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ESTUDOS SOBRE A BUROCRACIA NO NÍVEL SUBNACIONAL: AVANÇOS E PERSPECTIVAS

Burocracias são parte fundamental da cadeia de delegação nas democracias. Cidadãos elegem seus representantes políticos, e estes precisam constituir ou se articular com um corpo burocrático, para implementar políticas públicas para a sociedade. O que as democracias são capazes de entregar, a qualidade das políticas públicas e o nível de bem-estar dos cidadãos são questões ligadas à estrutura e funcionamento do corpo burocrático. Por essa razão, análises sobre a forma de recrutamento, estabilidade, motivação, desempenho das burocracias tornam-se centrais para o debate não só na Administração ou no campo de Públicas, mas da Ciência Política e das Ciências Sociais em geral.

O Brasil vem tendo um crescimento expressivo nos estudos sobre a burocracia. Uma busca simples no Google acadêmico retorna mais de 300 mil resultados a partir do termo “burocracia”, entre livros, artigos e outras formas de comunicação científica. O grande número de trabalhos, principalmente no período recente, é resultado da atenção especial dada pelos pesquisadores e pesquisadoras do País ao tema e da estruturação e disponibilidade de bases de dados com nível de cobertura e detalhamento difíceis de encontrar em outros países.

Com base nesses estudos, conhecemos melhor a institucionalização de maneiras mais meritocráticas de recrutamento para os cargos na administração pública. Também temos maior discernimento sobre a politização e a partidarização dos cargos de confiança, ampliando as perspectivas sobre tais questões. Temos evidências sobre o grau de rotatividade e instabilidade no serviço público, e como ambas são influenciadas por decisões políticas e acabam por afetar o ciclo das políticas públicas. Recentemente, tem havido ênfase em aspectos da desigualdade e sub-representação de cor/raça e sexo/gênero na ocupação de cargos, e como o acesso desigual afeta as decisões de políticas públicas. Em outra frente, análises que deslindam conflitos intraestatais em função de resistências de burocratas adotarem certas orientações de políticas, no âmbito da discussão sobre o retrocesso democrático observado no Brasil na última década.

Em suma, a agenda de pesquisa sobre burocracia no Brasil é extensa, diversificada e crescente. Contudo, a imensa maioria desses estudos é sobre o nível federal da administração pública. Seja por sua relevância ou disponibilidade de dados sistemáticos, o foco das pesquisas acima citadas dá-se no governo federal, restando em segundo plano o que se passa nas burocracias estaduais e municipais.

Embora os servidores federais concentrem parte expressiva do poder político e administrativo sobre o desenho das principais políticas públicas implementadas Brasil afora, em função das competências constitucionais que lhes são atribuídas, é no funcionalismo dos estados e dos municípios que está 90% da força de trabalho no setor público nacional (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada [IPEA], 2023Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. (2023). Atlas do Estado brasileiro. www.ipea.gov.br/atlasestado
www.ipea.gov.br/atlasestado...
). Os perfis desses segmentos do funcionalismo são distintos. Por exemplo, os salários são expressivamente diferentes quando comparamos o nível federal com estados e municípios (IPEA, 2023Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. (2023). Atlas do Estado brasileiro. www.ipea.gov.br/atlasestado
www.ipea.gov.br/atlasestado...
). O nível salarial afeta a atratividade, a capacidade e a motivação dos servidores, tendo importantes implicações para o desempenho e resultados da ação do Estado. Nesse e em diversos outros casos, tomar a parte, federal, para pensar o todo, nacional, é uma receita para diagnósticos e prognósticos imprecisos.

Não estamos numa situação de “terra incógnita”. Há estudos muito bem fundamentados sobre as burocracias subnacionais que exploram questões como forma de recrutamento, construção de capacidades e efeito sobre o desempenho e as políticas públicas em estados e municípios. Contudo, em perspectiva comparativa, esses são mais escassos. Contribuir para o esforço coletivo de ir preenchendo essa lacuna é o propósito do presente Fórum deste número da Cadernos de Gestão Pública e Cidadania (CGPC). Os trabalhos aqui publicados analisam diferentes perspectivas, abordando diferentes níveis e escopos de comparação, focos temáticos e linhagens teóricas e conceituais. Há cinco artigos selecionados a partir da chamada pública e o artigo convidado dos pesquisadores Eduardo Grin e Danilo Gonçalves.

No artigo “Conexões entre capacidades burocráticas e burocracias de médio escalão: Uma pesquisa de escopo”, Luciana Pazini Papi, Gislaine Thompson dos Santos e Mutaro Seidi preenchem duas lacunas ao fazerem uma revisão sistemática dos estudos sobre a burocracia nos diferentes níveis da Federação, mas com foco na burocracia de médio escalão. Já no artigo “Transparência sobre dirigentes públicos estaduais: Uma análise exploratória”, Matheus Freitas e Sérgio Praça exploram a legislação e o efetivo grau de transparência dos portais governamentais sobre os atributos dos ocupantes de cargos de confiança no nível estadual. Os resultados mostram que, nesse tema, há ainda um longo caminho até que se consiga estruturar e disponibilizar dados de qualidade, nesse âmbito.

No artigo de José Mendes intitulado “Desigualdades de gênero e cor/raça entre os dirigentes municipais e estaduais no Brasil (2010 e 2019)”, o autor se insere na atenção recente a temas relacionados à desigualdade na força de trabalho do serviço público. O trabalho mobiliza dados para identificar o efeito do sexo/gênero e da cor/raça sobre as remunerações e chances de progressão dos dirigentes estaduais e municipais, reforçando que também ali as desigualdades são marcantes.

Breynner Ricardo de Oliveira e Maria Michelle Fernandes Alves analisam a relação entre capacidade estatal e a implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) no artigo “Capacidades estatais e implementação de políticas educacionais no nível local: A trajetória da base nacional comum curricular em um município mineiro”. O estudo de caso com abordagem qualitativa ressalta as dimensões técnico-administrativa e político-relacional do processo de implementação de uma política fundamental, a partir da análise da atuação dos agentes burocráticos.

Por último, o artigo “Sem vínculo permanente: Condições de trabalho dos contratados na administração pública dos estados brasileiros” de Elaine Barbosa da Silva e Claudio Roberto Marques Gurgel foca o nível estadual, e explora a extensão e a prevalência do “contrato por tempo determinado” nos estados brasileiros e como esse tipo de recrutamento afeta as condições de trabalho na administração pública brasileira. Os resultados mostram não se tratar de um fenômeno pontual ou residual e que deve ser considerado de maneira sistemática nas análises sobre desempenho da burocracia no nível subnacional. O artigo convidado deste Fórum é intitulado “Decifrando a esfinge da burocracia subnacional no federalismo brasileiro: O que se esconde por trás dessa realidade?”. Eduardo Grin e Danilo Gonçalves analisam a literatura sobre burocracia e mapeiam a produção recente de acordo com o foco nos diferentes níveis da Federação. O artigo nos traz análises pormenorizadas do debate no Brasil no exterior, traçando os principais temas da área de estudos e principais tópicos da agenda de pesquisa.

Os artigos deste Fórum abrangem variados temas e perspectivas, enriquecendo o debate e a análise do funcionalismo subnacional. Esperamos que a leitura incite a geração de novos dados, estudos e abordagens teóricas sobre esse segmento da burocracia nacional.

REFERÊNCIA

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2024
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