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Hipomagnesemia no pós-operatório de artrodese de coluna

Resumos

OBJETIVOS: Verificar a frequência de hipomagnesemia em pacientes pediátricos submetidos a artrodese de coluna, avaliando se há queda significativa nas dosagens de magnésio sérico nos períodos pré e pós-operatório, quais suas possíveis causas e quais as consequências clínicas para os pacientes. MÉTODOS: Estudo retrospectivo e descritivo dos pacientes admitidos em uma Unidade de Terapia Intensiva pediátrica no pós-operatório de artrodese de coluna, no período de 1º de março a 31 de agosto de 2011. Foram comparados os níveis de magnésio, fósforo, cálcio total e ionizado no pré-operatório com os valores encontrados após a admissão na Unidade de Terapia Intensiva. RESULTADOS: Foram incluídos 45 pacientes, com idade média de 13,1 anos. No pré-operatório, o valor médio do magnésio foi de 1,8±0,2 mg/dL, e no pós-operatório, de 1,4±0,2 mg/dL, o que demonstra uma queda significativa entre os dois períodos (p < 0,001). A frequência de hipomagnesemia foi de somente um paciente (2%) no pré-operatório para 31 (68%) no pós-operatório. Houve também queda significativa nos níveis de fósforo (p < 0,001) e cálcio total (p < 0,001). Houve correlação significativa entre a queda do magnésio e o volume de fluido recebido durante a cirurgia (p = 0,03), volume de transfusão sanguínea (p < 0,001) e número de vértebras fixadas (p < 0,05). Dos 31 pacientes com hipomagnesemia, sete (22%) apresentaram sintomas. CONCLUSÃO: Existe uma elevada frequência de hipomagnesemia em pacientes submetidos a artrodese de coluna. Ao realizar a dosagem do magnésio sérico no momento da admissão na Unidade de Terapia Intensiva, a reposição adequada pode ser prontamente iniciada, minimizando o risco de complicações.

Hipomagnesemia; UTI pediátrica; artrodese de coluna


OBJECTIVES: To determine the frequency of hypomagnesaemia in pediatric patients after spinal fusion, to verify whether postoperative magnesium levels were lower than preoperative levels and, if so, to identify possible causes and assess the clinical repercussions for patients. METHODS: This was a retrospective descriptive study of pediatric patients admitted to a pediatric intensive care unit (ICU) after spine fusion surgery, between March 1 and August 31, 2011. Preoperative magnesium, phosphorus and total and ionized calcium concentrations were compared with the results of tests conducted during the first 24 hours after admission to the ICU. RESULTS: A total of 45 patients were enrolled on the study. Median age was 13.1 years. Preoperative mean serum magnesium was 1.8±0.2 mg/dL and postoperative serum magnesium was 1.4±0.2 mg/dL, which was a significant reduction between the two periods (p < 0.001). The frequency of hypomagnesaemia rose from 1 patient (2%) in the preoperative period to 31 patients (68%) during the postoperative period. There were also significant reductions in concentrations of phosphorus (p < 0.001) and total calcium (p < 0.001). There was a significant correlation between magnesium reductions and the volume of fluids administered during the surgery (p = 0.03), transfused blood volume (p < 0.001) and number of vertebrae fused (p < 0.05). Seven of the 31 patients with hypomagnesemia exhibited symptoms (22%). CONCLUSION: There was an elevated frequency of hypomagnesemia in patients who underwent spinal fusion. Serum magnesium should be assayed when patients are admitted to the pediatric ICU, so appropriate supplementation can be initiated immediately, minimizing the risk of complications.

Hypomagnesemia; pediatric ICU; spine fusion


ARTIGO ORIGINAL

Hipomagnesemia no pós-operatório de artrodese de coluna

Larissa Rossato ChrunI; Paulo Ramos David JoãoII

IMédica residente, Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica, Hospital Pequeno Príncipe, Curitiba, PR

IIChefe Unidades de Terapia Intensiva Pediátrica e Cirúrgica, Hospital Pequeno Príncipe, Curitiba, PR

Correspondência Correspondência: Larissa Rossato Chrun Rua Emilio Cornelsen, 398/503 CEP 80540-220 - Curitiba, PR Tel.: (41) 9996.6327, (41) 3044.4760 E-mail: lary_rc@yahoo.com.br

RESUMO

OBJETIVOS: Verificar a frequência de hipomagnesemia em pacientes pediátricos submetidos a artrodese de coluna, avaliando se há queda significativa nas dosagens de magnésio sérico nos períodos pré e pós-operatório, quais suas possíveis causas e quais as consequências clínicas para os pacientes.

MÉTODOS: Estudo retrospectivo e descritivo dos pacientes admitidos em uma Unidade de Terapia Intensiva pediátrica no pós-operatório de artrodese de coluna, no período de 1º de março a 31 de agosto de 2011. Foram comparados os níveis de magnésio, fósforo, cálcio total e ionizado no pré-operatório com os valores encontrados após a admissão na Unidade de Terapia Intensiva.

RESULTADOS: Foram incluídos 45 pacientes, com idade média de 13,1 anos. No pré-operatório, o valor médio do magnésio foi de 1,8±0,2 mg/dL, e no pós-operatório, de 1,4±0,2 mg/dL, o que demonstra uma queda significativa entre os dois períodos (p < 0,001). A frequência de hipomagnesemia foi de somente um paciente (2%) no pré-operatório para 31 (68%) no pós-operatório. Houve também queda significativa nos níveis de fósforo (p < 0,001) e cálcio total (p < 0,001). Houve correlação significativa entre a queda do magnésio e o volume de fluido recebido durante a cirurgia (p = 0,03), volume de transfusão sanguínea (p < 0,001) e número de vértebras fixadas (p < 0,05). Dos 31 pacientes com hipomagnesemia, sete (22%) apresentaram sintomas.

CONCLUSÃO: Existe uma elevada frequência de hipomagnesemia em pacientes submetidos a artrodese de coluna. Ao realizar a dosagem do magnésio sérico no momento da admissão na Unidade de Terapia Intensiva, a reposição adequada pode ser prontamente iniciada, minimizando o risco de complicações.

Palavras-chave: Hipomagnesemia, UTI pediátrica, artrodese de coluna.

ABSTRACT

OBJECTIVES: To determine the frequency of hypomagnesaemia in pediatric patients after spinal fusion, to verify whether postoperative magnesium levels were lower than preoperative levels and, if so, to identify possible causes and assess the clinical repercussions for patients.

METHODS: This was a retrospective descriptive study of pediatric patients admitted to a pediatric intensive care unit (ICU) after spine fusion surgery, between March 1 and August 31, 2011. Preoperative magnesium, phosphorus and total and ionized calcium concentrations were compared with the results of tests conducted during the first 24 hours after admission to the ICU.

RESULTS: A total of 45 patients were enrolled on the study. Median age was 13.1 years. Preoperative mean serum magnesium was 1.8±0.2 mg/dL and postoperative serum magnesium was 1.4±0.2 mg/dL, which was a significant reduction between the two periods (p < 0.001). The frequency of hypomagnesaemia rose from 1 patient (2%) in the preoperative period to 31 patients (68%) during the postoperative period. There were also significant reductions in concentrations of phosphorus (p < 0.001) and total calcium (p < 0.001). There was a significant correlation between magnesium reductions and the volume of fluids administered during the surgery (p = 0.03), transfused blood volume (p < 0.001) and number of vertebrae fused (p < 0.05). Seven of the 31 patients with hypomagnesemia exhibited symptoms (22%).

CONCLUSION: There was an elevated frequency of hypomagnesemia in patients who underwent spinal fusion. Serum magnesium should be assayed when patients are admitted to the pediatric ICU, so appropriate supplementation can be initiated immediately, minimizing the risk of complications.

Keywords: Hypomagnesemia, pediatric ICU, spine fusion.

Introdução

mbora a hipomagnesemia seja um dos distúrbios eletrolíticos mais comuns em pacientes hospitalizados, especialmente nos criticamente doentes1,2 e no período pós-operatório1, é também considerado o distúrbio mais subdiagnosticado3. Ocorre em cerca de 11% dos pacientes hospitalizados; em 20% dos pacientes admitidos em Unidade de Terapia Intensiva (UTI); e em 61% dos pacientes admitidos em UTI cirúrgica3. É associado a hospitalização prolongada, com maior tempo de permanência em UTI e maior mortalidade, tanto em pacientes clínicos quanto cirúrgicos1.

Na literatura, há poucos relatos de pacientes ortopédicos com hipomagnesemia1,3, porém chama a atenção sua elevada frequência no pós-operatório de pacientes submetidos a cirurgias com grande envolvimento ósseo, como a artrodese de coluna1,3,4. A etiologia da deficiência de magnésio, nesses casos, é descrita como multifatorial: associação com transfusão sanguínea (o citrato atua como quelante, com formação do citrato de magnésio)1,3 dilucional, devido à administração de grandes quantidades de fluido hipotônico durante a cirurgia1,3,4; e alteração transitória da função das paratireoides, consequente ao rompimento do periósteo e tecido ósseo4. Independente de sua etiologia, o paciente com hipomagnesemia pode apresentar, principalmente: arritmias atriais e ventriculares2, isquemia miocárdica3,5, insuficiência cardíaca2 e alterações neurológicas, como crises convulsivas2,4,6,7 e rebaixamento do nível de consciência6.

Place et al.3 demonstraram queda significativa nos níveis de magnésio sérico no pós-operatório de artrodese de coluna, comparados com os valores encontrados imediatamente antes da cirurgia, resultando em uma incidência de 71% de hipomagnesemia. Já no estudo feito por Chang et al.1, a incidência de hipomagnesemia foi menor (13%), porém a queda nos níveis séricos de magnésio nos períodos pré e pós-operatório também foi significativa. Ambos os estudos foram feitos em adultos.

Em um dos poucos trabalhos realizados com pacientes pediátricos, Verive et al.4 avaliaram 463 crianças admitidas em UTI com patologias clínicas e cirúrgicas. Hipomagnesemia foi encontrada na admissão em 11% dos pacientes, porém a maior frequência (72%) e os valores mais baixos de magnésio foram encontrados em pacientes submetidos a cirurgias com envolvimento do tecido ósseo.

Este trabalho tem como objetivo verificar a frequência de hipomagnesemia nos pacientes admitidos em UTI pediátrica no pós-operatório de artrodese de coluna, avaliando se há queda significativa nas dosagens de magnésio sérico nos períodos pré e pós-operatório, quais suas possíveis causas e quais as consequências clínicas para os pacientes.

Métodos

Foram revisados os prontuários dos pacientes admitidos na UTI cirúrgica do Hospital Infantil Pequeno Príncipe (Curitiba, PR) no período de 1º de março a 31 de agosto de 2011, no pós-operatório imediato de artrodese de coluna.

No período considerado, 52 pacientes foram submetidos à cirurgia de artrodese de coluna e admitidos na UTI cirúrgica no pós-operatório. Destes, sete foram excluídos por falta de dados necessários nos prontuários. Nenhum paciente estava recebendo reposição oral ou endovenosa de magnésio ou apresentava alteração da função renal, o que também justificaria sua exclusão. Assim, o número final de pacientes incluídos no estudo foi de 45.

Trata-se de um estudo retrospectivo e descritivo. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Pequeno Príncipe.

Avaliamos se houve queda significativa nas dosagens de magnésio sérico nos períodos pré e pós-operatório; se houve associação entre sua queda e o volume de fluido recebido durante o procedimento (mL/kg), volume de transfusão sanguínea (mL/kg) e o número de vértebras fixadas na cirurgia; e se houve diferença significativa na queda do magnésio sérico entre os pacientes com e sem sintomas de hipomagnesemia. Devido à estreita relação existente entre o metabolismo do magnésio, fósforo e cálcio4,8, também foi avaliado se houve alteração significativa nas dosagens desses últimos eletrólitos, nos dois períodos.

Os valores considerados normais foram de 1,6 a 2,6 mg/dL para o magnésio, 2,5 a 4,5 mg/dL para o fósforo, 8,8 a 10,7 mg/dL para o cálcio total e 1,16 a 1,32 mmol/L para o cálcio ionizado.

Inicialmente, foi realizada uma análise descritiva, com cálculos de frequência, média e desvio padrão. Para comparar as dosagens dos eletrólitos (magnésio, fósforo, cálcio total e ionizado) nos períodos pré e pós-operatório, foram utilizados testes t de Student para dados pareados.

O teste de correlação linear de Pearson foi utilizado para correlacionar a queda do magnésio sérico com o volume de transfusão sanguínea e com o volume de fluido recebidos no intraoperatório. Já para a correlação entre a queda do magnésio e o número de vértebras fixadas na cirurgia, foi utilizado o teste de correlação de Spearman. Por fim, o teste de Mann-Whitney foi utilizado para comparar a queda observada no magnésio sérico nos pacientes com e sem sintomatologia de hipomagnesemia.

Os gráficos foram desenvolvidos através do pacote estatístico Statistica, e as tabelas, através do Excel 2007. O nível de significância adotado foi de 5%.

Resultados

Foram incluídos no estudo 45 pacientes admitidos na UTI cirúrgica do Hospital Pequeno Príncipe no pós-operatório imediato de artrodese de coluna, sendo 33 (73,3%) do sexo feminino e 12 (26,6%) do sexo masculino, com idade variando entre 9 e 17 anos (média de 13,1±2,2).

Todos os pacientes possuíam escoliose, motivo pelo qual foram submetidos à cirurgia de artrodese de coluna, porém 20 apresentavam comorbidades: nove eram portadores de paralisia cerebral (destes, um apresentava também cardiopatia congênita); três, portadores de mielomeningocele; dois apresentavam neurofibromatose; três, atrofia muscular espinal tipo 2; um possuía déficit cognitivo sem etiologia definida; um era portador de síndrome genética a esclarecer; e um possuía história de doença neoplásica tratada (rabdomiossarcoma).

No período pré-operatório, somente um paciente apresentava hipomagnesemia; um apresentava hipocalcemia total, porém com cálcio ionizado normal; um apresentava hipocalcemia ionizada, com cálcio total normal; e nenhum paciente apresentava hipofosfatemia.

Já no pós-operatório, as dosagens de eletrólitos realizadas dentro das primeiras 24 horas da admissão na UTI demonstraram presença de hipomagnesemia em 31 pacientes, ou seja, 68%. Hipofosfatemia foi encontrada em somente dois pacientes (4%); hipocalcemia total, em 13 pacientes (28%), porém, todos apresentavam cálcio ionizado normal; e hipocalcemia ionizada, em nove pacientes (20%). Houve queda significativa nas dosagens de magnésio, fósforo e cálcio total entre os períodos pré e pós-operatório, porém o mesmo não foi observado nas dosagens de cálcio ionizado (Tabela 1).

Dentre os 31 pacientes com hipomagnesemia no pós-operatório, somente três (9%) apresentaram também outros distúrbios eletrolíticos durante o internamento na UTI: um apresentou hipocalemia, hipofosfatemia e hipocalcemia; um apresentou somente hipofosfatemia; e um, hiponatremia.

O volume médio de fluido administrado no intraoperatório foi de 101,4±51 mL/kg. Transfusão sanguínea foi necessária, durante o procedimento, em 36 pacientes (80%), e o volume médio recebido foi de 12,5±7,9 mL/kg. O número de vértebras fixadas na cirurgia variou entre quatro e 22, com média de 12,3±4,2. Houve correlação significativa entre a queda do magnésio sérico e o volume de fluido recebido durante a cirurgia, volume de transfusão sanguínea e número de vértebras fixadas; porém, os índices de determinação para as três variáveis foram menores que 30% (Tabela 2).

Sintomas atribuíveis à hipomagnesemia foram observados em sete (22%) dos 31 pacientes com o distúrbio. Alterações no ritmo e função cardíaca foram os achados mais comuns: três pacientes apresentaram bradicardia, sendo que um deles apresentou também extrassístoles; um apresentou taquiarritmia (taquicardia supraventricular); um apresentou disfunção sistólica de ventrículo esquerdo, com edema agudo de pulmão e necessidade de reintubação. Outros sintomas observados foram: rebaixamento do nível de consciência, em um paciente, e crises convulsivas, em outro. Ao comparar a magnitude da queda do magnésio sérico nos pacientes com hipomagnesemia sintomática e assintomática, não houve diferença significativa entre os dois grupos (p = 0,16).

Todos os pacientes com hipomagnesemia no pós-operatório receberam reposição endovenosa adequada, de acordo com a rotina do nosso serviço (0,4 mEq/kg de magnésio, na apresentação de sulfato de magnésio a 50%, oferecido juntamente com o soro de manutenção, em 24 horas). Todos os pacientes sintomáticos apresentaram melhora do quadro durante o internamento na UTI, com a realização da reposição endovenosa de magnésio, juntamente com o tratamento específico para cada caso, quando indicado.

Nenhum paciente apresentou hipermagnesemia, e consequentemente não foram observados efeitos colaterais decorrentes da reposição. Ao receberem alta da UTI, todos apresentavam dosagens séricas de magnésio dentro da normalidade. Não ocorreu nenhum óbito entre os pacientes incluídos no estudo.

Discussão

Observamos, neste estudo, uma queda significativa nos níveis séricos de magnésio, cálcio total e fósforo no pós-operatório de artrodese de coluna, comparados com os valores encontrados no pré-operatório. No entanto, somente o magnésio apresentou redução suficiente para atingir um valor abaixo do normal na maioria dos pacientes, e não houve queda significativa nas dosagens de cálcio ionizado (Figura 1 e 2).

A elevada frequência de hipomagnesemia encontrada no pós-operatório de cirurgias com envolvimento ósseo, bem como a redução no seu nível sérico notada após o procedimento, já foram descritas em um número considerável de estudos1,3,4. Os 68% encontrados neste trabalho ficaram bem próximos aos 71% descritos por Place et al.3 e aos 72% descritos por Verive et al.4; porém, em nenhum destes foi avaliada a queda nos níveis séricos de cálcio e fósforo.

A associação da hipomagnesemia com outras alterações eletrolíticas, descrita na literatura e observada por vários autores2,4,6,8,9, não foi importante neste estudo, visto que somente três pacientes apresentaram outros distúrbios. Tal resultado pode ter sido influenciado pelo fato de a cirurgia de artrodese ser eletiva; os pacientes não se encontram criticamente doentes e, portanto, têm menos chances de apresentarem outras alterações eletrolíticas.

O nível de magnésio sérico pode ser influenciado por outros fatores, como: hospitalização prolongada, estado nutricional prévio e uso de medicamentos (diuréticos de alça, aminoglicosídeos, anfotericina B, ciclosporina)3,4, que poderiam ser responsáveis por hipomagnesemia prévia à cirurgia6,8. Porém, da mesma forma, por se tratar de um procedimento eletivo, tais fatores têm sua frequência reduzida. De fato, entre os pacientes avaliados, somente um possuía hipomagnesemia no pré-operatório, e não possuía nenhuma comorbidade. Mesmo os nove pacientes portadores de paralisia cerebral, que frequentemente é acompanhada de desnutrição, possuíam magnésio normal no pré-operatório.

A causa da redução nos níveis de magnésio sérico notada no período pós-operatório não está bem esclarecida1,3. A associação encontrada no presente trabalho entre a queda do magnésio e o volume de transfusão sanguínea e de fluido recebidos no intraoperatório é descrita na literatura1-4 e já havia sido demonstrada em outros estudos, como no realizado por Chang et al.1; porém, difere do encontrado por Verive et al.4 e Tatari et al.10, em cujos trabalhos essa relação não foi demonstrada na prática.

A administração de grande quantidade de fluido hipotônico, com hemodiluição, e a transfusão maciça, com formação do citrato de magnésio, contribuem para a hipomagnesemia após a cirurgia de artrodese, porém não são suficientes para explicar toda esta queda1, visto que a mesma frequência de hipomagnesemia não foi observada após cirurgias de outra natureza, com administração similar de fluidos e volume de transfusão4.

Outra causa descrita de hipomagnesemia no pós-operatório de artrodese de coluna é a associação com a síndrome de secreção inapropriada do hormônio antidiurético4,11,12. No entanto, a hipomagnesemia também foi observada em outras cirurgias ósseas que não possuem associação com esse fator, que é o caso das cirurgias para correção de cranioestenose e anomalias craniofaciais4. Nenhum dos pacientes incluídos no estudo apresentou sinais da síndrome.

Assim, a melhor explicação para a queda no magnésio sérico observada neste estudo envolve alteração do metabolismo normal do cálcio, fósforo e magnésio, causada pelo rompimento do tecido ósseo e periósteo, que é onde se encontra a maior parte do magnésio livremente mobilizável do organismo4. A cirurgia de artrodese de coluna ocasiona o rompimento de uma quantidade considerável de tecido ósseo, o que resulta em liberação rápida de magnésio, cálcio e fósforo para o meio extracelular, e consequente desregulação transitória da função das paratireoides4.

A elevação transitória nos níveis séricos de cálcio ionizado seria suficiente para reduzir a liberação do hormônio paratireoideo e aumentar os níveis de calcitonina8, que por sua vez diminui a reabsorção tubular de magnésio e aumenta a excreção de cálcio, fósforo e magnésio8. Assim, a hipomagnesemia ocorreria principalmente por perda renal, em consequência dessa alteração no metabolismo das paratireoides, desencadeada pela lesão do tecido ósseo4. Não foi realizada, neste estudo, a dosagem do magnésio urinário, o que consideramos sua principal limitação.

Dessa forma, é esperada a associação entre a queda do magnésio no pós-operatório e o número de vértebras fixadas na cirurgia, pois quanto maior o envolvimento do tecido ósseo, maior seria a alteração esperada no metabolismo das paratireoides e, consequentemente, maior a redução no magnésio sérico. Houve correlação significativa do volume de fluido recebido e do volume de transfusão sanguínea no intraoperatório com redução dos níveis de magnésio, mas em nenhum caso o índice de determinação (R²) foi maior que 30%. Assim, pode-se afirmar que a correlação existe, mas não é muito forte. Tais resultados diferem dos encontrados por Tatari et al.10, em cujo trabalho não houve associação com transfusão sanguínea ou número de vértebras fixadas.

O efeito final, tal como observado no estudo, é a redução dos níveis séricos de magnésio, fósforo e cálcio total no pós-operatório, porém somente o magnésio caiu a ponto de causar repercussão clínica. O cálcio ionizado não apresentou queda significativa, o que pode ser explicado pelo próprio metabolismo das paratireoides6,8,9, capaz de manter a fração ionizada do cálcio (que é a fração biologicamente ativa5) dentro dos níveis normais. Já a queda do cálcio total, mesmo ficando abaixo dos níveis normais em 13 pacientes no pós-operatório, não causou repercussão clínica, pelo fato de a fração ionizada ter permanecido normal nesses casos.

Vale lembrar que, apesar de o magnésio também possuir uma fração ionizada, que é a biologicamente ativa, seu valor está diretamente relacionado ao valor do magnésio total5, o que torna sua dosagem dispensável, já que sua redução pode ser estimada através da redução do magnésio total5,13. Assim, utilizamos, neste trabalho, a dosagem do magnésio total.

Somente sete (22%) dos 31 pacientes com hipomagnesemia apresentaram sintomas; uma frequência consideravelmente maior que a encontrada por Place et al.3, que foi de 5%. Devido ao fato de a maioria dos pacientes com hipomagnesemia permanecer assintomática, existem controvérsias quanto à necessidade da reposição endovenosa de magnésio em pacientes que não apresentam repercussões clínicas do distúrbio1-3.

As possíveis complicações associadas à reposição são principalmente distúrbios de condução cardíaca, como aumento do intervalo PR e do complexo QRS, bloqueio átrio-ventricular e assistolia3; porém, tais alterações são raras, desde que a reposição seja realizada em doses adequadas5. Neste trabalho, além de não termos observado nenhum efeito colateral decorrente da reposição, todos os pacientes apresentaram melhora dos sintomas, assim como no estudo de Place et al.3.

Não houve diferença significativa na queda do magnésio entre os pacientes sintomáticos e assintomáticos. Dessa forma, não seria possível predizer, de acordo com a magnitude da queda observada do pré para o pós-operatório, quais pacientes apresentariam repercussões clínicas da hipomagnesemia.

Existe uma elevada frequência de hipomagnesemia em pacientes submetidos à cirurgia de artrodese de coluna, com queda significativa nos níveis de magnésio sérico entre os períodos pré e pós-operatório. A causa dessa queda pode ser considerada multifatorial, porém possui estreita relação com o rompimento do tecido ósseo.

Apesar de a maioria dos pacientes não apresentar sintomas atribuíveis ao distúrbio, há risco de complicações potencialmente letais, motivo pelo qual esse grupo de pacientes deve ter seus níveis de magnésio dosados logo após o procedimento4.

Devido aos bons resultados obtidos com o tratamento adequado e considerando que a reposição é realizada em ambiente de UTI, com a adequada monitorização do ritmo cardíaco e controle laboratorial periódico, certamente seus benefícios superam os riscos. Ao realizar o diagnóstico da hipomagnesemia no momento da admissão na UTI, a reposição adequada pode ser prontamente iniciada, minimizando o risco de complicações5.

Seria interessante a realização de mais estudos, tanto para avaliar a frequência de hipomagnesemia no pós-operatório de outras cirurgias que também envolvem o tecido ósseo - como correção de cranioestenose, ressecção de tumores ósseos e correção de fraturas - quanto para comparar com a frequência do distúrbio em pacientes submetidos a outras modalidades cirúrgicas. Assim, seria possível uma avaliação mais ampla da importância da hipomagnesemia em crianças admitidas em UTI pós-operatória.



Artigo submetido em 16.10.2011, aceito em 18.01.2012.

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.

Como citar este artigo: Chrun LR, João PR. Hypomagnesemia after spinal fusion. J Pediatr (Rio J). 2012;88(3):227-32.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Jul 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2012

    Histórico

    • Recebido
      16 Out 2011
    • Aceito
      18 Jan 2012
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