of Consumer Research, 45(6), 1142-1163.; Scott et al., 2017Scott, R., Cayla, J., & Cova, B. (2017). Selling pain to the saturated self. Journal of Consumer Research, 44(1), 22-43.). Isso cria um paradoxo, pois os consumidores buscam o extraordinário em suas vidas rotineiras; no entanto, uma mudança de perspectiva, apesar dos esforços dos consumidores, é insuficiente.

Transgressão. No contexto da maratona, a busca pela performance (Tumbat & Belk, 2011Tumbat, G., & Belk, R. (2011). Marketplace tensions in extraordinary experiences. Journal of Consumer Research, 38(1), 42-61., 2013), o senso de produtividade/eficiência (Keinan & Kivetz, 2011Keinan, A., & Kivetz, R. (2011). Productivity orientation and the consumption of collectable experiences. Journal of Consumer Research, 37(6), 935-950.) e as narrativas heroicas geralmente associadas a experiências extraordinárias (Scott et al., 2017Scott, R., Cayla, J., & Cova, B. (2017). Selling pain to the saturated self. Journal of Consumer Research, 44(1), 22-43.) servem como combustível para uma atitude inconformista e empreendedora para enfrentar as limitações impostas pela COVID-19. Como sugere nossa análise, o mecanismo de transgressão estimula os consumidores e o mercado a criarem novas configurações que possibilitem a criação de uma experiência quase extraordinária, apesar das recomendações das autoridades sanitárias durante a pandemia. Tais recomendações incluiam ficar em casa o máximo de tempo possível, respeitando o isolamento e o distanciamento social, evitando aglomerações de todos os tipos.

Consumidores e empresas se tornam aliados no desenvolvimento de novos produtos, que vão de máscaras sofisticadas a maratonas virtuais. Eles também demonstram como o consumo funciona como uma ferramenta para os consumidores criarem uma nova narrativa de lidar com a perda (O’Donohoe & Turley, 2005O’Donohoe, S., & Turley, D. (2005). Till death us do part? Consumption and the negotiation of relationships following a bereavement. In G. Menon & A. R. Rao (Eds.), NA - Advances in Consumer Research (Vol. 32, pp. 625-626). Duluth, MN: Association for Consumer Research.; Turley & O’Donohoe, 2012). Promovida por um organizador de eventos esportivos, uma maratona virtual, por exemplo, reproduziu parte da experiência da maratona. O evento exigia que os corredores pagassem para se inscrever e, em seguida, recebessem um kit para a corrida e corressem onde quisessem, na estrada ou na esteira. Cada corridor, então, enviava os resultados. Depois de comparar as pontuações, os organizadores anunciaram os vencedores do pódio e distribuíram medalhas virtuais. O comentário a seguir, postado em um vídeo do YouTube, evidencia alianças entre empresas e consumidores para manter viva a comunidade de corrida:

“As corridas virtuais também são uma forma de manter viva a chama da competitividade. Mesmo correndo no local onde se treina, o espírito de competição e a vontade de passar um bom tempo para se inscrever na corrida faz um pouco de diferença, além de ajudar os empresários da área. Claro que não se compara com a corrida tradicional, mas nesses tempos qualquer alternativa é válida”.

As corridas virtuais combinam uma prática individual e uma atividade coletiva por meio da tecnologia, abordando parcialmente a interação social promovida por experiências extraordinárias (Arnould & Price, 1993Arnould, E. J., & Price, L. L. (1993). River magic: Extraordinary experience and the extended service encounter. Journal of Consumer Research, 20(1), 24-45.). Também evoca o foco em objetivos que carregam emocionalmente o corpo e os sentimentos de competitividade.

No entanto, a experiência virtual não substitui inteiramente o contexto da experiência original, reforçando a necessidade de socialização para atingir os momentos de pico. Os dados netnográficos reuniram várias fotos de consumidores realizando corridas virtuais juntos. Reproduzindo a vida normal antes da COVID-19, eles compartilham sua preparação para a corrida e sua comemoração após as corridas, nas redes sociais em jantares registrados no Instagram. Da mesma forma, observamos a organização de maratonas independentes, sem os eventos de marca, em que os consumidores se reúnem para reproduzir, de forma autônoma, o contexto de uma experiência extraordinária. A postagem a seguir é do perfil do Instagram de uma consultoria esportiva que organizou uma maratona interna para seus corredores:

“No último domingo o litoral continental foi cenário da XXXX Maratona 2020. O dia ensolarado animou mais de 80 participantes nas modalidades de 21 e 42km durante o evento com estrutura e segurança completa. Parabéns a todos os guerreiros vermelhos, vocês são vencedores desde o início”.

Entendemos que a transgressão presente na reprodução dos elementos de uma experiência extraordinária (escapismo, interação social, dimensão corporal, autorrenovação e possibilidade de transformação) é uma tentativa de cura de uma perda coletiva, um luto coletivo que deve ser enfrentado em grupo, com aqueles que entendem as dimensões da perda que viveram. Assim como os enlutados buscam recursos de cura, como aconselhamento e terapia em grupo (Neimeyer, Klass, & Dennis, 2014Neimeyer, R. A., Klass, D., & Dennis, M. (2014). A social constructionist account of grief: Loss and the narration of meaning. Death studies, 38(8), 485-498.), a perda da experiência leva os consumidores a buscarem na comunidade um caminho restaurador. Nesse sentido, o ethos da comunidade e seus valores ajudaram os consumidores a passar pela perda da experiência. Portanto, mais do que um ajuste de prática (Phipps & Ozzane, 2017Phipps, M., & Ozanne, J. (2017). Routines disrupted: Reestablishing security through practice alignment. Journal of Consumer Research, 44(2), 361-380.), o mecanismo de transgressão revela uma resistência coletiva em aceitar a perda e o luto. A faceta inconformista e empreendedora relacionada, porém, não isenta de sofrimento seus seguidores.

Aceitação. O mecanismo de aceitação mostra a percepção dos consumidores sobre a necessidade de mudar as práticas (Phipps & Ozzane, 2017Phipps, M., & Ozanne, J. (2017). Routines disrupted: Reestablishing security through practice alignment. Journal of Consumer Research, 44(2), 361-380.) para ajustar seus sentimentos sobre o self estendido (Belk, 1988Belk, R. W., Sherry J. F., Jr., & Wallendorf, M. (1988). A naturalistic inquiry into buyer and seller behavior at a swap meet. Journal of Consumer Research, 14(4), 449-470.) e aceitar a realidade (Belk, 2020; Walsh, 2020Walsh, F. (2020). Loss and resilience in the time of COVID-19: Meaning making, hope, and transcendence. Family Process, 59(3), 898-911.). É quando os consumidores abrem mão das expectativas e ilusões de viver uma experiência extraordinária durante a pandemia, compartilhando semelhanças com a fase de aceitação do processo de luto tradicional, quando os indivíduos entendem a perda e reorganizam sua emoção para iniciar uma nova fase da vida (Kübler-Ross, 1973Kubler-Ross, E. (1973). On Death and Dying. London, UK: Routledge.). O comentário a seguir foi postado em um vídeo do YouTube sobre as lições aprendidas em 2020, ilustrando a fase final do luto do consumidor.

“Confesso que passei por algumas fases de humor; desespero, raiva e, finalmente, aceitação. Postei coisas que não devia, ofendi sem querer ofender, talvez até tenha perdido um amigo da vida real/virtual e peço desculpas pelos momentos em que agi por raiva e incompreensão. Fora isso, estou treinando o máximo possível em casa, me cuidando física/mentalmente e tentando me ocupar de forma produtiva. Não estou fazendo planos agora, porque não faz sentido; ainda é muito cedo. Estou acompanhando os eventos que estão sendo remarcados e vendo o que será possível ou não. Ou seja, vivendo um dia de cada vez, tentando manter o otimismo e a chama da esperança acesa”.

Essa fala revela o engajamento dos consumidores com uma nova forma de viver após a perda. A aceitação não significa o fim do sofrimento, mas uma acomodação da dor emocional e a criação de estratégias para lidar com a perda da experiência - alguns decidem manter a prática individual de corrida, alguns combinam a prática individual com eventual prática em grupo, alguns desistem se exercitam e se concentram em outras atividades, alguns se engajam em outras práticas. Mais do que mudar as práticas, observamos uma profunda compreensão das lições aprendidas e a adaptação do corpo e dos estados mentais.

O mecanismo de aceitação engloba uma conciliação com a rotina. Experiências extraordinárias representam o desejo dos consumidores de fugir do cotidiano (Arnould & Price, 1993Arnould, E. J., & Price, L. L. (1993). River magic: Extraordinary experience and the extended service encounter. Journal of Consumer Research, 20(1), 24-45.; B. Cova, 2020Cova, B. (2020). The new frontier of consumer experiences: escape through pain. AMS Review, 11, 60-69.; Scott et al., 2017Scott, R., Cayla, J., & Cova, B. (2017). Selling pain to the saturated self. Journal of Consumer Research, 44(1), 22-43.), porém, durante a pandemia, os indivíduos foram solicitados a ficar em casa, enfrentando a rotina que experimentam escapar ao se envolver em experiências extraordinárias. A necessidade de auto-escape (B. Cova, 2020) também é revisitada nessa fase, pois os consumidores não têm mais a oportunidade de escapar de si mesmos, tendo que enfrentar seu mundo interior e criar estratégias para lidar com suas identidades sem fugir. Tais mudanças, adaptações e lições ajudam os consumidores a criar um novo eu após a perda, um novo projeto de identidade que surge quando a perda é finalmente aceita.

Assim como as pessoas que perderam um familiar precisam reorganizar as práticas de consumo e reorganizar a estrutura de papéis (Gentry et al., 1995Gentry, J., Kennedy, P., Paul, C., & Hill, R. (1995). Family transitions during grief: Discontinuities in household consumption patterns. Journal of Business Research, 34(1), 67-79.), os consumidores precisam adaptar seus hábitos, sentimentos e até mesmo seus projetos de identidade para continuar vivendo em comunidade. Para Neimeyer (2001Neimeyer, R. A. (2001). Meaning reconstruction and the experience of loss. Washington, DC: American Psychological Association.), isso significa a reconstrução do mundo de significados dos indivíduos, incluindo as estruturas da vida cotidiana e como as pessoas encaram o mundo social. O mecanismo de aceitação permite que os consumidores aceitem o luto individual e coletivo, na tentativa de recriar uma nova realidade.

Nossas descobertas nos permitem propor o luto do consumidor como um conjunto de cinco mecanismos independentes - refutação, desespero, abstenção-compensação, transgressão e aceitação. No entanto, tais mecanismos não obedecem a uma continuidade linear. Os consumidores podem escolher suas estratégias de enfrentamento individualmente enquanto vivem um luto coletivo. Durante o processo de luto do consumidor, os consumidores podem migrar de um mecanismo para outro, vivenciando diferentes estratégias de enfrentamento para tentar se adaptar à perda da experiência. Não parece ser possível falar de uma trajetória linear no luto do consumidor. Ao contrário, os mecanismos podem ser utilizados simultaneamente a partir de indivíduos em diferentes situações, encontrando no grupo um abrigo coletivo. Nesse processo, os consumidores acabam encontrando o mecanismo de aceitação, que diz respeito ao alcance de uma nova forma de viver após o luto da perda.

DISCUSSÃO

O objetivo desta pesquisa foi explorar como os consumidores lidam com a perda de experiências extraordinárias para entender e conceituar o luto do consumidor. Constatamos que os consumidores lidam com a perda da experiência em um processo mediado pelas affordances das mídias sociais que permitem que os consumidores internalizem e acomodem sentimentos e emoções que emergem com a perda da experiência, desenvolvendo coletivamente estratégias de enfrentamento que lhes permitem restaurar suas práticas, narrativas e identidades. Esse processo engloba cinco mecanismos independentes que ajudam os consumidores a reverter, reformular e restabelecer a experiência.

Trabalhos anteriores sobre luto do consumidor focaram no papel do consumo no apoio aos indivíduos durante seus processos de luto, sem atenção dedicada aos processos relacionados à perda de atos ou experiências de consumo. Nossos achados propõem um avanço nesse corpo de conhecimento ao focar na questão específica do luto do consumidor, lançando luz sobre os processos pelos quais os consumidores passam quando lidam com a perda de uma experiência, o que engendra a principal contribuição deste artigo.

Além disso, mais do que fornecer orientações para investigar outras perdas vividas pelos consumidores, como a perda de um emprego, um estilo de vida ou a sensação de normalidade (Walsh, 2020Walsh, F. (2020). Loss and resilience in the time of COVID-19: Meaning making, hope, and transcendence. Family Process, 59(3), 898-911.), apresentamos uma perspectiva coletiva sobre o processo de luto, deslocando a análise do processo de luto de um indivíduo ou de uma unidade familiar para uma comunidade mais ampla espalhada globalmente. A partir de um modelo individual de luto relacionado à morte e à perda definitiva, quando os indivíduos tendem a isolar o sofrimento ou mesmo esconder seu sofrimento por medo ou vergonha (Kübler-Ross, 1973Kubler-Ross, E. (1973). On Death and Dying. London, UK: Routledge.), encontramos uma socialização do luto. Como a socialização tem sido um elemento primordial em experiências extraordinárias (Arnould & Price, 1993Arnould, E. J., & Price, L. L. (1993). River magic: Extraordinary experience and the extended service encounter. Journal of Consumer Research, 20(1), 24-45.; Tumbat & Belk, 2011Tumbat, G., & Belk, R. (2011). Marketplace tensions in extraordinary experiences. Journal of Consumer Research, 38(1), 42-61., 2013), os consumidores parecem encontrar na comunidade online uma fonte de compreensão, informação, compartilhamento, troca de experiências e possibilidades de lidar com suas perdas de diferentes maneiras. A força do grupo transforma o luto coletivo em fonte de energia para adaptar rotinas pessoais e criar novas práticas. Embora a perda da experiência seja individual, existem processos coletivos que possibilitam a reversão do luto e a acomodação da dor, o que representa um luto coletivo que respeita a individualidade de cada membro da comunidade.

Semelhante a quando os indivíduos buscam apoio em aconselhamento em grupo (Neimeyer et al., 2014Neimeyer, R. A., Klass, D., & Dennis, M. (2014). A social constructionist account of grief: Loss and the narration of meaning. Death studies, 38(8), 485-498.), a perda da experiência leva os consumidores a buscarem um caminho restaurador nas mídias sociais. Assim, as mídias sociais legitimam práticas, identidades e narrativas restaurativas, em um estágio em que os consumidores compartilham seu luto, recebendo apoio e conselhos para lidar com os retrocessos da pandemia. Na fase inicial, os consumidores encontram compreensão, consentimento e senso de pertencimento por meio de fóruns de mídia social. À medida que a pandemia continua, esse trabalho emocional coletivo contribui para a elaboração de sentimentos de luto, permitindo que os corredores aceitem a perda e reorganizem suas práticas com base na inspiração e compreensão encontradas na comunidade. Isso, por sua vez, está relacionado a uma tentativa de encontrar um “novo normal”, expressão cunhada durante a pandemia. Nesse sentido, as mídias sociais tornaram-se uma importante parceira dos indivíduos para a socialização, entretenimento e palco para as relações de negócios (Belk, 2020Belk, R. W. (2020). Post-pandemic consumption: portal to a new world? Cadernos EBAPE.BR, 18(3), 639-647.), quebrando resistências à interação nas mídias sociais e acelerando o processo de digitalização da vida (Kothgassner & Probst, 2020Kothgassner, O. D., & Probst, T. (2020). Digital is the New Normal: The Role of Digital Media during the COVID-19 Crisis. Digital Psychology, 1(2), 24-24.). Assim, entendemos as mídias sociais não apenas como uma ferramenta de conexão, mas também como um meio de possibilitar que as pessoas restaurem e recriem seu modo de viver.

Considerando a literatura de experiências extraordinárias, o processo de luto do consumidor reforça a relevância das experiências extraordinárias como parte do self estendido do consumidor, um caminho de fuga (Arnould & Price, 1993Arnould, E. J., & Price, L. L. (1993). River magic: Extraordinary experience and the extended service encounter. Journal of Consumer Research, 20(1), 24-45.; B. Cova, 2020Cova, B. (2020). The new frontier of consumer experiences: escape through pain. AMS Review, 11, 60-69.) e uma conexão com a corporalidade (Scott et. al., 2017Scott, R., Cayla, J., & Cova, B. (2017). Selling pain to the saturated self. Journal of Consumer Research, 44(1), 22-43.). A perda dessa experiência também nos ajuda a questionar o valor fundacional do desempenho e da produtividade que se naturalizou em nossa sociedade, orientando não apenas a rotina das pessoas, mas também suas fugas (Keinan & Kivetz, 2011Keinan, A., & Kivetz, R. (2011). Productivity orientation and the consumption of collectable experiences. Journal of Consumer Research, 37(6), 935-950.). Se a pandemia se caracterizou como uma oportunidade para repensarmos nosso modo de viver (Belk, 2020Belk, R. W. (2020). Post-pandemic consumption: portal to a new world? Cadernos EBAPE.BR, 18(3), 639-647.; Campbell et al., 2020Campbell, M. C., Inman, J. J., Kirmani, A., & Price, L. L. (2020). In times of trouble: A framework for understanding consumers’ responses to threats. Journal of Consumer Research, 47(3), 311-326.; Walsh, 2020Walsh, F. (2020). Loss and resilience in the time of COVID-19: Meaning making, hope, and transcendence. Family Process, 59(3), 898-911.), vislumbramos a oportunidade para futuras pesquisas investigarem nosso sofrimento em desaceleração, também nossas dificuldades no enfrentamento da rotina, no convívio com a família e amigos, e a necessidade de perpetuação de uma identidade heróica.

Nesse sentido, é plausível pensar que o luto do consumidor seja afetado pelos principais dilemas de nossa sociedade durante a pandemia. A negociação do luto do consumidor no seio da comunidade também representa o luto coletivo que a sociedade enfrenta, um contexto em que indivíduos que vivem situações diferentes negocia seu luto. Enquanto um grupo de pessoas sofre de tédio e lamenta sua liberdade limitada, outros lamentam a perda de um emprego, um negócio falido ou a impossibilidade de colocar comida na mesa, como é o caso das classes de baixa renda. Partindo da noção de luto do consumidor, pesquisas futuras também podem explorar as desigualdades sociais e as divergências políticas e culturais que surgem durante o processo de luto, particularmente na arena online estruturada pelas possibilidades criadas pelas mídias sociais, aprofundando tanto o seu poder de amplificar o sofrimento como de promover dinâmicas de alívio e cura.

Junto com essas possibilidades, trabalhos futuros podem abordar a interação entre consumidores e mercado durante os diferentes mecanismos de luto do consumidor, explorando o papel das práticas de consumo no processo específico de luto do consumidor ou, ainda, como a busca pela fuga das dores impostas pelas perdas podem colocr consumidores em risco durante o processo de luto.

REFERENCES

  • Abrahams, R. D. (1986). Ordinary and Extraordinary Experience. In V. W. Turner, & E. M. Bruner (Eds.). The Anthropology of Experience (pp. 45-73). Champaign, IL: University of Illinois Press.
  • Arnould, E. J., & Price, L. L. (1993). River magic: Extraordinary experience and the extended service encounter. Journal of Consumer Research, 20(1), 24-45.
  • Arnould, E. J., & Thompson, C. J. (2005). Consumer culture theory (CCT): Twenty years of research. Journal of Consumer Research, 31(4), 868-882.
  • Belk, R. W. (1988). Possessions and the extended self. Journal of consumer research, 15(2), 139-168.
  • Belk, R. W. (1990). The role of possessions in constructing and maintaining a sense of past. Advances in Consumer Research, 17(1), 669-676.
  • Belk, R. W. (2020). Post-pandemic consumption: portal to a new world? Cadernos EBAPE.BR, 18(3), 639-647.
  • Belk, R. W., & Costa, J. A. (1998). The mountain man myth: A contemporary consuming fantasy. Journal of Consumer Research, 25(3), 218-240.
  • Belk, R. W., Sherry J. F., Jr., & Wallendorf, M. (1988). A naturalistic inquiry into buyer and seller behavior at a swap meet. Journal of Consumer Research, 14(4), 449-470.
  • Bonsu, S. K. (2007). The presentation of dead selves in everyday life: Obituaries and impression management. Symbolic Interaction, 30(2), 199-219.
  • Bonsu, S. K., & Belk, R. W. (2003). Do not go cheaply into that good night: Death-ritual consumption in Asante, Ghana. Journal of Consumer Research, 30(1), 41-55.
  • Campbell, M. C., Inman, J. J., Kirmani, A., & Price, L. L. (2020). In times of trouble: A framework for understanding consumers’ responses to threats. Journal of Consumer Research, 47(3), 311-326.
  • Canning, L., & Szmigin, I. (2010). Death and disposal: The universal, environmental dilemma. Journal of Marketing Management, 26 (11-12), 1129-1142.
  • Celsi, R., Rose, R., & Leigh, T. (1993). An exploration of high-risk leisure consumption through skydiving. Journal of Consumer Research, 20(1), 1-23.
  • Cova, B. (2020). The new frontier of consumer experiences: escape through pain. AMS Review, 11, 60-69.
  • Cova, V., & Cova, B. (2019). Pain, suffering and the consumption of spirituality: a toe story. Journal of Marketing Management, 35 (5-6), 565-585.
  • Dodson, K. J. (1996). Peak experiences and mountain biking: Incorporating the bike into the extended self. ACR North American Advances, 23, 317-322.
  • Ertl, M. M., Longo, L. M., Groth, G. H., Berghuis, K. J., Prout, J., Hetz, M. C., … Martin, J. L. (2018). Running on empty: high self-esteem as a risk factor for exercise addiction. Addiction Research & Theory, 26(3), 205-211.
  • Fuchs, T. (2018). Presence in absence. The ambiguous phenomenology of grief. Phenomenology and the Cognitive Sciences, 17(1), 43-63.
  • Garcia, R., & Marinho, T. (2010). A morte na maratona: celebração da vida. Cultura, Ciencia y Deporte, 5(15), 45-53.
  • Gentry, J., Kennedy, P., Paul, C., & Hill, R. (1995). Family transitions during grief: Discontinuities in household consumption patterns. Journal of Business Research, 34(1), 67-79.
  • Goulding, C., Shankar, A., Elliott, R., & Canniford, R. (2009). The marketplace management of illicit pleasure. Journal of Consumer Research, 35(5), 759-771.
  • Guillard, V. (2017). Understanding the process of the disposition of a loved one’s possessions using a theoretical framework of grief. Consumption Markets & Culture, 20(5), 477-496.
  • Hill, R. (1991). Homeless women, special possessions, and the meaning of “home”: An ethnographic case study. Journal of consumer Research, 18(3), 298-310.
  • Hirshman, E. C., & Holbrook, M. B. (1982). The experimental aspects of consumption. The Journal of Consumer Research, 9(2), 132-140.
  • Husemann, K., & Eckhardt, G. (2019). Consumer deceleration. Journal of Consumer Research, 45(6), 1142-1163.
  • Kates, S. (2001). Disposition of possessions among families of people living with AIDS. Psychology & Marketing, 18(4), 365-387.
  • Keinan, A., & Kivetz, R. (2011). Productivity orientation and the consumption of collectable experiences. Journal of Consumer Research, 37(6), 935-950.
  • Kothgassner, O. D., & Probst, T. (2020). Digital is the New Normal: The Role of Digital Media during the COVID-19 Crisis. Digital Psychology, 1(2), 24-24.
  • Kozinets, R. (2015). Netnography: Redefined London, UK: Sage.
  • Kubler-Ross, E. (1973). On Death and Dying London, UK: Routledge.
  • Neimeyer, R. A. (2001). Meaning reconstruction and the experience of loss Washington, DC: American Psychological Association.
  • Neimeyer, R. A., Klass, D., & Dennis, M. (2014). A social constructionist account of grief: Loss and the narration of meaning. Death studies, 38(8), 485-498.
  • O’Donohoe, S., & Turley, D. (2005). Till death us do part? Consumption and the negotiation of relationships following a bereavement. In G. Menon & A. R. Rao (Eds.), NA - Advances in Consumer Research (Vol. 32, pp. 625-626). Duluth, MN: Association for Consumer Research.
  • O’Donohoe, S., & Turley, D. (2006). Compassion at the counter: Service providers and bereaved consumers. Human Relations, 59(10), 1429-1448.
  • Ortega, F., & Orsini, M. (2020). Governing COVID-19 without government in Brazil: Ignorance, neoliberal authoritarianism, and the collapse of public health leadership. Global public health, 15(9), 1257-1277.
  • Phipps, M., & Ozanne, J. (2017). Routines disrupted: Reestablishing security through practice alignment. Journal of Consumer Research, 44(2), 361-380.
  • Robinson, R., Patterson, I., & Axelsen, M. (2014). The “loneliness of the long-distance runner” no more: Marathons and social worlds. Journal of Leisure Research, 46(4), 375-394.
  • Rupprecht, P. M., & Matkin, G. S. (2012). Finishing the race: Exploring the meaning of marathons for women who run multiple races. Journal of Leisure Research, 44(3), 308-331.
  • Saldaña, J. (2015). The coding manual for qualitative researchers Newcastle, UK: Sage.
  • Schatzki, T. (1996). Social practices: A Wittgensteinian approach to human activity and the social Cambridge, UK: Cambridge University Press.
  • Schembri, S., & Boyle, M. V. (2013). Visual ethnography: Achieving rigorous and authentic interpretations. Journal of Business Research, 66(9), 1251-1254.
  • Scott, R., Cayla, J., & Cova, B. (2017). Selling pain to the saturated self. Journal of Consumer Research, 44(1), 22-43.
  • Tumbat, G., & Belk, R. (2011). Marketplace tensions in extraordinary experiences. Journal of Consumer Research, 38(1), 42-61.
  • Tumbat, G., & Belk, R. (2013). Co-construction and performancescapes. Journal of Consumer Behaviour, 12(1), 49-59.
  • Turley, D., & O’Donohoe, S. (2012). The sadness of lives and the comfort of things: Goods as evocative objects in bereavement. Journal of Marketing Management, 28(11-12), 1331-1353.
  • Walsh, F. (2020). Loss and resilience in the time of COVID-19: Meaning making, hope, and transcendence. Family Process, 59(3), 898-911.
  • Yousfi, N., Bragazzi, N., Briki, W., Zmijewski, P., & Chamari, K. (2020). The COVID-19 pandemic: how to maintain a healthy immune system during the lockdown - a multidisciplinary approach with special focus on athletes. Biology of Sport, 37(3), 211-216.
  • [Versão traduzida]

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    May-Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    15 Mar 2021
  • Aceito
    09 Dez 2021
Fundação Getulio Vargas, Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas Rua Jornalista Orlando Dantas, 30 - sala 107, 22231-010 Rio de Janeiro/RJ Brasil, Tel.: (21) 3083-2731 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernosebape@fgv.br