Acessibilidade / Reportar erro

Sobrecarga de volume e alto fluxo: a saga continua

Em seu artigo intitulado "Estariam os acessos arteriovenosos de alto fluxo associados a pior hemodiálise"11 Laranjinha IJD, Matias P, Azevedo A, Navarro D, Ferreira C, Amaral T, et al. Are high flow arteriovenous accesses associated with worse haemodialysis. Braz J Nephrol 2018 (e-pub ahead of print)., os autores investigaram uma coorte de 304 pacientes em hemodiálise. Destes, 48 pacientes demonstraram alto fluxo. Vale ressaltar que alto fluxo é definido como fluxo de acesso arteriovenoso superior ou igual a 2,0 litros por minuto. Esses pesquisadores se concentraram na avaliação de dois componentes importantes: 1) se as fístulas de alto fluxo estavam associadas à redução da eficiência da hemodiálise, e 2) se as fístulas arteriovenosas de alto fluxo estavam associadas à sobrecarga de volume. Os resultados revelaram que o Kt/V foi de 1,90 ± 0,40 nas fístulas com fluxo normal e 1,93 ± 0,35 nas fístulas com alto fluxo (não significativo). Esse achado é consistente com a noção de que o fluxo sanguíneo aumentado no acesso proporciona diálise adequada e não causa comprometimento do Kt/V. Embora não tenha sido encontrada diferença na adequação da diálise, Laranjinha e colaboradores encontraram fístulas de alto fluxo associadas à sobrecarga de volume. Seu estudo definiu categorias de sobrecarga de volume como "peso seco" (sobrecarga absoluta de fluido abaixo de 1,1 litros), "sobrecarga de volume" (sobrecarga absoluta de fluido acima de 1 litro) e "sobrecarga severa de volume" (sobrecarga absoluta acima de 2,5 litros). Usando essas categorias, os pesquisadores descobriram que fístulas de alto fluxo estavam associadas à sobrecarga severa de volume.

Os autores devem ser elogiados por conduzir tal estudo e iniciar um diálogo sobre o impacto de fístulas de alto fluxo em importantes parâmetros de diálise. Vários pesquisadores forneceram a justificativa para a sobrecarga de volume em pacientes com fístulas de alto fluxo22 Iwashima Y, Horio T, Takami Y, Inenaga T, Nishikimi T, Takishita S, et al. Effects of the creation of arteriovenous fistula for hemodialysis on cardiac function and natriuretic peptide levels in CRF. Am J Kidney Dis 2002;405:974-82.-33 Savage MT, Ferro CJ, Sassano A, Tomson CR. The impact of arteriovenous fistula formation on central hemodynamic pressures in chronic renal failure patients: a prospective study. Am J Kidney Dis 2002;40:753-9.. Portanto, é concebível que fístulas de alto fluxo possam estar associadas à sobrecarga de volume. Seu estudo11 Laranjinha IJD, Matias P, Azevedo A, Navarro D, Ferreira C, Amaral T, et al. Are high flow arteriovenous accesses associated with worse haemodialysis. Braz J Nephrol 2018 (e-pub ahead of print). revelou que a sobrecarga de volume grave foi mais prevalente nas fístulas de alto fluxo (n = 4) quando comparada às fístulas de fluxo normal (n = 6). A análise multivariada demonstrou um odds ratio de 4,06 e um intervalo de confiança de 1,01-16,39 com um valor de p de 0,056.

Enquanto o estudo foi uma tentativa ousada, alguns elementos levantam preocupações sobre os resultados dos pontos de vista estatístico e clínico. Em primeiro lugar, o tamanho da amostra é extremamente pequeno (6 versus 4 pacientes). Em segundo lugar, o intervalo de confiança é muito grande, representando um pequeno tamanho de amostra. Em terceiro lugar, o valor p está discretamente acima da significância (isto é, >0,05). A avaliação da sobrecarga de volume foi realizada empregando a espectroscopia de bioimpedância. Do ponto de vista clínico, a sobrecarga de volume é corrigida pela ultrafiltração. Os autores não fornecem informações sobre a taxa de ultrafiltração. Corroborando com o estudo, vale ressaltar que tanto a fístula de fluxo normal quanto a de alto fluxo receberam o mesmo tempo de terapia de diálise (fístulas de fluxo normal = 245 minutos; fístulas de alto fluxo = 246 minutos). Além disso, nenhuma informação está disponível sobre o ganho de peso para as fístulas de alto fluxo. É concebível que as fístulas de alto fluxo tenham um ganho de peso maior devido a uma maior ingestão de líquidos.

O estudo, no entanto, levantou preocupações importantes sobre fístulas de alto fluxo, incluindo seu impacto cardiovascular. Um grande tamanho de amostra deve explorar a sobrecarga de volume em fístulas de alto fluxo para estabelecer conclusivamente seu impacto adverso no volume. Enquanto isso, em um esforço para evitar fístulas de alto fluxo, sugerimos um algoritmo baseado em opinião, como mostrado na Figura 1. Nesse contexto, preferimos a diálise peritoneal (ou transplante renal quando disponível) como terapia de escolha para doença renal em estágio terminal. No entanto, se o paciente escolhe a hemodiálise, preferencialmente sugerimos a criação de uma fístula na artéria radial ou na artéria ulnar no antebraço. Ao mesmo tempo, sugerimos um cateter tunelizado de hemodiálise para pacientes com expectativa de vida inferior a um ano (com avaliação contínua da expectativa de vida).

Figura 1
Doença renal em estágio terminal (DRT). Monitoramento rigoroso do acesso e da expectativa de vida. A modificação do acesso vascular deve ser realizada na presença de uma mudança na expectativa de vida. Por exemplo, se a expectativa de vida de um paciente com cateter mudar para melhor, deve-se considerar uma fístula arteriovenosa (FAV) distal (na artéria radial ou ulnar).

REFERENCES

  • 1
    Laranjinha IJD, Matias P, Azevedo A, Navarro D, Ferreira C, Amaral T, et al. Are high flow arteriovenous accesses associated with worse haemodialysis. Braz J Nephrol 2018 (e-pub ahead of print).
  • 2
    Iwashima Y, Horio T, Takami Y, Inenaga T, Nishikimi T, Takishita S, et al. Effects of the creation of arteriovenous fistula for hemodialysis on cardiac function and natriuretic peptide levels in CRF. Am J Kidney Dis 2002;405:974-82.
  • 3
    Savage MT, Ferro CJ, Sassano A, Tomson CR. The impact of arteriovenous fistula formation on central hemodynamic pressures in chronic renal failure patients: a prospective study. Am J Kidney Dis 2002;40:753-9.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Jun 2018
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2018

Histórico

  • Recebido
    24 Fev 2018
  • Aceito
    27 Abr 2018
Sociedade Brasileira de Nefrologia Rua Machado Bittencourt, 205 - 5ºandar - conj. 53 - Vila Clementino - CEP:04044-000 - São Paulo SP, Telefones: (11) 5579-1242/5579-6937, Fax (11) 5573-6000 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: bjnephrology@gmail.com