Acessibilidade / Reportar erro

Influência de disparidades socioeconômicas, temperatura e umidade na composição de cálculos renais

Resumo

Introdução:

Grandes variações em fatores demográficos, econômicos e ambientais podem influenciar a distribuição mundial da urolitíase, mas há muito pouco dado disponível sobre suas associações com a composição do cálculo renal. Nosso objetivo foi avaliar a frequência e composição dos cálculos renais e suas associações com temperatura, umidade e índice de desenvolvimento humano (IDH).

Materiais e Métodos:

Foram incluídos 1.158 cálculos de pacientes distintos (47 ± 14 anos, masculino / feminino 2:1). A temperatura média anual e a umidade relativa de cada cidade foram consideradas separadamente.

Resultados:

O oxalato de cálcio monohidratado (COM) foi detectado em 38,8% dos pacientes; oxalato de cálcio dihidratado (COD) em 22,1%; mistos de COD/apatita em 9,4%; apatita pura em 1,9%; brushita em 1,8%; estruvita em 8,3%, ácido úrico puro em 11,1%; mistos de ácido úrico /COM em 5,6% e cistina/tipos raros em 0,8%. O IDH médio de todas as cidades em conjunto foi de 0,780 ± 0,03. No entanto, indivíduos que vivem em regiões com IDH <0,800 apresentaram duas vezes a razão de chances de ter cálculo de estruvita do que aqueles que vivem em cidades com IDH > 0,800 (OR = 2,14; IC 95% 1,11-4,11). Além disso, um aumento progressivo na frequência de cálculos de estruvita de 4,5 para 22,8% foi detectado em IDH> 0,800 até IDH <0,700. Não foi observada nenhuma diferença significante para outros tipos de cálculos. Modelos separados de regressão logística foram utilizados para avaliar a associação de cada tipo de cálculo com gênero, temperatura, umidade e IDH como covariáveis.

Conclusão:

Pacientes que vivem em áreas com baixo IDH são mais propensos a desenvolverem cálculos de estruvita, possivelmente devido ao menor acesso à assistência médica. A temperatura e a umidade não representaram um fator de risco específico para qualquer tipo de cálculo na presente amostra.

Palavras-chave:
Cálculo renal; Urolitíase; Composição de cálculos renais; Análise cristalográfica

Abstract

Introduction:

Large variations in demographic, economic and environmental factors might influence the worldwide distribution of urolithiasis, but scarce data are available concerning their associations with stone composition. We aimed to evaluate the frequency and composition of kidney stones and their associations with temperature, humidity, and human development index (HDI).

Materials and Methods:

A total of 1,158 stones from distinct patients (47±14 years old, male/female 2:1) were included. The mean annual temperature and relative humidity of each town were considered separately.

Results:

Calcium oxalate monohydrate (COM) was disclosed in 38.8% of patients, calcium oxalate dihydrate (COD) in 22.1%, mixed COD/apatite in 9.4%, pure apatite in 1.9%, brushite in 1.8%, struvite in 8.3%, pure uric acid in 11.1%, mixed uric acid/COM in 5.6%, and cystine/rare types in 0.8%. Mean HDI of all pooled cities was 0.780±0.03. However, people living in HDI<0.800 regions had twice the odds of having a struvite stone versus those living in HDI>0.800 (OR=2.14, 95% CI 1.11-4.11). Furthermore, a progressive increase in the struvite stones frequency from 4.5 to 22.8% was detected from HDI>0.800 through HDI<0.700. No significant difference for other stone types was disclosed. Separate logistic regression models assessed the association of each stone composition with gender, temperature, humidity and HDI as covariates.

Conclusion:

Patients living in low HDI areas are more prone to develop struvite stones, possibly due to lower access to healthcare. Temperature and humidity did not represent a specific risk factor for any stone type in the present sample.

Keywords:
Kidney Calculi; Urolithiasis; Stone composition; Stone analysis

Introdução

A prevalência de urolitíase aumentou em todo o mundo nas duas últimas décadas11 Pearle MS, Calhoun EA, Curhan GC. Urologic diseases in America project: urolithiasis. J Urol. 2005 Mar;173(3):848-57.

2 Trinchieri A, Coppi F, Montanari E, Del Nero A, Zanetti G, Pisani E. Increase in the prevalence of symptomatic upper urinary tract stones during the last ten years. Eur Urol. 2000 Jan;37(1):23-5.
-33 Yoshida O, Okada Y. Epidemiology of urolithiasis in Japan: a chronological and geographical study. Urol Int. 1990;45(2):104-11.. Nos Estados Unidos, a prevalência alterou-se bastante, quase duplicando nos últimos vinte anos, de 5 para 9%44 Moses R, Pais VM Jr, Ursiny M, Prien Junior EL, Miller N, Eisner BH. Changes in stone composition over two decades: evaluation of over 10,000 stone analyses. Urolithiasis. 2015 Feb;43(2):135-9.,55 Stamatelou KK, Francis ME, Jones CA, Nyberg LM, Curhan GC. Time trends in reported prevalence of kidney stones in the United States: 1976-1994. Kidney Int. 2003 May;63(5):1817-23.. As razões para tal aumento ainda não estão claras, mas alterações nos hábitos alimentares que afetam os parâmetros bioquímicos urinários e a composição dos cálculos poderiam representar fatores causais66 Ticinesi A, Nouvenne A, Maalouf NM, Borghi L, Meschi T. Salt and nephrolithiasis. Nephrol Dial Transplant. 2016 Jan;31(1):39-45.,77 Heilberg IP, Goldfarb DS. Optimum nutrition for kidney stone disease. Adv Chronic Kid Dis. 2013 Mar;20(2):165-74.. Para corroborar essas informações, dados epidemiológicos recentes de Ferraro et al.88 Ferraro PM, Taylor EN, Gambaro G, Curhan GC. Dietary and lifestyle risk factors associated with incident kidney stones in men and women. J Urol. 2017 Oct;198(4):858-63. em avaliação de coortes incluindo formadores de cálculos de cálcio em sua maioria, revelaram que o índice de massa corporal (IMC), ingestão de bebidas açucaradas, baixa ingestão de líquidos, DASH (Dietary Approaches to Stop Hypertension), bem como a ingestão de cálcio, representaram os fatores modificáveis ​​mais importantes para a prevenção de cálculos renais. A proporção de cálculos de ácido úrico, menos frequente entre os formadores de cálculos renais, também aumentou nos Estados Unidos, de 7 para 14% de 1980 a 2015, possivelmente atribuída a um IMC mais alto, idade avançada, pH urinário mais baixo e aumento da prevalência de diabetes e síndrome metabólica99 Xu LHR, Adams-Huet B, Poindexter JR, Maalouf NM, Moe OW, Sakhaee K. Temporal changes in kidney stone composition and in risk factors predisposing to stone formation. J Urol. 2017 Jun;197(6):1465-71.. No entanto, vários outros fatores podem estar envolvidos na formação de cálculos renais.

Mais de 100 fases cristalinas foram identificadas em cálculos renais, resultando em diferentes etiologias quanto ao desenvolvimento e crescimento do cálculo 1010 Cloutier J, Villa L, Traxer O, Daudon M. Kidney stone analysis: "Give me your stone, I will tell you who you are!". World J Urol. 2015 Feb;33(2):157-69.. Além dos padrões alimentares, outros fatores contribuintes, como fatores demográficos, econômicos e ambientais, por exemplo, o clima (incluindo níveis de temperatura e umidade) podem ser responsáveis pelo aumento da urolitíase em todo o mundo. No entanto, existem poucos dados que investigam sua associação com a composição dos cálculos1111 Buttigieg J, Attard S, Carachi A, Galea R, Fava S. Nephrolithiasis, stone composition, meteorology, and seasons in Malta: is there any connection?. Urol Ann. 2016 Jul/Sep;8(3):325-32.. O Brasil, devido ao seu tamanho continental e sua enorme extensão costeira, possui cinco climas diferentes, com uma grande variedade de níveis de temperatura e umidade, como resultado da extensão territorial através dos trópicos. Além disso, uma grande variação dos índices de desenvolvimento humano (IDH) é observada nas cidades do país devido aos vastos contrastes sociais e diversidade econômica, tornando desigual o acesso aos cuidados de saúde. No total, essas premissas nos levaram a examinar a frequência e a composição dos cálculos renais em diferentes áreas do país e suas relações com características demográficas, clima e IDH de cada região.

Materiais e Métodos

Este estudo retrospectivo foi realizado utilizando cálculos urinários coletados (eliminados ​​espontaneamente ou após procedimentos de remoção) de diferentes regiões do Brasil, previamente enviados por correio para análise física entre janeiro de 2017 e dezembro de 2018. Examinamos somente o primeiro cálculo submetido de cada paciente. O banco de dados atual continha informações demográficas, como idade, gênero, relato de episódios anteriores de infecções do trato urinário (ITU) no último ano e o CEP (fornecendo localização geográfica). O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de São Paulo (CEP-UNIFESP 0594/2018).

Foi realizada análise cristalográfica dos cálculos, e o exame morfológico e a classificação da superfície e secção do cálculo renal foram combinadas com espectroscopia infravermelha (IR) para classificar os cálculos renais, e identificar as diferentes fases cristalinas de acordo com os critérios europeus1212 Grases F, Costa-Bauzá A, Ramis M, Montesinos V, Conte A. Simple classification of renal calculi closely related to their micromorphology and etiology. Clin Chim Acta. 2002 Aug;322(1-2):29-36.. Todos os cálculos foram examinados pelo mesmo pesquisador (TDSC) usando o estereoscópio Opton TNG 01B e o espectrômetro infravermelho FT-IR Alpha (Bruker, Alemanha).

As temperaturas médias anuais e os níveis de umidade de cada cidade foram obtidos no Instituto Nacional de Meteorologia no Brasil (http://www.inmet.gov.br). O IDH de cada cidade foi obtido no site de acordo com o código postal de onde cada cálculo foi adquirido (http://atlasbrasil.org.br).

O clima brasileiro é tipicamente dividido pelo Instituto Nacional de Meteorologia em: equatorial, tropical, tropical úmido, semi-árido e subtropical úmido. Para a análise atual, os principais componentes climáticos (temperatura e umidade) foram considerados separadamente, e cada cidade classificada de acordo com sua temperatura média anual (<20 °C, 20-25 °C,> 25 °C) e umidade relativa anual média (seca ou úmida). Um nível de corte de 0,800 para o IDH foi considerado muito alto (http://hdr.undp.org/en/content/human-development-index-hdi), de acordo com o Gabinete de Relatório de Desenvolvimento Humano - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, p. 22-25, setembro de 2018. O desfecho principal foi a composição do cálculo renal, de acordo com a temperatura, a umidade e o IDH.

Análise estatística

Foi realizada análise estatística descritiva, e as variáveis ​​contínuas foram relatadas como médias com desvios-padrão, enquanto variáveis ​​categóricas foram relatadas como contagens ou porcentagens. Para comparações de variáveis ​​categóricas entre os grupos, foi utilizado o teste qui-quadrado de Pearson. Uma análise de variância unidirecional foi usada para avaliar diferenças nas variáveis ​​contínuas em vários grupos, com comparações pareadas subsequentes de médias usando o teste de Tukey-Kramer. Regressão logística foi realizada para avaliar a associação entre composição dos cálculos e covariáveis (gênero, temperatura, umidade e IDH). Modelos separados de regressão logística foram usados para cada tipo de cálculo; razão de chances (odds ratio,OR) com intervalos de confiança (ICs) de 95% foram calculados. O SPSS Statistics for Windows, versão 25 (IBM Corp) foi utilizado para todas as análises estatísticas. O valor de p <0,05 foi considerado estatisticamente significante, a menos que especificado de outra forma.

Resultados

Um total de 1.158 cálculos de pacientes distintos, com idades entre 15 e 83 anos, com uma proporção homem:mulher de 2:1 e média de 47 ± 14 anos de idade. A distribuição dos tipos de cálculos e média de idades foi a seguinte: oxalato de cálcio monohidratado (COM) em 38,8% dos pacientes (49 ± 13 anos), oxalato de cálcio dihidratado (COD) em 22,1% (43 ± 14 anos), mistos de COD/apatita em 9,4% (44 ± 14 anos), apatita pura em 1,9% (46 ± 15 anos), estruvita em 8,3% (44 ± 14 anos), brushita em 1,8% (41 ± 12 anos)), ácido úrico puro em 11,1% (54 ± 12 anos) e mistos ácido úrico /COM em 5,6% (54 ± 13 anos). Cistina e outros tipos raros representaram apenas 0,8% de todos os cálculos. Setenta e oito por cento dos pacientes relataram recidiva, e 69% da amostra total foi obtida por abordagem cirúrgica. Entre os diferentes tipos de cálculos, a idade média foi significantemente maior apenas nos dois grupos contendo ácido úrico como componente principal em comparação com todos os outros grupos (p <0,001). O IDH médio de todas as cidades foi de 0,780 ± 0,03 (variação de 0,610 a 0,850). A análise do tipo de cálculo de acordo com a distribuição por gênero é mostrada na Tabela 1. Houve uma clara predominância de mulheres noscálculos contendo apatita e estruvita. Cálculos de cistina e outros tipos raros de cálculos não foram incluídos na análise subsequente devido à sua origem genética e à suposta falta de associação com fatores ambientais.

Tabela 1
Distribuição dos tipos de cálculos renais segundo o gênero entre 2017- 2018.

Para avaliar a associação potencial entre o IDH (<0,800) e os tipos de cálculo, foram implementados modelos de regressão logística ajustados por gênero (Figura 1). Os indivíduos que vivem em cidades com um IDH abaixo de 0,800 apresentaram duas vezes a razão de chances de desenvolver cálculo de estruvita do que aquelevivendo em cidades com IDH acima (OR = 2,14 95%, IC 1,11 - 4,11). Por outro lado, o IDH não foi estatisticamente significante como fator preditivo independente para todas as outras composições de cálculos. Em uma análise adicional, incluindo todos os outros tipos de cálculos, subdividimos o IDH em quatro grupos diferentes (> 0,800; 0,800-0,750; 0,750-0,700; <0,700) e observamos um aumento gradual e progressivo nas porcentagens de cálculos de estruvita, conforme apresentado na Figura 2. Relatos de mais de dois episódios de ITU por ano foram detectados em 81,7% dos cálculos de estruvita, em comparação com apenas 14,4% entre todos os demais tipos de cálculos (dados não mostrados nas Tabelas). Com relação às condições climáticas, criamos uma regressão logística separada para cada tipo de cálculo, usando temperatura e umidade como contribuintes independentes para o clima e também incluímos o gênero e nível de IDH como covariáveis, o que pode ser visto na Tabela 2. Não encontramos associação entre os tipos de cálculos avaliados e a temperatura ou umidade média anual.

Figura 1
Modelo de regressão logística avaliando o impacto do baixo índice de desenvolvimento humano (IDH <0,800) na composição de cálculos renais no Brasil. COM: oxalato de cálcio monohidratado; COD: oxalato de cálcio dihidratado; HAP: apatita.

Figura 2
Porcentagens de cálculos de estruvita de acordo com o índice de desenvolvimento humano (IDH) entre os formadores de cálculos.

Tabela 2
Modelo de regressão logística separada: composição do cálculo segundo a distribuição de temperatura, umidade, IDH e gênero.

Discussão

Além do impacto da genética, dieta, idade, gênero e IMC, grandes variações nos dados demográficos entre os países podem influenciar a distribuição mundial da urolitíase e a composição dos cálculos renais1313 Daudon M, Doré JC, Jungers P, Lacour B. Changes in stone composition according to age and gender of patients: a multivariate epidemiological approach. Urol Res. 2004 Jun;32(3):241-7.. Entre eles, clima, temperatura sazonal, exposição à luz solar, aquecimento global, ocupação, vida urbana (em contraste com a rural), contexto socioeconômico e acesso e custo da terapêutica clínica e cirúrgica , que traduzem a diversidade geográfica ao redor do mundo1414 Fakheri RJ, Goldfarb DS. Association of nephrolithiasis prevalence rates with ambient temperature in the United States?: a re-analysis. Kidney Int. 2009 Oct;76(7):798.-1515 Yang X, Zhang C, Qi S, Zhang Z, Shi Q, Liu C, et al. Multivariate analyses of urinary calculi composition?: a 13-year single-center study. J Clin Lab Anal. 2016 Nov;30(6):873-9..

Adicionalmente, o IDH é um índice estatístico que reúne uma composição de indicadores de expectativa de vida, educação e renda per capita, usados para classificar países e cidades, que pode representar uma visão mais ampla de alguns dos fatores e disparidades sociais mencionados acima. Assim, a nossa hipótese foi de que o mesmo também poderia estar relacionado à composição dos cálculos. Embora alguns estudos tenham abordado os papéis do clima e da temperatura na prevalência de litíase renal, tanto quanto sabemos, este é o primeiro estudo que associa o IDH à composição de cálculos. No presente estudo, os cálculos de oxalato de cálcio e ácido úrico foram os tipos mais freqüentes; porém, houve uma alta prevalência de cálculos de estruvita em regiões de baixo IDH no país. Reforçando nossos dados, países desenvolvidos como a Espanha1212 Grases F, Costa-Bauzá A, Ramis M, Montesinos V, Conte A. Simple classification of renal calculi closely related to their micromorphology and etiology. Clin Chim Acta. 2002 Aug;322(1-2):29-36., com o IDH consistentemente acima de 0,800, exibem taxas muito mais baixas de cálculos de estruvita, cerca de 4,1%, quando comparadas aos nossos achados. Por outro lado, temperatura e umidade não tiveram impacto importante na composição dos cálculos na amostra atual. Na presente série, foi observada uma maior prevalência de composição de ácido úrico de acordo com o avançar da idade, em acordo com outros estudos 1616 Lieske JC, Rule AD, Krambeck AE, Williams JC, Bergstralh EJ, Mehta RA, et al. Stone composition as a function of age and sex. Clin J Am Soc Nephrol. 2014 Dec;9(12):2141-6.. Em relação ao gênero, observamos predomínio do masculino para os cálculos de oxalato de cálcio e ácido úrico, conforme descrito anteriormente por Daudon M et al.1313 Daudon M, Doré JC, Jungers P, Lacour B. Changes in stone composition according to age and gender of patients: a multivariate epidemiological approach. Urol Res. 2004 Jun;32(3):241-7.)()

Apesar de uma clara associação direta entre a estação do ano e o clima, com maior prevalência de cálculos renais, episódios de cólicas renais ou número de internações hospitalares para tratamento de urolitíase nos meses mais quentes do ano1717 Korkes F, Silva li JL, Heilberg IP. Costs for in hospital treatment of urinary urolithiasis in the Brazilian public health system. Einstein. 2011 Jan; 9(4):518-22., existem poucos dados com foco na composição dos cálculos1818 Grant C, Guzman G, Stainback RP, Amdur RL, Mufarrij P. Variation in kidney stone composition within the United States. J Endourol. 2018 Oct;32(10):973-7.. A temperatura diária elevada é considerada um fator de risco para a urolitíase, pela perda de água e desidratação, resultando em baixo volume urinário e baixo pH, aumentando a saturação urinária para vários tipos de cálculos1919 Eisner BH, Sheth S, Herrick B, Pais Junior VM, Sawyer M, Miller N, et al. The effects of ambient temperature, humidity and season of year on urine composition in patients with nephrolithiasis. BJU Int. 2012 Dec;110(11 Pt C):E1014-7.

20 Tasian GE, Pulido JE, Gasparrini A, Saigal CS, Horton BP, Landis JR, et al. Daily mean temperature and clinical kidney stone presentation in five U.S metropolitan areas: a time series analysis. Environ Health Perspect. 2014 Oct;122(10):1081-7.

21 Heilberg IP. Treatment of patients with uric acid stones. Urolithiasis. 2016 Feb;44(1):57-63.
-2222 Fakheri RJ, Goldfarb DS. Ambient temperature as a contributor to kidney stone formation: implications of global warming. Kidney Int. 2011;79(11):1178-85.. Embora alguns estudos tenham encontrado aumentos no risco de formação de cálculos entre 10 e 30°C2323 Lo SS, Johnston R, Al Sameraaii A, Metcalf PA, Rice ML, Masters JG. Seasonal variation in the acute presentation of urinary calculi over 8 years in Auckland, New Zealand. BJU Int. 2010 Jul;106(1):96-101., não encontramos diferenças significantes em relação ao tipo de cálculo formado entre nossos diferentes intervalos de temperaturas médias anuais (<20, 20-25,> 25). Além disso, para qualquer condição climática em que a umidade é baixa e o ar é seco, mais água é perdida devido ao aumento da transpiração, possivelmente diminuindo o volume de urina e aumentando a saturação urinária, mas o efeito independente da umidade ainda não está bem estabelecido2424 Kirshenbaum EJ, Doshi C, Dornbier R, Blackwell RH, Bajic P, Gupta GN, et al. Socioeconomic disparities in the acute management of stone disease in the United States. J Endourol. 2019 Feb;33(2):167-72.. No presente estudo, usando umidade e temperatura separadamente em nosso modelo de regressão, não encontramos diferença estatística entre todos os tipos de cálculos em relação a esses parâmetros. Embora não sejam exatamente comparáveis, nossos achados corroboram aqueles de Buttigieg et al.1111 Buttigieg J, Attard S, Carachi A, Galea R, Fava S. Nephrolithiasis, stone composition, meteorology, and seasons in Malta: is there any connection?. Urol Ann. 2016 Jul/Sep;8(3):325-32., que não observaram associação entre composição química do cálculo e estação do ano, e também com um estudo recente sobre composição de cálculos nos EUA, mostrando muito poucas diferenças em todos os estados segundo o clima1818 Grant C, Guzman G, Stainback RP, Amdur RL, Mufarrij P. Variation in kidney stone composition within the United States. J Endourol. 2018 Oct;32(10):973-7..

As disparidades socioeconômicas e outras na área da saúde têm sido amplamente documentadas na prática urológica, em termos de prescrição médica, exames de imagem e tratamentos intervencionistas - mesmo em países desenvolvidos 2424 Kirshenbaum EJ, Doshi C, Dornbier R, Blackwell RH, Bajic P, Gupta GN, et al. Socioeconomic disparities in the acute management of stone disease in the United States. J Endourol. 2019 Feb;33(2):167-72.

25 Ahmad TR, Tzou DT, Usawachintachit M, Reliford-Titus S, Wu C, Goodman J, et al. Low income and nonwhite race are strongly associated with worse quality of life in patients with nephrolithiasis. J Urol. 2019 Jul;202(1):119-24.
-2626 Scales Junior CD, Tasian GE, Schwaderer AL, Goldfarb DS, Star RA, Kirkali Z. Urinary stone disease: advancing knowledge, patient care, and population health. Clin J Am Soc Nephrol. 2016 Jul;11(7):1305-12.. Em nosso estudo, um modelo de regressão logística ajustado por gênero mostrou um notável e significante impacto do baixo IDH em cálculos de estruvita, mas não em outras composições de cálculos. No entanto, foi observada uma tendência para maior prevalência de cálculos de ácido úrico entre pacientes que vivem em cidades com menor IDH, de acordo com relatos prévios de aumento da prevalência de cálculos de ácido úrico em áreas em desenvolvimento2727 Trinchieri A, Montanari E. Prevalence of renal uric acid stones in the adult. Urolithiasis. 2017 Dec;45(6):553-62.. Além disso, quanto menor foi o IDH, detectamos maior prevalência encontrada de cálculos de estruvita.

Na série atual, categorizamos os cálculos de estruvita como contendo qualquer quantidade de fosfato amônio magnésio (FAM) maior do que 30%, associado ou não à carbapatita, como preconizado por outros estudos2828 Nevo A, Shahait M, Shah A, Jackman S, Averch T. Defining a clinically significant struvite stone: a non-randomized retrospective study. Int Urol Nephrol. 2019 Apr;51(4):585-91.. A porcentagem desses cálculos foi quase três vezes maior no sexo feminino do que no masculino em todas as faixas etárias, em acordo com dados anteriores da literatura2929 Flannigan RK, Battison A, De S, Humphreys MR, Bader M, Lellig E, et al. Evaluating factors that dictate struvite stone composition: a multi-institutional clinical experience from the EDGE Research Consortium. Can Urol Assoc J. 2018 Apr;12(4):131-6.. O status socioeconômico mais baixo está intimamente relacionado a piores políticas de prevenção de doenças e controle de condições agudas, crônicas ou recorrentes, como a urolitíase, que se traduziu nas presentes associações evidenciadas com o IDH. As causas subjacentes à má qualidade do atendimento, particularmente para esses tipos de cálculos, observadas principalmente em áreas com baixo IDH, indicam atraso ou nenhum tratamento de infecções recorrentes do trato urinário, predispondo o crescimento de cálculos de infecção ou até a progressão para cálculos coraliformes, além de retardo e menor acesso a procedimentos para remoção e tratamento de cálculos graves e suas complicações3030 Schoenfeld D, Mohn L, Agalliu I, Stern JM. Disparities in care among patients presenting to the emergency department for urinary stone disease. Urolithiasis. 2019 Apr 19; [Epub ahead of print]. DOI: https://doi.org/10.1007/s00240-019-01136-y
https://doi.org/10.1007/s00240-019-01136...
.

As limitações de nosso estudo incluem seu desenho retrospectivo, que não fornece informações sobre hábitos alimentares, fatores de estilo de vida e dados bioquímicos sobre distúrbios metabólicos. Os episódios de infecções do trato urinário dependiam de auto-relatos e podem ter sido subestimados ou superestimados. Exposição profissional, eventual acesso a ar-condicionado ou o efeito específico da alta temperatura em populações específicas, como as de pacientes idosos, não puderam ser avaliados com precisão.

Conclusões

Nosso estudo demonstrou que pacientes que vivem em áreas com baixo IDH são mais propensos ao desenvolvimento de cálculos de estruvita. A temperatura e a umidade não representaram um fator de risco específico para qualquer tipo de cálculo em nossa população.

    Abreviações
  • IMC  Índice de Massa Corporal
  • COM  Oxalato de cálcio monohidratado
  • COD  Oxalato de cálcio dihidratado
  • DASH  Dietary Apporaches to Stop Hypertension
  • HAP  Apatita
  • IDH  Índice de Desenvolvimento Humano
  • FAM  Fosfato de Magnésio e Amônio
  • ITU  Infecção do trato urinário

References

  • 1
    Pearle MS, Calhoun EA, Curhan GC. Urologic diseases in America project: urolithiasis. J Urol. 2005 Mar;173(3):848-57.
  • 2
    Trinchieri A, Coppi F, Montanari E, Del Nero A, Zanetti G, Pisani E. Increase in the prevalence of symptomatic upper urinary tract stones during the last ten years. Eur Urol. 2000 Jan;37(1):23-5.
  • 3
    Yoshida O, Okada Y. Epidemiology of urolithiasis in Japan: a chronological and geographical study. Urol Int. 1990;45(2):104-11.
  • 4
    Moses R, Pais VM Jr, Ursiny M, Prien Junior EL, Miller N, Eisner BH. Changes in stone composition over two decades: evaluation of over 10,000 stone analyses. Urolithiasis. 2015 Feb;43(2):135-9.
  • 5
    Stamatelou KK, Francis ME, Jones CA, Nyberg LM, Curhan GC. Time trends in reported prevalence of kidney stones in the United States: 1976-1994. Kidney Int. 2003 May;63(5):1817-23.
  • 6
    Ticinesi A, Nouvenne A, Maalouf NM, Borghi L, Meschi T. Salt and nephrolithiasis. Nephrol Dial Transplant. 2016 Jan;31(1):39-45.
  • 7
    Heilberg IP, Goldfarb DS. Optimum nutrition for kidney stone disease. Adv Chronic Kid Dis. 2013 Mar;20(2):165-74.
  • 8
    Ferraro PM, Taylor EN, Gambaro G, Curhan GC. Dietary and lifestyle risk factors associated with incident kidney stones in men and women. J Urol. 2017 Oct;198(4):858-63.
  • 9
    Xu LHR, Adams-Huet B, Poindexter JR, Maalouf NM, Moe OW, Sakhaee K. Temporal changes in kidney stone composition and in risk factors predisposing to stone formation. J Urol. 2017 Jun;197(6):1465-71.
  • 10
    Cloutier J, Villa L, Traxer O, Daudon M. Kidney stone analysis: "Give me your stone, I will tell you who you are!". World J Urol. 2015 Feb;33(2):157-69.
  • 11
    Buttigieg J, Attard S, Carachi A, Galea R, Fava S. Nephrolithiasis, stone composition, meteorology, and seasons in Malta: is there any connection?. Urol Ann. 2016 Jul/Sep;8(3):325-32.
  • 12
    Grases F, Costa-Bauzá A, Ramis M, Montesinos V, Conte A. Simple classification of renal calculi closely related to their micromorphology and etiology. Clin Chim Acta. 2002 Aug;322(1-2):29-36.
  • 13
    Daudon M, Doré JC, Jungers P, Lacour B. Changes in stone composition according to age and gender of patients: a multivariate epidemiological approach. Urol Res. 2004 Jun;32(3):241-7.
  • 14
    Fakheri RJ, Goldfarb DS. Association of nephrolithiasis prevalence rates with ambient temperature in the United States?: a re-analysis. Kidney Int. 2009 Oct;76(7):798.
  • 15
    Yang X, Zhang C, Qi S, Zhang Z, Shi Q, Liu C, et al. Multivariate analyses of urinary calculi composition?: a 13-year single-center study. J Clin Lab Anal. 2016 Nov;30(6):873-9.
  • 16
    Lieske JC, Rule AD, Krambeck AE, Williams JC, Bergstralh EJ, Mehta RA, et al. Stone composition as a function of age and sex. Clin J Am Soc Nephrol. 2014 Dec;9(12):2141-6.
  • 17
    Korkes F, Silva li JL, Heilberg IP. Costs for in hospital treatment of urinary urolithiasis in the Brazilian public health system. Einstein. 2011 Jan; 9(4):518-22.
  • 18
    Grant C, Guzman G, Stainback RP, Amdur RL, Mufarrij P. Variation in kidney stone composition within the United States. J Endourol. 2018 Oct;32(10):973-7.
  • 19
    Eisner BH, Sheth S, Herrick B, Pais Junior VM, Sawyer M, Miller N, et al. The effects of ambient temperature, humidity and season of year on urine composition in patients with nephrolithiasis. BJU Int. 2012 Dec;110(11 Pt C):E1014-7.
  • 20
    Tasian GE, Pulido JE, Gasparrini A, Saigal CS, Horton BP, Landis JR, et al. Daily mean temperature and clinical kidney stone presentation in five U.S metropolitan areas: a time series analysis. Environ Health Perspect. 2014 Oct;122(10):1081-7.
  • 21
    Heilberg IP. Treatment of patients with uric acid stones. Urolithiasis. 2016 Feb;44(1):57-63.
  • 22
    Fakheri RJ, Goldfarb DS. Ambient temperature as a contributor to kidney stone formation: implications of global warming. Kidney Int. 2011;79(11):1178-85.
  • 23
    Lo SS, Johnston R, Al Sameraaii A, Metcalf PA, Rice ML, Masters JG. Seasonal variation in the acute presentation of urinary calculi over 8 years in Auckland, New Zealand. BJU Int. 2010 Jul;106(1):96-101.
  • 24
    Kirshenbaum EJ, Doshi C, Dornbier R, Blackwell RH, Bajic P, Gupta GN, et al. Socioeconomic disparities in the acute management of stone disease in the United States. J Endourol. 2019 Feb;33(2):167-72.
  • 25
    Ahmad TR, Tzou DT, Usawachintachit M, Reliford-Titus S, Wu C, Goodman J, et al. Low income and nonwhite race are strongly associated with worse quality of life in patients with nephrolithiasis. J Urol. 2019 Jul;202(1):119-24.
  • 26
    Scales Junior CD, Tasian GE, Schwaderer AL, Goldfarb DS, Star RA, Kirkali Z. Urinary stone disease: advancing knowledge, patient care, and population health. Clin J Am Soc Nephrol. 2016 Jul;11(7):1305-12.
  • 27
    Trinchieri A, Montanari E. Prevalence of renal uric acid stones in the adult. Urolithiasis. 2017 Dec;45(6):553-62.
  • 28
    Nevo A, Shahait M, Shah A, Jackman S, Averch T. Defining a clinically significant struvite stone: a non-randomized retrospective study. Int Urol Nephrol. 2019 Apr;51(4):585-91.
  • 29
    Flannigan RK, Battison A, De S, Humphreys MR, Bader M, Lellig E, et al. Evaluating factors that dictate struvite stone composition: a multi-institutional clinical experience from the EDGE Research Consortium. Can Urol Assoc J. 2018 Apr;12(4):131-6.
  • 30
    Schoenfeld D, Mohn L, Agalliu I, Stern JM. Disparities in care among patients presenting to the emergency department for urinary stone disease. Urolithiasis. 2019 Apr 19; [Epub ahead of print]. DOI: https://doi.org/10.1007/s00240-019-01136-y
    » https://doi.org/10.1007/s00240-019-01136-y

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    24 Out 2019
  • Aceito
    01 Abr 2020
Sociedade Brasileira de Nefrologia Rua Machado Bittencourt, 205 - 5ºandar - conj. 53 - Vila Clementino - CEP:04044-000 - São Paulo SP, Telefones: (11) 5579-1242/5579-6937, Fax (11) 5573-6000 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: bjnephrology@gmail.com