Acessibilidade / Reportar erro

Prevalência de anormalidades de condução no eletrocardiograma de pacientes em diálise: um estudo comparativo

RESUMO

Introdução:

O eletrocardiograma (ECG) pode auxiliar na identificação de pacientes com doença renal crônica (DRC) e alto risco para doenças cardiovasculares. Estudos de coorte descrevem anormalidades no ECG de pacientes em hemodiálise (HD), mas não encontramos dados comparando anormalidades no ECG entre pacientes com função renal normal ou aqueles em diálise peritoneal (DP), com aqueles em hemodiálise. Nossa hipótese foi de que as anormalidades de condução no ECG seriam mais comuns, e o intervalo de condução cardíaca seria mais longo entre os pacientes em hemodiálise comparados àqueles em diálise peritoneal e DRC 1 ou 2.

Métodos:

revisão retrospectiva dos prontuários de pacientes adultos internados, comparando aqueles com códigos de cobrança para "Hemodiálise" versus pacientes internados sem esses encargos, e uma coorte de pacientes em diálise peritoneal ambulatorial. Pacientes com DRC 3 ou 4 foram excluídos.

Resultados:

Cento e sessenta e sete prontuários foram revisados. Os intervalos de condução no ECG foram consistente- e estatisticamente mais longos entre os pacientes em hemodiálise (n = 88) vs. em diálise peritoneal (n = 22) e DRC estágios 1 e 2 (n = 57): PR (175 ± 35 vs 160 ± 44 vs 157 ± 22 msec) (p = 0,009); QRS (115 ± 32 vs. 111 ± 31 vs 91 ± 18 ms) (p = 0,001); QT (411 ± 71 vs. 403 ± 46 vs 374 ± 55 ms) (p = 0,006 ), QTc (487 ± 49 vs. 464 ± 38 vs 452 ± 52 ms) (p = 0,0001). A única anormalidade de condução significativamente diferente foi a prevalência de bloqueio do ramo esquerdo: 13,6% nos pacientes em HD, 5% em DP e 2% na DRC 1 e 2 (p = 0,03).

Conclusão:

Pelo que sabemos, este é o primeiro estudo a relatar que os intervalos de condução no ECG são significativamente maiores à medida que se progride das DRC Estágios 1 e 2, para DP, e para HD. Esses e outros dados corroboram a necessidade de estudos futuros para utilizar os tempos de condução no ECG para identificar pacientes em diálise que poderiam se beneficiar de avaliações cardíacas proativas e assim redução de risco.

Descritores:
Insuficiência Renal Crônica; Diálise Renal; Eletrocardiografia

ABSTRACT

Background:

The electrocardiogram (ECG) can aid in identification of chronic kidney disease (CKD) patients at high risk for cardiovascular diseases. Cohort studies describe ECG abnormalities in patients on hemodialysis (HD), but we did not find data comparing ECG abnormalities among patients with normal kidney function or peritoneal dialysis (PD) to those on hemodialysis. We hypothesized that ECG conduction abnormalities would be more common, and cardiac conduction interval times longer, among patients on hemodialysis vs. those on peritoneal dialysis and CKD 1 or 2.

Methods:

Retrospective review of adult inpatients’ charts, comparing those with billing codes for “Hemodialysis” vs. inpatients without those charges, and an outpatient peritoneal dialysis cohort. Patients with CKD 3 or 4 were excluded.

Results:

One hundred and sixty-seven charts were reviewed. ECG conduction intervals were consistently and statistically longer among hemodialysis patients (n=88) vs. peritoneal dialysis (n=22) and CKD stage 1 and 2 (n=57): PR (175±35 vs 160±44 vs 157±22 msec) (p=0.009), QRS (115±32 vs. 111±31 vs 91±18 msec) (p=0.001), QT (411±71 vs. 403±46 vs 374±55 msec) (p=0.006), QTc (487±49 vs. 464±38 vs 452±52 msec) (p=0.0001). The only significantly different conduction abnormality was prevalence of left bundle branch block: 13.6% among HD patients, 5% in PD, and 2% in CKD 1 and 2 (p=0.03).

Conclusion:

To our knowledge, this is the first study to report that ECG conduction intervals are significantly longer as one progresses from CKD Stage 1 and 2, to PD, to HD. These and other data support the need for future research to utilize ECG conduction times to identify dialysis patients who could potentially benefit from proactive cardiac evaluations and risk reduction.

Keywords:
Renal Insufficiency, Chronic; Renal Dialysis; Electrocardiography

INTRODUÇÃO

Doença cardiovascular é a principal causa de mortalidade em pacientes com doença renal crônica (DRC). Entre os pacientes com doença renal em estágio terminal (DRT) em hemodiálise (HD), o QTC prolongado esteve associado à maior mortalidade, mas o TpTe/QT não11 Hage FG, de Mattos AM, Khamash H, Mehta S, Warnock D, Iskandrian AE. QT prolongation is an independent predictor of mortality in end-stage renal disease. Clin Cardiol. 2010;33(6):361-6.

2 Bignotto LH, Kallas ME, Djouki RJ, Sassaki MM, Voss GO, Soto CL, et al. Electrocardiographic findings in chronic hemodialysis patients. J Bras Nefrol. 2012;34(3):235-42.
-33 Saour BM, Wang JH, Lavelle MP, Mathew RO, Sidhu MS, Boden WE, et al. TpTe and TpTe/QT: novel markers to predict sudden cardiac death in ESRD? J Bras Nefrol. 2019;41(1):38-47.. Durante a HD, o intervalo QTC pode se prolongar e essas alterações foram associadas a níveis mais baixos de potássio, cálcio e fosfato 44 Nie Y, Zou J, Liang Y, Shen B, Liu Z, Cao X, et al. Electrocardiographic Abnormalities and QTc Interval in Patients Undergoing Hemodialysis. PLoS One. 2016;11(5):e0155445.. Além dos fatores de risco tradicionais, como doença coronariana, diabetes e hipertrofia ventricular esquerda, os pacientes com DRT têm um risco maior de mortalidade devido a distúrbios eletrolíticos, equilíbrio ácido-base e alterações no volume plasmático, que ocorrem durante a hemodiálise 55 Herzog CA, Mangrum JM, Passman R. Sudden cardiac death and dialysis patients. Semin Dial. 2008;21(4):300-7..

Além de outras modalidades, o eletrocardiograma (ECG) continua sendo um método importante para identificar anormalidades cardíacas 66 Shafi S, Saleem M, Anjum R, Abdullah W, Shafi T. ECG Abnormalities In Patients With Chronic Kidney Disease. J Ayub Med Coll Abbottabad. 2017;29(1):61-4.. Estudos de coorte anteriores relataram que os pacientes em HD comumente apresentavam fibrilação atrial, necessidade de estimulação temporária e necessidade de implante permanente de marcapasso 77 Lisowska A, Tycinska A, Knapp M, Lisowski P, Musial WJ. The incidence and prognostic significance of cardiac arrhythmias and conduction abnormalities in patients with acute coronary syndromes and renal dysfunction. Kardiol Pol. 2011;69(12):1242-7.,88 Wang IK, Lin KH, Lin SY, Lin CL, Chang CT, Yen TH, et al. Permanent cardiac pacing in patients with end-stage renal disease undergoing dialysis. Nephrol Dial Transplant. 2016;31(12):2115-22.. Dada a taxa acelerada de doença arterial coronariana e anormalidades eletrolíticas nessa população, hipotetizamos que anormalidades na condução cardíaca seriam mais comuns entre pacientes em HD; no entanto, identificamos apenas estudos de coorte e não temos conhecimento de dados comparativos que tenham avaliado essa questão.

Testamos a hipótese de que a prevalência de anormalidades de condução no ECG seria maior e o intervalo de condução cardíaca seria mais longo entre os pacientes em diálise, quando comparados àqueles com DRC 1 e 2. Também postulamos que as anormalidades seriam mais comuns em uma coorte de hemodiálise em comparação com uma coorte de diálise peritoneal.

MÉTODOS

Foi realizado um estudo de coorte transversal utilizando o Data Warehouse de cobrança da Jersey Shore University Medical Center, um hospital de ensino médico com 646 leitos em Neptune NJ, EUA, para identificar pacientes internados com mais de 18 anos de idade, internados no serviço médico. Os pacientes foram classificados como tendo recebido HD se a internação estivesse associada a um código de cobrança: DIA0106504D (Hemodiálise Recorrente) ou DIA0106501D (Hemodiálise Uma Vez), e seus ECGs foram comparados com aqueles de pacientes internados no mesmo período de tempo que não sofreram cobrança associada a esses códigos. Essa metodologia incluiria pacientes que necessitaram de HD devido a lesão renal aguda (LRA).

Os desfechos primários foram: intervalos médios de condução e prevalência de anormalidades de condução nos ECGs entre três grupos: função renal normal (DRC 1 e 2), aqueles em diálise peritoneal (DP) e aqueles em hemodiálise (HD). Os desfechos secundários incluíram análise de intervalos com base na presença de qualquer medicamento que pudesse prolongar o intervalo QT e medicamentos individuais.

Foram coletados dados demográficos, comorbidades baseadas na documentação clínica nas notas de internação e/ou evolução, medicamentos com potencial para prolongar o intervalo QT, valores laboratoriais e achados de ECG com base na documentação do cardiologista interpretador. Os medicamentos que podem prolongar o intervalo QT incluem ondansetrona, proclorperazina, azitromicina, metadona, ciprofloxacina, levofloxacina, haloperidol, inibidores da protease do HIV, sotalol, antidepressivos tricíclicos, amiodarona, medicamentos antifúngicos (apenas fluconazol, nenhum medicamento contendo anfotericina), bloqueadores beta-adrenérgicos, verapamil e diltiazem. Os estágios da DRC foram definidos em (mL/min): 1 (TFGe > 90); 2 (60-89), 3 (30-59), 4 (15-29), 4 (<15). Foram utilizadas as seguintes definições: bloqueio atrioventricular de primeiro grau (BAV): intervalo PR > 200 milissegundos; BAV de segundo grau: aumento gradual do intervalo PR até a perda de uma onda P (Mobitz 1) ou um intervalo PR fixo seguido de uma queda da onda P (Mobitz 2); bloqueio cardíaco de terceiro grau: ondas QRS conduzidas em sua própria taxa independentemente das ondas P; bloqueio de ramo: onda QRS originária de atividade elétrica supraventricular com duração> 120; bloqueio de ramo esquerdo (BRE): onda R alta e larga nas derivações I e V6 e QS ou rS na derivação V1; bloqueio de ramo direito (BRD): onda rsR ‘ou uma onda R alta e larga na derivação V1 e uma onda S larga e arrastada nas derivações I e V5-6; QTc prolongado > 440 milissegundos em homens e > 460 milissegundos em mulheres. O grau de disfunção ventricular esquerda foi categorizado nos resultados da fração de ejeção dos laudos dos ECGs e das diretrizes da American Society of Echocardiography: normal 52-72%, discretamente anormal 41-51%, moderadamente anormal 30-40% e severamente anormal <30% 99 Yancy CW, Jessup M, Bozkurt B, Butler J, Casey DE, Jr., Colvin MM, et al. 2017 ACC/AHA/HFSA Focused Update of the 2013 ACCF/AHA Guideline for the Management of Heart Failure: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Clinical Practice Guidelines and the Heart Failure Society of America. Circulation. 2017;136(6):e137-e61.. Os intervalos normais de ECG foram definidos como PR 120-200 ms, QRS 60-100 ms, QTC <440 ms em homens e <460 ms em mulheres 1010 Surawicz B, Childers R, Deal BJ, Gettes LS, Bailey JJ, Gorgels A, et al. AHA/ACCF/HRS recommendations for the standardization and interpretation of the electrocardiogram: part III: intraventricular conduction disturbances: a scientific statement from the American Heart Association Electrocardiography and Arrhythmias Committee, Council on Clinical Cardiology; the American College of Cardiology Foundation; and the Heart Rhythm Society. Endorsed by the International Society for Computerized Electrocardiology. J Am Coll Cardiol. 2009;53(11):976-81..

ANÁLISE ESTATÍSTICA

O Stata 15 (College Park, TX, EUA) foi utilizado para análise. As estatísticas descritivas são relatadas, os valores médios foram comparados usando o teste-t de Student para dados com distribuição normal, e o teste da soma rank de Wilcoxon para dados não paramétricos. Um valor de p <0,05 foi considerado significativo.

RESULTADOS

Coletamos dados de 167 pacientes. A idade média foi de 69 + 17 anos, 44% dos pacientes em HD, 36% em DP e 55% dos pacientes com DRC 1 e 2 eram do sexo feminino. A Tabela 1 lista os dados demográficos e, não surpreendentemente, as seguintes comorbidades foram mais comuns entre os pacientes em HD: doença arterial coronariana, diabetes mellitus, hipertensão e acidente vascular cerebral. Entre toda a coorte, as porcentagens com as categorias de disfunção ventricular esquerda da American Society of Echocardiography foram: normal 72 (67%), discreta 18 (17%), moderada 10 (9%) e grave 7 (6,5%). A análise de regressão não encontrou correlação entre a categoria de disfunção do VE e PR, QRS, QT, QTC. A prevalência de QTC prolongado entre as coortes foi de 51% (DRC 1-2), 68% (DP) e 77% (HD), e o aumento foi significativo (p = 0,004).

Tabela 1
Dados demográficos dos pacientes incluídos no estudo

Em relação aos desfechos primários, não houve diferença na prevalência de bloqueios de condução relacionado à situação de HD (Tabela 2), mas a Tabela 3 mostra que PR, QRS, QT e QTC se tornaram progressiva- e significativamente mais longos à medida que os pacientes evoluíram de DRC 1-2 , para DP, e para HD. Em toda a coorte, a respectiva duração média do QRS foi maior para aqueles que tomavam medicamento que prolongava o QT, em comparação com aqueles que não tomavam (144 + 29 ms vs. 104 + 30 ms, p = 0,01), e o mesmo ocorreu para os intervalos QTC (487 + 54 ms vs. 470 + 46, p = 0,043). Como os intervalos mais longos observados entre os pacientes com DRT podem ser confundidos pelo uso de medicamentos que prolongam o intervalo QT, realizamos uma análise de regressão post hoc para procurar um efeito sinérgico entre a DRT e os medicamentos que prolongam o intervalo QT. Essa análise foi limitada, pois apenas 32 dos pacientes com DRT estavam em uso de um medicamento que poderia prolongar o QT ou QTC e, nesta coorte, não comprovamos QRS e QTC médios foram significativamente mais longos entre os 32 pacientes com DRT em use de um medicamento que prolonga o intervalo QT. As categorias de ICC, definidas como normal > = 55%, discreta 45-55%, moderada 35-45% e grave <35%, não foram associadas a diferenças nos intervalos.

Tabela 2
Anormalidades na condução cardíaca relacionadas à situação de diálise dos pacientes.
Tabela 3
Intervalos no ECG entre pacientes em diálise versus aqueles sem diálise (ms).

DISCUSSÃO

Este é o primeiro estudo, até onde sabemos, demonstrando que os intervalos médios de condução cardíaca aumentam na função renal normal, DP e HD, ao comparar coortes transversais de pacientes atendidos em uma instituição. Teoricamente, esse achado pode ser explicado pelos distúrbios fisiológicos e eletrolíticos que se tornam mais acentuados à medida que os pacientes progridem da função renal normal para a DP diária, e depois três vezes por semana em HD. Estudos anteriores relataram a relação entre DRT e prolongamento do QTC, mas suas coortes diferiram das nossas por serem dicotômicas (DRC como TFGe <60 vs. > 60 mL/min), incluindo pacientes com DRC nos estágios 3 e 4 e não comentaram especificamente sobre os pacientes com DP. Um desses estudos que utilizou o banco de dados limitado do Cardiovascular Health Study relatou que as anormalidades no ECG foram mais comuns entre aqueles com sua definição de DRC incluindo “intervalo QT longo”. No entanto, eles definiram “intervalo QT longo” como QT > = 110 (onde o intervalo QT = QT x [frequência cardíaca +100] / 656]), não listaram os intervalos reais e não subestratificaram por situação de DP ou HD 1111 Dobre M, Brateanu A, Rashidi A, Rahman M. Electrocardiogram abnormalities and cardiovascular mortality in elderly patients with CKD. Clin J Am Soc Nephrol. 2012;7(6):949-56.. Por outro lado, nosso estudo teve três coortes e definiu um QTC prolongado usando faixas estabelecidas com base no sexo do paciente.

Outro estudo utilizando o Cardiovascular Health Study relatou que o QTC médio é semelhante entre aqueles com TFGe < 60 (429 + 22, n = 600) vs. aqueles com TFGe > 60 (427 + 21, n = 2638) e as respectivas taxas de QT > 450 foram de 17 e 14% 1212 Kestenbaum B, Rudser KD, Shlipak MG, Fried LF, Newman AB, Katz R, et al. Kidney function, electrocardiographic findings, and cardiovascular events among older adults. Clin J Am Soc Nephrol. 2007;2(3):501-8.. Comparado a esse estudo, o QTC médio em nossas coortes foi mais longo, e a prevalência do prolongamento do intervalo QT foi maior, assim como em outra coorte de pacientes com DRT (41% (n = 68)). 1313 Voiculescu M, Ionescu C, Ismail G. Frequency and prognostic significance of QT prolongation in chronic renal failure patients. Rom J Intern Med. 2006;44(4):407-17.

Portanto, enquanto outros fatores de confusão podem estar presentes em nossa população versus estudos anteriores, os dados que mostram que os intervalos se tornaram mais longos à medida que as coortes progrediram para DP e HD reforçam os achados do nosso estudo.

Aqueles estudos e outros relatam que, à medida que o QT se prolonga em pacientes com DRT, a taxa de mortalidade aumenta (1, 11, 12, 14). Mais notavelmente, em uma coorte de pacientes com doença renal terminal aguardando transplante, aqueles com QTC prolongado (39%) apresentaram taxas de mortalidade em 1, 3 e 5 anos de 12%, 36% e 47%, respectivamente, vs 8, 24 e 36% para aqueles com QTC normal (log-rank p = 0,03) 11 Hage FG, de Mattos AM, Khamash H, Mehta S, Warnock D, Iskandrian AE. QT prolongation is an independent predictor of mortality in end-stage renal disease. Clin Cardiol. 2010;33(6):361-6..

Os pacientes em diálise geralmente tomam suplementos como ligantes de fosfato e bicarbonato de sódio e são submetidos a alterações nos íons hidrogênio e potássio durante as sessões de diálise. Isso poderia explicar por que todos os intervalos do ECG (PR, QRS, QT e QTC) foram mais longos do que na população de pacientes sem diálise. No entanto, vale ressaltar que os intervalos médios de PR, QRS e QT em nossa coorte, embora maiores entre os pacientes em DP e HD, estavam dentro dos limites normais.

Nossa metodologia potencialmente envolveu pacientes submetidos à HD devido a LRA, mas nossa lógica era otimizar o número de pacientes na amostra e, embora os pacientes com LRA não tenham tido distúrbios metabólicos crônicos, a necessidade de HD estaria associada a distúrbios metabólicos suficientes que poderiam afetar o QTC. Teoricamente, se o prolongamento do QTC fosse encontrado apenas em pacientes em HD de longo prazo, haveria um viés em relação ao nulo (nenhuma diferença no QTC entre os grupos normal, DP e HD), portanto, encontrar uma diferença sugere que esse viés potencial não foi significativo, e nossos achados são substanciais.

Estudamos o impacto das alterações e mudanças eletrolíticas associadas à DRT e à HD nos achados do ECG. Foi levantada a hipótese de que mudanças rápidas nas concentrações de volume e eletrólitos em pacientes em diálise resultariam em alterações no ECG e arritmias, apesar desses pacientes não terem história de doença cardíaca. No entanto, não foi observado efeito no eixo do intervalo QRS antes e após a HD em pacientes com DRT 1515 Korkmaz A, Yildiz A, Kundi H, Basyigit F, Gursoy HT, Ucar Elalmis O, et al. Can hemodialysis change QRS axis in patients without cardiovascular disease? Turk Kardiyol Dern Ars. 2018;46(4):276-82.. Um estudo encontrou uma correlação entre os volumes de ultrafiltração e a duração do intervalo QTC 1616 Ozportakal H, Ozkok A, Alkan O, Bulut AS, Boyraz M, Inanir M, et al. Hemodialysis-induced repolarization abnormalities on ECG are influenced by serum calcium levels and ultrafiltration volumes. Int Urol Nephrol. 2017;49(3):509-15.. Por fim, um estudo prospectivo de 141 pacientes em HD constatou que o intervalo QTC era mais provável de se prolongar no pico da sessão de HD entre aqueles com níveis mais altos de cálcio e fosfato, e níveis mais baixos de potássio e peptídeo natriurético cerebral 44 Nie Y, Zou J, Liang Y, Shen B, Liu Z, Cao X, et al. Electrocardiographic Abnormalities and QTc Interval in Patients Undergoing Hemodialysis. PLoS One. 2016;11(5):e0155445..

Embora a disfunção diastólica seja mais prevalente naqueles com hipertensão, DRC e DRT, a maior coorte (n = 3.487) descobriu que a disfunção renal progressiva estava associada a uma maior prevalência de hipertrofia ventricular esquerda e geometria anormal do VE, mas os autores não detectaram associações significativas entre função renal e função sistólica ou diastólica após ajuste para possíveis variáveis ​​de confusão 1717 Park MH, C.; Li, Y.; Mishra, R.K.; Keane, M.; Rosas, S.E.; Dries, D.; Xie,D.; Chen,J.; He, J.; Anderson, A.; Go, A.S.; Shlipak, M.G. hronic Renal Insufficiency Cohort (CRIC) Study Group CJASN.23(10):1725-34.. Dois estudos envolvendo 153 e 129 pacientes, descobriram que a disfunção diastólica > grau 1 apresentava uma FC de 3,42 (IC95% [1,7,7,1]) (mortalidade) e a disfunção diastólica avançada era preditiva de eventos cardiovasculares (FC 2,2; 95% CI [1,1,4,3]).1818 Barberato SH, Bucharles SG, Sousa AM, Costantini CO, Costantini CR, Pecoits-Filho R. [Prevalence and prognostic impact of diastolic dysfunction in patients with chronic kidney disease on hemodialysis]. Arq Bras Cardiol. 2010;94(4):457-62.,1919 Farshid FP, F.; Shadbolt, B.; Arnolda, L. Diastolic function is a strong predictor of mortality in patients with chronic kidney disease. BMC Nephrol. 2013;14(280):1-6..

Não há dúvida de que os pacientes com DRT têm maior risco de óbito por causas cardiovasculares, e nossa descoberta de que os pacientes em diálise tinham maior probabilidade de ter intervalos QTC prolongados sugere que as arritmias ventriculares poderiam ter participação; portanto, é importante identificar condições comórbidas 1111 Dobre M, Brateanu A, Rashidi A, Rahman M. Electrocardiogram abnormalities and cardiovascular mortality in elderly patients with CKD. Clin J Am Soc Nephrol. 2012;7(6):949-56.. Pacientes com DRC apresentam deficiência de 1,25-di-hidroxivitamina D devido ao aumento da produção do fator de crescimento de fibroblastos 23 (FGF23) e alguns também apresentam uma deficiência de 25-hidroxiD devido à perda da enzima 1-alfa-hidroxilase do comprometimento renal estrutural, e essas deficiências predispõem à hipocalcemia, o que poderia explicar a maior prevalência de um QTC prolongado2020 Nitta K, Nagano N, Tsuchiya K. Fibroblast growth factor 23/klotho axis in chronic kidney disease. Nephron Clin Pract. 2014;128(1-2):1-10.,2121 Drezner M. Causes of vitamin D deficiency and resistance. 2019 [cited May 2019]. In: UpToDate [Internet]. [cited May 2019]. Available from: http://www.uptodate.com/contents/causes-of-vitamin-d-deficiency-andresistance
http://www.uptodate.com/contents/causes-...
.

Ao contrário de estudos anteriores que simplesmente relataram a prevalência de anormalidades no ECG em coortes únicas de pacientes com DRT ou compararam coortes dicotômicas com TFGe <60 vs. > 60, nosso estudo é o primeiro a comparar coortes ao longo de um espectro de doença renal de nenhuma, a DP, para HD. Encontramos um estudo que não encontrou prolongamento do QTC entre pacientes com DP, mas, diferentemente de outros estudos, os autores também não encontraram correlação entre anormalidades eletrolíticas e intervalos no ECG 1313 Voiculescu M, Ionescu C, Ismail G. Frequency and prognostic significance of QT prolongation in chronic renal failure patients. Rom J Intern Med. 2006;44(4):407-17.. Nosso tamanho da amostra foi semelhante às de estudos anteriores.

As limitações potenciais deste estudo incluem ser de um único centro e a prevalência de prolongamento do QTC foi maior do que aqueles relatados anteriormente. Isso pode estar relacionado ao fato de termos estudado uma população hospitalizada com maior probabilidade de estarem gravemente doente e com anormalidades eletrolíticas associadas, e isso é corroborado pela prevalência de intervalos QTC prolongados em nossa população com DRC 1 e 2 sendo maior do que os relatórios anteriores. Nosso principal objetivo foi relatar a prevalência de anormalidades no ECG nos três grupos, e o estudo não foi projetado para executar um modelo multivariável. Essa limitação pode ser tratada em um estudo futuro com um tamanho de amostra grande o suficiente para controlar várias outras comorbidades.

Nossos principais resultados foram que, à medida que os pacientes progridem para situações com maior probabilidade de mudanças e alterações eletrolíticas, seus intervalos no ECG tornam-se significativamente mais longos. Os eventos cardiovasculares e o óbito são maiores entre aqueles com DRT e em HD, e nossos dados acrescentam evidências à literatura de que as arritmias ventriculares podem ser uma causa significativa. Embora alguns possam aplicar uma abordagem lógica para obter testes cardíacos não invasivos em pacientes com DP/HD assintomáticos com intervalos prolongados de ECG, não temos conhecimento de dados que demonstrem que a utilização desses recursos de saúde realmente melhorará os resultados dos pacientes. Portanto, nossa expectativa final é que pesquisas futuras utilizem esses dados de ECG para identificar pacientes de alto risco em DP e HD, determinar formalmente se testes/intervenções realmente melhoram os resultados dos pacientes e desenvolver intervenções clinicamente eficazes para reduzir o risco de morbidade e óbito cardiovascular.

REFERENCES

  • 1
    Hage FG, de Mattos AM, Khamash H, Mehta S, Warnock D, Iskandrian AE. QT prolongation is an independent predictor of mortality in end-stage renal disease. Clin Cardiol. 2010;33(6):361-6.
  • 2
    Bignotto LH, Kallas ME, Djouki RJ, Sassaki MM, Voss GO, Soto CL, et al. Electrocardiographic findings in chronic hemodialysis patients. J Bras Nefrol. 2012;34(3):235-42.
  • 3
    Saour BM, Wang JH, Lavelle MP, Mathew RO, Sidhu MS, Boden WE, et al. TpTe and TpTe/QT: novel markers to predict sudden cardiac death in ESRD? J Bras Nefrol. 2019;41(1):38-47.
  • 4
    Nie Y, Zou J, Liang Y, Shen B, Liu Z, Cao X, et al. Electrocardiographic Abnormalities and QTc Interval in Patients Undergoing Hemodialysis. PLoS One. 2016;11(5):e0155445.
  • 5
    Herzog CA, Mangrum JM, Passman R. Sudden cardiac death and dialysis patients. Semin Dial. 2008;21(4):300-7.
  • 6
    Shafi S, Saleem M, Anjum R, Abdullah W, Shafi T. ECG Abnormalities In Patients With Chronic Kidney Disease. J Ayub Med Coll Abbottabad. 2017;29(1):61-4.
  • 7
    Lisowska A, Tycinska A, Knapp M, Lisowski P, Musial WJ. The incidence and prognostic significance of cardiac arrhythmias and conduction abnormalities in patients with acute coronary syndromes and renal dysfunction. Kardiol Pol. 2011;69(12):1242-7.
  • 8
    Wang IK, Lin KH, Lin SY, Lin CL, Chang CT, Yen TH, et al. Permanent cardiac pacing in patients with end-stage renal disease undergoing dialysis. Nephrol Dial Transplant. 2016;31(12):2115-22.
  • 9
    Yancy CW, Jessup M, Bozkurt B, Butler J, Casey DE, Jr., Colvin MM, et al. 2017 ACC/AHA/HFSA Focused Update of the 2013 ACCF/AHA Guideline for the Management of Heart Failure: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Clinical Practice Guidelines and the Heart Failure Society of America. Circulation. 2017;136(6):e137-e61.
  • 10
    Surawicz B, Childers R, Deal BJ, Gettes LS, Bailey JJ, Gorgels A, et al. AHA/ACCF/HRS recommendations for the standardization and interpretation of the electrocardiogram: part III: intraventricular conduction disturbances: a scientific statement from the American Heart Association Electrocardiography and Arrhythmias Committee, Council on Clinical Cardiology; the American College of Cardiology Foundation; and the Heart Rhythm Society. Endorsed by the International Society for Computerized Electrocardiology. J Am Coll Cardiol. 2009;53(11):976-81.
  • 11
    Dobre M, Brateanu A, Rashidi A, Rahman M. Electrocardiogram abnormalities and cardiovascular mortality in elderly patients with CKD. Clin J Am Soc Nephrol. 2012;7(6):949-56.
  • 12
    Kestenbaum B, Rudser KD, Shlipak MG, Fried LF, Newman AB, Katz R, et al. Kidney function, electrocardiographic findings, and cardiovascular events among older adults. Clin J Am Soc Nephrol. 2007;2(3):501-8.
  • 13
    Voiculescu M, Ionescu C, Ismail G. Frequency and prognostic significance of QT prolongation in chronic renal failure patients. Rom J Intern Med. 2006;44(4):407-17.
  • 14
    Di Iorio B, Bellasi A. QT interval in CKD and haemodialysis patients. Clin Kidney J. 2013;6(2):137-43.
  • 15
    Korkmaz A, Yildiz A, Kundi H, Basyigit F, Gursoy HT, Ucar Elalmis O, et al. Can hemodialysis change QRS axis in patients without cardiovascular disease? Turk Kardiyol Dern Ars. 2018;46(4):276-82.
  • 16
    Ozportakal H, Ozkok A, Alkan O, Bulut AS, Boyraz M, Inanir M, et al. Hemodialysis-induced repolarization abnormalities on ECG are influenced by serum calcium levels and ultrafiltration volumes. Int Urol Nephrol. 2017;49(3):509-15.
  • 17
    Park MH, C.; Li, Y.; Mishra, R.K.; Keane, M.; Rosas, S.E.; Dries, D.; Xie,D.; Chen,J.; He, J.; Anderson, A.; Go, A.S.; Shlipak, M.G. hronic Renal Insufficiency Cohort (CRIC) Study Group CJASN.23(10):1725-34.
  • 18
    Barberato SH, Bucharles SG, Sousa AM, Costantini CO, Costantini CR, Pecoits-Filho R. [Prevalence and prognostic impact of diastolic dysfunction in patients with chronic kidney disease on hemodialysis]. Arq Bras Cardiol. 2010;94(4):457-62.
  • 19
    Farshid FP, F.; Shadbolt, B.; Arnolda, L. Diastolic function is a strong predictor of mortality in patients with chronic kidney disease. BMC Nephrol. 2013;14(280):1-6.
  • 20
    Nitta K, Nagano N, Tsuchiya K. Fibroblast growth factor 23/klotho axis in chronic kidney disease. Nephron Clin Pract. 2014;128(1-2):1-10.
  • 21
    Drezner M. Causes of vitamin D deficiency and resistance. 2019 [cited May 2019]. In: UpToDate [Internet]. [cited May 2019]. Available from: http://www.uptodate.com/contents/causes-of-vitamin-d-deficiency-andresistance
    » http://www.uptodate.com/contents/causes-of-vitamin-d-deficiency-andresistance

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    30 Jan 2020
  • Aceito
    15 Maio 2020
Sociedade Brasileira de Nefrologia Rua Machado Bittencourt, 205 - 5ºandar - conj. 53 - Vila Clementino - CEP:04044-000 - São Paulo SP, Telefones: (11) 5579-1242/5579-6937, Fax (11) 5573-6000 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: bjnephrology@gmail.com