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Marcadas pela resistência: os casos das livrarias Jinkings (PA) e Palmarinca (RS)* * Este artigo deriva da tese de minha autoria intitulada Livrarias e livreiros na ditadura militar brasileira (1964–1985), defendida em 2022, na Universidade de Brasília.

Marked by resistance: the cases of Jinkings (PA) and Palmarinca (RS) bookstores

Marcadas por la resistencia: los casos de las librerías Jinkings (PA) y Palmarinca (RS)

Resumo

Este artigo teve como objetivo analisar o papel de duas livrarias que funcionaram durante a ditadura militar brasileira (1964–1985) e se tornaram pontos de resistência contra o regime autoritário. A Jinkings foi criada por Raimundo Jinkings, em Belém (PA), em 1965, e fechou 45 anos mais tarde. O livreiro era um sindicalista ativo e conhecido no meio político pela sua posição de esquerda e transferiu esse capital simbólico para a livraria. Longe dali, a cerca de quatro mil quilômetros, Rui Gonçalves abriu a Palmarinca, que funcionou entre 1972 e 2020, em Porto Alegre (RS). O local marcou a história da cidade como um espaço onde se encontravam obras marxistas indisponíveis em outras livrarias da região. Era frequentado por estudantes, professores e políticos que compartilhavam das mesmas convicções políticas. O estudo mostrou como cada livraria se utilizou de um “repertório”, conceito entendido com base no pensamento de Itamar Even-Zohar, para manter o comércio de livros sem prejudicar a sua identificação política, além de atuar como fator ativo de oposição contra o regime militar.

Palavras-chave:
livraria; sistema literário; campo literário; Jinkings; Palmarinca

Abstract

The purpose of this article was to analyze the role of two bookstores that operated during the Brazilian military dictatorship (1964-1985) and became points of resistance against the authoritarian regime. Jinkins was created by Raimundo Jinkings, in Belém, Pará, in 1965, and closed 45 years later. The bookseller was already an active unionist and known in the political scene for his leftist stance, and he transferred this symbolic capital to the bookstore. In Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Rui Gonçalves opened Palmarinca, which operated from 1972 to 2020. The bookstore marked the history of the city as a space where readers could find Marxist works unavailable in other stores in the region. It was frequented by students, professors, and politicians who shared the same political convictions. The study showed how each bookstore used a “repertoire” — a concept of Itamar Even-Zohar — to maintain the commerce of books without damaging its political identification, in addition to serving as an active factor of opposition against the military regime.

Keywords:
bookstore; literary system; literary field; Jinkings; Palmarinca

Resumen

Este artículo pretende analizar el papel de dos librerías que funcionaron durante la dictadura militar brasileña (1964-1985) y se convirtieron en puntos de resistencia contra el régimen autoritario. Jinkins fue fundada por Raimundo Jinkings en Belém, Pará, en 1965, y cerró 45 años después. El librero era un sindicalista activo y conocido en los círculos políticos por su postura de izquierdas, y transfirió este capital simbólico a la librería. Lejos, a unos cuatro mil kilómetros de distancia, en Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Rui Gonçalves abrió Palmarinca, que funcionó entre 1972 y 2020. La librería marcó la historia de la ciudad como espacio donde se podían encontrar obras marxistas no disponibles en otras librerías de la región, además de ser frecuentado por estudiantes, profesores y políticos que compartían las mismas convicciones políticas. El estudio mostró cómo cada librería hacía uso de un “repertorio”, concepto de Itamar Even-Zohar, para mantener el comercio de libros sin dañar su identificación política, además de actuar como factor activo de oposición contra el régimen militar.

Palabras clave:
librería; sistema literario; campo literario; Jinkings; Palmarinca

UM ESPAÇO A SER PENSADO

A livraria, hoje em dia, resiste. Resiste para se manter funcionando em um mundo que é cada vez mais digital. Há cerca de cinquenta anos, durante a ditadura militar, ela também resistia, mas de outra forma. O embate era com a censura de um governo antidemocrático, que confiscava obras de forma aleatória, prendia livreiros e incentivava ações de violência. O objetivo era apagar o que elas representavam e realizavam, haja vista a eficiência delas em produzir ambientes de debate de pensamentos e de confrontarem e resistirem ao regime militar. A violência foi do próprio Estado, comandado por militares, com a participação de civis; deu-se por meio de apreensões, prisões, atentados, tortura; e também com pressão social, interferência política, falência financeira.

Investigo a relevância do espaço da livraria e da figura do livreiro em um campo literário submetido a um regime ditatorial, além de como esses dois atuaram como fatores de resistência e enfrentamento nesse contexto. Parto do princípio de que o livreiro é um agente literário/produtor e a livraria, uma instituição (Even-Zohar, 1990EVEN-ZOHAR, Itamar (1990). Introduction [to Polysystem Studies] e Polysystem Theory. Polysystem Studies. Poetics Today, v. 11, n. 1, p. 9-26.; Bourdieu, 2002BOURDIEU, Pierre (2002). As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário. São Paulo: Companhia das Letras.). Nesse sentido, a livraria funciona como uma instituição ao extrapolar a função de mercado. Ao analisar as livrarias Jinkings e a Palmarinca, vou me ater especificamente ao conceito de repertório (Even-Zohar); como o repertório de cada uma se mostrava um reflexo dos seus livreiros e como ele era um fator de atração para seus clientes.

Este artigo é um trabalhado baseado na minha pesquisa de doutorado, em que estudo seis livrarias que existiram e resistiram durante a ditadura militar (1964–1985). Entre elas, escolhi duas para serem analisadas neste momento. Essas foram as que funcionaram por um período maior de tempo. Jinkings, 45 anos, e Palmarinca, 48 anos. Além disso, na minha opinião, elas apresentam os perfis mais politicamente emblemáticos, que demonstram suas ações efetivas de transformação no campo cultural de cada caso.

Até mesmo por isso, as duas são citadas no mesmo documentos do Serviço Nacional de Informações (Informação 008/S-102-A11-CIE) (Arquino Nacional, 1981ARQUIVO NACIONAL (1981). BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_KKK_85005430_d0001de0003. Disponível em: https://sian.an.gov.br/. Acesso em: 13 mar. 2021.
https://sian.an.gov.br/...
), disponível no sítio eletrônico do Arquivo Nacional, que faz referência a livrarias que foram perseguidas ou, ao menos, vigiadas, pelos militares. O cabeçalho do documento pode ser visto na Figura 1. Datado de 5 de janeiro de 1981, o assunto é “livrarias especializadas em literatura esquerdista – levantamento”. São 80 livrarias, ao todo, listadas em 27 páginas. Os nomes são divididos por estado e, em alguns casos, colocam-se em destaque com informações como endereço, temática dos livros vendidos ou editados, nomes dos donos e de frequentadores. Os estados com maior quantidade de livrarias são Minas Gerais (14), Rio de Janeiro (11) e São Paulo (14). A ideia foi justamente evitar discutir livrarias de estados já tão pesquisados como as da Região Sudeste. No caso do Pará, apenas a Livraria Jinkings é citada. Quanto ao estado do Rio Grande do Sul, Palmarinca é a primeira em uma sequência de cinco estabelecimentos. Percebe-se, com mais essa informação, a relevância de ambas para o debate aqui proposto.

Figura 1.
Cabeçalho do documento do Serviço Nacional de Informação que lista livrarias de esquerda em 1981.

A Jinkings foi criada por Raimundo Jinkings, em Belém (PA), em 1972. Na época, o livreiro já era um sindicalista ativo e conhecido no meio político pela sua posição de esquerda e transferiu esse capital simbólico para a livraria. A cerca de quatro mil quilômetros dali, Rui Gonçalves abriu a Palmarinca, que funcionou entre 1972 e 2020, em Porto Alegre (RS). O local marcou a história da cidade como um espaço onde se encontravam obras marxistas indisponíveis em outras livrarias da região, assim como era frequentado por estudantes, professores e políticos que compartilhavam das mesmas convicções políticas.

Pensar a literatura considerando-se fatores que extrapolam o texto propriamente dito é o que faz Even-Zohar e é um raciocínio fundamental para a análise aqui proposta. Para Even-Zohar (1990)EVEN-ZOHAR, Itamar (1990). Introduction [to Polysystem Studies] e Polysystem Theory. Polysystem Studies. Poetics Today, v. 11, n. 1, p. 9-26., é importante considerar a relação com outros sistemas como o econômico, o político e o social; e na relação entre o autor e o leitor e os outros agentes do campo. Além disso, segundo a teoria dos polissistemas, existe uma correlação entre repertório e sistema, entre produção, produtos e consumo (Even-Zohar, 1990EVEN-ZOHAR, Itamar (1990). Introduction [to Polysystem Studies] e Polysystem Theory. Polysystem Studies. Poetics Today, v. 11, n. 1, p. 9-26., p. 5). Todos são pontos que coexistem por meio de interseções e sem hierarquia: passam a ser consideradas novas variantes, como “ações de políticas públicas, educacionais e mercadológicas, as quais são atuantes nos sistemas culturais e que influenciam a produção do objeto a ser investigado” (Marozo, 2018MAROZO, Luís Fernando da Rosa (2018). A contribuição de Even-Zohar para a abordagem da literatura. Ipotesi, Juiz de Fora, v. 22, n. 2, p. 9-19., p. 9).

Pode-se entender que a criação literária não está descolada das suas condições de produção:

Abre-se espaço, assim, para o estudo de textos não-canonizados, de autores que em determinados momentos (especialmente quando entram no campo literário) ocupam posições periféricas dentro do sistema, mas também para os factores que possibilitam a mudança dessas posições (Villarino Pardo, 2000VILLARINO PARDO, Maria Carmen (2000). Aproximação à obra de Nélida Piñon: a república dos sonhos. Tese (Doutorado) – Universidade de Santiago de Compostela, Santiago de Compostela., p. 13).

É também trabalho do teórico e crítico literário entender todos esses agentes, o papel deles e como eles proporcionam determinada atmosfera que permite a criação de obras. Bourdieu (2002)BOURDIEU, Pierre (2002). As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário. São Paulo: Companhia das Letras. percebeu que as artes, de forma geral, e a literatura, especificamente, são passíveis de serem analisadas de forma científica: “A renúncia ao angelismo do interesse puro pela forma pura é o preço que é preciso pagar para compreender a lógica desses universos sociais [...] e oferecer uma visão mais verdadeira” (Bourdieu, 2002BOURDIEU, Pierre (2002). As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário. São Paulo: Companhia das Letras., p. 15). Nesse sentido, é possível incluir na discussão os espaços por onde esses autores e livros circulam. Percebe-se, portanto, a importância de olhar para os agentes envolvidos que não participam do processo criativo, como é o caso dos livreiros.

De acordo com Even-Zohar (1990)EVEN-ZOHAR, Itamar (1990). Introduction [to Polysystem Studies] e Polysystem Theory. Polysystem Studies. Poetics Today, v. 11, n. 1, p. 9-26., o repertório é um “agregado de leis e elementos que governam a produção de textos” (Even-Zohar, 1990EVEN-ZOHAR, Itamar (1990). Introduction [to Polysystem Studies] e Polysystem Theory. Polysystem Studies. Poetics Today, v. 11, n. 1, p. 9-26., p. 17). Em termos linguísticos tradicionais, é “a combinação da ‘gramática’ e do ‘léxico’ de uma determinada ‘língua’” (Even-Zohar, 2013EVEN-ZOHAR, Itamar (2013). O sistema literário. Revista Translatio, n. 5, p. 22-45. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/translatio/article/view/42900. Acesso em: 27 jan. 2020.
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, p. 37). Partindo das discussões propostas pelo autor que veem de forma ampla e plural as possibilidades de a literatura existir como produto da sociedade, a análise que é feita neste artigo enfoca o conceito particular de “repertório” com base em uma adaptação. Tal categoria é compreendida como posicionamentos e atitudes que governam a produção de cada livraria. No caso das livrarias analisadas aqui, isso é feito tendo em vista os eventos, debates, tomadas de posição e discursos de cada livreiro diante do regime autoritário vigente.

Diante dos perfis políticos dos livreiros aqui citados, os espaços das livrarias também se tornam políticos. O repertório de um influencia diretamente o do outro; e é esse repertório compartilhado que gera o vínculo com o leitor, pois o acordo entre produtor e consumidor é básico para que o processo se realize, visto que os dois “precisam ter, no mínimo, algum pré-conhecimento e acordo (por pequeno que ele seja) do repertório em questão” (Villarino Pardo, 2000VILLARINO PARDO, Maria Carmen (2000). Aproximação à obra de Nélida Piñon: a república dos sonhos. Tese (Doutorado) – Universidade de Santiago de Compostela, Santiago de Compostela., p. 16). Entre as possíveis tomadas de posição feitas pelo livreiro estão a definição de quais títulos e autores farão parte do catálogo da livraria e a participarão de eventos como lançamentos de livros, assim com aqueles que serão editados, caso a casa também tenha essa capacitação. Nesse sentido, Aníbal Bragança defende uma posição não passiva por parte do livreiro:

Para o livreiro, o importante é encontrar um espaço de atuação entre o desejo de intervenção, através do livro, e o respeito à necessidade e aos interesses do leitor. Não ser passivo, pois me parece fundamental haver uma ação política em seu trabalho, como disse antes, mas também não pretender impor o que se pensa ser melhor ao outro (Kahlmeyer-Mertens, 2010KAHLMEYER-MERTENS, Roberto S. (org.) (2010). Conversações com intelectuais fluminenses. Niterói: Nitpress., p. 177).

Há que se pensar ainda que “aqueles que controlam os repertórios também controlam o grupo atendido por esses repertórios” (Even-Zohar, 2021EVEN-ZOHAR, Itamar (2021). O trabalho ideacional e a produção de energia social: intelectuais, elaboradores de ideias e empreendedores culturais. Florianópolis: Rafael Copetti., p. 33). Sendo assim, podemos entender também que o governo militar defendia um “repertório” e o impunha à população com o argumento de “salvar o Brasil do comunismo”.

Sabe-se que a produção cultural e seus agentes eram vigiados pelo regime militar. Entre figuras como escritores, intelectuais, jornalistas, professores, editores, encontravam-se também os livreiros. Nesse sentido, segundo Sandra Reimão (2014)REIMÃO, Sandra (2014). Proíbo a publicação e circulação... Censura a livros na ditadura militar. Estudos Avançados, v. 28, n. 80, p. 75-90. https://doi.org/10.1590/S0103-40142014000100008
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, além dos atos de resistência por parte de grandes intelectuais, havia aqueles “protagonizados por uma legião de anônimos — pequenos e médios editores, impressores e livreiros que, no limite de seus campos de ação, atuaram com dignidade e em prol da liberdade” (Reimão, 2014REIMÃO, Sandra (2014). Proíbo a publicação e circulação... Censura a livros na ditadura militar. Estudos Avançados, v. 28, n. 80, p. 75-90. https://doi.org/10.1590/S0103-40142014000100008
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, p. 88). É mais um ponto que corrobora a importância de pensar a figura do livreiro e sua atuação diante da ditadura militar e, consequentemente, o papel das livrarias que se tornaram instrumentos de democracia.

O governo militar criou órgãos para monitorar atividades que eram consideradas subversivas e ameaçadoras do regime vigente. Por meio dos atos institucionais, foram criados o Serviço Nacional de Informação (SNI) e o Destacamento de Operações de Informação — Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), e informantes surgiram em diversas categorias da sociedade, ligados a instituições conservadoras como a Tradição Família e Propriedade (TFP), grupo vinculado à ala ultraconservadora da Igreja Católica, o Comando Geral Democrático e o Comando de Caça aos Comunistas (Carneiro, 2002CARNEIRO, Maria Luiza Tucci (2002). Livros proibidos, ideias malditas: o DEOPS e as minorias silenciadas. São Paulo: Ateliê Editorial/ PROIN Fapesp.). Ao longo deste artigo, será mostrado como as livrarias Jinkings, de Belém (PA), e a Palmarinca, de Porto Alegre (RS), foram vigiadas e, no caso da loja paraense, atacada diversas vezes pela polícia política.

LIVRARIA JINKINGS: PENSADA POR UM COMUNISTA

Foram 45 anos de funcionamento. A livraria Jinkings só foi aberta por causa do golpe civil-militar de 1964. Raimundo Jinkings era alvo do regime por ser um bancário sindicalista comunista atuante no estado do Pará. Depois de ser caçado, perdeu o emprego como servidor concursado do Banco da Amazônia. Foi aposentado compulsoriamente. A partir daí, precisou encontrar outra fonte de renda. Tornou-se representante comercial e passou a receber material de editoras nacionais para revenda. Os exemplares ocupavam a sala da casa que, em pouco tempo, ficou tomada por livros. Com o crescimento do negócio, foi necessário abrir uma loja. O registro em cartório foi feito no dia 22 de outubro de 1965.

Isa Jinkings, esposa de Raimundo, sempre esteve ao lado dele na gestão do negócio. A livraria chegou a ter cinco filiais, além da loja principal na Rua Tamoios, duas em Belém; duas em Santarém e Castanhal, municípios paraenses; e uma em Macapá (AP). A Figura 2 mostra a fachada na Rua Tamoios, nº 1.592. A parte superior era usada para os eventos culturais, como lançamentos de livros e debates. Ali foram lançadas obras de Ziraldo, Milton Hatoum, Lígia Bojunga, Alfredo Oliveira, Rui Barata, Salomão Laredo e Max Martins. Existia ainda uma preocupação em valorizar escritores locais. Na década de 1980, com a legalização do Partido Comunista Brasileiro (PCB), uma pequena sala no andar superior do prédio da Livraria Jinkings era usada para reuniões do partido. Há relatos de que nesse espaço aconteceram, durante a ditadura, encontros clandestinos (Brasil, 1995BRASIL, Jocelyn (1995). Entre as letras e as baionetas. Rio de Janeiro: Jotanesi., p. 120).

Figura 2.
Fachada da livraria Jinkings na Rua Tamoios, nº 1.592.

O mercado livreiro paraense começou a se estruturar no final do século XIX, com as primeiras lojas, e cresceu lentamente. Em 1981, segundo dados do Sindicato Nacional dos Editores de Livros, todo o estado do Pará tinha apenas nove pontos de venda de livros, incluindo livrarias e outros tipos de estabelecimentos, sete dos quais ficavam em Belém (apud Hallewell, 2005HALLEWELL, Laurence (2005). O livro no Brasil. São Paulo: Edusp., p. 609). Raimundo Jinkings conseguiu suprir essa demanda e contribuir de forma robusta para o estabelecimento de um mercado livreiro paraense.

O livreiro Raimundo Antônio da Costa Jinkings nasceu em 5 de setembro de 1927, em Turimirim, pequeno distrito de Santa Helena, no Maranhão. Aos 18 anos, alistou-se na Força Aérea Brasileira, em Belém (PA). Depois de entrar, por concurso público, no Banco da Amazônia, Jinkings passou a fazer parte do Sindicato dos Bancários, tornando-se presidente da Assembleia Permanente do Sindicato e presidente do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT). Em 1950, integrou-se ao Partido Socialista Brasileiro, seção do Pará. Jinkings foi da Juventude Socialista e, em novembro de 1951, foi eleito Secretário Geral do Diretório do PSB. O ingresso no PCB do Pará deu-se em janeiro de 1962. Em 1967, assumiu a direção do partido no Pará e manteve-se no cargo até seu falecimento, em 1995 (Oliveira, 2010OLIVEIRA, Alfredo (2010). Cabanos e camaradas. Belém: Edição do Autor.). Morreu em 5 de outubro de 1995, depois de lutar por meses contra um câncer1 1 Informação confirmada por Leila Jinkings à autora deste artigo, por e-mail, em julho de 2022. .

Vimos que Raimundo Jinkings, muito antes de ser livreiro, era sindicalista ativo e, dessa forma, vivia a política no sangue. Talvez não encontrasse a possiblidade de casar ideário comunista com mercado capitalista em outro ramo que não o livreiro. Por mais que a causa comunista fosse prioridade, a livraria colaborava como meio para a sua causa ideológica. Era espaço para a venda de livros de esquerda, para as reuniões do partido, para a troca de ideias e debates de clientes comuns; e uma fonte para a redução da desigualdade por meio da democratização do acesso à leitura2 2 Entre os projetos com esse intuito, destacam-se “Livro na praça quase de graça” e “Livrariazinha”. Mais informações em Mollo (2022). .

“CAÇADO COMO FERA”

É muito tênue a linha que separa a discussão em torno do livreiro Raimundo Jinkings e da livraria Jinkings. Percebemos isso em relação aos repertórios adotados pelo comunista e pelo estabelecimento. É nítido que o repertório da livraria é um reflexo de seu dono. Houve influência direta das convicções de Jinkings na montagem do acervo e, consequentemente, nas decisões comerciais do negócio. O filho Álvaro, que trabalhou por anos na loja, lembra que, em determinado momento, o pai negava-se a vender best-sellers, livros da editora multinacional Record e de determinados autores como o ex-ministro militar Jarbas Passarinho: “Nós somos comunistas, mas não devemos vender um livro de Jarbas Passarinho, só por ser dele, quando é o livro que o público está comprando?” (Brasil, 1995BRASIL, Jocelyn (1995). Entre as letras e as baionetas. Rio de Janeiro: Jotanesi., p. 165).

Segundo relatos de frequentadores, o surgimento da livraria Jinkings foi de fundamental importância para o amadurecimento da intelectualidade paraense.

Sua voz era o brado daquele que ia à batalha para a construção do conhecimento estabelecido junto ao amor à pátria e aos livros. [...] As atividades de Jinkings se imbricavam. A visão social do político era presente na atividade de mercador de livros que viabilizou o acesso à leitura (Pinto Júnior, 2011PINTO JÚNIOR, Antonio Carlos Pimentel (2011). A biblioteca vermelha de Raimundo Jinkings: uma história de livros. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Pará, Belém., p. 40).

O pesquisador Antonio Carlos Pimentel Pinto Júnior (2011)PINTO JÚNIOR, Antonio Carlos Pimentel (2011). A biblioteca vermelha de Raimundo Jinkings: uma história de livros. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Pará, Belém. afirma que Jinkings tinha contato com partidos comunistas no exterior, principalmente com o Partido Comunista Português. Assim, colocou em circulação no Pará títulos e materiais importados de conteúdo de esquerda. Para Orlando Cassique, professor da Universidade Federal do Pará e companheiro de militância no PCB, “Jinkings cumpria a função que a net cumpre hoje de fazer chegar-nos às mãos os livros de outros lugares distantes, da Europa, por exemplo” (apud Pinto Júnior, 2011PINTO JÚNIOR, Antonio Carlos Pimentel (2011). A biblioteca vermelha de Raimundo Jinkings: uma história de livros. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Pará, Belém., p. 42). O jornalista Vladimir Cunha, filho de dois militantes da esquerda paraense3 3 Vladimir Cunha é filho de Humberto Cunha, ex-deputado estadual, e de Isa Cunha, historiadora, fundadora da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos e do Movimento de Mulheres da Cidade e do Campo. , recorda-se que o livreiro “contrabandeava livros de esquerda em meio a caixas de insuspeitos quadrinhos europeus publicados em Portugal” (Pinto Júnior, 2011PINTO JÚNIOR, Antonio Carlos Pimentel (2011). A biblioteca vermelha de Raimundo Jinkings: uma história de livros. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Pará, Belém., p. 43). Entre as revistas de história em quadrinhos de autores estrangeiros, chegavam traduções de obras de Karl Marx, Friedrich Engels, Leon Trotsky e Mao Tsé-Tung (Kung Fu Lounge, 2007KUNG FU LOUNGE (2007). Camuflagem. Raimundo Jinkings. Disponível em: http://raimundojinkings.blogspot.com/2007/11/camuflagem.html. Acesso em: 11 ago. 2021.
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).

Como já foi dito, antes de entrar para o mercado dos livros, Jinkings era um bancário sindicalista atuante. Assim, quando veio o golpe, seu nome já estava em uma lista de pessoas consideradas perigosas pelo comando militar (Brasil, 1995BRASIL, Jocelyn (1995). Entre as letras e as baionetas. Rio de Janeiro: Jotanesi.). Ele decidiu fugir. Como disse Isa Jinkings: “Ele era caçado como fera” (apud Pinto Júnior, 2011PINTO JÚNIOR, Antonio Carlos Pimentel (2011). A biblioteca vermelha de Raimundo Jinkings: uma história de livros. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Pará, Belém., p. 43). Depois de 27 dias, entregou-se à polícia. Foram 79 dias preso na 5ª Companhia de Guardas do Exército. Ficou ainda 11 dias em uma cela do quartel do 26º BC, até ser liberado por meio de um habeas corpus impetrado pelo advogado socialista José de Ribamar Darwich.

Isa: [...] Na prisão eu o abasteci constantemente de livros, e consegui com o comandante da 5ª Companhia que ele se alimentasse da comida de casa, que eu mesma levava, todos os dias. Jamais imaginei que, tímida como era, encontraria essa força, acho que nascida do amor e do respeito por ele, por seu idealismo tão autêntico (Pinto Júnior, 2011PINTO JÚNIOR, Antonio Carlos Pimentel (2011). A biblioteca vermelha de Raimundo Jinkings: uma história de livros. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Pará, Belém., p. 85).

A partir de então, foi necessário encontrar uma nova fonte de renda. Se o comunista era vigiado pela polícia, com a livraria não seria diferente. Ela também virou alvo do novo regime. Agentes da Polícia Federal foram ao local apreender livros. Raimundo Jinkings sofreu ameaças: “A nossa casa foi invadida várias vezes. A nossa livraria, reprimida. Nós respondemos vários processos porque nós vendíamos os livros que a ditadura proibia” (Semeador de Sonhos, 1994SEMEADOR DE SONHOS (1994). Direção: Val Sampaio. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=4nRjmlvcw_w&t=1s. Acesso em: 11 ago. 2021.
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). Entretanto, muitas obras escaparam dessas ações: “A gente criou um fundo falso num balcão na garagem. Quando tinha alguma ameaça, alguém se aproximava, a gente escondia os livros mais perigosos dentro do fundo falso. Livramos muitos livros assim” (Pinto Júnior, 2011PINTO JÚNIOR, Antonio Carlos Pimentel (2011). A biblioteca vermelha de Raimundo Jinkings: uma história de livros. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Pará, Belém., p. 43).

Que livros foram esses? As referências a essas obras são, muitas vezes, genéricas, como a anterior. Entretanto, somando partes de diferentes falas é possível ter uma ideia. Em um relato, Isa Jinkings refere-se às apreensões policiais feitas na livraria e afirma quais foram “erroneamente” levados: “...eles eram muito burros. Pegaram O Vermelho e o Negro do Stendhal, porque era vermelho, então levaram. Reunião, do Carlos Drummond de Andrade, que eram poemas, mas reunião era proibida” (Pinto Júnior, 2011PINTO JÚNIOR, Antonio Carlos Pimentel (2011). A biblioteca vermelha de Raimundo Jinkings: uma história de livros. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Pará, Belém., p. 43).

A escritora e professora da Universidade Federal do Pará, Amarílis Tupiassú (2018)TUPIASSÚ, Amarílis (2018). Raimundo Jinkings: coragem e persistência de um livreiro. Blog da Boitempo. Disponível em: https://blogdaboitempo.com.br/2018/09/21/raimundo-jinkings-coragem-e-persistencia-de-um-livreiro. Acesso em: 11 maio 2022.
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, recorda que Jinkings “arriscava-se e, dando seu jeito, fazia chegar a Belém até obras de escritores soviéticos, em um tempo em que qualquer menção a isso podia desaguar em inquéritos, prisões, torturas” (Tupiassú, 2018TUPIASSÚ, Amarílis (2018). Raimundo Jinkings: coragem e persistência de um livreiro. Blog da Boitempo. Disponível em: https://blogdaboitempo.com.br/2018/09/21/raimundo-jinkings-coragem-e-persistencia-de-um-livreiro. Acesso em: 11 maio 2022.
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).

Como já foi citado anteriormente, o SNI produziu um documento com uma listagem de “livrarias especializadas em literatura esquerdista”. Nele, a Jinkings é a única que aparece quando se refere ao Pará e é também a única de todo o norte, pois não há menção a nenhum outro estado dessa região do país. Obviamente, isso não significa que não houvesse outra livraria com essa tendência, simplesmente ela não é citada neste momento. Entretanto, essa menção única corrobora a relevância da Jinkings como espaço de resistência contra a ditadura, mas vai além disso justamente pela atuação ativa de seu dono como dirigente comunista. A livraria era vista pelos militares como “verdadeira sede do partido” para a realização de reuniões com integrantes da cúpula local do PCB, quando o partido agia na clandestinidade.

Mesmo no processo de abertura política, no governo Figueiredo, Raimundo Jinkings teve que lidar com a perseguição política. Um deles foi em novembro de 1979, pouco tempo depois de a livraria ser transferida para o endereço na Rua Tamoios, nº 1.592. Na madrugada do dia 18, a fachada da loja foi metralhada em um atentado. De acordo com uma reportagem do Jornal do Brasil, o vigia Pedro Duarte disse que “vários disparos foram feitos de um Volkswagen amarelo, que em seguida desapareceu em alta velocidade. Ele se jogou para baixo do balcão e por pouco não foi atingido pelos disparos” (Jornal do Brasil, 1979JORNAL DO BRASIL (1979). p. 20. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=030015_09&pesq=%22Livraria%20Jinkings%22&pasta=ano%20197&pagfis=208856. Acesso em: 11 ago. 2021.
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader...
). Outros locais foram alvo, com pichações mencionando Miguel Arraes4 4 No dia seguinte, chegava a Belém Miguel Arraes, ex-governador de Pernambuco que tinha voltado do exílio na Argélia. e assinaturas do Comando de Caça aos Comunistas. De forma breve, a investigação policial não identificou os autores do crime. Ao contrário, conclui-se, convenientemente, que o atentado foi uma farsa para atrair atenção à visita de Arraes a Belém.

LIVRARIA PALMARINCA: EXEMPLO DE LONGEVIDADE

A história da livraria começa, em 1972, como Livraria Tecno-Científica, especializada na importação de obras russas, nas áreas de matemática, engenharia e física. A Palmarinca surgiu para atender a um público diferente, interessado pela literatura latino-americana, de títulos em espanhol, vindos do México, Argentina e Espanha. Como começou a crescer, o livreiro optou em seguir com apenas um negócio, oficialmente, cinco anos mais tarde, em 1977. Nesse meio tempo, trabalhou com duas lojas simultaneamente. O nome é a combinação das palavras “Palmares” e “Inca”, o que nos antecipa um posicionamento do livreiro Rui Gonçalves ao homenagear as resistências negra e indígena. Gonçalves fez sociedade com Hermes Duarte Moreira, que ficou responsável pela parte financeira do negócio.

Palmarinca era uma das únicas livrarias em Porto Alegre especializada em obras de autores de esquerda e de ciências humanas (Beras, 2018BERAS, Cesar (2018). Palmarinca: livros, sentimentos, capitalismo e resistência. Porto Alegre: Evangraf.). Além dela, havia a Universitária, a Combate, a Vitória e a Farroupilha. Esta última era ligada ao Partido Comunista e pouco conhecida por quem não era do PCB (Campos, 2006CAMPOS, Arnaldo (2006). Um livreiro de todas as letras: Arnaldo Campos em entrevista a Renato Mendonça. Florianópolis: Escritório do Livro; Santa Cruz do Sul: Edunisc.).

O livreiro sempre apostou na especificidade do seu catálogo. Na Palmarinca, encontravam-se livros que não havia nas outras livrarias. Quando o título também não estava no estoque de Gonçalves, ele tratava de ir atrás. Esse fato atraía clientes como Gustavo Mello, advogado, que se assume como um jovem militante clandestino: “a gente ia lá, numa espécie de peregrinação, à procura de alguma coisa valiosa para o espírito, que não se encontrava nas demais livrarias”. Foi na Palmarinca que ele adquiriu, por exemplo, Uruguai: um campo de concentração, de A. Veiga Fialho (Beras, 2018BERAS, Cesar (2018). Palmarinca: livros, sentimentos, capitalismo e resistência. Porto Alegre: Evangraf., p. 285). Outra descoberta feita por um cliente foi no caso de Sergius Gonzaga, docente de Literatura na Universidade Federal do Rio Grande de Sul (UFRGS). Ele surpreendeu-se ao encontrar na loja uma obra de Karl Marx em três volumes, da Editorial Moscou, em espanhol: “eu não sei como conseguiam esses livros”. E afirma o que já foi dito, que lá encontrava “edições que digamos seria impensável você encontrar no mercado” (Beras, 2018BERAS, Cesar (2018). Palmarinca: livros, sentimentos, capitalismo e resistência. Porto Alegre: Evangraf., p. 276).

Na lista dos principais autores estavam Karl Marx, Max Weber, Lênin, Antonio Gramsci, Caio Prado Jr., e mesmo alguns nomes de outras correntes, como o francês Robespierre. “Eu acho, que numa boa livraria tu encontra obras básicas, clássicas da esquerda e da direita. Marx não ia fazer a crítica da economia política se não tivesse estudado economia política”, explicou o próprio livreiro (Beras, 2018BERAS, Cesar (2018). Palmarinca: livros, sentimentos, capitalismo e resistência. Porto Alegre: Evangraf., p. 215).

Todavia, o forte era de fato o catálogo de obras de esquerda. Tanto que, durante a ditadura, as pessoas iam até a livraria apreensivas: “Quem está subindo atrás? Quem vem na escada? Estamos sendo seguidas ou não estamos sendo seguidas?” (Beras, 2018BERAS, Cesar (2018). Palmarinca: livros, sentimentos, capitalismo e resistência. Porto Alegre: Evangraf., p. 201), lembra Carmem Machado, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Ir à Palmarinca era motivo de segredo: “Não se comentava em outros ambientes a não ser dentro da universidade com os colegas conhecidos” (apud Beras, 2018BERAS, Cesar (2018). Palmarinca: livros, sentimentos, capitalismo e resistência. Porto Alegre: Evangraf.). É o que relata Vera Cohen, professora aposentada da UFRGS:

Precisávamos, às vezes, de livros com temas complexos e estávamos em plena ditadura. Aquilo era uma confiança mútua porque ele me consegue um livro, mas eu posso ser um dedo duro, ao mesmo tempo que pedindo para ele, estou confiando, porque ele também pode ser (apud Beras, 2018BERAS, Cesar (2018). Palmarinca: livros, sentimentos, capitalismo e resistência. Porto Alegre: Evangraf., p. 294).

A livraria ficou, por 19 anos, no primeiro andar de um prédio comercial antigo na Galeria Pio XII, Rua General Vitorino. Antes, ficou por pouco tempo na Galeria Malcon, Rua dos Andradas, 1.560, no quarto andar. Em 1991, a livraria foi para uma loja na esquina da Avenida Borges de Medeiros com a Rua Marechal Floriano (Figura 3). Foi o maior espaço já ocupado e com maior número de pessoas circulando. Entretanto, o aumento no valor do aluguel fez com que o Gonçalves mudasse mais uma vez de endereço. Em 1996, o livreiro comprou a loja na Rua Jerônimo Coelho, onde ficou até fechar, em 2020. É um prédio histórico de três andares. A inauguração foi no dia 20 de outubro de 1998, com leitura de contos por João Gilberto Noll.

Figura 3.
Palmarinca, na esquina da Av. Borges de Medeiros com a Rua Marechal Floriano.

Além de professores e estudantes universitários, circulavam pelo espaço escritores como Moacyr Scliar, Luiz Fernando Veríssimo e João Gilberto Noll; e políticos como Olívio Dutra, Ibsen Pinheiro, Tarso Genro e Paulo Paim, além de muitos professores universitários. O quadro de clientes pode ser considerado um dos termômetros possíveis para entender uma livraria como ponto de resistência. Neste caso, a Palmarinca mostra um fluxo de frequentadores que também se colocaram contra a ditadura militar (1964–1985). De acordo com o professor Cesar Beras (2018)BERAS, Cesar (2018). Palmarinca: livros, sentimentos, capitalismo e resistência. Porto Alegre: Evangraf., a Palmarinca contribuiu para a formação intelectual e política de uma geração: “Ela teve uma função sociopolítica muito grande... Ela formou quadros políticos, porque as pessoas começaram a ter acesso a uma literatura que não havia acesso de outra forma a não ser lá” (Beras, 2018BERAS, Cesar (2018). Palmarinca: livros, sentimentos, capitalismo e resistência. Porto Alegre: Evangraf., p. 265).

Por todo o clima e ambiente proporcionados pelo livreiro, é possível afirmar que a Palmarinca oferecia a seus clientes mais do que livros. Para corroborar tal afirmação, segue fala da professora Carmem Machado:

É um lugar de cultura, de conhecimento, de diálogo sobre os assuntos que interessam [...] é uma socialização do conhecimento não só do livro, mas o conhecimento que se trava, e que se constitui no diálogo que se produz entre as pessoas que vêm aqui nesse contato, por esse meio (apud Beras, 2018BERAS, Cesar (2018). Palmarinca: livros, sentimentos, capitalismo e resistência. Porto Alegre: Evangraf., p. 199).

NADA DE LIVROS SOBRE GUERRILHA

A Palmarinca é citada em alguns documentos produzidos pelo SNI, além do já mencionado anteriormente. Em arquivo de 22 de julho de 1980, há informações da livraria e a seguinte descrição: “se dedica exclusivamente à venda de livros de cunho marxista, grande parte desses livros são em língua espanhola e originários do México” (Arquivo Nacional, 1980aARQUIVO NACIONAL (1980a). BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_GGG_80001552_d0001de0001. Disponível em: https://sian.an.gov.br/. Acesso em: 10 out. 2019.
https://sian.an.gov.br/...
). Ao citarem o sócio Hermes Duarte Moreira, afirmam que ele tinha ligações com membros do PCB.

Outro registro, de dezembro de 1980, tinha como foco as livrarias de Porto Alegre. Segundo tal documento, 70% dos livros da Palmarinca eram importados e de língua espanhola. Estava registrado também que o estabelecimento tinha “um organizado esquema de divulgação e vendagem das suas obras a um público previamente selecionado (professores, estudantes, profissionais liberais, políticos e outros elementos interessados em assuntos sócio-políticos)” (Arquivo Nacional, 1980bARQUIVO NACIONAL (1980b). BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_GGG_80001793_d0001de0001. Disponível em: https://sian.an.gov.br/. Acesso em: 10 out. 2019.
https://sian.an.gov.br/...
). Ainda segundo documento, as obras versavam “sobre questões operárias, sobre educação, sobre o negro, sobre o índio, sobre a questão agrária, sobre a questão da mulher, sobre CUBA, clássicos do marxismo” (Arquivo Nacional, 1980bARQUIVO NACIONAL (1980b). BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_GGG_80001793_d0001de0001. Disponível em: https://sian.an.gov.br/. Acesso em: 10 out. 2019.
https://sian.an.gov.br/...
). Em outro documento, há uma relação pequena de livros: Lutas e aristocracia, de Luís Carlos Prestes5 5 Acredito que estavam fazendo menção à Prestes: lutas e autocríticas, de Dênis de Moraes e Francisco Viana (1982). ; PCB, conflito e integração, de Ronaldo Chilcote; Classe operária e a abertura, de Luiz Werneck Vianna; O PCB em São Paulo (documento de 1974–1981) e Coyoacan, revista marxista do México (Arquivo Nacional, 1983ARQUIVO NACIONAL (1983). BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_GGG_83007614_d0001de0001. Disponível em: https://sian.an.gov.br/. Acesso em: 18 fev. 2022.
https://sian.an.gov.br/...
).

Segundo Rui Gonçalves, a Palmarinca e ele como livreiro não sofreram diretamente a violência que outras livrarias sofreram ao longo do regime militar: “nunca me perseguiu, nunca fez nada. Não atiraram bombas na livraria” (apud Beras, 2018BERAS, Cesar (2018). Palmarinca: livros, sentimentos, capitalismo e resistência. Porto Alegre: Evangraf., p. 362). Apesar de não ter havido esse tipo de intervenção direta, é perceptível que a loja dele estava sob os olhares dos censores. Para evitar apreensões, o livreiro explicou que seguia uma “regra informal vigente”, a de não vender livros sobre guerrilha. De acordo com ele, cumprindo essa parte, estaria liberado para comercializar obras de esquerda. Gonçalvez conhecia um agente da Polícia Federal que ajudava a liberar as encomendas que, eventualmente, ficavam presas no porto: “Só não me traga livros que incitem guerrilha urbana, aí, sim nós vamos partir mesmo para a apreensão dos livros” (apud Beras, 2018BERAS, Cesar (2018). Palmarinca: livros, sentimentos, capitalismo e resistência. Porto Alegre: Evangraf., p. 100).

O discurso de Rui Gonçalves foi o de um livreiro que tinha autonomia na escolha de suas obras; o que não era realidade para a maioria de seus colegas de profissão pelo país. Ele explica que fornecia livros para universidades de outros estados, como a Universidade de Brasília, por exemplo. Nesse caso, segundo o livreiro, encomendaram-lhe exemplares de O Capital porque tinham dificuldades de conseguir em livrarias em Brasília:

as livrarias não tinham coragem de expor esses livros, assustadas, que o próprio livreiro tem a mania de ser ele o censor e eu sempre digo que quem faz a censura é o cliente da livraria e a livraria como era especializada em ciências humanas eu também me dava a liberdade de ter os livros (Beras, 2018BERAS, Cesar (2018). Palmarinca: livros, sentimentos, capitalismo e resistência. Porto Alegre: Evangraf., p. 99).

Em outro momento, ele reforça o papel da Palmarinca como única fornecedora de determinadas obras: “as outras livrarias não queriam correr risco, porque as outras livrarias eram realmente mercantis e tal” (Beras, 2018BERAS, Cesar (2018). Palmarinca: livros, sentimentos, capitalismo e resistência. Porto Alegre: Evangraf., p. 100). Como ficou perceptível, a demanda de professores universitários era grande, e, segundo Gonçalves, era também exigente.

Rui Paulo Diniz Gonçalves nasceu em Bagé (RS), em 13 de setembro de 1951. Aos 13 anos, em 1965, trabalhou em uma livraria do PCB. Foi filiado ao Partido Democrático Trabalhista (PDT). Antes, tentou o Partidos dos Trabalhadores, mas foi barrado “porque eu era patrão não podia me filiar” (apud Beras, 2018BERAS, Cesar (2018). Palmarinca: livros, sentimentos, capitalismo e resistência. Porto Alegre: Evangraf., p. 108). À época da sua morte, o PCB divulgou uma nota de pesar: “Além de livreiro... foi, com exemplar modéstia e tranquilidade, capaz de aglutinar a esquerda do Rio Grande do Sul, o que passou muitas vezes despercebido. Essa a sua brilhante ação política”6 6 Disponível em: https://m.facebook.com/PCBRS/posts/2558470517756980/. Acesso em: 18 fev. 2022. .

A morte da Palmarinca deu-se 48 anos depois de sua inauguração, quando Rui Gonçalves sofreu um acidente e morreu aos 68 anos, no dia 16 de fevereiro de 2020. Como livreiro, Gonçalves sempre foi a coluna vertebral da livraria e o rosto de referência de seus frequentadores. Ele mesmo afirma que “a livraria é sempre a cara do livreiro, a ideologia do livreiro... a livraria é como se fosse a extensão da minha casa, da minha sala” (apud Beras, 2018BERAS, Cesar (2018). Palmarinca: livros, sentimentos, capitalismo e resistência. Porto Alegre: Evangraf., p. 364).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No início deste artigo, a proposta feita foi a de trazer o percurso de duas livrarias que fizeram contribuições para se discutir o espaço da livraria e a figura do livreiro especificamente em um campo literário que estava submetido a uma ditadura militar. E, com base na teoria dos polissistemas (Even-Zohar), especificamente do conceito de “repertório”, pensar na forma como tais livrarias e livreiros atuaram como fatores de resistência e enfrentamento nesse contexto de abuso e censura.

As livrarias Jinkings e Palmarinca mostraram-se quase espelhos de seus livreiros, refletindo, nos títulos disponibilizados para venda, as convicções políticas de seus proprietários. Nesse sentido, confirmamos a hipótese inicial de que o repertório de um influencia o do outro e, consequentemente, torna-se um fator de identificação entre produtor e consumidor. O tempo de duração de ambos os empreendimentos também é um ponto que os une e os coloca em uma posição de prestígio (Bourdieu, 2002BOURDIEU, Pierre (2002). As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário. São Paulo: Companhia das Letras.). De acordo com Bourdieu (2002)BOURDIEU, Pierre (2002). As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário. São Paulo: Companhia das Letras., a melhor forma de medir a posição de um empreendimento de produção cultural no campo é a duração do ciclo de produção. Assim, quando nos referimos às duas livrarias em questão, podemos afirmar que elas são pontos comerciais mas, também, pontos de leitura, de construção de carreiras e de consagração de escritores.

Ainda em termos de reconhecimento e prestígio, os dois livreiros foram reconhecidos pelas suas contribuições em vida e também após a morte. Jinkings recebeu o título de Livreiro do Ano pela Associação Nacional de Livrarias, em 1994, e foi homenageado na Bienal do Livro, em São Paulo. Recebeu também o título honorífico de Cidadão do Pará post mortem, em 2011, pela Câmara Municipal de Belém; e, em 2012, foi homenageado pelo PCB com a medalha Dinarco Reis por ter sido “um dos responsáveis pela resistência e reorganização do partido no Pará e Amapá” (PCB, 2021PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO (PCB) (2021). PCB homenageia Raimundo Jinkings. PCB. Disponível em: https://pcb.org.br/portal2/3111/pcb-homenageia-raimundo-jinkings-2/. Acesso em: 11 ago. 2021.
https://pcb.org.br/portal2/3111/pcb-home...
).

No caso de Rui Gonçalves, foi homenageado pela Câmara do Livro de Porto Alegre em duas ocasiões, em 2003 e em 2017, pelos anos “de trabalho em prol do livro”. Em 2005, recebeu o prêmio Cultura Econômica, realizado pelo Jornal do Comércio pelo acervo diversificado e grande, constância na feira do livro, “mais um reconhecimento da sociedade” (Beras, 2018BERAS, Cesar (2018). Palmarinca: livros, sentimentos, capitalismo e resistência. Porto Alegre: Evangraf., p. 160). E também foi homenageado pelo PCB no momento de sua morte.

Jinkings e Gonçalves deixaram marcas significativas na atuação como livreiros e na forma como as livrarias se apresentavam aos seus frequentadores. A partir disso, as duas contribuíram para ofertar um catálogo de obras e autores único. Isso nos leva a pensar que, sem profissionais como eles, o repertório de uma geração de leitores ficaria prejudicado visto que o cliente confiava e dependia daqueles espaços.

  • 1
    Informação confirmada por Leila Jinkings à autora deste artigo, por e-mail, em julho de 2022.
  • 2
    Entre os projetos com esse intuito, destacam-se “Livro na praça quase de graça” e “Livrariazinha”. Mais informações em Mollo (2022)MOLLO, Lúcia Tormin (2022). Livrarias e livreiros na Ditadura Militar brasileira (1964-1985). Tese (Doutorado) – Universidade de Brasília, Brasília..
  • 3
    Vladimir Cunha é filho de Humberto Cunha, ex-deputado estadual, e de Isa Cunha, historiadora, fundadora da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos e do Movimento de Mulheres da Cidade e do Campo.
  • 4
    No dia seguinte, chegava a Belém Miguel Arraes, ex-governador de Pernambuco que tinha voltado do exílio na Argélia.
  • 5
    Acredito que estavam fazendo menção à Prestes: lutas e autocríticas, de Dênis de Moraes e Francisco Viana (1982).
  • 6
    Disponível em: https://m.facebook.com/PCBRS/posts/2558470517756980/. Acesso em: 18 fev. 2022.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    28 Abr 2023
  • Aceito
    31 Out 2023
Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea, Programa de Pós-Graduação em Literatura da Universidade de Brasília (UnB) Programa de Pós-Graduação em Literatura, Departamento de Teoria Literária e Literaturas, Universidade de Brasília , ICC Sul, Ala B, Sobreloja, sala B1-8, Campus Universitário Darcy Ribeiro , CEP 70910-900 – Brasília/DF – Brasil, Tel.: 55 61 3107-7213 - Brasília - DF - Brazil
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