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A importância da colaboração internacional para a química do século XXI

EDITORIAL

A Importância da colaboração internacional para a química do século XXI

Como presidente da Sociedade Americana de Química (ACS), foi um grande privilégio estar presente à recente 34ª Reunião Anual da SBQ, em Florianópolis, SC, certamente como participante, mas mais significativamente como observadora. O número histórico de mulheres e jovens químicos que participaram do evento (e quão envolvidos estavam) é louvável e ressalta o caráter inclusivo da química brasileira. Fiquei particularmente impressionada com o engajamento da futura geração de químicos, que apresentou suas pesquisas com o mesmo entusiasmo com que dançou na festa de abertura do Ano Internacional da Química (AIQ)-2011.

Tal espírito e entusiasmo e, em particular, a qualidade de seus painéis, convenceram-me de que o talento e a energia estão presentes na nova geração de químicos para assegurar a qualidade da química no futuro. Entretanto, só isso não garante que a química será capaz de resolver os prementes desafios da sociedade global.

É essencial que esses jovens químicos e, certamente as gerações anteriores também, estejam preparados para lidar com a realidade do cenário da química do século XXI. Com certeza isso precisa ser conseguido de um ponto de vista educacional e profissional, mas é igualmente importante que cientistas de todo o mundo sejam estimulados a se reunirem para colaborar numa escala global sem precedentes. A magnitude dos desafios globais enfrentados pela humanidade - energia, saúde, ambiente, água e alimentos, desenvolvimento sustentável, segurança - não tem fronteiras e, como químicos, nós também não devemos ter fronteiras em nossos esforços para sobrepujá-los.

Os intercâmbios científicos resultam num benefício múltiplo que ultrapassa as horas e os Reais - ou Dólares investidos. Os intercâmbios internacionais resultam em impactos significativos nos níveis individual, institucional, nacional e global. Embora, até certo ponto, o mesmo possa ser verdadeiro quanto à colaboração dentro das fronteiras nacionais, na minha opinião, naquele caso, o impacto em cada nível é pouco enfatizado. As colaborações internacionais permitem aos pesquisadores: 1º) enfrentar os desafios científicos globais mais eficazmente; 2º) buscar a melhor ciência independentemente da localização; 3º) acessar conhecimento especializado em campos interdisciplinares não acessíveis em seus países de origem; 4º) dividir o custo e a carga de trabalho entre países e laboratórios.

A pesquisa colaborativa que estende fronteiras permite que as partes envolvidas recebam um influxo novo de idéias e talentos, impossível com cada parte trabalhando isoladamente. Há ainda o benefício direto e mensurável de aumento do número de citações para a publicação que resulta de colaborações internacionais.1

Mais benéfico ainda para o cientista individualmente, uma experiência internacional permite-lhe demonstrar a um potencial orientador ou empregador sua capacidade de sair da zona de conforto e ser bem sucedido mesmo quando se distancia de seus pares voltados para questões mais domésticas. Empregadores de médio a grande porte que participaram de uma enquete expressaram sua opinião de que os atuais graduados norte-americanos estão mal preparados no que diz respeito a seu "conhecimento global", uma característica classificada como última em um grupo de 12 alternativas.2

Certamente, os resultados de tal enquete são direta e inquestionavelmente aplicáveis à química norte-americana, mas creio que, num sentido mais amplo, a mensagem é importante para todos, pois, à medida que a globalização avança e o número de empresas e projetos de pesquisa verdadeiramente multinacionais se multiplicam, um valor cada vez maior será dado a quem tiver se preparado adequadamente para se beneficiar com a nova realidade.

Embora os esforços das sociedades químicas nacionais neste AIQ tenham começado a enfatizar os benefícios da colaboração internacional, esses esforços por si só, com certeza, não são uma panacéia. Como químicos, não devemos ficar esperando que outros abram as portas para nós; devemos nós mesmos estar ativos na busca para estabelecer colaborações internacionais.

Na realidade, as sociedades de química e governos não têm tempo, dinheiro ou pessoal para promover e engendrar essas colaborações isoladamente. Os problemas globais não serão resolvidos de cima para baixo, mas com colaborações que surjam na base, de pesquisador-a-pesquisador. Como cientistas, precisamos ser mais pró-ativos na busca dessas oportunidades e não ficar à espera que alguém nos diga o que fazer ou aonde ir.

A melhor ciência, às vezes, surge como resultado de um encontro casual numa conferência internacional ou a partir da recomendação feita por um colega que conhece alguém no exterior trabalhando em um assunto relevante para o seu projeto atual. A questão é: como químicos, não sabemos aonde nossos resultados ou nossa curiosidade nos levarão, mas não devemos nos limitar somente às possibilidades locais, pois, se agirmos assim, estaremos limitando muito aquilo que temos condição de realizar, não apenas em nosso próprio benefício, mas no benefício de nossas instituições, nossas nações e nossa sociedade global. O trabalho em rede em nível global é essencial.

O papel das sociedades e dos governos nesse trabalho colaborativo deve ser o de permitir que ele flua suavemente, facilitar a sua realização, dar os recursos necessários e, geralmente, sair de cena, deixando que os químicos sigam sua curiosidade inata para chegar à melhor ciência, independentemente dos limites de fronteira. A Sociedade Americana de Química tem enorme interesse em facilitar tais oportunidades aos químicos e essa necessidade é parte integrante tanto da nossa Declaração de Objetivos quanto do nosso Estatuto, particularmente nas seções 2 e 3 do artigo II, que estabelecem:

Sec. 2: Para fomentar o aprimoramento das qualificações dos químicos, a SOCIEDADE deve estar atenta tanto à profissão da química quanto aos seus praticantes.

Sec. 3: Para atingir os objetivos especificados neste artigo, a SOCIEDADE deve cooperar com cientistas de todo o mundo e preocupar-se com a aplicação global da química às necessidades da humanidade.

No cumprimento desses princípios, tanto a ACS quanto eu, pessoalmente, felicitamos a contínua interação entre a ACS e a SBQ, como Sociedades.

Entretanto, creio que, nesse sentido, ainda há muito a ser feito, principalmente num nível mais básico, entre as 33 Divisões Técnicas da ACS e as 13 Divisões Científicas da SBQ. Os pesquisadores dos Estados Unidos, em particular, têm muito a aprender com seus colegas brasileiros no que diz respeito à química verde, à química dos produtos naturais e ao desenvolvimento de energias e combustíveis alternativos. Por outro lado, também há áreas nas quais as Divisões da ACS podem fornecer ideias eimpulso aos membros da SBQ. De minha parte, estimularia os membros dessas divisões técnicas a iniciarem, por iniciativa própria, um diálogo visando a novos métodos de colaboração internacional por meio dos quais químicos do Brasil e dos EUA possam trabalhar mais conjuntamente em áreas de interesse comum.

Indo além e, como um legado de meu mandato como presidente da ACS, quero apresentar um desafio às nossas divisões técnicas para saírem em busca de parceiros internacionais e tomarem a frente em seus processos de internacionalização. Essas parcerias internacionais de pesquisador-a-pesquisador são essenciais para garantir a saúde da atividade da química global e o seu sucesso no enfrentamento dos prementes desafios globais.

Eu acolho com prazer a oportunidade de prosseuir trabalhando com você, leitor, nesse sentido e estou ativamente procurando boas ideias a fim de promover colaborações internacionais, particularmente entre o Brasil e os EUA. Caso queira ajudar, por favor, entre em contato comigo no e-mail president@acs.org. Também iniciei um grupo de discussão na rede da ACS para facilitar os diálogos. Visite, por favor, https://communities.acs.org/groups/brazil-usa-collaboration-exchange-and-networking para participar do diálogo e descobrir outras fontes que descrevem os benefícios da colaboração internacional.

Nancy B. Jackson3

American Chemical Society4

Referências

3. Nancy B. Jackson é presidente da Sociedade Americana de Química. É também gerente do Departamento Internacional de Redução da Ameaça Química do Centro de Segurança Global dos Laboratórios Nacionais Sandia, que colabora com o Departamento de Estado dos EUA e outras agências federais no que diz respeito à resolução de problemas relacionados à segurança química internacional. A Dra. Jackson é membro nacional das Academias Nacionais dos EUA e da Associação Americana para o Avanço da Ciência. Em 2005, recebeu a Medalha de Profissional do Ano da Sociedade de Engenharia e Ciência Nativa Americana. A Dra. Jackson é Mestre em Química pela Universidade George Washington, onde, em 2005, foi agraciada com a Medalha de Ex-Aluna Destaque. Obteve o título de PhD em engenharia química pela Universidade do Texas, em Austin.

4. Com mais de 163.000 membros, a Sociedade Americana de Química (ACS) www.acs.org é a maior sociedade científica do mundo e uma das mais conceituadas fontes de informação científica do mundo. Uma organização sem fins lucrativos, credenciada pelo Congresso Americano, a ACS está na fronteira do desenvolvimento da atividade química mundial e é o lar por excelência dos químicos, engenheiros químicos e profissionais relacionados em todo o mundo. A ACS está comprometida com "a melhoria de vida das pessoas por meio do poder transformador da química".

  • 1. Knowledge, Networks and Nations: Global Scientific Collaboration in the 21st Century. The Royal Society, March 2011. http://royalsociety.org/uploadedFiles/Royal_Society_Content/Influencing_Policy/Reports/2011-03-28-Knowledge-networks-nations.pdf
  • 2
    How Should Colleges Assess And Improve Student Learning? Employers' Views On The Accountability Challenge. January 9,2008. http://www.aacu.org/leap/documents/2008_Business_Leader_Poll.pdf

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Set 2011
  • Data do Fascículo
    Set 2011
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