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Identidade ou identidades: perspectivas e contradições para os indivíduos nas organizações da atualidade

RESENHA

Identidade ou identidades: perspectivas e contradições para os indivíduos nas organizações da atualidade

Fernando de Oliveira Vieira

Doutor em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP. Prof. Adjunto III da Universidade Federal Fluminense – UFF, Niterói/RJ/Brasil. Endereço: Rua José Bonifácio, 61/1203. Niterói/ RJ. CEP: 24210-230. E-mail: prof.fernandovieira@gmail.com

CARRIERI, Alexandre; SARAIVA, Luiz Alex; ENOQUE, Alessandro Gomes; GANDOLFI, Peterson Elizandro (Org). Identidade nas organizações: Curitiba, Juruá, 2010.

Em sete capítulos, instiga-se a reflexão sobre identidade, usando-se como "pano de fundo" as Organizações - espaço real e simbólico dessa formação. Nesse sentido, tem-se: a) complexidade, idéias e referências multidisciplinares do fenômeno identidade, e Elementos para a compreensão dos estudos de identidade em Teoria Organizacional; b) estudo do caso da fusão de duas empresas de mineração; c) interfaces entre identidadee profissão acadêmica de professores de engenharia, psicologia e direito; d) Dimensões da identidade em duas organizações do terceiro setor; e) Estudo de Caso da identidade organizacional de uma organização extinta: o caso da alfândega brasileira; f) debate sobre identidade gay e os respectivos desafios dessa diversidade nas organizações; g) Discursos sobre diversidade no ambiente de trabalho: o caso dos deficientes físicos.

Os organizadores lembram que o contexto social, político, econômico e cultural influenciam e são influenciados pelo vocábulo "identidade". Observam que, para se compreender identidade (ou identidades), é preciso partir do princípio que o fenômeno não se resume nas categorias "etnia, gênero e raça", nem tampouco na "história de vida", na "formação educacional", no "estilo de vida" etc. "Nessa ótica a identidade é percebida como um construto complexo, multifacetado, passageiro e sujeito às contingências temporais" (p. 18).

A proposta do primeiro capítulo é de debater de que forma se pode responder à pergunta "quem sou eu?", a partir da interferência poderosa das Organizações na formação do imaginário social. Os autores traçam um histórico acerca da evolução do conceito de "identidade" que, segundo eles, passa de uma idéia fixa e permanente para um conjunto de possibilidades, baseado na interação de uns com os outros. Transforma-se, portanto, o vocábulo, na época do Iluminismo, no Século XVIII, de um elemento estático, que permaneceria idêntico e auto-suficiente por toda a vida (p. 33), para uma perspectiva orgânica, que considera o sujeito não como algo dado, mas "construído", por meio da interação com outros indivíduos, no decorrer de sua trajetória. Trata-se, pois, de se admitir que a Psicologia, a Sociologia e outras ciências humanas e sociais imprimem nuances diferenciadas e, ao mesmo tempo, integradoras das possíveis explicações do fenômeno "identidade".

Dentro dessa complexidade, encontram-se as organizações - espaço igualmente ambíguo e contraditório - que fomentam a "confusão" de valores, de idéias e de outros elementos capazes de construir diferentes identidades. Nesse sentido, para se estudar "identidade", é preciso incluir a idéia de "identidade organizacional". Na busca por responder à pergunta "quem sou eu?", os indivíduos vão testando em quais subgrupos irão se reconhecer e vão legitimando suas diferentes facetas ou personagens. "Quanto maior o nível de compromisso, dedicação, emoção, presença de outros significativos, maior tenderia a ser o nível de identificação do indivíduo com a organização (p. 46)". No contexto profissional, os indivíduos vão "identificando-se subjetivamente com os papéis desempenhados, e, por conseguinte, com suas funções e normas subjacentes" (p. 55).

O capítulo 2propõe-se a analisar a formação (ou a transformação) de identidades, durante um processo de fusão entre duas empresas de mineração, a partir de 2001. Estuda-se como se configuram as identidades dos indivíduos antes, durante e depois do processo de aquisição.As pesquisadoras chegaram à conclusão que: a) houve uma relação estreita entre imagem e identidade; os empregados passaram por uma crise de identidade, no momento de transição; ao mesmo tempo, quando uma nova imagem foi sendo construída, novas significações foram introduzidas à "nova" identidade; b) a relação estreita entre sujeito e organização apontou esta última como instrumento de dominação, ainda mais em um contexto de fragilidades dos indivíduos, produzidas pela modernidade líquida (BAUMAN, 2005, p. 80); c) houve contradições no processo de formação de novas identidades: "(…)na FRT os trabalhadores estavam, no período de transição, vivenciando espaço e tempo esvaziados em sua substância", o que se configurou como "condição de sofrimento e produtora de ansiedade" (p. 81); d) houve direcionamento da simbologia, como possível integradora da nova identidade - o sentimento de incerteza e de vazio, causados pela transição, foram trabalhados, na perspectiva de que a bandeira nacional trazia esperança de novos tempos; e) a relação entre representação e identidade estaria ligada ao sentimento de pertencimento dos indivíduos com o grupo. Na FRT, foi possível visualizar novas representações sociais, as quais tinham o papel de consolidar a nova identidade (ou novas identidades), por meio da materialização de valores, imagens, símbolos a ela(s) (identidade/s) associados (p. 82-83).

O terceiro capítulo debate a relação entre identidade e profissão. Entrevistaram-se nove professores universitários de diferentes instituições, em Belo Horizonte. De modo específico, o estudo destacou: a) que a interação entre as áreas técnica e acadêmica retroalimentam e fortalecem uma a outra, contrariando a tese de Abbot (1998) que, segundo as autoras, aduz que há relativa "briga por jurisdição" entre as profissões; b) que falta de um projeto coletivo de profissionalização de professores - "projeto profissional" (LARSON, 1977) revelando identidades fragmentadas, "interesses pessoais, jogos de poder e a própria divisão do trabalho" (p. 102); c) que há carência de formação pedagógica ao exercício docente; a "aprendizagem" da profissão passa pela identificação com terceiros (p. 102);d) que há forte ligação dos advogados com entidades de classe, como a OAB - Ordem dos Advogados do Brasil, mas há fraca relação dos engenheiros e psicólogos com suas associações profissionais; e e) que os participantes da pesquisa se julgam mais professores do que advogados, engenheiros ou psicólogos.

O capítulo 4 analisa processos de identificação e de imagem de indivíduos ligados a duas organizações sem fins lucrativos, em Itabira, Minas Gerais. Entrevistaram-se 23 participantes, dentre gestores, empregados e voluntários do COMBEM - Conselho Municipal do Bem Estar do Menor e da APAE - Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais.

Os resultados mostraram que foi possível perceber uma relação direta entre os indivíduos e suas respectivas participações, ao longo do tempo. Aferiu-se uma ligação entre a identidade dos entrevistados e suas trajetórias individuais e profissionais nas duas ONGs. Esta e as demais conclusões foram ilustradas e analisadas por meio do uso de recortes das falas dos entrevistados, tais como "passa um filme na minha cabeça" e "todo esse tempo que trabalhei aqui".

A relação entre "identidade" e "identificação" foi verificada em várias partes da pesquisa, dentre as quais se destacam os construtos "solidariedade", "valores humanos", "respeito", "justiça" e "amizade". Esses conceitos foram associados como referências para "o processo de identificação dos entrevistados para com a organização, adquirindo uma espécie de lógica de ação em comum aos demais membros daqueles contextos específicos" (p. 121). São dados que permitiram aos autores aferirem que: a) a identidade organizacional dos entrevistados foi construída gradativamente, em contínua transformação, e foi se consolidando ao longo do tempo; b) o processo de identificação foi percebido como uma interseção entre os objetivos da organização e os objetivos dos indivíduos, na medida em que estes se reconheciam naqueles alvos, ainda que essa dinâmica passasse por significados individuais; e c) a imagem das organizações se apresentava como referência para estes entrevistados; são aquelas que fazem o bem e se tornam de grande utilidade para a sociedade.

A conclusão mais relevante nesse capítulo diz respeito a uma possível contradição: ao mesmo tempo que o estudo revela o altruísmo como elemento central das duas organizações investigadas, os autores questionam o uso de modelos gerencialistas - baseados em competição desenfreada e lógica quantofrênica de resultados (GAULEJAC, 2007 e outros) - em organizações não governamentais.

O quinto capítulo discute elementos constitutivos da identidade organizacional da Alfândega Brasileira, apontando o "fenômeno de caráter contextual, dinâmico e processual" (p. 125). Tal conceito revela uma comunicação complexa entre os níveis individual, interpessoal, organizacional e societário (p. 126) e se "confunde" com imagens, significados e práticas compartilhados coletivamente (p. 127).

O autor ressalta características distintivas entre "identidade" e "imagem" organizacionais: a primeira seria um conjunto de atributos relativamente sólidos e duradouros que os indivíduos compartilhariam entre eles; a segunda trataria das idéias e percepções sobre a organização e que seriam externas a esse grupo (p. 130).

As principais conclusões confirmam que o constructo "identidade" se faz e se refaz na interação entre indivíduos, imagens e símbolos. A afiliação à aduana, por exemplo, aponta um sentimento de orgulho aos seus membros, provocado tanto por uma valorização social externa desse órgão (imagem que a sociedade tem da Receita Federal), quanto pela percepção de seus integrantes (identidade) (p. 144).

O sexto capítulo busca materializar a complexidade do tema Identidade Gay. Os autores destacam que a diversidade cultural no ambiente de trabalho sugere um conjunto de diferenças que se comunicam e que, de certa forma, disputam espaço e poder nas organizações, influenciadas por fatores situacionais (p. 150). Respeitar a diversidade significa incluir trabalhadores, independentemente de etnia, gênero, idade, classe social, religião, orientação sexual etc (p. 150-151).

Esse capítulo revela: a) que há poucos estudos sobre identidade gay; b) que políticas e práticas de RH reforçam a discriminação e o preconceito contra gays e lésbicas, sobretudo quando se omitem; c) que o coming out (ou a revelação) da identidade gay no trabalho torna-se um assunto complicado, na medida em que cabe a cada indivíduo avaliar implicações e conseqüências de se manter ou sair do "armário"; d) que a distância entre o discurso inclusivo de gestão de pessoas ("as pessoas são o que há de mais valioso nas organizações; (…) todos os indivíduos serão tratados com dignidade e respeito; (…) haverá oportunidades iguais de trabalho para trabalhadores de qualquer grupo social")[p. 160] e ações (ou a ausência de ações) coadunadas com tais idéias permanece como um dos principais desafios às relações de trabalho; e) que a situação dos homossexuais continua caracterizada por discriminação, motivo de assassinatos homofóbicos e de piadas sexistas, marginalização e invisibilidade social; isso reforça o desafio de se fortalecer a identidade gay nos ambientes de trabalho (p. 156); f) que as tímidas políticas de RH, quando tratam de gays e lésbicas, geralmente restringem-se à inclusão de seus parceiros e parceiras em planos de saúde (quando o fazem); g) que se, de um lado, sujeitos gays e lésbicas podem trazer contribuições importantes e formas inovadoras de "formular processos, alcançar metas, estruturar tarefas, criar equipes de trabalho efetivas, comunicar idéias e liderar" (p. 153), por outro, é imprescindível que o Estado e as empresas assumam a responsabilidade de criar políticas de defesas dos direitos dos homossexuais, evitando, assim, discriminações desse grupo social (p. 157).

O último capítulo aponta desafios e contradições de se fazer a gestão de empregados com necessidades especiais (ENEs). Os autores investigam de que forma o estigma associado aos ENEs se manifestava numa companhia aérea, entre 2005 e 2006, nos aeroportos Santos Dumont/RJ e Congonhas/SP. Os resultados mostraram que os ENEs tinham consciência de sua identidade social e se percebiam e eram percebidos por meio do estigma de "incapacitados" e "frágeis" (p. 177).

Constatou-se uma "justiça piedosa", pois os passageiros viam com bons olhos a política de inclusão desses trabalhadores, mas esse item não era levado em consideração na escolha da empresa aérea; prevalecia o baixo preço como motivo para comprar os bilhetes de passagem. Categorizou-se, ainda, a "barganha dolorosa", já que, embora os ENEs se vissem como incluídos socialmente, isso "(…) não significou que tenham se sentido justiçados ou equiparados aos demais empregados (…)" (p. 173). Além do mais, perceberam-se um "utilitarismo cínico", pois, ao mesmo tempo que a grande maioria dos colegas de trabalho declarava que a política de inclusão era positiva, quase a metade dos mesmos aduziu que a eficiência operacional e a estética do ambiente ficavam comprometidos; de acordo com uma das falas da pesquisa: "H: eu não me importo em dividir o trabalho com eles (ENEs), mas acho que esteticamente não fica bem" (p. 174).

Houve "inclusão forçada", porque provou-se que a área de RH contratava os portadores de necessidades especiais por mera determinação legal ou pela boa imagem da empresa perante o discurso de "responsabilidade social". Nas palavras dos autores, "(…)fica evidente aos ENEs que, apesar de serem empregados da empresa, não são iguais aos outros. Seus treinamentos e uniformes são diferentes. A ALEF os aceita, mas não os incorpora e faz questão de marcar esta diferença" (p. 175).

Uma última categoria analisada nesse capítulo foi intitulada como "A visão do Marketing: ganho social". Por meio de uma entrevista com o gerente dessa área, descobriu-se que o que importava à empresa, antes de qualquer coisa, era o ganho com a imagem, pois: a) estavam cumprindo com uma determinação legal, e uma inspeção deveria constatar o cumprimento da lei de cotas; b) houve uma considerável diminuição no número de reclamações no setor de atendimento, pois, de acordo com trecho de uma entrevista, "(…) as pessoas ficam constrangidas em reclamar com outra mais frágil" (p. 176).

Ao concluírem o livro, os organizadores dão algumas pistas, lembrando que a formação da identidade ou das identidades dos indivíduos e dos grupos sociais é por demais complexa para se ter respostas únicas ou definitivas. Ainda que "o projeto organizacional (felizmente) não se concretize em sua plenitude, os indivíduos, uma vez que são diferentes, reposicionam-se em relação às suas semelhanças com os demais, contrapondo-as ao que também os diferencia e os tornam únicos" (pág. 185).

Nesse particular, cabe perguntar: como compreender o fenômeno da "identidade nas organizações" se este , ao mesmo tempo que dá pistas para investigá-lo (por meio das interações, dos processos de identificação, dos significados compartilhados ou não etc), também escorrega na tentativa de alcançá-lo - "as possibilidades de identificação são múltiplas e variadas" (pág. 183/184); e o processo "se reconfigura continuamente" (pág. 184)?

Resta indagar, ainda: a) se a formação da(s) identidade(s) nas organizações leva em conta características individuais e coletivas; b) se aprendemos e/ou ensinamos nesse processo; c) se observamos aspectos contingenciais nesse fenômeno; d) se produzimos e/ou reproduzimos crenças, valores, idéias, ações, visões de mundo, atitudes e comportamentos, por meio dessa interação, como discernir e combater idéias e práticas nocivas a identidades relativamente saudáveis nas organizações?

Do ponto-de-vista psicológico, há, por exemplo, o "narcisismo corporativo" (PAULA, 2003), no qual indivíduos têm materializado perversidades, fruto de personalidades doentias, psicologicamente instáveis e moralmente enfraquecidas (MERLANO, 2009). Nesse sentido, se as Organizações, com "O" maiúsculo, têm se apresentado como um espaço importante de produção e reprodução de elementos que dão sustentação às identidades modernas, trata-se, sim, de se pensá-las e repensá-las, por meio dessas possíveis interações. Em outras palavras, se as Organizações têm sido espaço de criação de identidades doentias, podem, igualmente - pelas características ambíguas e complexas desses espaços - fomentar mecanismos de resistência, que contribuam para a formação de identidades mais saudáveis e menos alienadas.

Parabéns a todos os autores, autoras e organizadores do livro!

Referências

ABOT, A. The System of professions. Chicago: The University of Chicago Press, 1988.

BAUMAN, Z. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi/Zygmunt Bauman. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.

GAULEJAC, V. Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. Aparecida, SP: Idéias e Letras, 2007.

LARSON, M. S. The rise of profissionalism. Berkeley: University of Califórnia Press, 1977.

MERLANO, Gabriel González. El mito de Narciso: una mirada a nuestra cultura. Universidad de Punta Del Este: Maio de 2009.

PAULA, Ana Paula Paes de. Eros e narcisismo nas organizações. RAE eletrônica,

v. 2, n.2, p. 01-12, jul./dez. 2003.

Resenha recebida em 12/08/2011.

Resenha aprovada em 19/10/2011.

  • ABOT, A. The System of professions. Chicago: The University of Chicago Press, 1988.
  • BAUMAN, Z. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi/Zygmunt Bauman. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.
  • GAULEJAC, V. Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. Aparecida, SP: Idéias e Letras, 2007.
  • LARSON, M. S. The rise of profissionalism. Berkeley: University of Califórnia Press, 1977.
  • MERLANO, Gabriel González. El mito de Narciso: una mirada a nuestra cultura. Universidad de Punta Del Este: Maio de 2009.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jul 2012
  • Data do Fascículo
    Dez 2011
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