Nos últimos anos, vimos um aumento do uso de biomarcadores na radiologia, dentre eles os relacionados à composição corporal. Nesse contexto, a tomografia computadorizada (TC) e a ressonância magnética são consideradas padrão ouro para avaliar a composição corporal(¹1 Sheean P, Gonzalez MC, Prado CM, et al. American Society for Parenteral and Enteral Nutrition clinical guidelines : the validity of body composition assessment in clinical populations. JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2020; 44:12–43.,²2 Fayh APT, Sousa IM, Gonzalez MC. New insights on how and where to measure muscle mass. Curr Opin Support Palliat Care. 2020;14:316–23.). Especificamente sobre a análise da imagem de TC, é possível identificar a massa de órgãos de um indivíduo e diferenciar tecidos específicos, como o tecido adiposo visceral (TAV), o tecido adiposo subcutâneo (TAS) e grupamentos musculares. Além disso, a análise da imagem da TC pode informar a densidade da massa muscular esquelética (MME), que possui estreita relação com a infiltração de gordura no músculo e impacto na função muscular(³3 Rodrigues CS, Chaves GV. Skeletal muscle quality beyond average muscle attenuation: a proposal of skeletal muscle phenotypes to predict short-term survival in patients with endometrial cancer. J Natl Compr Canc Netw. 2018;16:153–60.,⁴4 Alves VA, Fayh APT, Queiroz SA, et al. Muscle mass evaluation in hospitalized patients: comparison between doubly indirect methods. Clin Nutr ESPEN. 2024;59:188–93.). Por essas razões, o uso da imagem da TC tem sido difundido como um método oportunista para avaliação da composição corporal nas doenças em que se realiza o exame para o seu diagnóstico e/ou acompanhamento, como o câncer(⁵5 Lenchik L, Lenoir KM, Tan J, et al. Opportunistic measurement of skeletal muscle size and muscle attenuation on computed tomography predicts 1-year mortality in medicare patients. J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 2019; 74:1063–9.,⁶6 Zopfs D, Theurich S, Hokamp NG, et al. Single-slice CT measurements allow for accurate assessment of sarcopenia and body composition. Eur Radiol. 2020;30:1701–8.,⁷7 Cushen SJ, Power DG, Murphy KP, et al. Impact of body composition parameters on clinical outcomes in patients with metastatic castrate-resistant prostate cancer treated with docetaxel. Clin Nutr ESPEN. 2016;13:e39–e45.).

Na literatura, já temos uma quantidade robusta de evidências apontando a associação entre a baixa densidade muscular com complicações pós-cirúrgicas em pacientes com câncer em diferentes sítios(⁸8 Carvalho ALM, Gonzalez MC, Sousa IM, et al. Low skeletal muscle radiodensity is the best predictor for short-term major surgical complications in gastrointestinal surgical cancer : a cohort study. PLoS One. 2021; 16:e0247322.,⁹9 Boer BC, de Graaff F, Brusse-Keizer M, et al. Skeletal muscle mass and quality as risk factors for postoperative outcome after open colon resection for cancer. Int J Colorectal Dis. 2016;31:1117–24.,¹⁰10 Paula NS, Bruno KA, Aredes MA, et al. Sarcopenia and skeletal muscle quality as predictors of postoperative complication and early mortality in gynecologic cancer. Int J Ginecol Cancer. 2018;28:412–20.,¹¹11 Zhang J, Chen L, Hu X, et al. Preoperative pectoralis muscle radiodensity as a risk factor for postoperative complications after thoracoscopic lobectomy for non-small cell lung cancer. Ann Palliat Med. 2021;10:5444–54.,¹²12 Xiao J, Caan BJ, Feliciano EMC, et al. Association of low muscle mass and low muscle radiodensity with morbidity and mortality for colon cancer surgery. JAMA Surg. 2020;155:942–9.). No entanto, os estudos com pacientes diagnosticados com câncer renal ainda são escassos. Uma revisão sistemática com metanálise incluiu 28 estudos com um total de 6.608 pacientes com carcinoma de células renais, buscando verificar associações da composição corporal com desfechos clínicos(¹³13 Vrieling A, Kampman E, Knijnenburg NC, et al. Body composition in relation to clinical outcomes in renal cell cancer : a systematic review and meta-analysis. Eur Urol Focus. 2018;4:420–34.). Embora os autores tenham verificado que a baixa quantidade de massa muscular e da sua densidade estavam associadas com o aumento da mortalidade geral, não foi possível realizar uma metanálise focando os desfechos perioperatórios devido à heterogeneidade dos estudos. Isso demonstra a importância da realização de novos estudos buscando investigar o efeito das características musculares sobre desfechos cirúrgicos nessa população, assim como fez o estudo “Impact of preoperative body composition in patients with renal cell carcinoma submitted to surgical treatment”, de Carniatto et al.(¹⁴14 Carniatto LN, Bitencourt AGV, Miola TM, et al. Impact of preoperative body composition in patients with renal cell carcinoma submitted to surgical treatment. Radiol Bras. 2023;56:317–20.), publicado neste número da Radiologia Brasileira. Os autores avaliam o impacto da composição corporal pré-operatória em pacientes com carcinoma de células renais tratados cirurgicamente. Este estudo retrospectivo incluiu 52 pacientes com neoplasias renais, sendo a maioria do subtipo células claras. Como resultados, não houve associação entre a frequência de complicações perioperatórias em nefrectomias parcial ou total, entretanto, foi possível estabelecer a relação entre a qualidade muscular refletida pelo skeletal muscle gauge e tempo de hospitalização e sobrevida global.

As principais limitações do estudo de Carniatto et al.(¹⁴14 Carniatto LN, Bitencourt AGV, Miola TM, et al. Impact of preoperative body composition in patients with renal cell carcinoma submitted to surgical treatment. Radiol Bras. 2023;56:317–20.) são sua metodologia retrospectiva, pequena amostra e a análise estatística não ter revelado resultado significativo entre a composição corporal e complicações perioperatórias. Como aprofundamento neste campo, espera-se que pesquisas prospectivas com amostras maiores de pacientes com mesmo subtipo de carcinoma de células renais possam trazer informações adicionais.

A ampla adoção do conhecimento no campo da composição corporal à prática diária radiológica enfrenta alguns desafios, como o acesso a softwares específicos e a não remuneração pelo tempo dedicado a pós-processamentos. Como solução e perspectiva futura, esperamos que a crescente incorporação dos algoritmos de inteligência artificial(¹⁵15 Borrelli P, Kaboteh R, Enqvist O, et al. Artificial intelligence-aided CT segmentation for body composition analysis: a validation study. Eur Radiol Exp. 2021;5:11.) às rotinas de trabalho, especialmente os dedicados à segmentação automática ou semiautomática, possam definitivamente permitir a utilização dessas informações e registro nos laudos radiológicos.

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