Acessibilidade / Reportar erro

A proposição historiográfica da Ciência do Sistema Terra: uma revisão das críticas à “metanarrativa do Antropoceno”

The Earth System Science’s historiographical proposition: a review of the critiques to the “Anthropocene metanarrative”

Resumo

As discussões sobre o Antropoceno produzidas pela Ciência do Sistema Terra (CST) e pela estratigrafia têm resultado em textos que lançam mão de dados e modelos, mas que também produzem narrativas históricas por meio das quais se tenta oferecer um novo sentido unificado para a humanidade. Neste artigo tomo esses enunciados como “proposições” com o potencial de transformar a prática historiográfica. O objetivo é oferecer um quadro mais detalhado das contribuições desses e dessas “antropocenologistas” a fim de possibilitar uma melhor avaliação das possibilidades de acolhimento dessas proposições pela comunidade de historiadores e historiadoras. Para tanto, este artigo tem o objetivo de revisar algumas críticas recentes às narrativas produzidas por esses e essas cientistas. Como conclusão, demonstro que a literatura produzida pela CST não pode ser reduzida facilmente à ideia de uma “metanarrativa”, devido à pluralidade de posições que ela abarca, bem como aponto para a necessidade de uma pluralização das perspectivas ontoepistêmicas da historiografia a fim de que ela possa contribuir com as múltiplas formas de habitar e de conferir sentido para a experiência no pós-Holoceno.

Palavras-chave:
Narrativas; Práticas científicas; Historiografia

Abstract

Discussions about the Anthropocene produced by Earth System Science (ESS) and stratigraphy have resulted in texts that make use of data and models, but that also produce historical narratives through which an attempt is made to offer a new unified meaning for humanity. In this article I take these statements as “propositions” which have the potential to transform historiographical practice. The objective is to offer a more detailed picture of the contributions of these “anthropocenologists” in order to enable a better assessment of the possibilities of reception of these propositions by the historians’community. Therefore, this article aims to review some recent criticisms of the narratives produced by these scientists. As a conclusion, I demonstrate that the literature produced by the ESS cannot be easily reduced to the idea of a “metanarrative”, due to the plurality of positions it encompasses, as well as I point to the need for a pluralization of the historiographical onto-epistemic perspectives so that it can contribute to the multiple ways of inhabiting and giving meaning to the experience in the post-Holocene.

Keywords:
Narratives; Scientific practices; Historiography

Chama a atenção a quantidade de vezes em que a constituição narrativa de sentido é apontada como elemento central da Ciência do Sistema Terra (CST) nas principais discussões que foram realizadas a seu respeito nas últimas duas décadas. Ao apresentar a CST como uma “segunda revolução copernicana”, por exemplo, o físico e fundador do Potsdam-Instituts für Klimafolgenforschung (PIK), Hans Joachim Schellnhuber, abre seu famoso artigo afirmando que “há muitas maneiras de olhar para a frente no tempo. Uma das mais divertidas (e às vezes aterrorizantes) é o ‘espelho de visão frontal’ - a contemplação do futuro refletindo sobre o passado” (SCHELLNHUBER, 1999SCHELLNHUBER, H. J. “Earth system” analysis and the second Copernican revolution. Nature, Londres, v. 402, n. S6761, p. C19-C23, 1999., p. C19, tradução nossa). Em um relatório produzido pelas pesquisadoras e pelos pesquisadores do International Biosphere-Geosphere Programme (IGBP), afirma-se que “o legado das mudanças humanas passadas no Sistema Terra fornece o pano de fundo sobre o qual o conjunto de mudanças humanas presentes, muito mais significativo, será desempenhado” (STEFFEN; TYSON, 2001STEFFEN, Will; TYSON, Peter (org.). Global Change and the Earth System: a planet under pressure. New York: IGBP, 2001. IGBP Science, 4., p. 15, tradução nossa). Para o historiador da ciência Paul N. Edwards (2010EDWARDS, Paul N. A vast machine: computer models, climate data, and the politics of global warming. Cambridge, Mass: MIT Press, 2010., p. 431 e ss.), o conhecimento climático também é um conhecimento sobre o passado, que se ampara na constante revisão de seus métodos e enunciados e que demanda, portanto, uma constante reflexão crítica sobre sua própria historicidade: “o conhecimento climático é o conhecimento sobre o passado. É uma forma de história - a história do clima - e a infraestrutura que cria o conhecimento climático funciona da mesma maneira que o trabalho realizado por historiadoras e historiadores” (EDWARDS, 2010EDWARDS, Paul N. A vast machine: computer models, climate data, and the politics of global warming. Cambridge, Mass: MIT Press, 2010., p. xvii, tradução nossa). Para os historiadores Christophe Bonneuil e Jean-Baptiste Fressoz, não há dúvida de que os(as) “antropocenologistas” produzem uma narrativa histórica para além de dados sobre o estado do Sistema Terra (BONNEUIL; FRESSOZ, 2017BONNEUIL, Christophe; FRESSOZ, Jean-Baptiste. The shock of the Anthropocene. London: Verso, 2017., p. 47), ao passo que, segundo Latour, em suas reflexões sobre Gaia, “a única coisa que sabemos com certeza é que não mais podemos nos contar as mesmas histórias” (LATOUR, 2020bLATOUR, Bruno. Onde Aterrar? Como se orientar politicamente no Antropoceno. Trad. Marcela Vieira; Alyne Costa. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2020b., p. 44). A própria ideia de “Grande Aceleração”, hoje fundamental para a identificação qualitativa e quantitativa do impacto global causado por uma parcela da humanidade no Sistema Terra, teve origem não em trabalhos produzidos no campo das ciências exatas e naturais, mas na obra do historiador ambiental John McNeill (STEFFEN et al., 2020STEFFEN, Will et al. The emergence and evolution of Earth System Science. Nature Reviews Earth & Environment, Berlim, v. 1, n. 1, p. 54-63, 2020., p. 60).

Esses são apenas exemplos superficiais de como a CST pode se comportar, efetivamente, como uma prática de constituição narrativa de sentido, competindo, de alguma forma, com as atribuições que se acreditavam exclusivas da matriz disciplinar da ciência da história (RÜSEN, 2001RÜSEN, Jörn. Razão histórica: Teoria da história: os fundamentos da ciência histórica. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001.). Esses e outros exemplos podem ser tomados, portanto, como “proposições” que se direcionam à historiografia. Segundo Bruno Latour, “entramos num mundo composto de realidades insistentes, em que as proposições dotadas de hábitos não aceitam mais nem fazer calar as instituições encarregadas de acolhê-las, nem ser acolhidas ficando mudas sobre a realidade de suas exigências” (LATOUR, 2019bLATOUR, Bruno. Políticas da natureza: como associar as ciências à democracia. São Paulo: Editora Unesp, 2019b., p. 294). Se tomarmos enunciados como coisas que circulam em nossos mundos e nos afetam de maneira transformadora, possuindo, portanto, uma agência capaz de impactar nossas relações com os seres ou as coisas que nos constituem, conseguimos entender que conceitos como “Antropoceno”, “tipping points” e “limites planetários”, todos eles oriundos da CST, podem ser tomados como proposições com o potencial de rearranjar a própria prática historiográfica. Cabe, no entanto, às historiadoras e aos historiadores decidirem se irão ou não acolher essas proposições em suas instituições. Permitiremos que elas ocupem algum papel na constituição de nossos respectivos mundos? Ou, ao contrário, iremos ignorá-las, sob pena de nos enclausurarmos diante de um conjunto de transformações globais sem precedentes e em relação às quais poderíamos, por força do nosso ofício, fornecer algum tipo de orientação significativa para a ação? Ainda segundo Latour, a transformação de uma proposição em “fato” demanda que todas as objeções levantadas contra ela sejam devidamente respondidas (LATOUR, 2020aLATOUR, Bruno. Diante de Gaia: oito conferências sobre a natureza no Antropoceno. São Paulo: Ubu Editora; Rio de Janeiro: Ateliê Editorial, 2020a., p. 83). Este artigo pretende apresentar algumas referências mais sistemáticas para essa necessária reflexão.

Neste artigo eu apresentarei uma caracterização mais pormenorizada de alguns dos aspectos mais recorrentes dessas narrativas. Ainda que não haja pretensão de esgotar essa análise diante da enorme massa de publicações hoje existentes no campo da CST, já é possível oferecer uma caracterização mais atualizada dessas narrativas. Isso se torna necessário tendo em vista que as interpretações com as quais estabeleço um diálogo neste trabalho ou se fiaram em números mais modestos de textos ou assumem um caráter mais francamente especulativo, algo que obviamente se deve às suas motivações específicas ou ao momento em que foram produzidas. No entanto, acredito que essas generalizações já não sejam mais suficientes para dar conta da diversidade e complexidade adquiridas pelas proposições nascidas das CST.

Por esse motivo este artigo se baseia em um conjunto mais abrangente de trabalhos, que conta com mais de quarenta escritos, entre livros, artigos e relatórios. As obras aqui analisadas partiram da indicação feita por José Eli da Veiga de um conjunto de 36 textos da CST que tematizam o Antropoceno (Tabela 1).1 1 Disponível em: http://encurtador.com.br/qtDFP. Acesso em: 14 fev. 2022. A relevância desta listagem foi comprovada recentemente pela análise bibliométrica realizada por Alcântara et al. (2020ALCÂNTARA, Valderí Castro et al. Antropoceno: o Campo de Pesquisas e as Controvérsias sobre a Era da Humanidade. Revista Gestão & Conexões, Vitória, v. 9, n. 3, p. 11-31, 2021.). Os autores encontraram 1352 artigos publicados entre 1945 e 2020 com o termo de busca Anthropocene na base Web of Science, considerando, entre outros aspectos, os artigos mais citados da “frente de pesquisa analisada” e suas posições em função das redes de cocitação das quais fazem parte (ALCÂNTARA et al., 2020ALCÂNTARA, Valderí Castro et al. Antropoceno: o Campo de Pesquisas e as Controvérsias sobre a Era da Humanidade. Revista Gestão & Conexões, Vitória, v. 9, n. 3, p. 11-31, 2021., p. 15-16) (Tabela 2).

Tabela 1 -
Textos sobre o Antropoceno que foram considerados neste artigo, ordenados de acordo com suas respectivas datas de publicação, indicando em negrito aqueles que foram listados por José Eli da Veiga em seu website pessoal

Tabela 2
Relevância de alguns dos artigos sobre o Antropoceno, considerados nesta análise de acordo com a análise bibliométrica realizada por Alcântara et al. (2020ALCÂNTARA, Valderí Castro et al. Antropoceno: o Campo de Pesquisas e as Controvérsias sobre a Era da Humanidade. Revista Gestão & Conexões, Vitória, v. 9, n. 3, p. 11-31, 2021.)

Alguns dos textos listados por Veiga não foram considerados para os fins desta revisão, seja por também oferecerem análises críticas às narrativas da CST (CASTREE, 2015CASTREE, Noel. Changing the Anthropo(s)cene: Geographers, global environmental change and the politics of knowledge. Dialogues in Human Geography, California, v. 5, n. 3, p. 301-316, 2015.; HAMILTON; GRINEVALD, 2015HAMILTON, Clive; GRINEVALD, Jacques. Was the Anthropocene anticipated? The Anthropocene Review, California, v. 2, n. 1, p. 59-72, 2015.; LECAIN, 2015LECAIN, Timothy James. Against the Anthropocene. A Neo-Materialist Perspective. International Journal for History, Culture and Modernity, Leiden, v. 3, n. 1, p. 1-28, 2015.; LÖVBRAND et al., 2015LÖVBRAND, Eva et al. Who speaks for the future of Earth? How critical social science can extend the conversation on the Anthropocene. Global Environmental Change, Amsterdam, v. 32, p. 211-218, 2015.; UHRQVIST; LINNÉR, 2015UHRQVIST, Ola; LINNÉR, Björn. Narratives of the past for Future Earth: The historiography of global environmental change research. The Anthropocene Review , [s.l.], v. 2, n. 2, p. 159-173, 2015.) ou por possuírem um caráter mais jornalístico ou de divulgação científica (LEWIS; MASLIN, 2015bLEWIS, Simon L.; MASLIN, Mark A. Defining the Anthropocene. Nature, Londres, v. 519, n. 7542, p. 171-180, 2015b.; MONASTERSKY, 2015MONASTERSKY, Richard. Anthropocene: The human age. Nature, Londres, v. 519, n. 7542, p. 144-147, 2015.; HAMILTON, 2016HAMILTON, Clive. The Anthropocene Belongs to Earth System Science. The Conversation, 2016. Disponível em: https://theconversation.com/the-anthropocene-belongs-to-earth-system-science-64105 . Acesso em: 23 dez. 2021.
https://theconversation.com/the-anthropo...
; UNESCO, 2018UNESCO. The UNESCO Courier. Paris: UNESCO, 2018.). Também considerei pertinente incluir mais algumas obras, levando em conta que alguns outros trabalhos importantes não estavam presentes por talvez não atenderem à finalidade original dessas indicações (SCHELLNHUBER, 1999SCHELLNHUBER, H. J. “Earth system” analysis and the second Copernican revolution. Nature, Londres, v. 402, n. S6761, p. C19-C23, 1999.; STEFFEN; TYSON, 2001STEFFEN, Will; TYSON, Peter (org.). Global Change and the Earth System: a planet under pressure. New York: IGBP, 2001. IGBP Science, 4.; STEFFEN et al., 2004STEFFEN, Will L. et al. Global change and the earth system: a planet under pressure. Berlin; New York: Springer, 2004. Global change - the IGBP series.; FUTURE EARTH, 2012FUTURE EARTH. Future Earth Initial Design: Report of the Transition Team. Paris: International Council for Science (ICSU), 2013.; LENTON, 2016LENTON, Tim. Earth system science: a very short introduction. Oxford: Oxford University Press, 2016.; OTTO et al., 2020OTTO, Ilona M. et al. Social tipping dynamics for stabilizing Earth’s climate by 2050. Proceedings of the National Academy of Sciences, Washington, DC, v. 117, n. 5, p. 2354-2365, 2020.), além de mais dois textos de síntese mais recentes (ZALASIEWICZ et al., 2019ZALASIEWICZ, Jan et al. (org.). The Anthropocene as a Geological Time Unit: A Guide to the Scientific Evidence and Current Debate. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2019. Disponível em: https://www.cambridge.org/core/product/identifier/9781108621359/type/book . Acesso em: 5 jan. 2022.
https://www.cambridge.org/core/product/i...
; STEFFEN et al., 2020STEFFEN, Will et al. The emergence and evolution of Earth System Science. Nature Reviews Earth & Environment, Berlim, v. 1, n. 1, p. 54-63, 2020.) (Tabela 1).3 3 Esses dois últimos textos também me foram indicados por Veiga, que, em comunicação pessoal, me informou que a intenção da listagem foi apresentar aos(às) seus(suas) estudantes a literatura mais relevante sobre o Antropoceno.

As caracterizações das narrativas sobre o Antropoceno produzidas pela “tribo” dos(as) antropocenologistas

Em uma palestra proferida em 2017,4 4 Disponível em: http://encurtador.com.br/elAHP. Acesso em: 14 fev. 2022. o historiador ambiental John McNeill, que também é um dos membros do Anthropocene Work Group (AWG),5 5 O AWG é parte da Subcomission on Quaternary Stratigraphy (SQS) da International Commission on Stratigraphy, a qual responde à International Union of Geological Sciences, que é responsável pela ratificação das propostas de mudança na Escala de Tempo Geológica. referiu-se aos(às) estratigrafistas como componentes de uma “tribo”. Para ele, os hábitos desses profissionais são bastante estranhos se comparados ao ofício mais corriqueiro de historiadoras e historiadores. Segundo seu relato, a definição estratigráfica de uma unidade de tempo geológico é algo extremamente burocrático e que demanda uma série de rituais formais e informais, enquanto, para nós, historiadoras e historiadores, um período, época ou era histórica é definido de maneira muito mais subjetiva e mesmo anárquica, baseando-se em formas muito menos ritualizadas de convencimento de nossos coletivos. Outra coisa que chama a atenção do historiador é a lentidão desse processo, algo também notado por Latour, que nos lembra que a formulação do período Quaternário demorou meio século (LATOUR, 2020aLATOUR, Bruno. Diante de Gaia: oito conferências sobre a natureza no Antropoceno. São Paulo: Ubu Editora; Rio de Janeiro: Ateliê Editorial, 2020a., p. 185). Por fim, McNeill também sente dificuldade em compreender o fetichismo daquela comunidade em relação aos “golden spikes”, que são marcadores materiais definidos em função de seu potencial de preservação para daqui a milhões de anos, mesmo que não existam mais geólogas e geólogos até lá, algo que leva Jamie Lorimer (2017LORIMER, Jamie. The Anthropo-scene: a guide for the perplexed. Social Studies of Science, Kingston, v. 47, n. 1, p. 117-142, 2017.) a identificar um importante traço especulativo nas narrativas estratigráficas.

O que McNeill chama de “tribo de estratigrafistas” precisa ser diferenciado, no entanto, de outros grupos que também se pronunciam sobre o Antropoceno. O próprio AWG tem uma composição muito pouco usual, pois, pela primeira vez, incluiu entre seus membros cientistas do Sistema Terra e mesmo das ciências humanas, tendo em vista a novidade de uma unidade geocronológica produzida pela própria espécie que a analisa. Hamilton et al. (2015HAMILTON, Clive; BONNEUIL, Christophe; GEMENNE, François (org.). The anthropocene and the global environmental crisis. London; New York: Routledge , 2015.) já chamavam a atenção para a necessidade de distinguir três diferentes noções de Antropoceno. A primeira, que corresponde à estratigrafia, estaria preocupada apenas com a descrição de um intervalo sedimentar correspondente a uma unidade de tempo geológico, com a finalidade de criar uma linha do tempo coerente o suficiente para a reconstrução da história geológica do planeta. A segunda, apresentada pela CST, ampara-se na ideia de “sistemas complexos” e abrange uma vasta gama de domínios científicos unidos em uma relação transdisciplinar; a sua perspectiva, voltada para a Terra como uma entidade total, teria produzido uma verdadeira virada paradigmática nas ciências - uma “nova revolução copernicana” nas palavras de Schellnhuber (1999SCHELLNHUBER, H. J. “Earth system” analysis and the second Copernican revolution. Nature, Londres, v. 402, n. S6761, p. C19-C23, 1999.) -, pois suas descobertas demonstram a inviabilidade dos ideais modernos de previsibilidade. A terceira noção incluiria a dimensão humana de maneira mais evidente tanto no que diz respeito à complexidade do efeito de suas ações no Sistema Terra quanto na percepção recente de que a história humana não pode ser tomada como destacada da história planetária, pois que a primeira se transformou em uma força geológica de grande magnitude. Recentemente têm surgido diversas tentativas de sistematizar melhor como as ciências humanas podem contribuir com essa discussão (CHARBONNIER, 2017CHARBONNIER, Pierre. A Genealogy of the Anthropocene: The End of Risk and Limits. Annales: Histoire, Sciences Sociales, Paris, v. 72, n. 2, p. 199-224, 2017.; LORIMER, 2017LORIMER, Jamie. The Anthropo-scene: a guide for the perplexed. Social Studies of Science, Kingston, v. 47, n. 1, p. 117-142, 2017.; MERCHANT, 2020MERCHANT, Carolyn. The Anthropocene and the humanities: from climate change to a new age of sustainability. New Haven: Yale University Press, 2020.; HORN; BERGTHALLER, 2020HORN, Eva; BERGTHALLER, Hannes. The Anthropocene: key issues for the humanities. London; New York: Routledge , 2020.; CLARK; SZERSZYNSKI, 2021CLARK, Nigel; SZERSZYNSKI, Bronislaw. Planetary social thought: the anthropocene challenge to the social sciences. Cambridge, UK: Polity Press, 2021.; ZALASIEWICZ et al., 2021ZALASIEWICZ, Jan et al. The Anthropocene: comparing its meaning in Geology (Chronostratigraphy) with conceptual approaches arising in other disciplines. Earth’s Future, Nova Jersey, v. 9, n. 3, p. 1-25, 2021.), de modo que ainda é difícil avaliar os desdobramentos de um tema que dificilmente cessará de produzir novas questões. Por isso, talvez a melhor forma de se referir provisoriamente a essa “tribo”, cuja principal característica é a diversidade de vozes e perspectivas, seja a escolha de Bonneuil e Fressoz, que apelidou esse grupo de “antropocenologistas”. Como veremos logo mais, essa também é uma classificação bastante problemática por causa de sua excessiva generalidade.

O termo “tribo” se tornou conhecido, todavia, por seu uso colonialista, isto é, pela sua eficácia em reduzir a complexidade do outro dentro de uma hierarquia de categorias cuja função era (e continua sendo) identificar o que deveria ser tomado como sujeito ou objeto, como senhor ou escravo/servo/súdito, como humano ou animal, como ativo ou passivo e assim por diante. O próprio conceito de “cultura” foi uma forma mais sofisticada de objetificação da alteridade que se consolidou na antropologia de boa parte do século XX (WAGNER, 2010WAGNER, Roy. A invenção da cultura. São Paulo: Cosac Naify , 2010.; LOWANDE, 2020LOWANDE, Walter Francisco Figueiredo. Do americanismo ao interamericanismo: uma história transnacional da constituição de mundos modernos no Brasil. Campinas: UNICAMP/IFCH, 2020.). No entanto, a “virada ontológica” das últimas décadas abriu uma possibilidade de reverter esses procedimentos contra o próprio mundo “moderno” (LATOUR; WOOLGAR, 1997LATOUR, Bruno; WOOLGAR, Steve. A vida de laboratório: a produção dos fatos científicos. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1997.; LATOUR, 2019aLATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simétrica. São Paulo: Editora 34, 2019a.), trazendo importantes avanços para a “desnaturalização” da perspectiva colonialista.

Um procedimento eficaz para o desarme da armadilha cognitiva colonial é perceber o caráter contingente de sua própria ontologia, a qual, na esteira de Philippe Descola (2015DESCOLA, Philippe. Além de natureza e cultura. Tessituras, Pelotas, v. 3, n. 1, p. 7-33, 2015.), poderíamos chamar de “naturalista”. Dentre as inúmeras formas possíveis de classificação e autoidentificação em meio à infinidade de seres animados e inanimados que habitam o mesmo mundo que o nosso,6 6 Na verdade, Descola identifica apenas mais três para além da ontologia naturalista: a animista, a totêmica e a analógica. esse tipo de coletivo, ao qual poderíamos chamar, seguindo Latour (2019aLATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simétrica. São Paulo: Editora 34, 2019a.), de “tribo dos modernos”, classifica tudo aquilo que alcança a partir de uma distinção antropocêntrica entre “humanidade” e “natureza”, criando assim uma grande cisão ontológica que reduz tudo aquilo que não pode ser classificado como humano como algo destituído de agência e, portanto, passível de uso, controle e transformação.

Uma das características mais fundamentais da “tribo da CST” seria justamente o caráter “naturalista” de sua produção narrativa de sentido. Na caracterização que faz dos problemas da narrativa da CST, Jason Moore (2020MOORE, Jason W. ¿Antropoceno o Capitaloceno? Sobre la naturaleza y los orígenes de nuestra crisis ecológica. In: MOORE, Jason W. El capitalismo en la trama de la vida: ecología y acumulación capital. Madrid: Traficantes de Sueños, 2020. p. 201-227., p. 202, tradução nossa) afirma que “o marco se manifesta em uma narrativa de puro senso comum, mas também, penso eu, profundamente enganosa: uma natureza, na qual a ‘empreitada humana’ se opõe ‘às grandes forças da natureza”. Andreas Malm e Alf Hornborg (2014MALM, Andreas; HORNBORG, Alf. The geology of mankind? A critique of the Anthropocene narrative. The Anthropocene Review , California, v. 1, n. 1, p. 1-8, 2014.) também destacam esse ponto, lembrando que a tão propalada acentuação da “humanidade como força geológica” não implica no abandono desses pressupostos analíticos cartesianos. Ao criticar a perspectiva adotada pelo Future Earth em relação à participação das ciências sociais nas pesquisas sobre as transformações globais na época do Antropoceno, Lövbrand et al. (2015LÖVBRAND, Eva et al. Who speaks for the future of Earth? How critical social science can extend the conversation on the Anthropocene. Global Environmental Change, Amsterdam, v. 32, p. 211-218, 2015.) afirmam que as reflexões a seu respeito poderiam conduzir a um abandono daquilo que eu também acredito poder ser tratado como uma “ontologia colonialista”; contudo, segundo os(as) autores(as), “o conceito tem sua morada nas ciências ambientais e é dominado por uma narrativa científica persuasiva da escalada da mudança ambiental induzida pelo homem” (LÖVBRAND et al., 2015LÖVBRAND, Eva et al. Who speaks for the future of Earth? How critical social science can extend the conversation on the Anthropocene. Global Environmental Change, Amsterdam, v. 32, p. 211-218, 2015., p. 212, tradução nossa). Portanto, ao invés de conduzir a uma possível “ontologia pós-naturalista”,

a narrativa científica do Antropoceno continua a retratar a natureza como um objeto externo à sociedade com limites “naturais” e pontos de virada [tipping points] que podem ser discernidos, quantificados e gerenciados com algum grau de objetividade científica. Como consequência, a humanidade é tanto inserida na natureza quanto alçada acima dela (LÖVBRAND et al., 2015LÖVBRAND, Eva et al. Who speaks for the future of Earth? How critical social science can extend the conversation on the Anthropocene. Global Environmental Change, Amsterdam, v. 32, p. 211-218, 2015., p. 213, tradução nossa).

Por fim, Timothy Lecain (2015LECAIN, Timothy James. Against the Anthropocene. A Neo-Materialist Perspective. International Journal for History, Culture and Modernity, Leiden, v. 3, n. 1, p. 1-28, 2015.), tratando dos avanços da teoria neomaterialista no que diz respeito à superação da ideia de que o intelecto humano teria nos libertado da natureza, acredita que o próprio conceito de Antropoceno reforça o caráter arrogante da fé modernista em resolver os efeitos supostamente colaterais daquilo que tem sido identificado como “empreitada humana” pela narrativa da CST. Para ele, “assim que começamos a falar sobre o ‘homem como agente geológico’ que está nos levando para uma nova ‘era dos humanos’, começamos a superestimar o poder e a agência dos humanos, tendendo a uma postura comemorativa mesmo quando a sua intenção é ser crítica” (LECAIN, 2015LECAIN, Timothy James. Against the Anthropocene. A Neo-Materialist Perspective. International Journal for History, Culture and Modernity, Leiden, v. 3, n. 1, p. 1-28, 2015., p. 4, tradução nossa).

Os debates sobre o Antropoceno parecem trazer à tona, portanto, o substrato ontológico dessas narrativas científicas que conectam, a princípio, cientistas do Sistema Terra e estratigrafistas. Por isso, Bonneuil e Fressoz (2017BONNEUIL, Christophe; FRESSOZ, Jean-Baptiste. The shock of the Anthropocene. London: Verso, 2017.) preferem chamar os produtores e as produtoras dessas narrativas de “antropocenologistas”. Além dos dados relativos ao atual estado do planeta, esses e essas cientistas também construíram, segundo esses historiadores,

uma história que busca responder à questão “Como chegamos aqui?”. Dessa forma, eles desenvolveram uma narrativa autorizada sobre a Terra, seu passado e seu futuro compartilhado com a espécie humana, uma narrativa que torna a gestão do sistema Terra um novo objeto de conhecimento e governo (BONNEUIL; FRESSOZ, 2017BONNEUIL, Christophe; FRESSOZ, Jean-Baptiste. The shock of the Anthropocene. London: Verso, 2017., p. 47, tradução nossa).

Em seguida, os historiadores apresentam algumas características mais específicas presentes nessas narrativas (BONNEUIL; FRESSOZ, 2017BONNEUIL, Christophe; FRESSOZ, Jean-Baptiste. The shock of the Anthropocene. London: Verso, 2017., p. 45 e ss.):

  1. uma odisseia da humanidade apresentada em estágios explicados por eventos fundadores e cadeias causais e divididos em três momentos: o primeiro, que vai da Revolução Industrial até a Segunda Guerra Mundial, correspondendo à entrada no Antropoceno; o segundo, que se iniciaria com a Grande Aceleração; e o terceiro, o atual, que seria quando a humanidade teria tomado consciência de sua própria força geológica.

  2. uma história contada a partir de dados quantitativos semelhantes aos da história serial e econômica, métodos esses que já seriam tomados como obsoletos por historiadores(as) pelo seu caráter excessivamente teleológico;

  3. um planeta Terra apresentado como uma grande máquina cibernética, isto é, como sistema complexo passível de domesticação por meio de saberes apropriados;

  4. e uma Terra vista de cima, representando o ápice das formas naturalistas de alienação e objetificação, com uma evidente simplificação de sua complexidade.

Com relação a esses dois últimos pontos, essa narrativa descambaria facilmente para formas “hipermodernistas” (FREMAUX, 2019FREMAUX, Anne. The Return of Nature in the Capitalocene: a critique of the ecomodernist version of the ‘good Anthropocene’. In: ARIAS-MALDONADO, Manuel; TRACHTENBERG, Zev (ed.). Rethinking the environment for the Anthropocene: political theory and socionatural relations in the new geologic epoch. London; New York: Routledge, 2019. p. 19-36.), em especial as que apostam na emergência do humano como “jardineiro” ou “piloto” do planeta, por meio de soluções de geoengenharia, quando não se desdobram em uma “ontologia pós-política” (LÖVBRAND et al., 2015LÖVBRAND, Eva et al. Who speaks for the future of Earth? How critical social science can extend the conversation on the Anthropocene. Global Environmental Change, Amsterdam, v. 32, p. 211-218, 2015., p. 214), proclamando a própria morte da natureza para o reino absoluto do humano, como o fazem os(as) “ecomodernistas”.

Bonneuil e Fressoz ainda dedicam um capítulo específico à demonstração de que a narrativa dos antropocenologistas também constrói a imagem de uma humanidade unificada em uma entidade biológica e em uma força geológica (BONNEUIL; FRESSOZ, 2017BONNEUIL, Christophe; FRESSOZ, Jean-Baptiste. The shock of the Anthropocene. London: Verso, 2017., p. 65), produzindo, assim, como sugerem Lövbrand et al., uma “ontologia pós-social” (LÖVBRAND et al., 2015LÖVBRAND, Eva et al. Who speaks for the future of Earth? How critical social science can extend the conversation on the Anthropocene. Global Environmental Change, Amsterdam, v. 32, p. 211-218, 2015., p. 213). Dessa forma, eles também percebem aqui um efeito daquilo que Uhrqvist e Linnér (2015UHRQVIST, Ola; LINNÉR, Björn. Narratives of the past for Future Earth: The historiography of global environmental change research. The Anthropocene Review , [s.l.], v. 2, n. 2, p. 159-173, 2015.) chamaram de “autoatribuição de agência”, ou seja, os e as cientistas dedicados ao Antropoceno apresentar-se-iam como sujeitos privilegiados, cuja missão seria guiar uma humanidade “deficiente em conhecimento” a uma “reconexão com a biosfera” (BONNEUIL; FRESSOZ, 2017BONNEUIL, Christophe; FRESSOZ, Jean-Baptiste. The shock of the Anthropocene. London: Verso, 2017., p. 65). Esses relatos apresentariam uma falsa ideia segundo a qual a humanidade não sabia dos males que estava causando, mas que agora, graças à CST, poderia se redimir de seus pecados (o que, em um capítulo específico, os historiadores mostram ser uma falácia), algo reforçado por elaborações, como a de Latour, de que a “Constituição Moderna” não nos deixaria perceber o mal que estaríamos fazendo a nós mesmos (BONNEUIL; FRESSOZ, 2017BONNEUIL, Christophe; FRESSOZ, Jean-Baptiste. The shock of the Anthropocene. London: Verso, 2017., p. 75). Além disso, toda a complexidade humana seria reduzida a alguns gráficos no interior dessa narrativa. Não obstante a complexidade da historicidade humana e sua diversidade de perspectivas, seria possível encontrar cientistas sociais endossando esse viés reducionista, a exemplo dos trabalhos de Dipesh Chakrabarty ou dos partidários e das partidárias de Gaia (Descola, Latour, outros e outras), que, ao culparem a “modernidade”, acabariam por se mostrarem lenientes em relação ao capitalismo ou a outras formas de dominação mais concretas. Contudo, por mais que estejam corretos em identificar esses aspectos, Bonneuil e Fressoz baseiam sua interpretação em apenas quatro textos, o que, a meu ver, não é suficiente para sustentar esse nível de generalização.

Jason Moore também apresenta um quadro crítico em muitos aspectos semelhante ao de Bonneuil e Fressoz. Segundo ele, a urgência ambiental não deveria invalidar a produção de uma interpretação histórica adequada (MOORE, 2020MOORE, Jason W. ¿Antropoceno o Capitaloceno? Sobre la naturaleza y los orígenes de nuestra crisis ecológica. In: MOORE, Jason W. El capitalismo en la trama de la vida: ecología y acumulación capital. Madrid: Traficantes de Sueños, 2020. p. 201-227., p. 201). A narrativa sobre o Antropoceno se basearia, de acordo com Moore, em uma contradição: de um lado, uma ênfase absoluta nas mudanças atmosféricas e geológicas; de outro, um argumento sobre a história e sobre a crise atual. Desse modo, essas narrativas partem de uma base empirista e estatística, mas acabam produzindo enunciados sobre a agência humana e sobre a periodização histórica que não se sustentariam diante da comunidade de historiadoras e historiadores. Essas narrativas não esconderiam uma perspectiva metodológica cartesiana, em que se tem a construção da “humanidade como agente coletivo” somada às consequências biosféricas dessas ações, as quais servem de base para a periodização histórica proposta pela CST. Segundo Moore, essa visão simplificada acarretaria interpretações históricas errôneas, a exemplo de: 1) uma visão neomalthusiana de população; 2) uma visão de transformação histórica determinada pelos complexos de tecnologia-recursos; 3) um conceito de escassez abstraído das relações históricas de capital, classe e império; 4) e uma metateoria da humanidade como agente coletivo, sem levar em conta as forças do capital e do imperialismo na conformação na história mundial moderna (MOORE, 2020MOORE, Jason W. ¿Antropoceno o Capitaloceno? Sobre la naturaleza y los orígenes de nuestra crisis ecológica. In: MOORE, Jason W. El capitalismo en la trama de la vida: ecología y acumulación capital. Madrid: Traficantes de Sueños, 2020. p. 201-227., p. 203). Para ele, essa perspectiva filosófica e sua correspondente periodização simplista não dariam conta das transformações não lineares produzidas por relações de poder e riqueza entrelaçadas com e na trama da vida que teriam dado origem ao “Capitaloceno”. Escaparia aos objetivos deste artigo, no entanto, reproduzir os principais argumentos que levam Moore a defender que “as origens de um novo padrão de configuração ambiental estão localizadas no mundo atlântico durante o longo século XVI” (MOORE, 2020MOORE, Jason W. ¿Antropoceno o Capitaloceno? Sobre la naturaleza y los orígenes de nuestra crisis ecológica. In: MOORE, Jason W. El capitalismo en la trama de la vida: ecología y acumulación capital. Madrid: Traficantes de Sueños, 2020. p. 201-227., p. 204).

Latour também acrescenta alguns aspectos a essa enumeração sucinta das características genéricas da metanarrativa do Antropoceno. O filósofo francês tem insistido há muito tempo que os discursos naturalistas têm gozado do poder de pôr fim a controvérsias de caráter “político” (LATOUR 2019aLATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simétrica. São Paulo: Editora 34, 2019a.; 2019bLATOUR, Bruno. Políticas da natureza: como associar as ciências à democracia. São Paulo: Editora Unesp, 2019b.). Desse modo, todo enunciado científico amparado em uma ontologia naturalista derivaria daquilo que ele chama de “epistemologia (política)” ou mesmo de “polícia epistemológica”, ou seja, a defesa da neutralidade axiológica de um conhecimento positivo que permite calar, sem o devido processo, as objeções que lhes são dirigidas. Nós também poderíamos flagrar isso em uma glorificação exagerada do conhecimento científico ou na apresentação dessa comunidade como heróis, como notaram Bonneuil e Fressoz (2017BONNEUIL, Christophe; FRESSOZ, Jean-Baptiste. The shock of the Anthropocene. London: Verso, 2017.) e Uhrqvist e Linnér (2015UHRQVIST, Ola; LINNÉR, Björn. Narratives of the past for Future Earth: The historiography of global environmental change research. The Anthropocene Review , [s.l.], v. 2, n. 2, p. 159-173, 2015.).

Mas, de maneira muito interessante, Latour situou recentemente a comunidade da CST entre as ontologias naturalistas e animistas. Para ele, “o grande paradoxo da ‘visão científica do mundo’ é ter conseguido retirar a historicidade do mundo, tanto para a ciência como para a política e a religião. E certamente, junto com a historicidade, foi retirada também a narratividade interior que nos permite ser no mundo” (LATOUR, 2020aLATOUR, Bruno. Diante de Gaia: oito conferências sobre a natureza no Antropoceno. São Paulo: Ubu Editora; Rio de Janeiro: Ateliê Editorial, 2020a., p. 122). No entanto, a CST estaria “reanimando” a Terra ou a natureza, que aparecem, em suas narrativas, não mais como algo inerte. Essa animação se daria, portanto, justamente por sua historicização (LATOUR, 2020aLATOUR, Bruno. Diante de Gaia: oito conferências sobre a natureza no Antropoceno. São Paulo: Ubu Editora; Rio de Janeiro: Ateliê Editorial, 2020a., p. 125). Latour também considera absurdo “unificar o Anthropos enquanto ator dotado de consistência moral ou política, a ponto de acusá-lo de ser o personagem capaz de atuar nesse novo cenário global” (LATOUR, 2020aLATOUR, Bruno. Diante de Gaia: oito conferências sobre a natureza no Antropoceno. São Paulo: Ubu Editora; Rio de Janeiro: Ateliê Editorial, 2020a., p. 196, grifos no original); no entanto, ele seria um agente político virtual, composto por um conjunto de povos, que responderiam à falência do antropocentrismo provocada pela narrativa naturalista/animista da CST. Essa discussão tem conduzido à uma retomada de certos argumentos da antropologia filosófica alemã da década de 1920, conforme argumentam Eva Horn e Hannes Bergthaller (2020HORN, Eva; BERGTHALLER, Hannes. The Anthropocene: key issues for the humanities. London; New York: Routledge , 2020.), para os quais as relações de poder da humanidade (homos) resultaram na emergência da humanidade como força geológica (anthropos), algo já tematizado por Dipesh Chakrabarty (2009CHAKRABARTY, Dipesh. The Climate of History: Four Theses. Critical Inquiry, Chicago, v. 35, n. 2, p. 197-222, 2009.) em seus primeiros escritos sobre os possíveis impactos do Antropoceno na imaginação histórica.

Além disso, Latour também se opõe à imagem do “globo” que seria um elemento constituinte das narrativas sobre o Antropoceno. Segundo ele, “a figura do Globo permite pular prematuramente para um nível superior confundindo as figuras de conexão com as da totalidade. Esse deslize perigoso não é apenas obra de filósofos, políticos, militares ou teólogos. Ele também obceca cientistas que querem entender o Antropoceno” (LATOUR, 2020aLATOUR, Bruno. Diante de Gaia: oito conferências sobre a natureza no Antropoceno. São Paulo: Ubu Editora; Rio de Janeiro: Ateliê Editorial, 2020a., p. 210, grifos no original). Contemplar passivamente uma esfera seria exatamente, segundo o autor, retirar-lhe a sua historicidade, mas “o Antropoceno, porque dissolve o próprio pensamento do Globo observado de longe, traz a história de volta ao centro das atenções” (LATOUR, 2020aLATOUR, Bruno. Diante de Gaia: oito conferências sobre a natureza no Antropoceno. São Paulo: Ubu Editora; Rio de Janeiro: Ateliê Editorial, 2020a., p. 222). É por isso que Latour prefere a imagem de Gaia em lugar daquela que remete a uma grande esfera, inspirando-se na obra de Lovelock: “Gaia não é uma máquina cibernética controlada por ciclos de retroalimentação, mas uma série de acontecimentos históricos, cada um dos quais se espalha um pouco mais - ou não” (LATOUR, 2020aLATOUR, Bruno. Diante de Gaia: oito conferências sobre a natureza no Antropoceno. São Paulo: Ubu Editora; Rio de Janeiro: Ateliê Editorial, 2020a., p. 226).

Essa discussão ganha um status central em Onde aterrar? (2020bLATOUR, Bruno. Onde Aterrar? Como se orientar politicamente no Antropoceno. Trad. Marcela Vieira; Alyne Costa. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2020b.). O verbo “aterrar” significa, justamente, produzir um horizonte político que fuja dos sonhos modernos de controle total do planeta por meio da ideia de “globalização”, ou, na impossibilidade disso, de dominação do “local” por meio das modalidades reacionárias de pensamento moderno que se fiam em ideias como as de identidade nacional. Ambas conformariam, portanto, uma “narrativa sem topos” (LATOUR, 2020bLATOUR, Bruno. Onde Aterrar? Como se orientar politicamente no Antropoceno. Trad. Marcela Vieira; Alyne Costa. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2020b., p. 52), às quais deveriam ser opostas uma geo-história de conexões múltiplas que tornam os territórios habitáveis. Mais uma vez, Latour deposita uma grande confiança na narrativa produzida pela CST: “o papel das ciências na tarefa de sondar o Terrestre é inegável. Sem elas, o que saberíamos sobre o Novo Regime Climático? E como ignorar o fato de que elas se tornaram o alvo privilegiado dos negacionistas climáticos?” (LATOUR, 2020bLATOUR, Bruno. Onde Aterrar? Como se orientar politicamente no Antropoceno. Trad. Marcela Vieira; Alyne Costa. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2020b., p. 62). Mas será que a CST tem mesmo conseguido se distanciar dessa “escala global” de pensamento?

Uma revisão das generalizações

O que foi exposto acima não faz jus às interpretações desses autores e dessas autoras a respeito dos problemas relacionados ao Antropoceno como um todo. Trata-se mais de um conjunto de recortes em que a questão narrativa da CST é mais diretamente endereçada, e que foram selecionados de forma bastante instrumental para a revisão que se segue. Nesta última parte tentarei, finalmente, verificar em que medida essas críticas podem ou não ser consideradas levando-se em conta a amostragem de trabalhos que utilizei com este intuito de revisão.

O primeiro aspecto que gostaria de considerar é o que indica mais diretamente a presença da perspectiva ontológica naturalista nessas produções, isto é, a separação entre “humanidade” e “natureza” como pressuposto analítico fundamental. Em quase todos os textos analisados não foi possível encontrar algum tipo de afirmação que contradissesse esse apontamento crítico. No entanto, Mark Maslim e Simon Lewis, respondendo às duras críticas que lhes foram dirigidas por Clive Hamilton (2015HAMILTON, Clive. Getting the Anthropocene so wrong. The Anthropocene Review, California, v. 2, n. 2, p. 102-107, 2015.), afirmam que

a discussão do conceito de Antropoceno como uma definição ao mesmo tempo informal e formal mudou a maneira como nós pensamos sobre a relação entre os seres humanos e o Sistema Terra. Os humanos não são mais facilmente considerados “outros” ou “fora da natureza”, mas agora podem ser vistos como uma das forças motrizes mais poderosas da mudança “dentro” e como “parte do” Sistema Terra (MASLIN; LEWIS, 2015MASLIN, Mark A; LEWIS, Simon L. Anthropocene: Earth System, geological, philosophical and political paradigm shifts. The Anthropocene Review , California, v. 2, n. 2, p. 108-116, 2015., p. 114, tradução nossa).

Mas, no famoso artigo publicado na revista Nature, em que propõem o “Orbis spike” (a partir do ano de 1610) como marco inicial do Antropoceno, os mesmos autores escrevem que a “atividade humana tem sido uma influência geologicamente recente, porém profunda, sobre o meio ambiente global” (LEWIS; MASLIN, 2015aLEWIS, Simon L; MASLIN, Mark A. A transparent framework for defining the Anthropocene Epoch. The Anthropocene Review , California, v. 2, n. 2, p. 128-146, 2015a., p. 171), repetindo, assim, uma ideia que perpassa a maioria dos artigos analisados, ao menos quando isso é tematizado: a humanidade é apresentada como um todo indistinto, que recentemente passou a influenciar no funcionamento do “meio ambiente global”, do “Sistema Terra” ou da “natureza”. Como vimos acima, reconhecer que a humanidade é uma força geológica deixa uma série de problemas irresolvidos, como a manutenção de uma perspectiva antropocêntrica e a simplificação da complexidade que caracteriza essa humanidade. Lewis e Maslin representam, no entanto, uma corrente destoante no interior da comunidade de “antropocenologistas”, cujo consenso tem sido atribuído àqueles e àquelas que defendem a formalização do Antropoceno a partir da segunda metade do século XX (ZALASIEWICZ et al., 2017ZALASIEWICZ, Jan et al. The Working Group on the Anthropocene: Summary of evidence and interim recommendations. Anthropocene, Amsterdam, v. 19, p. 55-60, 2017.). Talvez seja injusto reduzir a ideia de humanidade apresentada por esses dois pesquisadores à mesma acepção que é encontrada em outros trabalhos, pois eles são os únicos estratígrafos ou cientistas dos Sistema Terra dessa lista que incluem os efeitos políticos de situar o início do Antropoceno em um momento marcado pela expansão das atividades colonialistas europeias.7 7 Veja-se, por exemplo, a acolhida que essa proposta recebeu por parte da comunidade acadêmica preocupada com as questões indígenas em Davis e Todd (2017). Também podemos encontrar exceções à ideia de uma humanidade unificada em Crutzen (2002CRUTZEN, Paul J. Geology of mankind. Nature, Londres, v. 415, n. 6867, p. 23, 2002.) e Steffen et al. (2015bSTEFFEN, Will; BROADGATE, Wendy; DEUTSCH, Lisa; et al. The trajectory of the Anthropocene: The Great Acceleration. The Anthropocene Review , California, v. 2, n. 1, p. 81-98, 2015b.), sem que exista, contudo, uma definição mais clara de quem seria a parcela então responsável pelo Antropoceno.

Também é preciso reconhecer uma tendência mais recente na comunidade de antropocenologistas no que concerne ao tratamento dos sistemas sociais, como já o notaram Uhrqvist e Linnér (2015UHRQVIST, Ola; LINNÉR, Björn. Narratives of the past for Future Earth: The historiography of global environmental change research. The Anthropocene Review , [s.l.], v. 2, n. 2, p. 159-173, 2015.). Há uma crescente preocupação nas discussões sobre o Antropoceno com as “partes interessadas” (stakeholders) em propostas como as da Future Earth (2013FUTURE EARTH. Future Earth Initial Design: Report of the Transition Team. Paris: International Council for Science (ICSU), 2013.). No entanto, além de outras limitações mencionadas por Uhrqvist e Linnér, é importante destacar que a pluralidade de perspectivas mencionadas no relatório dessa instituição se refere ao presente e ao futuro, mas não à responsabilização das parcelas da população que deveriam ser culpabilizadas pelas catástrofes em questão. Neste ponto, a narrativa continua reproduzindo a ideia de que, se a humanidade é uma força geológica, ela também é consciente o suficiente para viver de maneira “sustentável”. A ideia de sustentabilidade, no entanto, não é um tipo de ideal que contemple efetivamente outros modos de vida cuja atividade nunca contribuiu para as transformações que preocupam a CST (ACOSTA, 2016ACOSTA, Alberto. O bem viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos. 1. edição. São Paulo: Elefante Editora, 2016.; KRENAK, 2019KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.).

De todo modo, como mencionei acima, há, nos últimos anos, um crescimento expressivo de propostas críticas que não podem ser totalmente apartadas da comunidade de antropocenologistas, como evidencia a própria lista de Veiga. Os próprios cientistas do Sistema Terra e estratigrafistas têm reconhecido o valor de algumas dessas críticas (MASLIN; LEWIS, 2015MASLIN, Mark A; LEWIS, Simon L. Anthropocene: Earth System, geological, philosophical and political paradigm shifts. The Anthropocene Review , California, v. 2, n. 2, p. 108-116, 2015.; ZALASIEWICZ et al., 2019ZALASIEWICZ, Jan et al. (org.). The Anthropocene as a Geological Time Unit: A Guide to the Scientific Evidence and Current Debate. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2019. Disponível em: https://www.cambridge.org/core/product/identifier/9781108621359/type/book . Acesso em: 5 jan. 2022.
https://www.cambridge.org/core/product/i...
; ZALASIEWICZ et al., 2021ZALASIEWICZ, Jan et al. The Anthropocene: comparing its meaning in Geology (Chronostratigraphy) with conceptual approaches arising in other disciplines. Earth’s Future, Nova Jersey, v. 9, n. 3, p. 1-25, 2021.). Por que também não poderíamos já incluir na qualidade de “narrativas sobre o Antropoceno” reflexões como as de Isabelle Stengers (2015STENGERS, Isabelle. No tempo das catástrofes: resistir à barbárie que se aproxima. São Paulo: Cosac Naify, 2015.), as quais tematizam justamente a necessidade de constituição de conexões parciais entre diferentes visões de mundo em torno desses problemas? Além disso, por mais que as acepções de “humanidade” e de “natureza” sejam moldadas a partir de pressupostos naturalistas, não se pode descartar o potencial de “animação” dessas narrativas, conforme sugerido por Latour. Espera-se que a demonstração de comportamentos inusuais dos sistemas biofísicos da Terra nos faça repensar nossas concepções de humanidade, e a força e visibilidade alcançadas pelos movimentos indígenas durante a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima de 2021 (COP 26) pode ser um indicador do início dessa mudança, não obstante o peso dos investimentos negacionistas.

Um outro ponto que também é, com efeito, muito recorrente, é a adoção de uma escala global nessas narrativas. O próprio nome dado ao domínio científico que aglutina esse coletivo de cientistas, “Ciência do Sistema Terra”, pressupõe um sistema que se sobrepõe às suas partes, algo que, conforme demonstrou Veiga (2019VEIGA, José Eli da. O antropoceno e a ciência do sistema terra. São Paulo: Editora 34 , 2019.), é bastante problemático. Nada mais distante, portanto, do que o abandono de uma “narrativa sem tópos”, conforme deseja Latour. Hans Joachim Schellnhuber, por exemplo, fala em uma “tarefa geocibernética” pela qual somos confrontados (SCHELLNHUBER, 1999SCHELLNHUBER, H. J. “Earth system” analysis and the second Copernican revolution. Nature, Londres, v. 402, n. S6761, p. C19-C23, 1999., p. C20). Desde o relatório do IGBP de 2001, a “perspectiva global” passa a se sobrepor às interações locais e regionais das “atividades humanas” com o “meio ambiente”: “o que é realmente novo sobre a compreensão do Sistema Terra nos últimos 10-15 anos é uma perspectiva que abrange o Sistema como um todo” (STEFFEN; TYSON, 2001STEFFEN, Will; TYSON, Peter (org.). Global Change and the Earth System: a planet under pressure. New York: IGBP, 2001. IGBP Science, 4., p. 5, tradução nossa). Em todos os textos subsequentes fica evidente a ideia da constituição de um “sistema” que se sobrepõe à multiplicidade de suas interações específicas. É isso que os modelos desenvolvidos pela CST tentam tornar visível: um sistema global que pode ser percebido (e, quem sabe, manipulado). O diferencial das narrativas do CST é, então, o seu intuito de convencer seus leitores e suas leitoras de que a ação dirigida a esse grande sistema é mais urgente do que as atividades, por exemplo, de defesa contra práticas de redução da biodiversidade local a paisagens monoespecíficas (TSING, 2019TSING, Anna Lowenhaupt. Viver nas ruínas: paisagens multiespécie no antropoceno. Brasília: IEB Mil Folhas, 2019.).

Isso fica evidente, por exemplo, tanto no tipo de tutela (stewardship) proposta a partir da ideia de “limites planetários” (planetary boundaries) (ROCKSTRÖM et al. 2009aROCKSTRÖM, Johan et al. Planetary Boundaries: Exploring the Safe Operating Space for Humanity. Ecology and Society, Dedham, MA, v. 14, n. 2, p. art32, 2009a.; 2009bROCKSTRÖM, Johan et al. A safe operating space for humanity. Nature, Londres, v. 461, n. 7263, p. 472-475, 2009b.; STEFFEN et al., 2015STEFFEN, Will et al. Planetary boundaries: Guiding human development on a changing planet. Science, Washington, DC, v. 347, n. 6223, p. 1259855, 2015a.), quanto nas críticas que lhes são dirigidas (NORDHAUS; SHELLENBERGER; BLOMQVIST, 2012NORDHAUS, Ted; SHELLENBERGER, Michael; BLOMQVIST, Linus. The planetary boundaries: a review of the evidence. Oakland, CA: Breakthrough Institute, 2012.). Para os primeiros, devemos reorientar radicalmente nossas ações prevendo efeitos planetários visíveis apenas a partir dos complexos modelos e hipóteses produzidos pelos e pelas cientistas do Sistema Terra. Para os cientistas do Breakthrough Institute, por sua vez, a denúncia do caráter tecnocrático desses direcionamentos políticos é um pretexto não para a proposição de políticas mais justas, mas, pelo contrário, de uma geopolítica que não coloque em risco a manutenção dos “negócios como de costume” (business as usual). Para isso, eles propõem um instrumento de regulação claramente inspirado no ethos neoliberal, os “trade-offs”, isto é, formas de compensação, baseadas em abstrações matemáticas, pela devastação de determinadas localidades, em nome de um suposto “human wellfare”. O que está em jogo, em ambos os casos, são formas de “governança global”, algo que foi objeto de estudos do International Human Dimensions Programme on Global Environmental Change (IHDP), um dos principais programas da ESSP (atual Future Earth) (BIERMANN, 2014BIERMANN, Frank. The Anthropocene: A governance perspective. The Anthropocene Review, California, v. 1, n. 1, p. 57-61, 2014.).

Isso nos leva, então, ao tema da “epistemologia (política)” ou “polícia epistemológica”, isto é, aos elementos narrativos que buscam nos convencer de que os e as cientistas do Sistema Terra são os heróis da epopeia humana em sua nova fase, agora consciente, graças a esses mesmos cientistas, dos pecados da modernização. Esse é, no entanto, um aspecto que, na prática, aparece de maneira bem mais complexa e dividida nessas narrativas. Os trabalhos mais próximos à vertente “ecomodernista” tendem a acusar o autoritarismo dos cientistas que se opõem ao livre mercado (NORDHAUS; SHELLENBERGER; BLOMQVIST, 2012NORDHAUS, Ted; SHELLENBERGER, Michael; BLOMQVIST, Linus. The planetary boundaries: a review of the evidence. Oakland, CA: Breakthrough Institute, 2012.), como vimos acima, ou, de maneira mais refinada, a propor que o Antropoceno está ligado às formas de uso do solo desde o surgimento da agricultura e que, portanto, a história demonstraria que a humanidade sempre encontra maneiras de desenvolver formas mais intensivas e produtivas que minorem os impactos da degradação ambiental (ELLIS, 2013aELLIS, Erle C. et al. Dating the Anthropocene: Towards an empirical global history of human transformation of the terrestrial biosphere. Elementa: Science of the Anthropocene, Berkeley, CA, v. 1, p. 000018, 2013a.; 2013bELLIS, Erle C. et al. Used planet: A global history. Proceedings of the National Academy of Sciences, Washington, DC, v. 110, n. 20, p. 7978-7985, 2013b.). Os artigos de viés mais estratigráfico, em geral, tentam contornar os impactos políticos de seus enunciados afirmando fazer nada mais do que descrever uma unidade geoestratigráfica, ainda que os evidentes impactos normativos de suas escolhas não tenham passado de forma desapercebida pela crítica (TURIN, 2022TURIN, Rodrigo. A “catástrofe cósmica” do presente: alguns desafios do Antropoceno para a consciência histórica contemporânea. In: MULLER, Angélica; IGELSKI, Francine. História do Tempo Presente: mutações e reflexões. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2022. p. 141-163.).

Os trabalhos da vertente mais diretamente ligados à CST são aqueles que apresentam um teor normativo mais evidente. Dentre eles poderíamos destacar pelo menos quatro linhas:

  1. As que propõem soluções de geoengenharia (SCHELLNHUBER, 1999SCHELLNHUBER, H. J. “Earth system” analysis and the second Copernican revolution. Nature, Londres, v. 402, n. S6761, p. C19-C23, 1999.; CRUTZEN; STOERMER, 2000CRUTZEN, Paul J.; STOERMER, Eugene F. The “Anthropocene”. Global Change Newsletter, Estocolmo, n. 41, p. 17-18, 2000.; CRUTZEN, 2002CRUTZEN, Paul J. Geology of mankind. Nature, Londres, v. 415, n. 6867, p. 23, 2002.).

  2. As que apostam no papel das instituições científicas e políticas internacionais que possam encontrar soluções baseadas no conhecimento gerado pela CST, e, ao mesmo tempo, que sejam capazes de contornar os desafios legais e geopolíticos implicados nessas novas formas de governança (STEFFEN; TYSON, 2001STEFFEN, Will; TYSON, Peter (org.). Global Change and the Earth System: a planet under pressure. New York: IGBP, 2001. IGBP Science, 4.; PRONK, 2001; STEFFEN et al., 2007STEFFEN, Will; CRUTZEN, Paul J.; MCNEILL, John R. The Anthropocene: Are Humans Now Overwhelming the Great Forces of Nature. AMBIO: A Journal of the Human Environment, Stockholm, v. 36, n. 8, p. 614-621, 2007.; ICSU-IGFA, 2008ICSU-IGFA. Review of the Earth System Science Partnership (ESSP). Amsterdam: s.n., 2008.; LEEMANS et al., 2009LEEMANS, Rik et al. Developing a common strategy for integrative global environmental change research and outreach: the Earth System Science Partnership (ESSP). Current Opinion in Environmental Sustainability, Amsterdam, v. 1, n. 1, p. 4-13, 2009.; BIERMANN et al., 2010BIERMANN, Frank et al. Navigating the anthropocene: the Earth System Governance Project strategy paper. Current Opinion in Environmental Sustainability, Amsterdam, v. 2, n. 3, p. 202-208, 2010.; FUTURE EARTH, 2013FUTURE EARTH. Future Earth Initial Design: Report of the Transition Team. Paris: International Council for Science (ICSU), 2013.; BIERMAN, 2014BIERMANN, Frank. The Anthropocene: A governance perspective. The Anthropocene Review, California, v. 1, n. 1, p. 57-61, 2014.; STEFFEN et al., 2015bSTEFFEN, Will; BROADGATE, Wendy; DEUTSCH, Lisa; et al. The trajectory of the Anthropocene: The Great Acceleration. The Anthropocene Review , California, v. 2, n. 1, p. 81-98, 2015b.; DONGES et al., 2017DONGES, Jonathan F. et al. Closing the loop: Reconnecting human dynamics to Earth System science. The Anthropocene Review, California, v. 4, n. 2, p. 151-157, 2017.; THORNTON et al., 2017THORNTON, Peter E. et al. Biospheric feedback effects in a synchronously coupled model of human and Earth systems. Nature Climate Change, Berlim, v. 7, n. 7, p. 496-500, 2017.).

  3. As que estabelecem os “limites planetários” como forma de auxiliar a ação política (ROCKSTRÖM et al., 2009aROCKSTRÖM, Johan et al. Planetary Boundaries: Exploring the Safe Operating Space for Humanity. Ecology and Society, Dedham, MA, v. 14, n. 2, p. art32, 2009a.; 2009bROCKSTRÖM, Johan et al. A safe operating space for humanity. Nature, Londres, v. 461, n. 7263, p. 472-475, 2009b.; STEFFEN et al., 2011STEFFEN, Will et al. The Anthropocene: conceptual and historical perspectives. Philosophical Transactions of the Royal Society A: Mathematical, Physical and Engineering Sciences, London, v. 369, n. 1938, p. 842-867, 2011.; STEFFEN et al., 2015aSTEFFEN, Will et al. Planetary boundaries: Guiding human development on a changing planet. Science, Washington, DC, v. 347, n. 6223, p. 1259855, 2015a.).

  4. As que acreditam que a ideia de que a temporalidade não linear, mas, por vezes, abrupta, das transformações geológicas planetárias, os famosos tipping points (pontos de não retorno), também podem ser estendidos às mudanças sociais (LENTON, 2016LENTON, Tim. Earth system science: a very short introduction. Oxford: Oxford University Press, 2016.; OTTO et al., 2020OTTO, Ilona M. et al. Social tipping dynamics for stabilizing Earth’s climate by 2050. Proceedings of the National Academy of Sciences, Washington, DC, v. 117, n. 5, p. 2354-2365, 2020.).

Há ainda, por fim, trabalhos que vêm com desconfiança as pretensões da CST em intervir na política, para além dos ecomodernistas (FINNEY; EDWARDS, 2016FINNEY, Stanley C.; EDWARDS, Lucy E. The “Anthropocene” epoch: Scientific decision or political statement? GSA Today, Boulder, CO, v. 26, n. 3, p. 4-10, 2016.), ou que acreditam que a formalização do Antropoceno pela estratigrafia não tem prioridade em relação às definições paralelas de outros campos do conhecimento (história, filosofia, ciências sociais e políticas etc.), as quais deveriam ser as responsáveis pela avaliação dessas implicações políticas ( MASLIN;LEWIS, 2015MASLIN, Mark A; LEWIS, Simon L. Anthropocene: Earth System, geological, philosophical and political paradigm shifts. The Anthropocene Review , California, v. 2, n. 2, p. 108-116, 2015.; ZALASIEWICZ et al., 2019ZALASIEWICZ, Jan et al. (org.). The Anthropocene as a Geological Time Unit: A Guide to the Scientific Evidence and Current Debate. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2019. Disponível em: https://www.cambridge.org/core/product/identifier/9781108621359/type/book . Acesso em: 5 jan. 2022.
https://www.cambridge.org/core/product/i...
; ZALASIEWICZ et al., 2021ZALASIEWICZ, Jan et al. The Anthropocene: comparing its meaning in Geology (Chronostratigraphy) with conceptual approaches arising in other disciplines. Earth’s Future, Nova Jersey, v. 9, n. 3, p. 1-25, 2021.).

Por fim, alguns dos aspectos indicados de maneira mais combativa por Bonneuil e Fressoz e por Jason Moore são de mais difícil generalização do que os seus trabalhos fazem parecer. Isso não significa, no entanto, que seus argumentos não sejam relevantes, pois as armadilhas narrativas que eles apontam devem, sim, ser evitadas. No entanto, talvez essas críticas não façam a devida justiça ao que tem sido efetivamente produzido nas discussões sobre o Antropoceno.

Um aspecto que ainda não foi considerado aqui é o que diz respeito aos critérios de periodização. Vimos que Bonneuil e Fressoz destacam o caráter quantitativo dos enunciados históricos da CST. O que alguns desses trabalhos fazem é apresentar curvas biofísicas e associá-las a transformações sociais expressivas, como no caso dos artigos que propõem a Revolução Industrial como o início do Antropoceno (hipótese pouco defendida hoje no interior da CST e da estratigrafia) (CRUTZEN; STOERMER, 2000CRUTZEN, Paul J.; STOERMER, Eugene F. The “Anthropocene”. Global Change Newsletter, Estocolmo, n. 41, p. 17-18, 2000.; CRUTZEN, 2002CRUTZEN, Paul J. Geology of mankind. Nature, Londres, v. 415, n. 6867, p. 23, 2002.), ou das discussões que evidenciam uma “Grande Aceleração” nas transformações características dessa nova época geológica (STEFFEN et al., 2004STEFFEN, Will L. et al. Global change and the earth system: a planet under pressure. Berlin; New York: Springer, 2004. Global change - the IGBP series.; STEFFEN et al., 2011STEFFEN, Will et al. The Anthropocene: conceptual and historical perspectives. Philosophical Transactions of the Royal Society A: Mathematical, Physical and Engineering Sciences, London, v. 369, n. 1938, p. 842-867, 2011.; STEFFEN et al., 2015bSTEFFEN, Will; BROADGATE, Wendy; DEUTSCH, Lisa; et al. The trajectory of the Anthropocene: The Great Acceleration. The Anthropocene Review , California, v. 2, n. 1, p. 81-98, 2015b.). Para Jason Moore (2020MOORE, Jason W. ¿Antropoceno o Capitaloceno? Sobre la naturaleza y los orígenes de nuestra crisis ecológica. In: MOORE, Jason W. El capitalismo en la trama de la vida: ecología y acumulación capital. Madrid: Traficantes de Sueños, 2020. p. 201-227.), tratar-se-ia, nesses casos, da recuperação de uma periodização histórica antiquada que não permitiria oferecer uma boa interpretação para as causas do Antropoceno.8 8 Uma discussão específica sobre o problema da causalidade nos trabalhos das ciências humanas dedicadas ao Antropoceno foi apresentada por este autor em artigo intitulado “Antropoceno, ciências humanas e historiografia”, a ser publicado na revista História, Ciências, Saúde - Manguinhos entre os anos de 2023 e 2024. Embora, a meu ver, esses historiadores estejam corretos em trazer para o campo da historiografia a responsabilidade relacionada às causas sociais e políticas do Antropoceno, é preciso considerar que essas discussões nem sempre aparecem explicitamente nos artigos produzidos por antropocenologistas (algo que constatei em 27 dos artigos considerados). Além disso, há, como já foi mencionado acima, um crescente reconhecimento da responsabilidade da historiografia pela definição dessas periodizações “extra-estratigráficas” ou, então, a simples desconsideração dessas questões por parte de textos mais preocupados com a governança global nos moldes padrões. No entanto, este último posicionamento é fruto de uma visão de mundo eurocêntrica, e, conforme argumento ao final deste artigo, é justamente aqui que a historiografia pode oferecer a sua maior contribuição para os próximos acordos que precisaremos tecer para manter o planeta habitável.

Outros dois aspectos mencionados por Moore (2020MOORE, Jason W. ¿Antropoceno o Capitaloceno? Sobre la naturaleza y los orígenes de nuestra crisis ecológica. In: MOORE, Jason W. El capitalismo en la trama de la vida: ecología y acumulación capital. Madrid: Traficantes de Sueños, 2020. p. 201-227.), isto é, uma visão neomalthusiana de população e a abstração da escassez das relações históricas de poder, aparecem com ainda menos frequência nos textos analisados. É possível, de fato, verificar um correlacionamento direto entre aumento populacional e deterioração das condições de vida (CRUTZEN; STOERMER, 2000CRUTZEN, Paul J.; STOERMER, Eugene F. The “Anthropocene”. Global Change Newsletter, Estocolmo, n. 41, p. 17-18, 2000., p. 18; STEFFEN; TYSON, 2001STEFFEN, Will; TYSON, Peter (org.). Global Change and the Earth System: a planet under pressure. New York: IGBP, 2001. IGBP Science, 4., p. 12; STEFFEN et al., 2004STEFFEN, Will L. et al. Global change and the earth system: a planet under pressure. Berlin; New York: Springer, 2004. Global change - the IGBP series., p. 24; LENTON, 2016LENTON, Tim. Earth system science: a very short introduction. Oxford: Oxford University Press, 2016., p. 105). No entanto, é difícil encontrar esse tipo de argumento mais explicitamente neomalthusiano nos demais artigos listados, ainda que suas diferentes propostas de tutela do planeta (Earth stewardship) possam ser encaradas como uma forma de “biopolítica”, como sustentam Eva Horn e Hannes Bergthaller (2020HORN, Eva; BERGTHALLER, Hannes. The Anthropocene: key issues for the humanities. London; New York: Routledge , 2020.). Para eles, trabalhos pautados na ideia de “limites planetários”, ou então na capacidade tecnológica da humanidade de superar a escassez condicionada pelo crescimento populacional (o ideal “cornucopiano”9 9 Segundo Pierre Charbonnier, o “ideal cornucopiano” corresponde à “promoção da abundância material, nascida no século XVIII e contemporânea à emancipação da terra e do trabalho em relação aos fardos do sistema feudal” (CHARBONNIER, 2017, p. 205, tradução nossa). ), apontam para formas específicas de biopolíticas adaptadas ao Antropoceno, e apenas superficialmente se diferenciariam da perspectiva neomalthusiana desenvolvida a partir do início da segunda metade do século XX. Como já foi mencionado acima, os trabalhos de Erle Ellis et al. (2013aELLIS, Erle C. et al. Dating the Anthropocene: Towards an empirical global history of human transformation of the terrestrial biosphere. Elementa: Science of the Anthropocene, Berkeley, CA, v. 1, p. 000018, 2013a.; 2013bELLIS, Erle C. et al. Used planet: A global history. Proceedings of the National Academy of Sciences, Washington, DC, v. 110, n. 20, p. 7978-7985, 2013b.) se pautam justamente em uma tentativa de refutação das teses neomalthusianas, mas isso em função de uma pressuposta competência inata da humanidade para transcender tecnologicamente os desafios impostos à sua sobrevivência como espécie. De todo modo, parece-me que os trabalhos que mencionam as pressões populacionais globais não desconsideram as desigualdades sociais, além de priorizarem a adoção de políticas de redução de emissões de gases de efeito estufa em detrimento de estratégias de controle de natalidade. A grande inspiração histórica da CST é a descoberta da relação entre emissões de CFC e depleção da camada de ozônio, algo que não só rendeu um prêmio Nobel para Crutzen em 1995, como também teve efeito concreto nas políticas ambientais internacionais por meio da assinatura do Protocolo de Montreal em 1987 (LENTON, 2016LENTON, Tim. Earth system science: a very short introduction. Oxford: Oxford University Press, 2016.; STEFFEN et al., 2020STEFFEN, Will et al. The emergence and evolution of Earth System Science. Nature Reviews Earth & Environment, Berlim, v. 1, n. 1, p. 54-63, 2020.). Desse modo, um problema mais direto dessas narrativas talvez seja a crença na possibilidade de resolver os desafios do presente sem reconsiderar profundamente os horizontes desenvolvimentistas ou neoliberais, ou então implementando soluções de caráter global que colocam a humanidade como espécie (anthropos) acima da humanidade como pluralidade de formas de estar no mundo (homo), conforme conceituação sugerida também por Horn e Bergthaller (2020HORN, Eva; BERGTHALLER, Hannes. The Anthropocene: key issues for the humanities. London; New York: Routledge , 2020.) a partir das ideias de Chakrabarty. Assim, a escassez abstraída das relações de produção é algo que se relaciona diretamente a uma metateoria da humanidade como agente coletivo, ainda que alguns desses trabalhos não deixem de associar a emissão de gases de efeito estufa às relações desiguais de poder (CRUTZEN, 2002CRUTZEN, Paul J. Geology of mankind. Nature, Londres, v. 415, n. 6867, p. 23, 2002.; ICSU-IGFA, 2008ICSU-IGFA. Review of the Earth System Science Partnership (ESSP). Amsterdam: s.n., 2008.; LEWIS; MASLIM, 2015aLEWIS, Simon L; MASLIN, Mark A. A transparent framework for defining the Anthropocene Epoch. The Anthropocene Review , California, v. 2, n. 2, p. 128-146, 2015a.; STEFFEN et al., 2015aSTEFFEN, Will et al. Planetary boundaries: Guiding human development on a changing planet. Science, Washington, DC, v. 347, n. 6223, p. 1259855, 2015a.; 2015bSTEFFEN, Will; BROADGATE, Wendy; DEUTSCH, Lisa; et al. The trajectory of the Anthropocene: The Great Acceleration. The Anthropocene Review , California, v. 2, n. 1, p. 81-98, 2015b.).

Considerações finais

O objetivo deste artigo foi apresentar um quadro, o mais detalhado possível, do estado em

que as proposições historiográficas das narrativas sobre o Antropoceno se apresentam às historiadoras e aos historiadores. Ele obviamente não esgota as possibilidades de diálogo entre essas comunidades, mas nos permite evidenciar melhor alguns aspectos importantes dos problemas que nos são colocados pelos e pelas antropocenologistas.

A CST, isto é, a comunidade científica que primeiro se debruçou sobre os efeitos das ações humanas em nível planetário, constituiu-se a partir de, pelo menos, três variáveis mais significativas: a transformação mais geral da prática científica em função da hegemonia da visão de mundo neoliberal (LYOTARD, 2009LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. Rio de Janeiro: José Olympio, 2009.; MIROWSKI, 2004MIROWSKI, Philip. The effortless economy of science? Durham: Duke University Press, 2004.; TURIN, 2019TURIN, Rodrigo. Tempos precários: aceleração, historicidade e semântica neoliberal. Rio de Janeiro; Copenhague: Zazie Edições, 2019.); os negacionismos (ORESKES; CONWAY, 2019ORESKES, Naomi; CONWAY, Erik M. Merchants of doubt: how a handful of scientists obscured the truth on issues from tobacco smoke to climate change. New York: Bloomsbury Publishing, 2019.; DANOWSKI, 2018DANOWSKI, Déborah. Negacionismos. São Paulo: N-1 Edições, 2018.; MIROWSKI, 2020MIROWSKI, Philip. Democracy, expertise and the post-truth era: an inquiry into the contemporary politics of STS, 2020.; SHAPIN, 2020SHAPIN, Steven. É verdade que estamos vivendo uma Crise da Verdade? Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 13, n. 2, p. 308-319, 2020.; COSTA, 2021COSTA, Alyne de Castro. Da verdade inconveniente à suficiente: cosmopolíticas do Antropoceno. Cognitio-Estudos: Revista Eletrônica de Filosofia, São Paulo, v. 18, n. 1, p. 37-49, 2021.; MANN, 2021MANN, Michael E. The new climate war: the fight to take back our planet. First edition. New York: PublicAffairs, 2021.); uma relativa autonomia relacionada à sua origem nos grandes empreendimentos científicos estatais da Guerra Fria (UHRQVIST; LINNÉR, 2015UHRQVIST, Ola; LINNÉR, Björn. Narratives of the past for Future Earth: The historiography of global environmental change research. The Anthropocene Review , [s.l.], v. 2, n. 2, p. 159-173, 2015.; BONNEUIL; FRESSOZ, 2017BONNEUIL, Christophe; FRESSOZ, Jean-Baptiste. The shock of the Anthropocene. London: Verso, 2017.); e, mais recentemente, a construção de instituições internacionais, diretamente ligadas a organizações intergovernamentais.10 10 As especificidades relacionadas à emergência da CST foram apresentadas de maneira mais aprofundada em Lowande (no prelo).

Os dados que a vasta rede infraestrutural da CST conseguiu armazenar, somados aos modelos produzidos a partir de questões formuladas no período da Guerra Fria, começaram a apontar para tendências que desafiam os substratos mais elementares da ontologia naturalista da qual deriva a epistemologia moderna. Não demorou para que essas evidências se chocassem com a reestruturação neoliberal global posta em marcha desde os anos 1970 e 1980, e a negação dos resultados dessas pesquisas certamente contribuiu para que a CST se visse diante de um imperativo político. Propor, como o fez Paul Crutzen, que o tão defendido processo civilizatório nos conduziu a uma nova época geológica, a mesma que, se confirmada, provocaria a extinção da própria espécie humana, foi uma forma ao mesmo tempo impactante e consistente de convocar a “humanidade”, seja lá como fosse ela concebida, a uma ação concertada em prol da sua própria sobrevivência. A “antropocenologia” então emergiu como uma comunidade científica baseada em dados e modelos e, ao mesmo tempo, produtora de uma narrativa histórica que propõe extrair dessas evidências um novo sentido unificado para a humanidade. Essa comunidade, já transdisciplinar de partida, hoje recebe contribuições importantes da estratigrafia, da filosofia, da antropologia e, de maneira cada vez menos tímida, da historiografia.

A revisão de uma parcela significativa das narrativas antropocenológicas apontou para a dificuldade em tecer generalizações a seu respeito. É certo que a perspectiva onto-epistemológica que a embasa ainda pode ser classificada, em grande medida, como naturalista. Também vimos que prevalecem concepções ainda problemáticas de “humanidade” e “natureza”, “meio ambiente” ou “planeta” nessas narrativas. A partir daí, no entanto, percebemos que as regularidades se esparsam quando se trata de firmar um método de periodização ou de definir o papel da própria comunidade científica nas negociações necessárias entre coletivos cada vez mais numerosos.

Essa pluralidade de horizontes políticos não é algo que deveríamos temer. No entanto, é também o instrumental crítico da história da historiografia e da teoria da história que nos permite perceber com clareza as diversas implicações normativas das narrativas produzidas por antropocenologistas. Se os dados e modelos que esses trabalhos oferecem são valiosos para pensarmos nos rumos de nossas ações no pós-Holoceno, isso não significa que os mundos que comporemos a partir de agora se esgotam na imaginação de cientistas que, em sua maioria, continuam falando a partir dos países ricos do Norte (HORN; BERGTHALLER, 2020HORN, Eva; BERGTHALLER, Hannes. The Anthropocene: key issues for the humanities. London; New York: Routledge , 2020.; ALCÂNTARA et al., 2021ALCÂNTARA, Valderí Castro et al. Antropoceno: o Campo de Pesquisas e as Controvérsias sobre a Era da Humanidade. Revista Gestão & Conexões, Vitória, v. 9, n. 3, p. 11-31, 2021.). A reformulação desses efeitos de sentido a partir de uma compreensão mais refinada da pluralidade de perspectivas implicadas nesse problema é algo que corresponde diretamente ao tipo de reflexão que compete à historiografia.

Mas isso não será possível sem que antes a historiografia transforme a si própria. Em ensaio recente, Rodrigo Turin (2022TURIN, Rodrigo. A “catástrofe cósmica” do presente: alguns desafios do Antropoceno para a consciência histórica contemporânea. In: MULLER, Angélica; IGELSKI, Francine. História do Tempo Presente: mutações e reflexões. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2022. p. 141-163.) nos alerta tanto para a necessidade de a historiografia fazer frente às novas experiências que a vida precária dos tempos pós-Holoceno tem nos propiciado, e das quais as formas herdadas de classificação não dão conta, quanto para a necessidade de, nesse processo, evitarmos o “gesto generalizante” em função de seus conhecidos “efeitos (geo)políticos”. Portanto, mais do que definir teoricamente como opera o novo plano de temporalidade planetário, trata-se de considerar quais histórias poderemos contar para habitar um planeta cada vez mais imprevisível e inóspito. Para tanto, um dos novos desafios colocados à historiografia é a sua capacidade de notar, como sugere Turin, fatores geológicos, químicos e biológicos. Este artigo buscou oferecer uma contribuição para quem desejar se embrenhar na compreensão de como esses fatores têm sido apresentados no interior de um conjunto de narrativas que também adquire um caráter historiográfico.

Desse modo, os problemas lançados à narrativa da CST nos mostram que só ela é insuficiente para definir quais serão as condições de habitabilidade do planeta daqui em diante. A habilidade de contar outras histórias, de tornar amplamente compreensíveis as heranças cosmológicas de povos que há muito vêm resistindo aos fins de seus respectivos mundos (DANOWSKI; CASTRO, 2017DANOWSKI, Déborah; CASTRO, Eduardo Batalha Viveiros de. Há mundo por vir? Ensaio sobre os medos e os fins. 2. ed. Desterro: Cultura e Barbárie; São Paulo: ISA (Instituto Socioambiental), 2017.), é algo fundamental para diversificarmos nossas respostas a problemas que as categorias herdadas pela CST não são capazes de abarcar. Mas, para a devida “defesa da pluralização dos modos de habitar o Antropoceno”, como sugere Turin (2022TURIN, Rodrigo. A “catástrofe cósmica” do presente: alguns desafios do Antropoceno para a consciência histórica contemporânea. In: MULLER, Angélica; IGELSKI, Francine. História do Tempo Presente: mutações e reflexões. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2022. p. 141-163., p. 16), faz-se também necessária uma pluralização das perspectivas ontológicas ou cosmológicas que não as reduza a uma única forma de sincronização histórico-climática ou geo-histórica. A historiografia “pós-holocênica” poderia se configurar, portanto, como uma arte de notar as conexões parciais possíveis entre cosmos antes apartados, mas que, agora, compartilham os problemas relacionados à habitabilidade da Terra.

Se o presente artigo pôde identificar uma certa dificuldade, por parte da CST e demais antropocenologias, em conferir sentido a essa complexa temporalidade do pós-Holoceno, essa poderia ser, então, a contribuição da comunidade historiográfica a esse debate. Mas é preciso que fique claro que não se trata de suprir uma carência de sentido a partir de mais uma metateorização. O melhor que poderíamos fazer seria contar boas histórias que permitam a produção de conexões inusitadas entre mundos para que esses encontros criativos nos permitam fazer face ao inesperado que caracteriza estes novos tempos.

Agradecimentos

Este trabalho não teria sido possível sem o apoio do curso de História-Licenciatura, do Programa de Pós-graduação em História Ibérica e do Departamento de História da UNIFAL-MG, que possibilitaram o meu afastamento integral para a realização de pesquisa de pós-doutorado da qual este artigo é resultado. Esta pesquisa também não poderia ser realizada sem a atenciosa supervisão do Prof. Dr. Rodrigo Turin, que, além disso, viabilizou o meu acolhimento junto ao Programa de Pós-graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UNIRIO). Por fim, gostaria de agradecer ao Prof. Dr. José Eli da Veiga, da Universidade de São Paulo (USP), pelas sugestões gentilmente oferecidas.

Referências

  • ACOSTA, Alberto. O bem viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos. 1. edição. São Paulo: Elefante Editora, 2016.
  • ALCÂNTARA, Valderí Castro et al Antropoceno: o Campo de Pesquisas e as Controvérsias sobre a Era da Humanidade. Revista Gestão & Conexões, Vitória, v. 9, n. 3, p. 11-31, 2021.
  • BIERMANN, Frank. The Anthropocene: A governance perspective. The Anthropocene Review, California, v. 1, n. 1, p. 57-61, 2014.
  • BIERMANN, Frank et al Navigating the anthropocene: the Earth System Governance Project strategy paper. Current Opinion in Environmental Sustainability, Amsterdam, v. 2, n. 3, p. 202-208, 2010.
  • BONNEUIL, Christophe; FRESSOZ, Jean-Baptiste. The shock of the Anthropocene. London: Verso, 2017.
  • CASTREE, Noel. Changing the Anthropo(s)cene: Geographers, global environmental change and the politics of knowledge. Dialogues in Human Geography, California, v. 5, n. 3, p. 301-316, 2015.
  • CHAKRABARTY, Dipesh. The Climate of History: Four Theses. Critical Inquiry, Chicago, v. 35, n. 2, p. 197-222, 2009.
  • CHARBONNIER, Pierre. A Genealogy of the Anthropocene: The End of Risk and Limits. Annales: Histoire, Sciences Sociales, Paris, v. 72, n. 2, p. 199-224, 2017.
  • CLARK, Nigel; SZERSZYNSKI, Bronislaw. Planetary social thought: the anthropocene challenge to the social sciences. Cambridge, UK: Polity Press, 2021.
  • COSTA, Alyne de Castro. Da verdade inconveniente à suficiente: cosmopolíticas do Antropoceno. Cognitio-Estudos: Revista Eletrônica de Filosofia, São Paulo, v. 18, n. 1, p. 37-49, 2021.
  • CRUTZEN, Paul J. Geology of mankind. Nature, Londres, v. 415, n. 6867, p. 23, 2002.
  • CRUTZEN, Paul J.; STOERMER, Eugene F. The “Anthropocene”. Global Change Newsletter, Estocolmo, n. 41, p. 17-18, 2000.
  • DANOWSKI, Déborah. Negacionismos. São Paulo: N-1 Edições, 2018.
  • DANOWSKI, Déborah; CASTRO, Eduardo Batalha Viveiros de. Há mundo por vir? Ensaio sobre os medos e os fins. 2. ed. Desterro: Cultura e Barbárie; São Paulo: ISA (Instituto Socioambiental), 2017.
  • DESCOLA, Philippe. Além de natureza e cultura. Tessituras, Pelotas, v. 3, n. 1, p. 7-33, 2015.
  • DONGES, Jonathan F. et al Closing the loop: Reconnecting human dynamics to Earth System science. The Anthropocene Review, California, v. 4, n. 2, p. 151-157, 2017.
  • EDWARDS, Paul N. A vast machine: computer models, climate data, and the politics of global warming. Cambridge, Mass: MIT Press, 2010.
  • FREMAUX, Anne. The Return of Nature in the Capitalocene: a critique of the ecomodernist version of the ‘good Anthropocene’. In: ARIAS-MALDONADO, Manuel; TRACHTENBERG, Zev (ed.). Rethinking the environment for the Anthropocene: political theory and socionatural relations in the new geologic epoch. London; New York: Routledge, 2019. p. 19-36.
  • ELLIS, Erle C. et al Dating the Anthropocene: Towards an empirical global history of human transformation of the terrestrial biosphere. Elementa: Science of the Anthropocene, Berkeley, CA, v. 1, p. 000018, 2013a.
  • ELLIS, Erle C. et al Used planet: A global history. Proceedings of the National Academy of Sciences, Washington, DC, v. 110, n. 20, p. 7978-7985, 2013b.
  • FINNEY, Stanley C.; EDWARDS, Lucy E. The “Anthropocene” epoch: Scientific decision or political statement? GSA Today, Boulder, CO, v. 26, n. 3, p. 4-10, 2016.
  • FUTURE EARTH. Future Earth Initial Design: Report of the Transition Team. Paris: International Council for Science (ICSU), 2013.
  • HAMILTON, Clive. Getting the Anthropocene so wrong. The Anthropocene Review, California, v. 2, n. 2, p. 102-107, 2015.
  • HAMILTON, Clive. The Anthropocene Belongs to Earth System Science. The Conversation, 2016. Disponível em: https://theconversation.com/the-anthropocene-belongs-to-earth-system-science-64105 Acesso em: 23 dez. 2021.
    » https://theconversation.com/the-anthropocene-belongs-to-earth-system-science-64105
  • HAMILTON, Clive; BONNEUIL, Christophe; GEMENNE, François (org.). The anthropocene and the global environmental crisis. London; New York: Routledge , 2015.
  • HAMILTON, Clive; GRINEVALD, Jacques. Was the Anthropocene anticipated? The Anthropocene Review, California, v. 2, n. 1, p. 59-72, 2015.
  • HORN, Eva; BERGTHALLER, Hannes. The Anthropocene: key issues for the humanities. London; New York: Routledge , 2020.
  • ICSU-IGFA. Review of the Earth System Science Partnership (ESSP). Amsterdam: s.n., 2008.
  • KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.
  • LATOUR, Bruno. Diante de Gaia: oito conferências sobre a natureza no Antropoceno. São Paulo: Ubu Editora; Rio de Janeiro: Ateliê Editorial, 2020a.
  • LATOUR, Bruno. Onde Aterrar? Como se orientar politicamente no Antropoceno. Trad. Marcela Vieira; Alyne Costa. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2020b.
  • LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simétrica. São Paulo: Editora 34, 2019a.
  • LATOUR, Bruno. Políticas da natureza: como associar as ciências à democracia. São Paulo: Editora Unesp, 2019b.
  • LATOUR, Bruno; WOOLGAR, Steve. A vida de laboratório: a produção dos fatos científicos. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1997.
  • LECAIN, Timothy James. Against the Anthropocene. A Neo-Materialist Perspective. International Journal for History, Culture and Modernity, Leiden, v. 3, n. 1, p. 1-28, 2015.
  • LEEMANS, Rik et al Developing a common strategy for integrative global environmental change research and outreach: the Earth System Science Partnership (ESSP). Current Opinion in Environmental Sustainability, Amsterdam, v. 1, n. 1, p. 4-13, 2009.
  • LENTON, Tim. Earth system science: a very short introduction. Oxford: Oxford University Press, 2016.
  • LEWIS, Simon L; MASLIN, Mark A. A transparent framework for defining the Anthropocene Epoch. The Anthropocene Review , California, v. 2, n. 2, p. 128-146, 2015a.
  • LEWIS, Simon L.; MASLIN, Mark A. Defining the Anthropocene. Nature, Londres, v. 519, n. 7542, p. 171-180, 2015b.
  • LORIMER, Jamie. The Anthropo-scene: a guide for the perplexed. Social Studies of Science, Kingston, v. 47, n. 1, p. 117-142, 2017.
  • LÖVBRAND, Eva et al Who speaks for the future of Earth? How critical social science can extend the conversation on the Anthropocene. Global Environmental Change, Amsterdam, v. 32, p. 211-218, 2015.
  • LÖVBRAND, Eva; STRIPPLE, Johannes; WIMAN, Bo. Earth System governmentality. Global Environmental Change, Amsterdam, v. 19, n. 1, p. 7-13, 2009.
  • LOWANDE, Walter Francisco Figueiredo. Do americanismo ao interamericanismo: uma história transnacional da constituição de mundos modernos no Brasil. Campinas: UNICAMP/IFCH, 2020.
  • LOWANDE, Walter Francisco Figueiredo. A ciência no tempo das catástrofes: o caso da emergência da Ciência do Sistema Terra. História, São Paulo, no prelo.
  • LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. Rio de Janeiro: José Olympio, 2009.
  • MALM, Andreas; HORNBORG, Alf. The geology of mankind? A critique of the Anthropocene narrative. The Anthropocene Review , California, v. 1, n. 1, p. 1-8, 2014.
  • MANN, Michael E. The new climate war: the fight to take back our planet. First edition. New York: PublicAffairs, 2021.
  • MASLIN, Mark A; LEWIS, Simon L. Anthropocene: Earth System, geological, philosophical and political paradigm shifts. The Anthropocene Review , California, v. 2, n. 2, p. 108-116, 2015.
  • MERCHANT, Carolyn. The Anthropocene and the humanities: from climate change to a new age of sustainability. New Haven: Yale University Press, 2020.
  • MIROWSKI, Philip. The effortless economy of science? Durham: Duke University Press, 2004.
  • MIROWSKI, Philip. Democracy, expertise and the post-truth era: an inquiry into the contemporary politics of STS, 2020.
  • MONASTERSKY, Richard. Anthropocene: The human age. Nature, Londres, v. 519, n. 7542, p. 144-147, 2015.
  • MOORE, Jason W. ¿Antropoceno o Capitaloceno? Sobre la naturaleza y los orígenes de nuestra crisis ecológica. In: MOORE, Jason W. El capitalismo en la trama de la vida: ecología y acumulación capital. Madrid: Traficantes de Sueños, 2020. p. 201-227.
  • MOORE III et al The Amsterdam Declaration on Global Change. In: STEFFEN, Will; JÄGER, Jill; CARSON, David J. et al (org.). Challenges of a Changing Earth. Berlin, Heidelberg: Springer Berlin Heidelberg, 2002, p. 207-208. Global Change - The IGBP Series.
  • NORDHAUS, Ted; SHELLENBERGER, Michael; BLOMQVIST, Linus. The planetary boundaries: a review of the evidence. Oakland, CA: Breakthrough Institute, 2012.
  • ORESKES, Naomi; CONWAY, Erik M. Merchants of doubt: how a handful of scientists obscured the truth on issues from tobacco smoke to climate change. New York: Bloomsbury Publishing, 2019.
  • OTTO, Ilona M. et al Social tipping dynamics for stabilizing Earth’s climate by 2050. Proceedings of the National Academy of Sciences, Washington, DC, v. 117, n. 5, p. 2354-2365, 2020.
  • ROCKSTRÖM, Johan et al Planetary Boundaries: Exploring the Safe Operating Space for Humanity. Ecology and Society, Dedham, MA, v. 14, n. 2, p. art32, 2009a.
  • ROCKSTRÖM, Johan et al A safe operating space for humanity. Nature, Londres, v. 461, n. 7263, p. 472-475, 2009b.
  • RÜSEN, Jörn. Razão histórica: Teoria da história: os fundamentos da ciência histórica. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001.
  • SCHELLNHUBER, H. J. “Earth system” analysis and the second Copernican revolution. Nature, Londres, v. 402, n. S6761, p. C19-C23, 1999.
  • SHAPIN, Steven. É verdade que estamos vivendo uma Crise da Verdade? Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 13, n. 2, p. 308-319, 2020.
  • STEFFEN, Will; BROADGATE, Wendy; DEUTSCH, Lisa; et al The trajectory of the Anthropocene: The Great Acceleration. The Anthropocene Review , California, v. 2, n. 1, p. 81-98, 2015b.
  • STEFFEN, Will; CRUTZEN, Paul J.; MCNEILL, John R. The Anthropocene: Are Humans Now Overwhelming the Great Forces of Nature. AMBIO: A Journal of the Human Environment, Stockholm, v. 36, n. 8, p. 614-621, 2007.
  • STEFFEN, Will et al The Anthropocene: conceptual and historical perspectives. Philosophical Transactions of the Royal Society A: Mathematical, Physical and Engineering Sciences, London, v. 369, n. 1938, p. 842-867, 2011.
  • STEFFEN, Will et al Planetary boundaries: Guiding human development on a changing planet. Science, Washington, DC, v. 347, n. 6223, p. 1259855, 2015a.
  • STEFFEN, Will et al The emergence and evolution of Earth System Science. Nature Reviews Earth & Environment, Berlim, v. 1, n. 1, p. 54-63, 2020.
  • STEFFEN, Will L. et al Global change and the earth system: a planet under pressure. Berlin; New York: Springer, 2004. Global change - the IGBP series.
  • STEFFEN, Will; TYSON, Peter (org.). Global Change and the Earth System: a planet under pressure. New York: IGBP, 2001. IGBP Science, 4.
  • STENGERS, Isabelle. No tempo das catástrofes: resistir à barbárie que se aproxima. São Paulo: Cosac Naify, 2015.
  • THORNTON, Peter E. et al Biospheric feedback effects in a synchronously coupled model of human and Earth systems. Nature Climate Change, Berlim, v. 7, n. 7, p. 496-500, 2017.
  • TSING, Anna Lowenhaupt. Viver nas ruínas: paisagens multiespécie no antropoceno. Brasília: IEB Mil Folhas, 2019.
  • TURIN, Rodrigo. Tempos precários: aceleração, historicidade e semântica neoliberal. Rio de Janeiro; Copenhague: Zazie Edições, 2019.
  • TURIN, Rodrigo. A “catástrofe cósmica” do presente: alguns desafios do Antropoceno para a consciência histórica contemporânea. In: MULLER, Angélica; IGELSKI, Francine. História do Tempo Presente: mutações e reflexões. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2022. p. 141-163.
  • UNESCO. The UNESCO Courier. Paris: UNESCO, 2018.
  • UHRQVIST, Ola; LINNÉR, Björn. Narratives of the past for Future Earth: The historiography of global environmental change research. The Anthropocene Review , [s.l.], v. 2, n. 2, p. 159-173, 2015.
  • VEIGA, José Eli da. O antropoceno e a ciência do sistema terra. São Paulo: Editora 34 , 2019.
  • WAGNER, Roy. A invenção da cultura. São Paulo: Cosac Naify , 2010.
  • WATERS, Colin N. et al The Anthropocene is functionally and stratigraphically distinct from the Holocene. Science, Washington, DC, v. 351, n. 6269, p. aad2622, 2016.
  • ZALASIEWICZ, Jan et al The Anthropocene: comparing its meaning in Geology (Chronostratigraphy) with conceptual approaches arising in other disciplines. Earth’s Future, Nova Jersey, v. 9, n. 3, p. 1-25, 2021.
  • ZALASIEWICZ, Jan et al The Working Group on the Anthropocene: Summary of evidence and interim recommendations. Anthropocene, Amsterdam, v. 19, p. 55-60, 2017.
  • ZALASIEWICZ, Jan et al (org.). The Anthropocene as a Geological Time Unit: A Guide to the Scientific Evidence and Current Debate. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2019. Disponível em: https://www.cambridge.org/core/product/identifier/9781108621359/type/book Acesso em: 5 jan. 2022.
    » https://www.cambridge.org/core/product/identifier/9781108621359/type/book
  • ZALASIEWICZ, Jan et al Are we now living in the Anthropocene? GSA Today, Boulder, CO, v. 18, n. 2, p. 4, 2008.
  • ZALASIEWICZ, Jan et al The New World of the Anthropocene. Environmental Science & Technology, Washington, DC, v. 44, n. 7, p. 2228-2231, 2010.
  • 1
    Disponível em: http://encurtador.com.br/qtDFP. Acesso em: 14 fev. 2022.
  • 2
    Possivelmente em função dos métodos adotados, os autores não notaram que o artigo de Crutzen e Stoermer (2002CRUTZEN, Paul J.; STOERMER, Eugene F. The “Anthropocene”. Global Change Newsletter, Estocolmo, n. 41, p. 17-18, 2000.) foi mencionado duas vezes na mesma tabela, a primeira com 302 citações na rede de cocitações e a segunda com 97 (ALCÂNTARA et al., 2020ALCÂNTARA, Valderí Castro et al. Antropoceno: o Campo de Pesquisas e as Controvérsias sobre a Era da Humanidade. Revista Gestão & Conexões, Vitória, v. 9, n. 3, p. 11-31, 2021., p. 24).
  • 3
    Esses dois últimos textos também me foram indicados por Veiga, que, em comunicação pessoal, me informou que a intenção da listagem foi apresentar aos(às) seus(suas) estudantes a literatura mais relevante sobre o Antropoceno.
  • 4
    Disponível em: http://encurtador.com.br/elAHP. Acesso em: 14 fev. 2022.
  • 5
    O AWG é parte da Subcomission on Quaternary Stratigraphy (SQS) da International Commission on Stratigraphy, a qual responde à International Union of Geological Sciences, que é responsável pela ratificação das propostas de mudança na Escala de Tempo Geológica.
  • 6
    Na verdade, Descola identifica apenas mais três para além da ontologia naturalista: a animista, a totêmica e a analógica.
  • 7
    Veja-se, por exemplo, a acolhida que essa proposta recebeu por parte da comunidade acadêmica preocupada com as questões indígenas em Davis e Todd (2017).
  • 8
    Uma discussão específica sobre o problema da causalidade nos trabalhos das ciências humanas dedicadas ao Antropoceno foi apresentada por este autor em artigo intitulado “Antropoceno, ciências humanas e historiografia”, a ser publicado na revista História, Ciências, Saúde - Manguinhos entre os anos de 2023 e 2024.
  • 9
    Segundo Pierre Charbonnier, o “ideal cornucopiano” corresponde à “promoção da abundância material, nascida no século XVIII e contemporânea à emancipação da terra e do trabalho em relação aos fardos do sistema feudal” (CHARBONNIER, 2017CHARBONNIER, Pierre. A Genealogy of the Anthropocene: The End of Risk and Limits. Annales: Histoire, Sciences Sociales, Paris, v. 72, n. 2, p. 199-224, 2017., p. 205, tradução nossa).
  • 10
    As especificidades relacionadas à emergência da CST foram apresentadas de maneira mais aprofundada em Lowande (no preloLOWANDE, Walter Francisco Figueiredo. A ciência no tempo das catástrofes: o caso da emergência da Ciência do Sistema Terra. História, São Paulo, no prelo.).
  • Financiamento

    Não possui.
  • Aprovação no comitê de ética

    Não se aplica.
  • Modalidade de avaliação

    Duplo-cega por pares.
  • Preprint

    O artigo não é um preprint.
  • Disponibilidade de dados de pesquisa e outros materiais

    Não se aplica.

Editado por

Editores responsáveis

Flávia Varella - Editora-chefe
Ana Carolina Barbosa Pereira - Editora responsável

Disponibilidade de dados

Não se aplica.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    14 Fev 2022
  • Aceito
    20 Jun 2022
Sociedade Brasileira de Teoria e História da Historiografia (SBTHH) Rua do Seminário, s/n, Centro. , CEP: 35420-000, Tel: +55 (31) 3557 9423 - Mariana - MG - Brazil
E-mail: sbthh@yahoo.com.br