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Bada, Valérie; Letawe, Céline; Pagnoulle, Christine & Willson, Patricia (Eds.). Impliciter, expliciter. L’intervention du traducteur. Liège: Presses Universitaires de Liège, 2018, 273 p.

Bada, Valérie; Letawe, Céline; Pagnoulle, Christine; Willson, Patricia. Impliciter, expliciter. L’intervention du traducteur. Liège: Presses Universitaires de Liège, 2018. 273 p.

O presente volume coletivo tem o objetivo de revisar as operações no binômio impliciter/expliciter [implicitar/explicitar] na área da Tradutologia e, fundamentalmente, discutir se a explicitação efetivamente seria uma invariante da tradução. Faz parte da Collection Truchements, da editora Presses Universitaires de Liège, que reúne livros focados na discussão dos problemas das transferências culturais, econômicas e sociais através das fronteiras linguísticas. É importante destacar que coleção já possui três volumes: Impliciter/expliciter (2018), La traduction: une activité ciblée (2020), e Langues et rapports de forces (2021). Desta forma, o primeiro dos livros, objeto dessa resenha, oferece um excelente leque de pesquisas que lidam com os conceitos impliciter/expliciter desde âmbitos, metodologias e objetos de estudo diversos.

Como é afirmado desde a “Introduction” [Introdução], assinada pelas professoras e pesquisadoras Céline Letawe e Patricia Willson da Universidade de Liège, na pesquisa relativa a impliciter/expliciter, é chave fazer uma retrospectiva e lembrar a hipótese de explicitação formulada por Shoshana Blum-Kulka (1986)Blum-Kulka, Shoshana. “Shifts of Cohesion and Coherence in Translation”. In: Juliana House and Shoshana Blum-Kulka (orgs.). Interlingual and Intercultural Communication. Tubingen: Narr, 1986, 17-35. e a confluência dela com a tese de Antoine Berman (1985)Berman, Antoine. Les Tours de Babel. Mauvezin: Trans-Europe Press, 1985. de que todo ato de tradução é marcado pelo movimento de explicitação. Porém, como advertem as autoras e organizadoras, neste volume novas perguntas vêm inquirir e desestabilizar a pretendida validade geral dessa formulação e sua aplicabilidade para a análise de traduções em todos os espaços da língua. A acertada junção dos textos de pesquisadores individuais em capítulos, mesmo que em alguns casos reúna pesquisas pouco semelhantes, serve para ir do geral do marco teórico à aplicação dos conceitos em produções artísticas, passando por questões econômicas e políticas, para terminar no terreno das reflexões ligadas à didática.

É inegável que as contribuições de Lance Hewson e de Christiane Nord, que aparecem no primeiro capítulo do livro, intitulado “Approaches théoriques” [Abordagens teóricas], além de proporem uma revisão da bibliografia disponível sobre a explicitação como mecanismo básico da operação tradutiva, abrem espaço para o debate das categorias existentes. Em “Explicitation and Implicitation: Testing the Limits of Translation Theory” [Explicitação e Implicitação: Avaliação dos Limites da Teoria da Tradução], Hewson, pesquisador pioneiro na área, propõe que não é na explicitação obrigatória, aquela que advém das diferenças estruturais das línguas em contato, que é preciso investigar, senão precisamente naquela explicitação facultativa. Revisando a classificação de Kinga KlaudyKlaudy, Kinga. “Explicitation”. In: Mona Baker and Gabriela Saldanha (Orgs.) Routledge Encyclopedia of Translation Studies. Londres & Nova York: Routledge, 2009, 104-108., no verbete correspondente da Routledge Encyclopedia of Translation Studies (2009), Hewson sugere que, ao invés de quatro tipos de explicitação (obrigatória, facultativa, pragmática e inerente à tradução), devem ser contemplados somente dois tipos: a obrigatória e a facultativa. Segundo ele, um modelo de pesquisa baseado na explicitação facultativa conseguirá ter em conta, por fim, três parâmetros fundamentais: “[...] a importância da escolha do tradutor, a natureza das traduções publicadas e o modo (podemos pressupor) em que os textos-fonte e as traduções são realmente lidos”1 1 No original: “[...] the importance of translator choice, the nature of published translations, and the way (we may presume) source-texts and translations are actually read” (Hewson, 2018, p. 16, minha tradução). (Hewson, 2018, p. 16). Esse modelo “restrito”, baseado em textos individuais, estaria em clara oposição à pesquisa de corpus extensos característica dos Estudos Descritivos da Tradução contemporâneos, que o autor reprocha de forma aberta. Também na esteira da revisão dos termos teóricos, Nord, por sua vez, indica em “Translating the Referential Function: About the Appropriate Balance between Presupposed and New Information” [Traduzindo a Função Referencial: Sobre o Equilíbrio Apropriado entre a Informação Pressuposta e a Nova Informação] que o conceito fundamental ao debate seria a “pressuposição”, e não a explicitação, visto que a pressuposição, no âmbito do ensino da tradução, levaria em consideração em um termo só a explicitação e o tornar implícito, assim como as situações em que nenhum dos procedimentos é necessário.

O seguinte capítulo é intitulado “Productions artistiques” [Produções artísticas] e reúne quatro pesquisas com objetos notoriamente diferentes, embora todas ligadas com o tornar implícito/explicitar. Primeiramente, em “Quand la théologie s’en mêle: première traduction française de Paradise Lost de John Milton” [Quando a teologia está envolvida: a primeira tradução francesa de Paradise Lost de John Milton], Christophe Tournu realiza uma indagação sobre a primeira tradução francesa de Paradise Lost, de John Milton, e os mecanismos de explicitação no discurso teológico, uma tomada de risco do tradutor Nicolas Dupré de Saint-Maur que Tournu qualifica como “limitada”. Também Karen Bruneaud lida com uma obra literária em “Traduire l’écriture des confins chez Sapphire: entre trop-dit et non dit” [Traduzir a escrita dos limites em Sapphire: entre o dito por demais e o não-dito]. No romance Push (1996), a autora do estudo rastreia a relação que se estabelece entre aquilo que é implícito e o que é explícito no ato da tradução. Como ela evidencia, citando Ballard, esse vínculo vai muito além da relação entre o presente e o ausente. É chave nesta abordagem a metodologia utilizada por Bruneaud, quando analisa a oscilação entre tornar implícito e explicitar nos referentes culturais, na intertextualidade e termina propondo um percurso de aproximação àquelas decisões que constroem a voz, seguindo Hewson. Como resultado da abordagem dessas diferentes camadas do texto traduzido, a autora do estudo conclui que existe uma alternância entre as estratégias que explicitam e que tornam implícito, resultado de escolhas interpretativas do tradutor, a quem também entrevista.

Diferente é o movimento de Sabrina Baldo de Brébisson, que em seu texto “Le traducteur : danseur, jongleur ou funambule? Étude d’un culturème intraduisible et de sa traduction plus ou moins équilibrée” [O tradutor: dançarino, malabarista ou equilibrista? Estudo de um culturema intraduzível e da sua tradução mais ou menos equilibrada], ao invés de relevar os mecanismos presentes em diferentes níveis do texto, estuda o tratamento específico do lexema francês prefect ao longo de duas obras literárias e de um filme. Dependendo do suporte midiático, ela conclui que até certos lexemas de língua inglesa – que podem parecer intraduzíveis em um primeiro momento – são efetivamente traduzidos para o francês. Na esteira das reflexões relativas aos termos do suporte audiovisual, o estudo de Sarah Cummins e Adriana Şerban, “Implicitation and Explicitation in Film Translation: Inseparable Twins” [Implicitação e Explicitação na Tradução de Filmes: Gémeos Inseparáveis], propõe a seguir uma indivisibilidade dos movimentos de explicitar e tornar implícito no âmbito da legendagem fílmica. As autoras escolhem como objeto de pesquisa dois filmes, nos quais há mediações linguísticas que podemos denominar como problemáticas: várias línguas e a presença de intérpretes, e concluem que não há estratégias constantes em um sentido ou outro.

Na seção “Enjeux économiques et politiques” [Desafios económicos e políticos], Alessandra Rollo pesquisa a tradução na área da economia e as estratégias empregadas desde uma perspectiva pragmático-cognitiva em “Les enjeux de la traduction économique français-italien-français : choix traductologiques et stratégies mises en œuvre” [Os desafios da tradução econômica francês<=>italiano: opções tradutológicas e aplicação de estratégias]. Ao mesmo tempo, Fabrice Antoine investiga a tradução de um tipo específico de itens lexicais: os nomes de marcas em “Les noms de marque em traduction: entre implicitation obligée et explicitation obligatoire” [Os nomes de marcas em tradução: entre a implicitação forçada e a explicitação obrigatória].

Em um sentido mais político, vale destacar os dois últimos trabalhos desta seção, o de Héba Medhat-Lecocq – intitulado “Traduire la révolution égyptienne: Vers une démarche interculturelle de la traduction” [Traduzir a revolução egípcia: Para uma abordagem intercultural da tradução] – e o de Cristina Schäffner – “Bridging the Ideological Abyss? Politically Sensitive Texts in Translation” [Ligando o Abismo Ideológico? Textos Politicamente Sensíveis na Tradução] –, que exploram a tradução nas tensões de dois espaços geopolíticos: a revolução no Egito e as tensões bélicas na Coreia do Norte. Schäffner, que já tinha realizado uma produtiva revisão do conceito de transediting no âmbito da tradução jornalística, foca seu estudo na tradução de tópicos sensíveis, com especial atenção às operações de citação e referência. Como resultado, observa uma tendência dos jornalistas ao uso de certos termos e formas de referir as fontes que estabelecem uma distância com o que é noticiado. Isso faz com que a autora se pergunte de maneira fecunda, “[...] até que ponto tais estratégias estão em conformidade com a ética profissional [...] em particular, uma vez que a ética dos jornalistas e a ética dos tradutores podem tanto sobrepor-se quanto estar em conflito”2 2 No original: “[...] how far such strategies are in line with professional ethics [...] in particular since ethics of journalists and ethics of translators can both overlap and be in conflict” (Schäffner, XXXX, p. 217, minha tradução). (Schäffner, 2018, p. 217). Assim, Schäffner sugere que se os jornalistas estiverem atuando como tradutores (fenômeno amplamente comum, como as pesquisas apontam), eles deveriam estar sujeitos à ética dos tradutores, e não só àquela própria do fazer jornalístico.

Já a última seção, “Réflections didactiques” [Reflexões didáticas], contém mais três abordagens da aplicabilidade do mencionado binômio, agora para o ensino da tradução. Margrethe Lykke Eriksen propõe em “Développer les compétences inférentielles des étudiants en traduction” [Desenvolver as competências inferenciais nos estudantes de tradução] um modelo de explicitação para que os estudantes de tradução possam sensibilizar-se em relação às operações inferenciais, básicas na prática profissional. Céline Letawe e Vera Viehöver, por sua vez, ampliam a aplicação dos conceitos no âmbito universitário no estudo intitulado “Les enjeux de l’implicite politique en traduction. Réflexions à partir d’une séquence didactique” [Os desafios do implícito político na tradução. Reflexões sobre uma sequência didática]. O texto recolhe uma prova de sensibilização relacionada aos conteúdos políticos implícitos nos textos para estudantes avançados de tradução alemão<=>francês na Universidade de Liège. As autoras relatam a contextualização histórica de certos textos e a análise gramatical detalhada, fundamentais para atingir o implícito nessas mensagens, como aquelas ligadas à Alemanha nazista e sua retórica, que resulta ser um conveniente recurso para a sala de aula. Fecha essa seção o texto de Jean-René Ladmiral, “Explicitation-cible. Dans l’atelier du traducteur”, [Explicitação-alvo. Na oficina do tradutor], publicado originalmente em 1984 e que mostra o vínculo do filósofo e tradutor com a Universidade de Liège, onde ministrou um seminário em 2014.

O volume encerra com uma valiosa “Conclusion” [Conclusão], assinada pelas professoras e pesquisadoras Valérie Bada e Christine PagnoulleBada, Valérie; Letawe, Céline; Pagnoulle, Christine & Willson, Patricia (Eds.). Impliciter, expliciter. L’intervention du traducteur. Liège: Presses Universitaires de Liège, 2018., também organizadoras do livro. A pesar de vários das abordagens focarem na explicitação, indicam elas, o tornar implícito não deve ser deixado de lado nas pesquisas, na medida em que se trata de um elemento determinante para uma tradução bem-sucedida. É aqui que entra novamente em cena Antoine Berman, citado por elas, e a reivindicação que o teórico e tradutor francês faz da tradução para o espanhol da elegia XIX de John Donne pelo mexicano Octavio Paz no livro Pour une critique des traductions: John Donne (1994). Desta maneira, revisando o resultado da reunião dos estudos, Bada e Pagnoulle ressaltam sim a falibilidade do tradutor, mas sobretudo a sua criatividade, assim como a possibilidade de ser ele um sujeito plenamente atuante na tarefa interlinguística e intercultural da tradução. E ali, a explicitação não seria inevitável. Contudo, essa observação, que até certo ponto poderia parecer idealista, não teria uma validade geral em todos os âmbitos que as pesquisas cobrem, e sim fundamentalmente na tradução literária, sobre a qual as reflexões de Berman são desenvolvidas

  • 1
    No original: “[...] the importance of translator choice, the nature of published translations, and the way (we may presume) source-texts and translations are actually read” (Hewson, 2018, p. 16, minha tradução).
  • 2
    No original: “[...] how far such strategies are in line with professional ethics [...] in particular since ethics of journalists and ethics of translators can both overlap and be in conflict” (Schäffner, XXXX, p. 217, minha tradução).

Referências

  • Bada, Valérie; Letawe, Céline; Pagnoulle, Christine & Willson, Patricia (Eds.). Impliciter, expliciter. L’intervention du traducteur Liège: Presses Universitaires de Liège, 2018.
  • Berman, Antoine. Les Tours de Babel Mauvezin: Trans-Europe Press, 1985.
  • Blum-Kulka, Shoshana. “Shifts of Cohesion and Coherence in Translation”. In: Juliana House and Shoshana Blum-Kulka (orgs.). Interlingual and Intercultural Communication Tubingen: Narr, 1986, 17-35.
  • Klaudy, Kinga. “Explicitation”. In: Mona Baker and Gabriela Saldanha (Orgs.) Routledge Encyclopedia of Translation Studies Londres & Nova York: Routledge, 2009, 104-108.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Set 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    10 Set 2022
  • Aceito
    16 Jan 2023
  • Publicado
    Fev 2023
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