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A mobilização das carnes: história, desejo e política ao rés dos corpos

The mobilization of fleshs: history, desire and politics close to bodies

Resumo

Esse artigo aborda a centralidade das carnes, dos corpos e dos desejos na escrita da história. Como trazer os corpos e suas sensibilidades, emoções e comoções para o cerne da escrita da história é um gesto político da maior importância. Trata-se do historiador não almejar apenas dar conta das formas que conformaram e configuraram o passado, mas também de querer fazer de seu próprio corpo, de suas carnes, um instrumento de passagem dos afetos, forças e intensidades que ainda habitam os restos, os signos, os materiais que nos chegaram do outrora, medindo e avaliando através da capacidade de afetar que cada uma dessas presenças do passado ainda possuem, suas possibilidades de fazer efeito e de mobilizar as pessoas no tempo presente.

Palavras-chave:
Historiografia; Carne; Corpo

Abstract

This text addresses the centrality of flesh, bodies and desires in the writing of history. How to bring bodies and their sensibilities, emotions and emotions to the heart of writing history is a political gesture of the utmost importance. It is about the historian not only aiming to account for the forms that shaped and shaped the past, but also wanting to make his own body, his flesh, an instrument for the passage of affections, forces and intensities that still inhabit the remains, the signs, the materials that came to us from the past, measuring and evaluating through the ability to affect that each of these presences from the past still have, their possibilities of having an effect and mobilizing people in the present time.

Keywords:
Historiography; Flesh; Body

Introdução

As histórias são inventadas, mesmo as reais,

quando são contadas. Entre o acontecimento

e a narração do fato, há um espaço em profundidade, é ali que explode a invenção

(Conceição Evaristo, Becos da memória, 2017, p. 11).

As carnes humanas, quando vivas, se movem, se movimentam, se mobilizam. O que define o ser vivo é a mobilidade, a sua capacidade de mutação, de transformação. O vivo, mesmo quando fixo em um lugar, como é o caso das plantas, é atravessado por movimentações, metamorfoses, modificações, por fluxos.

As carnes humanas não apenas se movem, mas se comovem, são percutidas pelas emoções, são abaladas pelos sentimentos. As carnes humanas vibram no encontro com os afetos do mundo, elas são afetadas, elas são afetuosas. As carnes humanas são eróticas, pois se mobilizam ao toque do outro, são atravessadas por ondas de prazer ou desprazer, por espasmos de repulsa e abjeção, por calafrios, por arrepios, por retesamentos, tensões e distensões.

Elas respondem aos choques, aos toques, às provocações e às provações que vêm do ambiente natural, social e cultural em que se encontram. As carnes se tornam corpos humanos nos encontros e desencontros com outros corpos, com outros entes, humanos ou inumanos, através da encarnação dos códigos sociais, dos modelos de corpos que circulam socialmente.

Se os corpos são fabricados através da incorporação das regras, das normas, das leis, o corpo é, de saída, um construto político. Como explicitava a concepção grega de cidadão, o corpo de cada habitante da cidade era o que a constituía e, ao mesmo tempo, era por ela constituído.

Como nos fala Richard Sennet (2010SENNET, Richard. Carne e pedra: o corpo e a cidade na civilização ocidental. São Paulo: Best Bolso, 2010. ), a cidade é feita de carne e pedra, do amálgama entre elas, com as carnes dando forma às pedras e com elas também ganhando forma. O corpo da cidade é fruto do conjunto dos corpos de seus cidadãos que, por sua vez, deixam de ser carne nua, simples existência biológica, a vida como zoé, para se tornarem corpo, através da participação nas leis e costumes da cidade, a vida como bios, isto é, como vida política, como vida pública.

O corpo visto como mero conjunto de órgãos, como biologia, é a sua redução a condição de vida nua, como nos fala Giorgio Agamben (2002AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua I. Tradução de Henrique Burigo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.), o corpo hospitalar, o corpo que perde seus direitos e se torna mero paciente, perde a condição de sujeito de si mesmo e passa a ser o objeto de aplicação de um saber e de um poder de um outro, de um especialista.

O poder e o saber médicos nos assusta por ter como ponto de partida o que seria uma despolitização do corpo, a perda de nossos direitos fundamentais, como o da privacidade, o da intimidade e o do controle sobre nosso próprio corpo. O ritual de internação hospitalar, assim como o ritual que marca a entrada de um prisioneiro no cárcere, é marcado pelo despojamento das marcas que fazem de dadas carnes, um corpo, e, com ele, um sujeito de direitos, um sujeito político.

A sujeição a um poder externo, exige um ritual de desubjetivação, de despersonalização, de despossessão de si mesmo, para que esse corpo volte a ser carnes e elas possam ser moldadas e modeladas como corpo institucional, como corpo hospitalar ou carcerário (FOUCAULT, 1984FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão; tradução de Lígia M. Pondé Vassalo. Petrópolis, Vozes, 1984.).

Mas são nessas situações extremas de exercício do poder, em que os corpos são postos à prova, em que os corpos são ameaçados de aniquilamento, de redução à sua condição de carne, à sua condição de vida nua, que as carnes manifestam a sua potência de resistência, de resiliência, de revolta, de rebelião. Em nome, muitas vezes, da própria manutenção da vida, da afirmação da condição de ser vivo, as carnes se rebelam, as carnes se levantam, as carnes se mobilizam, as carnes se comovem.

Elas manifestam, antes de tudo, o desejo de continuar existindo, ou seja, de continuar se movendo na direção de um além de si mesmas, de um fora, de um exterior de si próprias. Pois existir, etimologicamente vem da palavra latina, ex-sistere, significando sair do cesto, sair para um fora de algo.

A existência é uma manifestação, um aparecimento, um levantamento, um vir à tona, portanto, para continuar existindo, as carnes precisam, muitas vezes, fazer um aparecimento, se manifestarem, chamarem atenção para sua presença, nem que seja através da dor. Se gritar, se falar, se manifestar-se é um gesto político, as carnes podem estar a fazer uma ação política ao chamarem atenção para sua existência, ao se manifestarem, ao gritarem através da dor e do sofrimento.

As carnes se mostram, se apresentam, fazem presença também quando se comovem, quando se deixam movimentar pelas paixões, pelas emoções, pelos sentimentos. Em momentos de perigo para a vida, as carnes se apaixonam, se tornam patéticas, se deixam atravessar por emoções: medo, pavor, horror, raiva, ódio, orgulho, tristeza, ressentimento etc.

As carnes, nesses momentos de ameaça à existência, nesses momentos em que se veem ameaçadas de paralisia, de morte, reafirmam o estar vivo através de suas manifestações nervosas, humorais, hormonais, instituais, pulsonais: elas expelem suores, cheiros, secretam substâncias químicas, se manifestam através de tremores, de contrações, de arrepios, de lágrimas, de reações instintivas e agressivas.

Como podemos nos dar conta da rebeldia das carnes, de seu inconformismo com a situação em que está vivendo? Como podemos nos aproximar, como historiadores, das rebeliões das carnes, de suas afrontas aos poderes e saberes que as tentam domar e domesticar? Como podemos nos dar conta das emoções, das comoções e dos desejos que atravessam as carnes em um momento de perigo? Para além das falas, dos discursos, dos gritos, dos xingamentos, das imprecações, das lamentações, dos impropérios, das lamúrias, há os gestos, as gesticulações, que são os signos das mobilizações das carnes, dos movimentos dos corpos.

Como nos mostra Georges Didi-Huberman (2017DIDI-HUBERMAN, Georges. Pueblos em lágrimas, pueblos em armas: el ojo de la historia, 6. Tradução de Mariel Manrique e Hernán Marturet. Santander: Shangrila, 2017. ), no belíssimo livro Levantes, o desejo de futuro se encontra com a memória, por vezes milenar, na aparição do gesto. O gesto é uma figura, um esquema corporal, pois é fruto da educação das carnes, da formatação cultural dos corpos. O gesto possui um sentido que depende de cada contexto cultural em que é realizado. O gesto implica o aprendizado de uma gramática corporal que, por vezes, foi gestada secularmente.

O gesto, muitas vezes, se assemelha a um fóssil cultural, é a cristalização de uma imagem que se elabora com partes do corpo ou com o corpo inteiro, e que é atualizada e posta em movimento a cada vez que se repete, diferenciando-se. O gesto é um cristal de tempo, é um traço de tempo em suspensão, por isso mesmo, material privilegiado para a leitura dos historiadores.

Quando estamos doentes repetimos gestos milenares sem nos darmos conta. Quando a vida se vê ameaçada, certas reações corporais, há muito aprendidas pela espécie humana, vem à tona, aparecem ao rés dos corpos. O historiador deve ser um leitor de signos gestuais, de signos corporais, deve ser um semiólogo dos desenhos que traçamos no ar, com os nossos corpos.

Aquilo que nos revolta politicamente, aquilo que nos levanta do chão, da cama, do comodismo, aquilo que nos faz ir à luta, começa pelas forças que atravessam nossas carnes: as forças dos desejos, das emoções, dos sentimentos, das paixões, das imaginações, dos sonhos, das fantasias, dos fantasmas, das razões e desrazões.

Só nos pomos de pé para a luta, para a revolta, para a disputa, para o conflito, porque algo nos mobiliza, algo que vem de fora e nos afeta, mas que nos move por dentro, que comove nossas entranhas. O gesto político nasce de uma mobilização das carnes feitas pelas condições históricas em que elas se situam e da qual padecem.

Como já teorizava Freud (2016FREUD, Sigmund. Além do princípio do prazer. Tradução Renato Zwick. Porto Alegre: L&PM Editores, 2016. ), o desejo pode nascer da falta, da perda, da derrota, da ausência, do luto. A perda, a morte de um outro e até de um mundo, de uma forma de viver, a perda de algo amado e de valor pode mobilizar alguém, pode levá-lo ao gesto de revolta e de rebelião. Os gestos de luto podem se transformar em gestos de sublevação, tal como nos indica a análise do filme O Encouraçado Potemkin, de Sergei Eisenstein, feita por Georges Didi-Huberman (2017DIDI-HUBERMAN, Georges (org.). Levantes; tradução de Jorge Bastos; Edgar de Assis Carvalho; Mariza P. Bosco; Eric R. R. Heneault. São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2017., p. 195-201).

A revolta, a revolução, devemos lembrar aos historiadores, é feita, sobretudo, pelos corpos, e não apenas por ideologias, ideias ou projetos. A sublevação começa nas carnes e ganha corpos nos gestos, nas ações, que põem a revolta em movimento. Movimentos sociais são antes, e acima de tudo, movimentos corporais, das carnes, pois são a partir delas que, ao se moverem impulsionadas por dados desejos de mudanças e transformações, ao se mobilizarem a partir de dadas paixões políticas, que podem nascer de discursos e projetos racionalmente elaborados, que corpos políticos se configuram, que órgãos e instituições políticas ganham corpo.

Mesmo o projeto político mais racional, só será posto em andamento se ele apaixonar corpos, se ele mobilizar carnes pensantes, se ele fizer se mover, apaixonadamente, subjetividades encarnadas, que são as subjetividades humanas. Como os historiadores podem contar a história das sublevações, das revoltas, das rebeliões, das revoluções, sem partir dos corpos e de seus gestos? A iconografia de um levante, como nos mostra Didi-Huberman (2020DIDI-HUBERMAN, Georges. Gestos de aire y piedra: sobre la materia de las imágenes; tradução de Melina Balcázar. Ciudad de México: Canta Mares, 2020. ), começa pelos gestos, pelos corpos que se configuram, ganham dada forma na revolta.

Há rostos para a revolta, há faces de raiva e de indignação, de descontentamento e de insubordinação. São as carnes que sangram, se mutilam e morrem na revolta, mas também são elas que dão corpo à rebelião, são elas que se aglutinam e dão forma ao batalhão, à tropa, à guerrilha, ao atirador, ao sabotador etc. A política é do campo dos afetos e das paixões e não apenas das razões. Para que o ar se incendeie com o fogo da revolta é preciso que se mobilizem o calor, as forças, as energias, as fagulhas de desejo e sonho das carnes humanas.

A cólera revolucionária é uma paixão que nasce nas subjetividades encarnadas, que faz um fogo percorrer toda a carne e colocá-la de prontidão para devir um corpo rebelado, um corpo capaz de gestos e ações de rebelião. Para que um corpo se incendeie com o desejo da revolta é preciso, muitas vezes, apenas uma imagem, uma afecção visual ou sonora, uma mensagem, um signo, que toque e mobilize aquelas carnes e que as façam se levantar, se erguer. O gesto político nasce da dialética entre o afeto de superfície e o desejo que vem das profundezas das carnes, da subjetividade.

O gesto é uma manifestação de superfície, de desejos e paixões que movimentam as profundezas das carnes. Quando nos exaltamos, quando um gesto se levanta, se ergue, ele vem das entranhas das carnes e das subjetividades, ele vem das profundezas dos tempos. Ele se ergue como uma resposta a uma convocação, a uma provocação, a uma provação feita pelo mundo.

Aprendemos um repertório de gestos, muitos deles automatizamos a ponto de se tornarem instintivos, eles são aquisições seculares da espécie, traços estruturais que se atualizam fenomenologicamente, que se fazem acontecimento, em dado contexto temporal específico: quando levamos a mão aos olhos protegendo-os de alguma ameaça que se aproxima, quando nos abaixamos quando algo vem de encontro a nossa cabeça, quando nos desviamos rapidamente de algo que nos pode ferir, realizamos gestos que foram aprendidos há milhares de anos, mas que atualizamos em cada um destes acontecimentos.

Um gesto é, pois, ao mesmo tempo, memórias encarnadas e convocadas, atualizadas, por afetos, por acontecimentos, por desejos do presente. No gesto, passados e presente se encontram, entram em coalescência ou em colisão. Numa manifestação política erguemos os braços, cerramos os punhos, cantamos canções e repetimos bordões, gestos seculares ligados à expressão da disposição para a luta e para a resistência.

O historiador pode fazer a arqueologia do gesto de revolta, como pode fazer do gesto de dor, da expressão de adoecimento, de padecimento, de sofrimento físico e/ou subjetivo. O gesto implica um sair da paralisia, do repouso, da inação, daquilo que se assemelha ao cadáver, uma carne morta.

O gesto é, ao mesmo tempo, estético e político, porque ele implica uma forma que, por sua vez, implica o sair da paralização, implica o movimento, a ação, o sair de si, o apresentar-se, o mostrar-se, o fazer cena, o arriscar-se, o colocar-se em risco. Toda vez que fazemos um gesto corremos, pelo menos, o risco do não entendimento e da incompreensão. Um gesto pode ser bem ou mal recebido, recepcionado, pode fazer sentido ou não fazer sentido, pode ser aceito ou recusado.

Toda vez que gesticulamos tomamos posição no mundo, fazemos uma pose, nos posicionamos perante o outro, nos colocamos em relação ao mundo, a um fora, nos expomos. O gesto é exposição, ou seja, a tomada de uma posição num fora, num exterior, é a colocação de nossas carnes num dado espaço, é a performatização de um corpo sob o risco do fora. O gesto é político porque ele é mensagem, é sentido, é discurso, é linguagem dirigido a um outro, mesmo que, no momento, possamos estar só, pois, quando elaborado, esse gesto implicou a comunicação a alguém de algo.

A gesticulação, a mímica, foi a primeira forma de linguagem humana, fazer caras e bocas, fazer gestos e corpos, fazer cenas e encenações, fazer presença, ganhar aparência, fazer formas de aparecimento foram aprendizados que nos constituíram como humanos. Como seres gregários, como seres sociais, os humanos inventaram gestos na ânsia de comunicação com o outro. O gesto é político porque nasce do desejo de relação, princípio de todo poder, todo poder é relacional e, portanto, gestual, gesticulado.

O poder se realiza e se encena através de gestos, o poder é estético porque ele necessita para se afirmar e se legitimar de ganhar formas rituais e emblemáticas, formas simbólicas, todas apoiadas em dados gestos. O curvar-se diante da presença do rei ou o beijar a mão da autoridade eclesiástica, o pedir a benção ao pai e o levantar-se diante do patrão, são gestos que materializam relações de poder.

Mas o gesto também carrega consigo a potência, a potencialidade, da afronta ao poder, do enfrentamento ao poderoso. O gesto transgressivo viola em ato a norma, a regra, a lei e desafia os poderes que as sustentam. O gesto de queimar o sutiã simbolizava para as feministas a afronta ao poder patriarcal sobre o corpo das mulheres, afrontava o controle dos corpos, o poder masculino, materializado em uma peça de vestuário.

A libertação das mulheres começava pela liberação de suas carnes de todos os aprisionamentos, inclusive de peças do vestuário consideradas sexistas, para que novos corpos, liberados, fossem performatizados. O desmunhecar do homossexual, visto como efeminado, viola as regras e códigos de gênero que devem ser encarnados pelos corpos masculinos. Seu gesto de mão, sua postura corporal, os rostos que faz, rompem com os padrões, com os modelos de mãos, corpos e rostos nomeados de masculinos.

O gesto transgressivo, assim como o gesto de revolta, causa uma ruptura com os códigos encarnados nos corpos que seguem os modelos hegemônicos de corporeidade. Na revolta e na transgressão o sujeito sai de si, sai da ordem, se desordena, se reelabora, se subjetiva de um outro modo, se recusa a estar sujeito e a ser sujeito conforme a ordem hegemônica. Para se fazer uma história política não é preciso estar atento apenas aos grandes gestos, aos grandes acontecimentos, aos grandes personagens da história.

Há uma história política que pode ser feita a partir dos pequenos gestos de reprodução e atualização ou de contestação e resistência aos poderes, uma microhistória de uma micropolítica que se passa ao rés dos corpos, que mobiliza as carnes, que surge dos movimentos dos desejos, das paixões, das emoções, das forças e potências que atuam nas carnes e que constituem corpos resistentes ou corpos conformados e conformistas.

O gesto de revolta, o gesto de transgressão fratura o tempo, ele abre a possibilidade da vivência de novas temporalidades. Assim como ele corta o ar, ele corta o tempo, o bifurca para novas possibilidades. O tempo da revolta abre um hiato no tempo da rotina, no tempo repetitivo do cotidiano.

Mesmo uma manifestação fugaz de rebelião, de descontentamento, de desconformidade com o que se passa, num dado momento, abre um intervalo de questionamento, um tempo crítico, uma crise que fratura minimamente o tempo da mesmice. O gesto inconformado questiona a temporalidade de uma dada forma, põe essa forma de ser, de agir, de se colocar, de se posicionar, em questão.

Um gesto de impaciência, de desgosto, pode ser o suficiente para inaugurar um tempo de reflexão, de problematização sobre uma dada ordem de coisas. Uma crise pode ser inaugurada por um gesto. Uma cisão, um rompimento, uma separação, um fim, pode ser iniciado por um simples gesto de rebeldia. A transgressão e a revolta trazem a potência da criação de tempos outros, da inauguração de uma abertura para o devir.

Um gesto que seja um corte, uma ruptura, um deslocamento, um deslizamento, pode abrir margem para a manifestação da potência de criação, de invenção, que definem o próprio ser da vida humana. O humano é um ser totalmente reprogramado pela cultura, que pode afrontar, inclusive, os limites impostos por certas programações da natureza. Os humanos são seres, por definição, abertos, inacabados, expostos ao devir, a temporalidade, ao vir a ser (AGAMBEN, 2017 AGAMBEN, Giorgio. O aberto: o homem e o animal. tradução de Pedro Barbosa Mendes. 3ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017. ).

Cada gesto humano pode significar essa exposição, a abertura aos possíveis de si mesmo, cada gesto humano pode ser essa busca de ir além de si mesmo, que caracteriza a condição humana. Saber-se mortal, saber-se finito, no entanto, não impede os humanos de buscar o ilimitado, de se atirar em busca de um para além de si mesmo, em cada gesto que atira ao mundo e ao outro.

O gesto humano tem a potência do infinito, do ilimitado, ele afronta os limites, inclusive, materiais da existência e de suas próprias carnes. Nas diversas invenções de corpos de que os humanos já se mostraram capazes atualizam-se e patenteiam-se as possibilidades inumeráveis das carnes humanas, as virtualidades de que elas, em contato com a cultura, passam a estar dotadas.

A política e o desejo dão origem e se manifestam através de formas, inclusive das formas corporais, das formações gestuais. A história humana é a história das morfogêneses, das produções de formas, de artefatos, de coisas, de objetos, de corpos e de rostos. Um historiador é alguém que deve estar atento para as formas, não apenas em seu estado de repouso, de completude estática, mas para os próprios movimentos de configuração e conformação das formas.

Um historiador deve estar atento para os processos de formação e deformação, de reforma e revolução das formas, como elas são trabalhadas pelo tempo e como elas são materializações de sua própria duração. Como apontava Bergson (2010BERGSON, Henri. Matéria e memória: ensaio sobre a relação do corpo com o espírito. 4ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. ), a duração deve ser pensada como um processo ininterrupto e movente de temporalização dos entes e dos seres.

As nossas carnes são trabalhadas permanentemente pelo tempo, que as arruína, que as deforma, que dão a elas novas formas. O mesmo ocorre com os gestos, eles permanecem e mudam no e com o tempo, eles também envelhecem, tornam-se fora do tempo, obsoletos, eles podem e são esquecidos. Faz parte do ofício do historiador escavar as camadas de gestos soterrados e esquecidos.

Como propôs Walter Benjamin (2020BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de história: edição crítica. Tradução de Adalberto Müller e Márcio Seligmann-Silva. São Paulo: Alameda Editorial, 2020. ), o historiador materialista é aquele que remonta a gestos abandonados pelos derrotados e vencidos, é aquele que monta a gestualidade de revoltas e rebeliões abortadas e vencidas. Ele faz uma arqueologia dos gestos de revolta e de transgressão que quedaram esquecidos, propositadamente obliterados pela e na memória do vencedor.

O historiador, como um trapista, cata os fragmentos de gesticulações, de esperneios, de sublevações que se acham ainda dormentes sob as cinzas dos arquivos. Se alguém se levantou, se um levante aconteceu, uma marca ou uma mácula pode ter sido deixada sobre o tecido da história. Se uma insurgência aconteceu, ela, como a ponta de um iceberg, pode ter rompido a tranquilidade gelada do mar da história e pode ter feito uma abertura para possíveis, uma fratura que é preciso cartografar.

Como o atirar de uma pedra, gesto clássico da revolta, gera deslocamento de ar ou de água, gera ondas que comunicam o seu impacto a outras partes do tecido aéreo ou líquido, um gesto de rebelião ou de transgressão, um gesto de resistência ou de inconformidade, espraia suas ondas de impacto por outros lugares do social e do tempo em que aconteceram.

Se os reacionários costumam temer o poder de contágio da revolta, a sua potência de se espalhar e se espraiar, devemos atentar, ao estudar o gesto, o acontecimento que mobilizou carnes e corpos, que moveu desejos e paixões, para sua potência de disseminação, seu poder de comunicação, de atravessamento e de transversalidade, às vezes de difícil percepção, à primeira vista.

Como fogo de monturo, a revolta pode estar crepitando sem que esteja perceptível na superfície dos corpos e das sociedades. A revolta pode queimar em fogo baixo, pode ter um longo processo de gestação, de incubação, ela pode se quedar latente, durante um bom intervalo de tempo, sem que esse tempo deixe de fazer parte de seu acontecer. Os historiadores devem aprender que as formas antes de se configurarem, de se conformarem, são fluxos, são devires, são processos que é preciso, se possível, acompanhar e relatar.

A biologia ocidental, assim como sua metafísica, partem da separação entre corpo e mente, entre carne e espírito. Essa ficção dualista, binária, nos fez acreditar que possamos realizar ações com a mente sem que envolvamos os corpos, que possamos tratar de coisas do espírito sem que elas passem pelas carnes. Construímos a imagem de uma cabeça sem corpo ou de uma alma sem carnalidade.

Supomos que somos sujeitos racionais e que a razão não tem amparo na carnalidade, não é uma função corporal. Temos uma imagem etérea e descarnada do pensamento. É como se as ideias não nascessem nas carnes, é como se os sentimentos e as emoções nascessem em outro lugar e depois tomassem conta de nosso corpo. Ainda usamos expressões como “ser tomado pelas emoções”, “o sentimento me assaltou”, como se eles não se enraizassem em nossa carnalidade, fossem apenas dela invasores.

Da mesma forma, as chamadas ciências da saúde e da vida, reduzem o corpo humano a sua carnalidade, retirando deles, sem se dar conta, aquilo que lhe confere humanidade. Somos reduzidos a órgãos, vísceras, membranas, humores, neurônios, neurotransmissores, genes, sintomas e lesões. A dimensão subjetiva, emocional, sensível, cultural, simbólica de nossos corpos são desconhecidas, para fazer de nós quase uma prévia do cadáver, que um dia seremos.

Talvez tenhamos tanto pavor do poder médico e de suas instituições porque cair em suas malhas é iniciar o processo de mortificação. A historiografia não escapou desse olhar maniqueísta ao reduzir seus personagens a ações e pensamentos, a projetos e atos, recusando pensá-los em sua carnalidade, em suas dores e sofrimentos. Ao tomar o sujeito político como um sujeito de ações e discursos, esquecendo que a política implica gestos, que as ações implicam a configuração de uma performance corporal, assim como o discurso implica uma gestualidade, implica uma voz, implica uma presença corpórea, mesmo quando esse discurso é escrito, a historiografia silenciou as carnes e os corpos.

Como nos diz Georges Didi-Huberman (2020DIDI-HUBERMAN, Georges. Gestos de aire y piedra: sobre la materia de las imágenes; tradução de Melina Balcázar. Ciudad de México: Canta Mares, 2020. , p. 12), muitas vezes realizamos um gesto de revolta, um gesto político, para atirar a dor borda à fora. Muitas vezes, na raiz do gesto de protesto, de contestação, nos começos do gesto de sublevação está o sofrimento, o padecimento físico e subjetivo. O ato político pode ser uma forma de trabalhar, de dar passagem, de tentar elaborar uma dor.

A educadora e escritora bell hooks fala de como a atividade política, o engajamento de seu corpo na luta feminista, foi uma forma de lidar com as dores produzidas pelo racismo e pelo sexismo, pela dominação branca e patriarcal (HOOKS, 2020HOOKS, Bell. Ensinando pensamento crítico: sabedoria política. Tradução Bhuvio Libanio. São Paulo: Elefante, 2020. ). Sair da impotência, se empoderar, é um ato do desejo de sair da melancolia, da tristeza, da depressão, do atolamento produzidos pelo sofrimento.

A dor pode nos aniquilar, mas a dor pode nos mobilizar, nos mover na direção de um enfrentamento, de um encarar de frente as dores. Esconder as feridas, tentar apagar os traumas pode não ser a melhor maneira de lidar com o sofrimento, pois elas podem supurarem, podem gangrenarem o seu ser sujeito. Cabe ao historiador reabrir as feridas, fazê-las sangrarem novamente, para que possamos aprender a lidar com elas, aprender a fazer a cura.

Não é tarefa do historiador tamponar as feridas, produzir o esquecimento delas, em nome da abertura para um dado futuro, pois feridas não tratadas, traumas não trabalhados, retornam como sintomas, retornam como partes apodrecidas da vida social. O historiador não pode ter pudor diante do sofrimento, não pode retirar prazer dele, mas deve buscar a forma de torná-lo outra vez sensível para os homens do presente.

O historiador, através de sua capacidade de empatia, de se colocar no lugar do outro, através dos textos que lê ou das imagens que vê, sente as dores do passado para fazê-las sensíveis aos homens do presente. Não podemos deixar essa tarefa a literatura, ao cinema, devemos aprender a figurar o corpo em sofrimento, as carnes movidas e demovidas pela dor. A narrativa historiográfica precisa ser capaz de nos fazer chegar aos desejos e sonhos, às dores e horrores de antanho. É preciso que os historiadores lancem mão da potência do desejo e da imagem, da potência dos gestos, da potência da escrita contra os poderes que tentam nos dominar e impedir de saber.

É preciso dar passagem para a dimensão sensível e erótica do próprio texto, assim como de todo gesto político. Não há gesticulação, não há pose, tomada de posição, não há performance que não tenha uma dada erótica. Há uma erótica no fascismo, ou seja, o fascismo se traduz em gestos, práticas, performances, encenações que tocam a sensibilidade, os órgãos do sentido, sendo capaz de seduzir e capturar os desejos e as paixões de muitos corpos, há uma erótica na própria negação das carnes, nos discursos que veiculam censuras de toda ordem.

É visível como dados personagens substituem os desejos das carnes, pela verbalização em termos proibitivos daquilo que desejam e fantasiam. O desejo faz sintoma mesmo no gesto de negação e denegação como mostrou Freud (2007FREUD, Sigmund. A Negativa. In: FREUD, S. Escritos sobre a psicologia do inconsciente. vol. III: 1923-1940. Rio de Janeiro, Imago, 2007. p. 145-157. , p. 145-157). Há uma erótica da política.

Todo corpo político é uma tela para projeções de desejos e fantasias, para a projeção de fantasmas e demônios. Todo gesto se dirige a outras carnes e exercem sobre elas uma afecção, exercem sobre elas um afeto, fazem efeito. O gesto nos captura, nos incita, nos excita, nos anima, nos mobiliza. Um gesto nos toca e nos faz vibrar, nos move numa dada direção.

Há uma enorme potência no gesto de recusa, de rejeição, de resistência, de diversão, de transgressão. Há uma potência política no dizer não, no divergir, no dissentir, no mudar de rumo e direção. Fazer de outro modo é um gesto político, encaminhar seu desejo por trilhas não previamente traçadas.

Fazer história significa produzir o acontecimento e, como dirá Michel Foucault, o acontecimento é da ordem da diferença e da singularidade, da descontinuidade e da ruptura (FOUCAULT, 2018FOUCAULT, Michel. Nietzsche, a genealogia e a história. In: FOUCAULT, M. Microfísica do poder. 7 ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2018. p. 55-86. , p. 57). O acontecimento, matéria prima do historiador, é político, por trazer essa potência do diferir, do vir a ser, do devir, do tornar-se outro. O acontecimento realiza o desejo porque este é da ordem da diferenciação, da criação, da invenção de possíveis.

Qualquer gesto de escrita é um acontecimento, que implica o desejo de criação e de invenção. Os historiadores esquecem que a escrita da história exige uma série de operações em que engajam, completamente, as suas carnes e os seus corpos. Costumeiramente tão preocupados com questões metodológicas, os historiadores esquecem que, em qualquer método de pesquisa, está implícito um conjunto de atividades corporais, uma sucessão de gestos coordenados, sem os quais a pesquisa não se realiza, o texto não é escrito. Podemos definir um método, uma metodologia de pesquisa, como sendo um conjunto articulado e ordenado de gestos, uma dada ordem de atividades e operações, realizadas por nossos corpos, com o auxílio de aparatos técnicos e tecnológicos.

Esquecemos de arrolar entre as técnicas de pesquisa, aquilo que Marcel Mauss (MAUSS, 2003MAUSS, Marcel. As técnicas do corpo. In: MAUSS, M. Sociologia e antropologia. Tradução Paulo Neves. São Paulo: Cosac Naify, 2003. p. 399-422., p. 399-420) nomeou de técnicas corporais. Da mesma forma que fazemos um aprendizado de técnicas corporais ao nos propormos a saber nadar, da mesma forma que se tornar um hábil jogador de futebol exige uma educação corporal e a encarnação de dadas técnicas, realizar a pesquisa histórica, frequentar um arquivo, fazer um levantamento bibliográfico ou documental, exige o aprendizado de dadas habilidades técnicas, que passarão a fazer parte, a compor o próprio corpo do historiador.

Há um corpo de historiador, como há um corpo de tenista, de boxer ou de ciclista. Numa reunião de historiadores, se prestarmos atenção, notaremos dados cacoetes, dados gestos, dados comportamentos, dadas poses, dadas performances, que são repetidos e partilhados. A metodização do saber é acompanhada da metodização das carnes, da produção de um corpo metódico.

Ser metódico é uma qualidade que será apontada quando se quer elogiar um historiador. Ser metódico é ter, antes de tudo, capacidade de realizar tarefas de forma ordenada e sistemática. Entre os historiadores, o ser metódico também implica a capacidade de concentrar sua atenção nas tarefas, muitas vezes longas e estafantes, que precisa realizar, em se mostrar observador, em não deixar escapar o detalhe significativo, na consulta ao arquivo.

Ser metódico é, ainda, ser dotado de uma metodologia de pesquisa, que ordene e regule a prática, que estabeleça regras e códigos, que defina modos de procedimentos. Quando em nossos projetos de pesquisa usamos a noção de procedimentos, nem sempre atentamos para a dimensão corporal que carrega essa palavra, é como se pudéssemos realizar procedimentos apenas com nossa mente, com a nossa racionalidade.

Proceder deriva do latim procedere, significando mostrar-se, aparecer diante de, tendo, portanto, um sentido que remete a apresentar-se, a produzir uma dada presença. Como sabemos, nós humanos produzimos presença, nos apresentamos, aparecemos, antes de mais nada, através de nossa corporeidade, que é o suporte material de nosso existir, de nossa presença no mundo.

Se a primeira escola de historiadores profissionais, que militaram no sentido de transformarem a escrita da história numa ciência, foi nomeada de escola metódica, isso não implicou apenas a metodização da mente ou do espírito, uma educação metódica do raciocínio e da imaginação, mas uma educação dos gestos, das atitudes e das performances corporais.

Produzir um corpus documental exige dadas habilidades, dados traquejos, mas também dados sofrimentos, dados sacrifícios corporais: o curvar-se durante horas sobre os documentos, a atenção e o desgaste da visão voltada para a difícil leitura de velhos manuscritos, a habilidade em manipular a documentação sem danificá-la, os frios e calores que o ambiente do arquivo possa trazer, as horas sentadas, dificultando a circulação nos membros inferiores, causando lesões na coluna vertebral, a poeira, os micro-organismos em suspensão podendo ocasionar alergias, doenças respiratórias e doenças de pele.

A pesquisa histórica e a escrita da história exigem uma espécie de ascese, uma espécie de austeridade e autocontrole, que implicam a configuração de dadas corporeidades. Inspirado muito mais, talvez, nas práticas da erudição monacal, do que nas performances de um cientista, em um laboratório moderno, os historiadores tendem a se assemelharem corporalmente a monges, a eruditos clássicos, aos antiquários, com seu gosto pela solidão e pelo isolamento social no arquivo.

Nesse sentido é interessante observar as imagens relacionadas àqueles que se dedicam ao estudo da história presentes nas obras literárias, do início do século XX, notadamente as imagens corporais: o historiador é alguém, quase sempre, debilitado fisicamente, quando não acometido de uma doença como a tuberculose; é um homem que não é, propriamente, um exemplo em portar os atributos atribuídos ao masculino, é um homem delicado, imagem que é também a do homem de letras em geral; um homem, porque nunca são personagens femininas, parece que ser historiador não é lugar para mulheres (talvez por julgarem que a sua sensibilidade não aguentaria lidar com os fatos do passado, talvez por julgarem que não eram dotadas da racionalidade necessária), envelhecido (dificilmente, também, o historiador é um jovem), com apego ao e apreço pelo passado; homens, quase sempre, de vida modesta e humilde, que buscam, na vivência entre os grandes do passado, a própria grandeza; homens com dificuldade de aceitarem a vida presente, homens exilados em seu tempo, romanticamente buscando viverem em sua época de eleição através da frequentação do arquivo.

O semiólogo francês Roland Barthes foi um pioneiro ao estabelecer a relação entre a corporeidade do historiador e sua forma de pensar e escrever a história. No livro que dedicou ao historiador romântico Jules Michelet, Barthes inicia a análise de sua concepção de história e da forma de escrita que privilegiou, em seu fazer historiográfico, pelos males que afligiam as suas carnes. Padecendo de tuberculose, desde o final de sua infância, e sendo aficionado pela escrita e pela análise do fazer literário, Barthes está atento para a relação entre o adoecimento e o ato de escrever (BARTHES, 1991BARTHES, Roland. Michelet. Tradução Paulo Neves. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.).

Assim como fizera o filósofo Friedrich Nietzsche, ainda no final do século XIX, Barthes vê uma clara relação entre a saúde física e psíquica, e o pensamento, não só em sua formulação, mas na maneira de sua expressão (NIETZSCHE, 2015NIETZSCHE, Friedrich. Humano, demasiadamente humano. Tradução Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia de Bolso, 2005. ). No capítulo inicial do livro sobre o famoso historiador francês, intitulado “Michelet comedor de História”, Roland Barthes, que nesse momento (1954) está sob nítida influência do materialismo histórico, principia a análise sobre a maneira como Michelet pensa a história, como a visualiza, como a materializa através do texto escrito, tomando como ponto de partida a materialidade de seu corpo (BARTHES, 2004BARTHES, Roland. O discurso da história. In: R. BARTHES. O rumor da língua. Tradução Mario Laranjeira. 2ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 163-180. ).

Ao contrário de inúmeros materialistas, Barthes não transforma o sujeito historiador, nem o sujeito da história, em uma abstração conceitual, ele sempre desconfiou da atribuição de ações e pensamentos a sujeitos descarnados, como a aristocracia, a burguesia, o proletariado. Sempre atento aos detalhes, àquilo que, em famoso texto sobre a escrita da história, publicado posteriormente, chamará de anedótico, Barthes (BARTHES, 2004BARTHES, Roland. O discurso da história. In: R. BARTHES. O rumor da língua. Tradução Mario Laranjeira. 2ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 163-180. , p. 165) parte do corpo doente de Michelet, de suas enxaquecas, para analisar seu fazer historiográfico:

a doença de Michelet é a enxaqueca, esse misto de ofuscamento e de náusea. Tudo para ele é enxaqueca: o frio, a tempestade, a primavera, o vento, a história que ele narra. Esse homem que deixou uma obra enciclopédica feita de um discurso ininterrupto de sessenta volumes, declara-se a todo momento “ofuscado, sofredor, fraco, vazio”. Ele escreve sem parar (durante 56 anos de sua vida adulta) e, no entanto, sempre num sobressalto total. Grandes acontecimentos nessa vida: uma tempestade que oprime, uma chuva que liberta, o outono que retorna. E esse corpo extenuado por um sopro intruso, Michelet não cessa de deslocá-lo: assim que pode, viaja, troca de país, mantém-se à espreita das condições de vento e sol, instala-se cem vezes, muda-se outras tantas (BARTHES, 1991BARTHES, Roland. Michelet. Tradução Paulo Neves. São Paulo: Companhia das Letras, 1991., p. 15).

Além de não se olvidar do corpo, Barthes não deixa de dar importância, como fazia o próprio Michelet, às condições meteorológicas, ao clima, ao ambiente, ao entorno natural em que a escrita da história se dá. Com ele aprendemos que, antes de mais nada, a escrita da história começa por um corpo, situado em dadas condições naturais, sociais e culturais. A escrita é o gesto de um corpo, parte do movimento de uma dada carne, com seus sofrimentos, com suas dores, com seus males, mas também com seus prazeres, com suas alegrias, com seus desejos, com suas emoções e comoções.

O autor de O prazer do texto (BARTHES, 1988BARTHES, Roland. O prazer do texto. Tradução de Maria Margarida Barahona. Lisboa: Edições 70, 1988. ) nos recorda que nossa relação com a escrita e com a leitura é passional, é erótica, nelas empenhamos todo o nosso ser, não apenas a nossa racionalidade e nossa consciência. A escrita é um trabalho e, como tal, empenha e coage o corpo, impõe a ele uma disciplina, o coloca e o convoca a assumir dadas posições, o gasta e o desgasta, mas faz ele ganhar uma vida para além de si mesmo, ganhando uma extensão, uma sobrevida naquilo que escreve.

Para Michelet, a escrita da história era essa garantia de sobrevivência para aqueles que morreram, era uma forma de trazer novamente à vida, de dar voz àqueles que pereceram. O compromisso do historiador era, sobretudo, o de não permitir que a morte fosse vencedora (a laicização de um pressuposto cristão). O historiador se alimentava do sangue negro dos mortos, fazia do culto aos que morreram o próprio sentido de sua vida.

No fragmento intitulado “Michelet doente da História”, Barthes traz várias declarações do próprio historiador em que ele associa a fraqueza de seu corpo e a necessidade de se alimentar do passado, da história. A história sendo para ele um habitat nutritivo, o alimento que o mantinha. A sua fraqueza e debilidade física encontrando reparo na força e na saúde dos grandes personagens do passado.

A sensibilidade excessiva de seu corpo se punha a serviço de, empaticamente, entrar em contato com as vidas de antanho, dando a elas uma transfusão de sangue e vida. Se ele bebeu, em excesso, o sangue negro dos mortos, se dele fez um alimento que, ao mesmo tempo, o depauperou, foi capaz, por sua vez, de infundir calor e vida aos cadáveres, aquelas carnes sem movimento, sem gesto e sem paixão, tudo o que significava o ser vivo. Se escreve a história por paixão, se a ela dedica seu amor, seu entusiasmo, sua excitação, sua dor e sua náusea, ele consegue, assim, infundir vida ao reino da morte, fazer os cadáveres se erguerem de suas tumbas (BARTHES, 1991BARTHES, Roland. Michelet. Tradução Paulo Neves. São Paulo: Companhia das Letras, 1991., p. 17).

Se Michel de Certeau (2002CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Tradução de Maria de Lourdes Menezes. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002., p. 106) nomeia o saber histórico de um saber tumular, aquele que erige um lugar para a habitação do morto, Michelet o pensa como o saber do desenterramento, da abertura dos jazigos, da ressurreição dos mortos. Mas ambos, assim como faz Barthes, nos lembram que os historiadores lidam com pessoas que um dia foram de carne e osso, pessoas feitas de suores e humores, de secreções e escarificações, que um dia tiverem prazeres e desprazeres.

Mas, não podemos confundir o corpo escrito, que é o corpo do historiador, com as carnes que recebem o seu nome e habitam o fora do texto. O corpo do historiador é também fabricado no interior do que escreve. Barthes tem consciência de que o corpo de Michelet a que ele teve acesso foi o seu corpo escrito, o seu corpo tal como apareceu em seus escritos e ele delineou naquilo que sobre ele escreveu.

À medida que escreve, o historiador delineia um corpo para si, quase sempre um corpo ausente, um corpo que se mascara e se dispersa sob um “nós” majestático. Muitas vezes o historiador se disfarça por trás do corpo de um de seus personagens, fazendo dele o seu alter ego: Carlo Ginzburg falando através da máscara de Menocchio (GINZBURG, 1987GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela Inquisição. Tradução Maria Betânia Amoroso. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. ), Emmanuel Le Roy Ladurie (1997LADURIE, Emmanuel Le Roy. Montaillou: povoado occitânico, 1294-1324. Tradução de Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. ) atribuindo a totalidade de seu livro ao bispo inquisidor de Palmier.

Embora guarde traços do corpo de carne e osso que bordeja aquele escrito, que sofra dele dadas coerções, que seja projeção de pulsões, desejos, paixões, fantasias, sentimentos, memórias, raciocínios, questões, que tiveram dadas carnes e dada corpo como suporte, o corpo do historiador, o corpo do autor é um artefato linguístico, um fato de retórica. O sujeito do texto e o sujeito da escrita se relacionam, mas não se recobrem completamente, não coincidem em sua inteireza. O trecho que transcrevo a seguir, da obra de Barthes sobre Michelet, é quanto a isso muito esclarecedor:

o corpo inteiro de Michelet torna-se o produto de sua própria criação, e se estabelece uma espécie de simbiose surpreendente entre o historiador e a história. As náuseas, as vertigens, as opressões não vêm mais apenas das estações e dos climas; é o horror mesmo da história narrada que as provoca: Michelet tem enxaquecas “históricas”. Não se veja aqui qualquer metáfora, trata-se precisamente de enxaquecas reais: setembro de 1792, os começos da Convenção, o Terror, outras tantas moléstias imediatas, concretas como as dores de dentes. Costuma-se dizer de Michelet: sensibilidade excessiva; sim, mas sobretudo sensibilidade dirigida, concertada, infletida por uma significação. Estar doente de história é não apenas constituir a história como um alimento, como um veneno sagrado, mas também como um objeto possuído; as enxaquecas “históricas” não têm outra finalidade além de fundar Michelet como manducador, sacerdote e proprietário da história (BARTHES, 1991BARTHES, Roland. Michelet. Tradução Paulo Neves. São Paulo: Companhia das Letras, 1991., p. 17).

Qual o historiador ou a historiadora que não já sofreu com a história? Qual o historiador ou historiadora que já não se sentiu nauseado diante de uma narrativa ou de uma imagem que encontrou no arquivo? Qual o historiador ou historiadora que já não se arrepiou, ou que já não foi às lágrimas em suas atividades de pesquisa? Qual o profissional ou a profissional da história que já não retornou para casa com dor de cabeça depois de um dia de pesquisa, dada as tensões musculares que aquilo que pesquisa lhe acarreta? Há quem desista de realizar uma pesquisa em história pelo impacto emocional que ela provoca.

Há quem não consiga lidar com dados temas e questões porque elas tocam muito fundo, abalam e desestabilizam emocionalmente. Não se escreve história sem investimento emocional, pulsional, afetivo. Michelet sofria algumas enxaquecas por causa das emoções que os eventos históricos, com que estava lidando, provocavam. Quem pode efetivamente ficar indiferente diante daquilo que pesquisa? E será uma boa história aquela escrita sem envolvimento e sem paixão? A fria e racional narrativa do passado é, efetivamente, aquela capaz de cumprir sua principal tarefa, que é a de mobilizar, mover os homens do presente?

Se a escrita é um gesto, como todo gesto ela é movimentação das carnes, constituição de um corpo, mobilização de um fora, de um outro. A escrita da história só faz sentido se ela for dotada dessa capacidade de mobilizar, de movimentar, de comover, de fazer o leitor sair de seu lugar de conforto, se ela produzir, nele ou nela, alguma forma de deslocamento no pensamento, no comportamento, no modo de ser e atuar socialmente.

Qual a escrita da história é capaz de afetar as pessoas: aquela que produz prazer, inclusive estético, ou aquela desagradável e desenxabida? Nem sempre a agressividade, a amargura, o ressentimento, a inveja, a raiva, a indignação dão origem aos textos mais convincentes e sedutores. Como em qualquer escrita, na historiografia há investimento de emoções, de paixões e de afetos. A historiografia é política não apenas porque sempre está tildada de ideologia, mas porque sempre veicula paixões.

Se a política, como já vimos, tem como base o gesto que mobiliza, a escrita da história pode ser um gesto mobilizador ou paralisante, e isso não depende propriamente da quantidade de revolta ou de ódio que o historiador veicula no texto. Nem sempre são os textos gritados e iracundos que tocam e movimentam as pessoas. Nem sempre são os textos ressentidos e amargos que são capazes de afetar os seus leitores. Os textos irônicos e sarcásticos, os textos bem humorados (se partirmos da velha teoria dos humores, há textos biliosos, como há textos fleumáticos), muitas vezes, são mais eficientes e efetivos como gestos de apelo ao levante político.

É curioso achar que algo que é material como um texto escrito possa ser avaliado sem levar em conta a sua forma, que é propriamente o que lhe dá materialidade e realidade. É curioso ver tantos realistas ignorarem a realidade do texto, a realidade de que a historiografia é, antes de tudo, uma forma, um gênero de escrita, uma escrita disciplinar e normatizada, um artefato linguístico e literário (no sentido de ser um texto escrito em prosa e que dota de significado aquilo sobre o qual escreve).

Da mesma forma que é curioso ver realistas e materialistas tomarem o sujeito como uma abstração, como uma mente descarnada, como um espírito, como uma razão que paira para além de seu suporte carnal (o idealismo chutado com espalhafato pela porta entrando novamente pela janela). Como se pode fazer tábula rasa das distinções que cultural e socialmente, quando não economicamente, há entre as carnes sexuadas pela presença de um pênis e as carnes que ganham uma identidade sexual pela presença de uma vagina? Lamento informar que não escrevemos a história somente com as mãos, mas também com o escroto e com o clitóris.

Essas diferenças anatômicas terão repercussão na formação do sujeito que se fará historiador, implicarão a ocupação de lugares diferentes na sociedade, modos de olhar para o mundo e para a história distintos, permitirá distintas problematizações das próprias memórias, quase sempre marcadas pela dominação patriarcal e heterocisnormativa. Existem distintos gêneros de historiografia porque existem distintas histórias dos gêneros, de suas fabricações, implantações nas carnes, de suas performatizações, de suas valorações, de suas relações e hierarquias. Como podemos ainda aceitar que a cor da pele não tem enorme repercussão sobre a produção das subjetividades em sociedades marcadas e estruturadas pelo racismo?

Se o historiador é alguém que se formou subjetivamente no interior de sociedades que utilizam a raça como categoria que serve para distinguir e hierarquizar as pessoas, como podemos aceitar que o olhar para o passado e a escrita da história não estejam marcadas pelas hierarquias de raça, possam ser os mesmos para quem ocupa lugares sociais e culturais vistos como distintos.

Existem peles da história e da historiografia porque existe uma história das peles, de suas nomeações, significações, valorações e hierarquizações, das relações entre elas. Se toda a vida e a obra do artista plástico norte-americano Andy Warhol (2012WARHOL, Andy. Diários de Andy Warhol. Editado por Pat Hackett. Porto Alegre: L&PM, 2012. ) foi marcada pela imagem que fazia de si mesmo como sendo um homem feio, não terá a fealdade ou a beleza carnal e corporal implicações para a elaboração da autoimagem do historiador, com consequências para aquilo que escreve? A recusa, muitas vezes ressentida, da beleza, do estético, da arte como um atributo necessário para o texto do historiador, não seria um sintoma de um trauma inconsciente que alguns profissionais do ramo carregam em relação a sua imagem no espelho?

O trabalho no campo historiográfico, a escrita da história, nascem de e mobilizam desejos. No começo do texto de história está o desejo de escrever que, como qualquer desejo, é a canalização, o direcionamento das energias pulsionais, dos impulsos energéticos, dos movimentos que percorrem e tencionam nossas carnes, mobilizadas pelo afeto da página em branco a convocar a escritura, pelos mandamentos que vêm do lugar social de historiador. Está fadada ao fracasso a escrita sem desejo, a escrita por obrigação e como sacrifício.

A escrita é um dispêndio de energia pulsional, é o direcionamento e a focalização das forças que percorrem nossas carnes em contato, afetadas pelo mundo. Embora pareça que só as mãos, os olhos e o cérebro estão engajados no gesto da escrita, ele agencia toda a extensão do corpo. A dor na coluna vertebral, o cansaço muscular nas pernas, a acidez estomacal, o suor abundante, a secura na boca, a dor no tornozelo provocada pelo pressionar do pé no chão, o dolorido nas nádegas por causa de horas sentado na mesma posição, o cansaço, o palpitar forte do coração, os arrepios e lágrimas que teimam em surgir vez por outra, testemunham que investimos toda a carne e o corpo inteiro, inclusive as dimensões fantasmáticas e imaginárias dos corpos, naquilo que escrevemos.

O historiador ou historiadora transexual investirá o seu corpo imaginário, o seu corpo que, como o de todos nós, não se reduz as carnes, vai para muito além delas, naquilo que escrever. A escrita da história é desejo, é gesto, é movimento das carnes e dos corpos, a escrita da história é uma das muitas maneiras de inventarmos corpos, inclusive o corpo do historiador. O corpus historiográfico é inseparável dos corpos que o possibilitou existir, e que ele permitiu ser formulados e ter existência.

Referências

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  • Financiamento

    Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    05 Jul 2022
  • Aceito
    07 Set 2022
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