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Treze: a política de rua do PT pelo olhar paulista

Thirteen: the PT´s street politics from the perspective of São Paulo

RESENHA: ALONSO, Angela. . Treze: a política de rua de Lula a Dilma. São Paulo: Cia das Letras, 2023.

Na busca pela atribuição de sentido sobre as chamadas Jornadas de Junho de 2013, a socióloga Angela Alonso, em sua obra Treze: a política de rua de Lula a Dilma, propõe-se a fazer uma pesquisa de fôlego que cobre aquilo que ela denomina de “política de rua” durante os governos Lula e Dilma. Para isso, disseca o crescimento da tensão entre o que caracteriza como três campos em formação e desenvolvimento, dois à esquerda - neossocialista e o autonomista - e um à direita - o patriótico. A ideia fundamental é que os governos do PT atuaram se equilibrando em cada uma dessas esferas de disputa, não deixando os movimentos sociais à esquerda satisfeitos em suas reivindicações, ao mesmo tempo em que não estabeleceram um freio às demandas progressistas da sociedade brasileira capaz de agradar às pressões conservadoras ou reacionárias. Uma visão paulistocêntrica, no entanto, tenderá a subestimar o papel das demais regiões do país na consagração dos protestos.

Os processos de disputa narrados por Alonso (2023)ALONSO, Angela . Treze: a política de rua de Lula a Dilma. São Paulo: Cia das Letras, 2023. seguem uma apresentação esquemática, mas não necessariamente uma hierarquia em termos de agenda. Não raro, os combates em torno de projetos de sociedade sobrepõem-se. A primeira zona de conflito ocorre no âmbito da redistribuição da terra, da renda básica, que desencadeia uma reação da parcela da sociedade que se enxerga empreendedora e de setores do agronegócio. A segunda zona processou-se em torno da moralidade no âmbito individual (aborto, sexualidade, gênero) e sobre a coletividade (corrupção), o que trouxe uma insatisfação de setores evangélicos e defensores da família dita tradicional. Por fim, a terceira zona ocorreu a partir da violência estatal considerada legítima, estabelecendo o questionamento versus endosso da atuação da polícia e o modo como seria encaminhado o debate a respeito dos crimes cometidos pelos militares durante a ditadura no Brasil. De um lado, defensores dos direitos humanos. Do outro, grupos ligados às forças armadas, corporações policiais e críticos do que entendem ser um ordenamento legal brando e a favor da criminalidade. Para toda mudança, que não acontece como exatamente esperado pelos movimentos à esquerda que levaram o PT ao poder, há no esquema de Alonso (2023)ALONSO, Angela . Treze: a política de rua de Lula a Dilma. São Paulo: Cia das Letras, 2023. uma reação à direita.

A tese estabelecida pela obra é a de que as Jornadas de Junho de 2013 resultaram de disputas cevadas durante as gestões de Lula e que estouraram no colo de Dilma Rousseff. Todo esse caldeirão gerou um verdadeiro ciclo de protestos com muitas agendas, mobilizações e atores, forjando um mosaico de reivindicações e questionamentos em torno das políticas do PT. Para materializar a fundamentação de sua tese, Angela Alonso apresenta-nos sua pesquisa em seis capítulos, seguidos de considerações finais.

Para Alonso (2023)ALONSO, Angela . Treze: a política de rua de Lula a Dilma. São Paulo: Cia das Letras, 2023., o início dos governos do PT começa com Lula tendo uma relação amistosa com os movimentos sociais e, enquanto líder da esquerda, senhor da rua. Ocorre que, enquanto lideranças deste campo passam a ter espaço na gestão, elas não conseguem a mesma capacidade de realizar as agendas dos movimentos. Se, por um lado, eleitores e militantes não se sentem representados por lideranças cooptadas por cargos na administração; por outro, as ruas ficaram desprotegidas, abrindo espaço para novos ocupantes. No relacionamento entre e intracampos, o PT viu-se obrigado a ceder, em parte, em suas pautas históricas, não agradando sua base à esquerda, ao mesmo tempo em que os avanços parciais de políticas públicas desagradavam a direita. O equilíbrio lulista estabelecido entre um “novo” que não se estabelecia e um “velho” que teimava em permanecer consolidou um processo de demandas nunca plenamente satisfeitas.

Dissensos morais acirraram-se. A rua ganha ar movimentista. E a novidade é que o PT não era mais senhor dela. Os movimentos renovavam-se em contato pela via mimética com os protestos que ocorriam pelo mundo. Redistributivista, o neossocialista revitalizou-se com a linguagem de guerrilha e ocupações que aconteciam pelo mundo, principalmente na América Latina. O autonomismo, que também atuava pela ideia de redistribuição, mas com foco concomitante na liberdade individual, bebia na contracultura, na visão punk e na lógica dos coletivos forjados em Seattle em 1999. Abordando em algumas de suas frações libertárias uma ideia de liberdade individual, o patriótico construía-se na indumentária e nos símbolos dos “caras pintadas” que pediram a saída de Collor com foco na corrupção - um tema em disputa com os neossocialistas - e no contato com a extrema direita dos EUA.

Dilma herda de Lula um Brasil já dividido em conflitos sob o aspecto de que nem os movimentos sociais pró-redistribuição estavam plenamente satisfeitos, nem os contrários. O equilibrismo de Lula, na visão de Alonso (2023)ALONSO, Angela . Treze: a política de rua de Lula a Dilma. São Paulo: Cia das Letras, 2023., mantém feridas abertas. A ambiência ganha tensão com a Comissão Nacional da Verdade, a construção de Belo Monte, a Copa do Mundo de Futebol no Brasil, as marchas e lutas pela descriminalização da maconha e do aborto e o combate moral em torno da corrupção e da ideia crescente de um sistema visto como apodrecido.

Enquanto isso, analisa Alonso (2023)ALONSO, Angela . Treze: a política de rua de Lula a Dilma. São Paulo: Cia das Letras, 2023., há uma presidente cada vez mais isolada no poder, acusada de não conversar com os movimentos sociais e com o congresso, numa ambiência em que negros lutam por mais direitos contra uma sociedade racista insatisfeita com o programa de cotas e a pequena melhoria alcançada pelos pobres gera medo nos estratos médios insatisfeitos com os governos do PT.

Alonso (2023)ALONSO, Angela . Treze: a política de rua de Lula a Dilma. São Paulo: Cia das Letras, 2023. identifica a emergência dos movimentos de 2013 de uma maneira incomum se comparada com a literatura e a cobertura jornalística da época, que miram nos atos desenvolvidos na avenida paulista com forte reação policial. Salvo algumas exceções (Tavares; Roriz; Oliveira, 2016TAVARES, Francisco Mata Machado; RORIZ, João Henrique Ribeiro; OLIVEIRA, Ian Caetano de. As jornadas de maio em Goiânia: para além de uma visão sudestecêntrica do junho brasileiro em 2013. Opinião Pública, Campinas, v. 22, n. 1, p. 140-166, abr. 2016.), essa versão tornou hegemônica. A ideia clara é a de que, a partir de São Paulo, os protestos - até então esparsos - espalharam-se pelo país. Apesar de fazer uma reflexão mais complexa, Alonso (2023)ALONSO, Angela . Treze: a política de rua de Lula a Dilma. São Paulo: Cia das Letras, 2023. também adere a ideia de nacionalização via São Paulo, tendo as demais regiões um papel secundário.

Conforme Alonso (2023)ALONSO, Angela . Treze: a política de rua de Lula a Dilma. São Paulo: Cia das Letras, 2023., ainda que desigualmente do ponto de vista quantitativo, as movimentações estavam pipocando por todas as regiões do país. Porém, o fato dos protestos em São Paulo terem se processado de forma tardia, quando comparados aos atos em outras capitais, não despertou qualquer dúvida em seu trabalho, assim como na tradição de pesquisa sobre 2013. Pelo contrário, o aspecto tardio é coroado como o reconhecimento que a região empresta ao movimento e não o oposto (Avritzer, 2016AVRITZER, Leonardo. Impasses da democracia no Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.; Gohn, 2014GOHN, Maria da Glória. A sociedade brasileira em movimento: vozes das ruas e seus ecos políticos e sociais. Caderno CRH, Salvador, v. 27, n. 71, p. 431-441, maio/ago. 2014.; Santos, 2013SANTOS, Fabiano. Primavera brasileira ou outono democrático: em defesa das instituições. Revista Insight Inteligência, Rio de Janeiro, a. 16, n. 62, p. 33-38, jul./set. 2013.; Santos, 2017SANTOS, Wanderley Guilherme. A democracia impedida: o Brasil no século XXI. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2017.).

Naquele ano, Alonso (2023)ALONSO, Angela . Treze: a política de rua de Lula a Dilma. São Paulo: Cia das Letras, 2023. enxerga as primeiras grandes movimentações a partir da batalha moral em torno da denominada Parada Gay, mobilização já histórica em defesa do direito da comunidade LGBT, e das marchas puxadas por movimentos religiosos pela defesa da família e contra a união civil entre pessoas do mesmo sexo. Para Alonso (2023)ALONSO, Angela . Treze: a política de rua de Lula a Dilma. São Paulo: Cia das Letras, 2023., assim começam as Jornadas de Junho de 2013, tendo um Brasil dividido, mas já com um viés pendendo para o conservadorismo.

Alonso (2023)ALONSO, Angela . Treze: a política de rua de Lula a Dilma. São Paulo: Cia das Letras, 2023. é sagaz ao constatar que, ao contrário do que se imaginou inicialmente naquele momento com ampla cobertura da imprensa, o Movimento Passe Livre (MPL), grupo autonomista que carregava a pauta do transporte, não tinha controle sobre os protestos de rua. No entanto, Alonso (2023, p. 169)ALONSO, Angela . Treze: a política de rua de Lula a Dilma. São Paulo: Cia das Letras, 2023. faz menção à organização de protestos pelo MPL em Natal, Goiânia, Porto Alegre e Curitiba, em que ela - contrariando o que diz sobre São Paulo - acredita no poder que o MPL certamente não tem. Sobre Natal, o MPL nunca teve esse poder de escolher datas dos atos de rua. Essa simplificação também é pouco evidente para as outras cidades (Amorim, 2019AMORIM, Ramon Iury Alves. A novidade pede passagem: os ciclos de mobilização contra o aumento da tarifa de transporte em Natal em 2005 e 2012. 2019. 83f. Dissertação (Mestrado em Estudos Urbanos e Regionais) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2019.).

Os protestos, conforme Alonso (2023)ALONSO, Angela . Treze: a política de rua de Lula a Dilma. São Paulo: Cia das Letras, 2023., começam no início de junho com pauta diversa movida por pequenos grupos, pendendo para a ideia de redistribuição, com os neossocialistas sempre presentes. Os atos depois se massificam com a chegada do campo patriótico enquadrado, dada a novidade na rua, como uma “gente esquisita” pelos pesquisados entrevistados. A imprensa, inicialmente crítica, passa a apoiar os protestos, que também já tinham o endosso de setores médios de acordo com pesquisas de opinião. Em sua ampla cobertura, muitas vezes em tempo real, a mídia cria uma cisão entre vândalos e manifestantes pacíficos. Desperta também atenção o surgimento de novas táticas como os black blocs e o uso de máscaras. O viés espontaneísta escamoteia o olhar para a existência de organização. A convocação vem principalmente das redes cívicas formadas utilizando as redes sociais. Alonso (2023)ALONSO, Angela . Treze: a política de rua de Lula a Dilma. São Paulo: Cia das Letras, 2023. crava que 67% dos eventos situam-se no Sudeste.

Com isso, na prática e de fato, a nacionalização para Alonso (2023)ALONSO, Angela . Treze: a política de rua de Lula a Dilma. São Paulo: Cia das Letras, 2023. é seletiva. Ela se concentra no Sul e no Sudeste, regiões em que se encontram os insatisfeitos com o governo. O Norte e o Nordeste são retardatários. Nessas regiões, apenas Salvador, Natal, Recife e Manaus apresentam protagonismo. O problema nessa argumentação é que, mais uma vez, Alonso (2023)ALONSO, Angela . Treze: a política de rua de Lula a Dilma. São Paulo: Cia das Letras, 2023. enxerga as Jornadas de Junho como um movimento único e com hora e espaço marcados. Todo o movimento de preparação em rede que ela narra torna-se secundário em termos qualitativos ou cria, no máximo, as condições para as passeatas finais. A propagada nacionalização via São Paulo, tendo como principal “partido” o antipetismo, só pode ser assim enxergada ao custo do apagamento de tudo que ocorreu anteriormente e que já dava ar de saturação em outras regiões do país.

Pega de surpresa e com avaliação em queda, Dilma corre às pressas e tece um pacto em defesa da educação, saúde, transporte, segurança e, principalmente, contra a corrupção, deixando a moral privada de lado. A constituinte proposta pelo governo logo desaparece. O congresso livra-se da Proposta de Emenda à Constituição 37 contra o Ministério Público, aprova incentivos para o transporte público e 75% do pré-sal para saúde e educação. Depois da exponenciação no dia 20, com atos pelo Brasil, o campo socialista tenta recuperar o protagonismo, enquanto o autonomista fica aturdido e o patriótico cresce. Os protestos voltam ao pré-ciclo, restando apenas os profissionais da política novamente nas ruas.

A conclusão de Alonso (2023)ALONSO, Angela . Treze: a política de rua de Lula a Dilma. São Paulo: Cia das Letras, 2023. é clara. Os movimentos cresceram durante as gestões Lula e estouraram com Dilma. Não existiu cálculo de nenhum dos grupos, um desfecho planejado. Redes cívicas formaram-se distantes do governo em disposição para protestar. Este, por sua vez, não conseguiu dialogar com a pauta dos costumes. Alonso critica o modo como o petismo termina por enxergar tudo pelo ângulo da antipolítica, sem perceber que a política também estava ali presente. Preocupada com a realização da Copa, que acabou ocorrendo, Dilma aprova rapidamente a legislação sobre violência nas ruas.

Depois de 2013, os dois campos murcham enquanto o patriótico vê-se agora forte e encorpado. Mobilizado, o campo patriótico aciona um novo ciclo em 2015, mudando o eixo do debate da pauta da desigualdade para o da corrupção. Com isso, a questão não é mais a atuação do estado, mas o debate em torno do atributo moral do governante. Os campos à esquerda respondem com o “não vai ter golpe”, mas sem a mesma capacidade de mobilização. Longes entre si, os três campos foram o resultado do mesmo contexto político, de tendências e contratendências.

Alonso (2023)ALONSO, Angela . Treze: a política de rua de Lula a Dilma. São Paulo: Cia das Letras, 2023. faz ampla apresentação a respeito do modo como os campos dialogaram com experiências e saberes internacionais e do passado da política de rua. Entretanto, praticamente nada diz sobre a articulação no mesmo tom entre as regiões. É difícil e pouco produtivo procurar o ponto zero dos protestos. Mas o fato é que o que Angela Alonso chama de redes de ativismo nas redes sociais vinham trocando experiências entre si, a partir dos protestos que se desenvolviam em todas as regiões do país. Só existiu São Paulo porque antes aconteceram Natal, Porto Alegre, Goiânia.

Formaram-se redes de troca de informação, de agendas e de experiências bem anteriores às Jornadas de Junho de 2013. Natal/RN, por exemplo, vinha de manifestações constantes desde 2011 e com lógica de protesto semelhante à depois encontrada em 2013, pioneirismo que rendeu matéria no The New York Times (Romero, 2013ROMERO, Simon. Thousands gather for protests in Brazil’s largest cities. The New York Times, Nova Iorque, 17 jun. 2013. Disponível em: Disponível em: https://www.nytimes.com/2013/06/18/world/americas/thousands-gather-for-protests-in-brazils-largest-cities.html . Acesso em: 24 jan. 2024.
https://www.nytimes.com/2013/06/18/world...
). Tanto os protestos em Natal já estavam sincronizados com os de outras capitais do país, como também o movimento Passe Livre de São Paulo - para ficar num único ator - utilizava fotografias das manifestações em Natal e em outras cidades para mobilizar e engajar potenciais participantes dos protestos às ruas. O autor do texto, até então estudante, cobria os eventos para um blog de imprensa alternativa de Natal e registrou diversas trocas de conteúdo em tal sentido. Falar em nacionalização na reta final, quando os atos já se concentravam nas regiões Sul e Sudeste, representa a captura apenas de uma parte de um processo de longa duração interdependente e conectado, contrariando a lógica argumentativa que municia a própria pesquisa de Alonso.

Portanto, ao invés de ações esparsas e isoladas, que se nacionalizam após a adesão maciça às manifestações em São Paulo, faz mais sentido perceber que havia uma panela de pressão fervilhando, como Alonso (2023)ALONSO, Angela . Treze: a política de rua de Lula a Dilma. São Paulo: Cia das Letras, 2023. tão bem pesquisou, mas com uma “nacionalização múltipla” e sem uma progressão unificada entre as regiões. Os acontecimentos das trocas de experiências entre as organizações de movimentos sociais situadas nas capitais, tendo São Paulo como cidade retardatária nas manifestações, criou uma lógica em que os modelos de protestos circularam, foram apropriados e pressionaram, inclusive, o grande centro econômico do país. Não sem negociação, foram se institucionalizando os “modelos de sucesso” com comunicação, agendas e tecnologias de ação claras (Menezes, 2008MENEZES, Daniel Gonçalves. Proteja e projete sua carreira: Você/SA e o mercado de discursos administrativos no Brasil. 2008. 79f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2008.; Powell; Dimaggio, 1991POWELL, Walter W.; DIMAGGIO, Paul J. The iron cage revisited: institutional isomorphism and collective rationality in organization fields. In: POWELL, Walter W.; DIMAGGIO, Paul J. The new institutionalism in organizational analysis. Chicago: The University of Chicago Press, 1991. p. 63-83.).

O mérito da pesquisa de Alonso (2023)ALONSO, Angela . Treze: a política de rua de Lula a Dilma. São Paulo: Cia das Letras, 2023. é apontar de forma exaustiva, em sua argumentação, para a maneira como o Brasil já estava fervendo muito antes da explosão final. Ocorre que, no momento em que chega ao ápice, ela retrocede ao olhar centrado na visão paulistocêntrica e cede ao protagonismo do estado de São Paulo e da região Sudeste, ainda que com um viés crítico. Tal análise, alicerçada no viés implícito da relação centro versus periferia, não é apenas inadequada do ponto de vista cronológico, em que o ciclo de manifestações vem desde 2011 (Tatagiba; Galvão, 2019TATAGIBA, Luciana; GALVÃO, André. Os protestos no Brasil em tempos de crise (2011-2016). Opinião Pública, Campinas, v. 25, n. 1, p. 63-96, jan./abr. 2019.), como desconsidera o filtro de disputas e mobilizações locais através do qual a nacionalização ocorre (Machado, 2019MACHADO, Rosana Pinheiro. Amanhã vai ser maior. São Paulo: Planeta, 2019.).

Não há aqui, em suma, qualquer intenção de tecer uma análise no sentido de estabelecer ou reforçar preconceitos contra o estado de São Paulo. É justamente o inverso. Os automatismos encontram-se do lado exatamente de quem não olha para o restante do país. O que se quer demonstrar é que o estado de São Paulo não é ponto de partida ou de reconhecimento para as revoltas de junho de 2013, na medida em que, além de não ter base pelo viés histórico, retira a capacidade de agência das demais regiões do Brasil e empobrece a necessidade de levar em consideração o modo como os mais diversos contextos locais produziram e negociaram suas manifestações, alinhados com o formato em rede das revoltas de junho de 2013.

Nesse sentido, a proposição é que as Jornadas de Junho de 2013 sejam reavaliadas levando em consideração o caráter vibrante da sociedade brasileira, manifesto nos seus mais distintos contextos. É possível, em suma, repensar a questão, dados os aspectos miméticos que adquiriram as organizações dos distintos movimentos nas diferentes regiões brasileiras, ultrapassando a velha e arcaica concepção de São Paulo como o farol ou a “locomotiva do Brasil”.

Referências

  • ALONSO, Angela . Treze: a política de rua de Lula a Dilma. São Paulo: Cia das Letras, 2023.
  • AMORIM, Ramon Iury Alves. A novidade pede passagem: os ciclos de mobilização contra o aumento da tarifa de transporte em Natal em 2005 e 2012. 2019. 83f. Dissertação (Mestrado em Estudos Urbanos e Regionais) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2019.
  • AVRITZER, Leonardo. Impasses da democracia no Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.
  • GOHN, Maria da Glória. A sociedade brasileira em movimento: vozes das ruas e seus ecos políticos e sociais. Caderno CRH, Salvador, v. 27, n. 71, p. 431-441, maio/ago. 2014.
  • MACHADO, Rosana Pinheiro. Amanhã vai ser maior. São Paulo: Planeta, 2019.
  • MENEZES, Daniel Gonçalves. Proteja e projete sua carreira: Você/SA e o mercado de discursos administrativos no Brasil. 2008. 79f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2008.
  • POWELL, Walter W.; DIMAGGIO, Paul J. The iron cage revisited: institutional isomorphism and collective rationality in organization fields. In: POWELL, Walter W.; DIMAGGIO, Paul J. The new institutionalism in organizational analysis. Chicago: The University of Chicago Press, 1991. p. 63-83.
  • ROMERO, Simon. Thousands gather for protests in Brazil’s largest cities. The New York Times, Nova Iorque, 17 jun. 2013. Disponível em: Disponível em: https://www.nytimes.com/2013/06/18/world/americas/thousands-gather-for-protests-in-brazils-largest-cities.html Acesso em: 24 jan. 2024.
    » https://www.nytimes.com/2013/06/18/world/americas/thousands-gather-for-protests-in-brazils-largest-cities.html
  • SANTOS, Fabiano. Primavera brasileira ou outono democrático: em defesa das instituições. Revista Insight Inteligência, Rio de Janeiro, a. 16, n. 62, p. 33-38, jul./set. 2013.
  • SANTOS, Wanderley Guilherme. A democracia impedida: o Brasil no século XXI. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2017.
  • TATAGIBA, Luciana; GALVÃO, André. Os protestos no Brasil em tempos de crise (2011-2016). Opinião Pública, Campinas, v. 25, n. 1, p. 63-96, jan./abr. 2019.
  • TAVARES, Francisco Mata Machado; RORIZ, João Henrique Ribeiro; OLIVEIRA, Ian Caetano de. As jornadas de maio em Goiânia: para além de uma visão sudestecêntrica do junho brasileiro em 2013. Opinião Pública, Campinas, v. 22, n. 1, p. 140-166, abr. 2016.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    19 Nov 2023
  • Aceito
    24 Jan 2024
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