Acessibilidade / Reportar erro

A análise das Leis Orgânicas Municipais a partir do constitucionalismo na Ciência Política

Analysis of Municipal Organic Laws based on constitutionalism in Political Science

Resumo:

O texto analisa as Leis Orgânicas Municipais (LOMs) sob a chave das teorias sobre o constitucionalismo na Ciência Política. Sugerimos um desenho de pesquisa que integra a análise da política municipal com a Ciência Política e que foca no âmbito nacional. Mobilizamos as teorias sobre as constituições nacionais que explicam características como a extensão, a divisão temática e o emendamento das LOMs. Elaboramos um banco de dados com características quantitativas dos textos e emendas das LOMs desde 1988. A amostra de conveniência inclui 743 municípios. Completamos os dados sobre as LOMs com informações sobre o tamanho populacional dos municípios, as eleições locais e os orçamentos municiais. O resultado do trabalho confirma a validade externa das hipóteses sobre a importância da divisão temática e das características demográficas das comunidades sobre a extensão dos textos e a frequência do seu emendamento. Já a hipótese sobre as constituições como seguro contra maiorias políticas instáveis não foi confirmada. Ainda, exploramos novos fatores como o volume orçamentário e a dependência financeira dos municípios, cujo impacto sobre as constituições e emendas se revela como pontual. O trabalho aponta novos caminhos para a pesquisa, explorando a validade externa das teorias sobre o constitucionalismo a partir de dados do âmbito estadual e local e sugerindo uma nova agenda de pesquisas para melhorar o entendimento das características aninhadas das LOMs dentro do sistema federativo.

Palavras-chave:
constitucionalismo; leis orgânicas municipais; política local; emendas; análise quantitativa

Abstract:

The text analyzes the Municipal Organic Laws (LOMs) under the key of theories on constitutionalism in political science. We suggest a research design that integrates the analysis of municipal politics with political science that focuses on the national level. We mobilize theories about national constitutions that explain characteristics such as the extension, thematic division, and the amendment of LOMs. We created a database with quantitative characteristics of the texts and amendments of the LOMs since 1988. This convenience sample includes 743 municipalities. We complete the data on LOMs with information on the population size of municipalities, local elections, and municipal budgets. As a result of the work, we confirmed the external validity of the hypotheses about the importance of the thematic division and the demographic characteristics of the communities on the length of texts and the frequency of their amendment. Another hypothesis, regarding constitutions as insurance against unstable political majorities, has not been confirmed. We also explore new factors, such as the budget volume and the financial dependence of municipalities, whose impact on constitutions and amendments is revealed to be specific. The work points to new paths for research, exploring the external validity of theories about constitutionalism based on state and local data and suggesting a new research agenda to improve the understanding of the nested characteristics of LOMs within the federal system.

Keywords:
constitutionalism; municipal constitutions; local politics; amendments; quantitative analysis

1. Introdução1 1 Agradecemos ao CNPq que apoiou os dois autores com seus programas de bolsa (Bolsa PQ e Bolsa de Mestrado).

Uma das entradas para estudar a política municipal é a transposição de perguntas, hipóteses e desenhos de pesquisa que a Ciência Política explora do âmbito nacional para a arena local. Nesta abordagem, o ganho está em duas frentes. Primeiro, ampliamos o nosso conhecimento sobre a dinâmica da arena política municipal e, segundo, testamos a validade externa de teorias gerais também para o âmbito da política local. A nossa análise explora as Leis Orgânicas dos Municípios brasileiros, mobilizando teorias e desenhos de pesquisa desenvolvidos pela Ciência Política a partir da análise quantitativa dos textos constitucionais nacionais e do seu emendamento. Exploramos uma amostra de 743 Leis Orgânicas Municipais (LOMs), descritivamente a princípio, para responder questões sobre o volume, o perfil e as taxas de emendamento desses textos. No segundo passo, identificamos possíveis fatores causais que explicam as variações no volume dos textos e da frequência de aprovação de emendas.

A transposição de frameworks teóricos para o contexto municipal se revela uma tarefa desafiadora dada a complexidade das dinâmicas políticas locais, que frequentemente apresentam nuances e peculiaridades que não são plenamente consideradas por teorias desenvolvidas em contextos mais abrangentes. Nesse cenário, a pesquisa em questão desempenha um papel fundamental ao explorar como conceitos consolidados na Ciência Política podem ser adaptados e refinados para capturar efetivamente as sutilezas inerentes à política municipal.

A relevância teórica do estudo se torna evidente ao oferecer uma oportunidade de testar a aplicabilidade de teorias políticas já estabelecidas em um novo domínio. Focando na análise das Leis Orgânicas Municipais, a pesquisa não apenas contribui para expandir e aprimorar as teorias políticas existentes, mas também destaca a necessidade de ajustes conceituais para melhor se adequar às especificidades das dinâmicas municipais. Esse processo de adaptação conceitual não só enriquece nossa compreensão da política municipal, mas também fortalece a base teórica da Ciência Política, ampliando consideravelmente o escopo de aplicação de suas teorias.

O trabalho é dividido em seis partes. Além desta introdução, discutimos as concepções, teorias e os achados da literatura da Ciência Política a partir da análise quantitativa das constituições. Depois caracterizamos brevemente o status dos municípios na ordem constitucional e das LOMs como leis básicas, avaliando também as adaptações necessárias na transposição dos modelos de pesquisa nacional para o âmbito local. No quarto passo, reportamos a estratégia de coleta de informações e detalhamos a base de dados. Na quinta etapa, apresentamos as análises descritivas sobre os textos das LOMs e os testes para validar ou refutar as principais hipóteses da literatura sobre os fatores explicativos. Na parte final, resumimos os achados e sugerimos caminhos para pesquisas futuras.

2. A literatura sobre a análise quantitativa de constituições e emendas

A pesquisa quantitativa na Ciência Política, focada nos textos constitucionais, tem evoluído nas últimas três décadas, complementando trabalhos anteriores na abordagem doutrinária-interpretativa. Enquanto objeto de pesquisa, as constituições desempenham um papel dual na construção teórica. Por um lado, atuam como variáveis independentes, mobilizando esforços para compreender o impacto desses documentos na atuação dos atores de veto e no funcionamento do judiciário. Exemplos incluem a compreensão do impacto das constituições na área de atuação dos atores de veto (Tsebelis, 1997TSEBELIS, George. (1997), “Processo decisório em sistemas políticos: veto players no presidencialismo, parlamentarismo, multicameralismo e pluripartidarismo”, Revista Brasileira de Ciências Sociais, 12, 34: 89-117.) e na forma como os atores acionam o sistema de justiça, influenciados pelas características constitucionais (Arantes, 1997ARANTES, Rogério Bastos. (1997), Judiciário e política no Brasil. São Paulo, Sumaré/Educ/Fapesp.). Por outro lado, as constituições também funcionam como variáveis dependentes, onde fatores são mobilizados para explicar a extensão do texto constitucional, sua longevidade, entre outros aspectos. Ao abordar as constituições como variáveis dependentes, se busca compreender como diferentes fatores influenciam características específicas nos textos constitucionais.

Dentro do escopo da literatura que trata as constituições como variáveis dependentes, podemos afirmar que ela se concentra em determinadas características como a extensão dos textos, o seu emendamento e a longevidade. Por que alguns países têm textos com regras mais detalhadas e outras constituições são mais enxutas? Por que algumas constituições são emendadas frequentemente enquanto outras sofrem poucas alterações? Qual é a duração das constituições? Adicionalmente, estas questões empíricas são permeadas por avaliações normativas. Constituições mais curtas são melhores? Emendas são um sinal de constituições que deram errado? A substituição de constituições representa um fracasso? A literatura apresenta grande variedade quanto à descrição e avaliação das constituições como variável dependente.

Os fatores mobilizados pelos autores para explicar características como a extensão, a rigidez e a longevidade das constituições podem ser agrupados em três categorias: as características internas, os fatores externos e o contexto político da elaboração do texto constitucional. O primeiro grupo, dos determinantes internos, explora elementos que fazem parte da arquitetura das próprias constituições, como o federalismo, o sistema presidencialista, as regras de emendamento, a revisão judicial, ou outras características para avaliar em que medida eles influenciam o tamanho, a reforma e a sobrevivência das constituições. A partir do trabalho pioneiro de Lutz (1994), aLUTZ, Donald. (1994), “Toward a Theory of Constitutional Amendment”, The American Political Science Review, 88, 2:355–370. DOI: https://doi.org/10.2307/2944709.
https://doi.org/10.2307/2944709...
análise nesta primeira linha explorou métricas quantitativas para avaliar a extensão dos textos constitucionais, a rigidez das regras de mudança dos textos e as efetivas taxas de emendamento.2 2 Cabe citar trabalhos anteriores como Maarseveen e Tang (1978), Sturm (1982) e Anderson et al. (1990) que abriram o caminho para a análise empírica dos textos constitucionais. No entanto, o texto de Lutz (1994) teve mais impacto sobre a discussão na Ciência Política. Lutz argumenta que a extensão das constituições e a rigidez das regras do seu emendamento explicam a frequência com que os países mudam as suas constituições. O fundamento para a importância da extensão é que textos mais longos implicam em um maior detalhamento das regras, frequentemente entrando também em questões de regulação da economia ou de política públicas. Textos extensos criam uma demanda mais frequente para a adequação à novas realidades contextuais. Tanto as mudanças estruturais da sociedade e da economia, como também do consenso político sobre os marcos centrais da regulação, esbarram mais facilmente em textos mais detalhados.

O segundo argumento de Lutz diz respeito à rigidez das constituições. A rigidez depende de uma série de fatores institucionais que definem os procedimentos para o emendamento das constituições. A lista de critérios que podem ser mobilizados para tornar constituições mais rígidas é longa e tem sido explorada pela literatura. Estão incluídos o número de atores que podem dar início a processos de emendamento, o número de arenas decisórias, o quórum para aprovação em cada instância, processos de votação repetida e eventualmente intercalada por eleições, o envolvimento de entidades subnacionais, a realização de plebiscitos, bem como as cláusulas pétreas que limitam o próprio escopo emendamento. Lutz sugere que quanto mais obstáculos as próprias constituições colocam para o seu emendamento, menor a taxa de mudanças. Posteriormente a tese de Lutz sobre a correlação negativa entre rigidez e taxa de emendamento seria questionada por Ferejohn (1997)FEREJOHN, John. (1997), “The Politics of Imperfection: The Amendment of Constitutions”, Law & Social Inquiry, 22, 2:501–530., Tsebelis e Nardi (2016)TSEBELIS, George; NARDI, Dominic. (2016), “A Long Constitution is a (Positively) Bad Constitution: Evidence from OECD Countries”, British Journal of Political Science, 46, 2:479–480. https://doi.org/10.1017/S000712341500040X.
https://doi.org/10.1017/S000712341500040...
e Elkins et al. (2009)ELKINS, Zachary; GINSBURG, Tom; MELTON, James. (2009), The endurance of national constitutions. Cambridge, New York, Cambridge University Press..

O segundo grupo abrange os fatores externos, incluindo características da história do país, da heterogeneidade da sociedade, do papel da religião na política e das características da cultura política. Sociedades heterogêneas em função de clivagens sociais, religiosas, étnicas ou linguísticas tendem a incluir a regulação desses conflitos nas suas constituições, o que as torna naturalmente mais extensas (Berkowitz e Clay, 2005BERKOWITZ, Daniel; CLAY, Karen. (2005), “American Civil Law Origins: Implications for State Constitutions”, American Law and Economics Review, 7, 1:62–84. DOI: https://doi.org/10.1093/aler/ahi007.
https://doi.org/10.1093/aler/ahi007...
; Voigt, 2009VOIGT, Stefan. (2009), “Explaining Constitutional Garrulity”, International Review of Law and Economics, 29, 4:290–303. DOI: https://doi.org/10.1016/j.irle.2009.06.002.
https://doi.org/10.1016/j.irle.2009.06.0...
). Alguns autores argumentam que sociedades caracterizadas por uma cultura política mais individualista tendem a adotar textos mais enxutos, enquanto sociedades com baixo grau de confiança interpessoal tendem a elaborar textos mais extensos (Voigt, 2009VOIGT, Stefan. (2009), “Explaining Constitutional Garrulity”, International Review of Law and Economics, 29, 4:290–303. DOI: https://doi.org/10.1016/j.irle.2009.06.002.
https://doi.org/10.1016/j.irle.2009.06.0...
). As análises nesta linha também incluem hipóteses sobre a importância da trajetória política dos países e o seu impacto sobre os textos constitucionais. Ainda, os fatores explicativos mobilizados incluem o passado colonial, a influência da religião, os antecedentes das constituições nacionais, entre outros.

Finalmente, o terceiro grupo de explicações mobiliza os fatores vinculados ao momento da elaboração ou da reforma das constituições. A ideia de que o momento da elaboração da constituição tem forte influência sobre a extensão dos textos é amplamente reconhecida na literatura. Argumenta-se que textos constitucionais elaborados ainda no século XIX, quando o estado girava em torno de tarefas fundamentais da defesa externa e da ordem interna, são mais parcimoniosos. Constituições elaboradas no século XX, na égide do estado de bem-estar social e da regulação da economia, tendem a ser mais extensos. A tendência para textos mais detalhados se estende até hoje, com a ampliação de garantias individuais e coletivas e com a judicialização das relações sociais. Além do argumento do contexto histórico e da difusão regional dessas novas tendências, a hipótese da constituição como política de seguro argumenta que textos extensos e rígidos são uma tentativa das maiorias conjunturais, no momento da elaboração da constituição, de garantir o seu entendimento sobre as regras mais adequadas e também contra as incertezas do futuro. Essa estratégia de cimentar as preferencias atuais por meio da sua constitucionalização é conhecida na literatura como teoria da política de seguro (Hirschl, 2004HIRSCHL, Ran. (2004), Towards Juristocracy: The Origins and Consequences of the New Constitutionalism. Cambridge, London, Harvard University Press.). Seguindo o mesmo raciocínio, a tendência à estabilidade ou volatilidade das maiorias políticas nos municípios deveria explicar parcialmente a frequência das emendas das LOMs.

A Ciência Política no Brasil explorou várias dimensões da pesquisa quantitativa sobre o constitucionalismo. Os trabalhos nacionais, em um primeiro momento, seguiram as indagações de Lutz. Os autores, comparando constituições de vários países, mas também analisando as diferentes constituições ao longo da história do Brasil, exploram as razões pelas quais alguns textos são mais enxutos do que outros, quais as regras para sua reforma e qual a taxa de emendamento (Arantes e Couto, 2009ARANTES, Rogério; COUTO, Cláudio. (2009), “Uma constituição incomum”, in M.A.R. de Carvalho; C. Araújo; J.A. Simões. (org.), A Constituição de 1988: Passado e Futuro. São Paulo, Aderaldo & Rothschild; ANPOCS., 2016ARANTES, Rogerio Bastos; COUTO, Cláudio. (2016). “Constitutionalizing Policy: The Brazilian Constitution of 1988 and its Impact on Governance”, in D. Nolte; A. Schilling-Vacaflor. (org.), New Constitutionalism in Latin America: Promises and Practices, Abingdon, Ashgate, Routledge.; Couto e Arantes, 2006COUTO, Cláudio Gonçalves; ARANTES, Rogério Bastos. (2006), “Constituição, governo e democracia no Brasil”, Revista Brasileira de Ciências Sociais, 21, 61:41–62. DOI: https://doi.org/10.1590/S0102-69092006000200003.
https://doi.org/10.1590/S0102-6909200600...
, 2008COUTO, Cláudio; ARANTES, Rogério. (2008), “Constitution, Government and democracy in Brazil”. World Political Science, 4, 2:1-33. DOI: https://doi.org/10.2202/1935-6226.1050.
https://doi.org/10.2202/1935-6226.1050...
; Melo, 2013MELO, Marcus André. (2013), “Mudança constitucional no Brasil, dos debates sobre regras de emendamento na constituinte à ‘megapolítica’”, Novos Estudos - CEBRAP, 97, 187–206. DOI: https://doi.org/10.1590/S0101-33002013000300012.
https://doi.org/10.1590/S0101-3300201300...
; Souza, 2008SOUZA, Celina. (2008), “Regras e contexto: as reformas da Constituição de 1988”. Dados, 51, 4:791–823. DOI: https://doi.org/10.1590/S0011-52582008000400001.
https://doi.org/10.1590/S0011-5258200800...
). Por outro lado, a produção nacional se destaca por inovações importantes na metodologia e no desenho de pesquisa. Uma das marcas importantes dos trabalhos de Arantes e Couto é a classificação mais sofisticada do conteúdo da constituição, a partir da separação entre regras que dizem respeito às instituições políticas (polity) e outras sobre as políticas públicas (policy). Os autores também inovam na operacionalização da análise quantitativa dos textos constitucionais.3 3 Arantes e Couto usam como unidades de medição não o texto (número de caracteres ou de palavras), mas as unidades lógicas do texto que separa entre títulos, capítulos, artigos e parágrafos, para fins de quantificação dos respectivos trechos da constituição. Um dos achados substantivos a partir desta abordagem é que as emendas da Constituição de 1988 se concentram no âmbito das regras das políticas públicas (policy), enquanto as regras básicas da disputa política (polity) foram menos afetadas.

Pesquisas posteriores exploram as constituições no âmbito subnacional. Couto e Absher-Bellon (Absher-Bellon, 2015ABSHER-BELLON, Gabriel Luan. (2015), Constituições estaduais pós-1989: o processo de emendamento e seus determinantes. Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo. DOI: https://doi.org/10.11606/D.8.2016.tde-14032016-101816.
https://doi.org/10.11606/D.8.2016.tde-14...
; Couto e Absher-Bellon, 2018COUTO, Cláudio Gonçalves; ABSHER-BELLON, Gabriel Luan. (2018), “Imitação ou coerção? Constituições estaduais e centralização federativa no Brasil”, Revista de Administração Pública, 52, 2:321–344. DOI: https://doi.org/10.1590/0034-761220170061.
https://doi.org/10.1590/0034-76122017006...
) retomaram a questão da explicação da origem dos textos constitucionais, analisando as constituições dos estados no Brasil. Para o âmbito local, não identificamos trabalhos dedicados à análise das Leis Orgânicas dos Municípios. Os textos elaborados e emendados pelas Câmaras Municipais representam o equivalente funcional das constituições estaduais e nacionais. A análise aqui apresentada pretende abrir essa frente de pesquisa.

3. A transposição de teorias e desenhos de pesquisa para o âmbito municipal

Em que medida as perguntas, hipóteses e desenhos de pesquisa comparativa podem guiar a análise das LOMs municipais? Do ponto de vista analítico, as LOMs definem as macrorregras da política municipal, da mesma forma que as constituições estaduais e a constituição federal definem as regras para os respectivos âmbitos. Nesse sentido, a transposição dos elementos constitutivos da pesquisa empírica sobre as constituições nacionais para a análise das LOMs é uma abordagem promissora. Por outro lado, a passagem do âmbito nacional para o local demanda adequações, por várias razões.

Uma das particularidades da política municipal reside na natureza intrincada da política local dentro da ordem nacional e estadual. Essa intrincada inter-relação é fruto do sistema simétrico do federalismo brasileiro. No modelo simétrico, estabelece-se uma dinâmica em que a federação delimita uma área mínima de atuação para os entes subnacionais, e esses entes possuem competências iguais entre si. No caso brasileiro, essas competências incluem, entre outros aspectos, a elaboração de sua própria Lei Orgânica. Como é característico de regimes federativos, a política nos municípios brasileiros é regida em primeiro lugar pela constituição federal e a constituição estadual do seu respectivo estado. Diferentemente da comparação de constituições nacionais, elaboradas em condições de soberania, as constituições subnacionais em regimes federativos são textos pré-formatados em maior ou menor grau pela constituição nacional. Somente dentro dos limites estabelecidos por essas constituições estaduais e nacional, os munícipes têm discricionaridade para elaborar as LOMs. No caso brasileiro, a constituição nacional impõe limites estreitos para a discricionaridade de estados e municípios na definição dos seus textos constitucionais, especificamente no que diz respeito aos arranjos institucionais que formatam a disputa política.

A Constituição Federal (CF) define um prazo estreito para a elaboração das LOMs (até 18 meses após a promulgação da CF), a modalidade e o quórum de aprovação (votação em dois turnos, por dois terços dos membros da CV), o sufrágio passivo (incluindo a idade de votar para os diferentes cargos),4 4 Cabe lembrar que os municípios não podem incluir os estrangeiros residentes entre os eleitores, como acontece nos Estados Unidos (Richman et al., 2014), em eleições locais na Europa (Kayran e Erdilmen, 2020) e em poucos países da América Latina (Pompeu et al., 2016). o sufrágio passivo (apenas partidos podem lançar candidatos),5 5 O pano de fundo é a opção em muitos países pela possibilidade de candidaturas independentes em eleições locais (Brancati, 2008; Scarrow, 2000; Tavares et al., 2020). a forma de governo (eleição direta do executivo), a periodicidade dos mandatos eletivos (quatro anos), a data para a realização das eleições (de forma concomitante em todos os municípios, no primeiro domingo de outubro), o sistema eleitoral (proporcional para o Legislativo, majoritário para o Executivo, em dois turnos para municípios maiores), a data da posse do Prefeito (primeiro de janeiro no ano seguinte à eleição), o número de cadeiras nas Câmaras dos Vereadores (regulando detalhadamente o número máximo de vereadores para 24 faixas populacionais), as despesas com a Câmara dos Vereadores (para seis faixas populacionais), as despesas com os subsídios ao conjunto dos Vereadores (até 5% das despesas do município) e as despesas com cada Vereador (para seis faixas populacionais). A CF também detalha as modalidades da representação política (identificando, além da eleição dos vereadores, a obrigatória cooperação das associações representativas no planejamento municipal e a iniciativa popular, definindo ainda o quórum mínimo de 5% para essa modalidade). Finalmente a CF define regras para as questões de cassação dos mandatos eletivos, para a responsabilização política e para a fiscalização dos municípios. Esta pequena lista de exemplos ilustra o grau de pré-formatação das LOMs pela CF. O Quadro 1 resume em quais áreas a Constituição Federal prescreve determinado formato aos constituintes locais.

Quadro 1
– Regras da Constituição Federal de 1988 para a disputa política nos municípios

Quais as consequências desse caráter aninhado das LOMs para a questão da extensão dos textos analisados? Em relação aos tópicos acima identificados, os legisladores locais têm pouca margem para modificar o arcabouço institucional da política local. Se os legisladores não podem escolher a forma de governo, o sistema eleitoral, o número de vereadores ou outras características do desenho institucional, esses fatores não podem ser mobilizados para explicar a variação no tamanho das LOMs.

A questão do caráter aninhado das LOMs também influencia a taxa de emendamento nesses itens. Uma vez que grande parte do texto das LOMs está “amarrada” pela Constituição Federal, o espaço para modificações está igualmente limitado. Neste sentido, esperaríamos uma menor taxa de emendamento das LOMs em relação aos trechos pertencentes à definição da polity, dos poderes. Mas o caráter aninhado das LOMs também gera incentivos sobre o texto e as emendas das LOMs na direção oposta. Várias das normas da CF que dizem respeito aos municípios (Quadro 1) foram emendadas desde então. Dada a prática nos textos das LOMs de repetir os respectivos trechos obrigatórios da lei maior, essas emendas da CF tem um efeito cascata sobre as LOMs, produzindo os emendamentos de ajuste forçado.6 6 Cabe lembrar que o judiciário brasileiro tem um papel importante nesse enforcement do caráter aninhado das LOMs no arcabouço constituição nacional. Os municípios frequentemente são obrigados a adequações das suas LOMs, a partir de ações movidas na justiça, questionando a constitucionalidade do texto original das LOMs ou de emendas aprovadas. Podemos concluir que o caráter aninhado das LOMs cria incentivos nas duas direções, tanto aumentando como refreando o número de emendas. Porém, o efeito é uniforme sobre todos os municípios.7 7 O caráter aninhado pode ajudar a taxa média de emendamento em todos os munícipios. Somente futuras pesquisas poderão esclarecer em que medida as taxas de emendamento das LOMs são “puxadas” por fatores decorrentes desse aninhamento, como as mudanças na CF ou as ações de inconstitucionalidade que correm nos Tribunais de Justiça dos estados. Sendo constante para todos os municípios os efeitos do aninhamento não tem impacto sobre a variação nas taxas de emendamento entre municípios.

Por outro lado, a abordagem introduzida por Couto e Arantes (2006)COUTO, Cláudio Gonçalves; ARANTES, Rogério Bastos. (2006), “Constituição, governo e democracia no Brasil”, Revista Brasileira de Ciências Sociais, 21, 61:41–62. DOI: https://doi.org/10.1590/S0102-69092006000200003.
https://doi.org/10.1590/S0102-6909200600...
, que classifica os textos constitucionais como pertencentes a diferentes temáticas (polity e policy), oferece caminhos alternativos para explicar a variação no volume de textos a partir de características internas das LOMs. Perguntamos, portanto, “em que medida o crescimento das constituições locais é “puxado” por determinados temas?”. A nossa hipótese 1 é que os temas vinculados à polity (Legislativo e Executivo) ocupam volume constante enquanto outros temas “puxam” a extensão do texto das LOMs.

A ideia da literatura internacional que a extensão dos textos constitucionais cria maior demanda de emendamento tem aplicação imediata para as LOMs. A hipótese 2 é que os textos mais extensos também resultam em maiores taxas de emendamento. Testaremos essa hipótese tanto para o volume total de texto das LOMs, como também para as diferentes categorias temáticas, mencionadas acima.

O argumento que as taxas de emendamento são fortemente influenciadas pela rigidez das regras para mudar as constituições, explorado extensamente na literatura, tem aplicação similar para as LOMs. A hipótese 3 sugere que regras mais rígidas de emendamento reduzem a taxa de emendamento. Cabe observar de antemão que a posição subordinada das LOMs influencia a variação em relação às regras que definem a aprovação de emendas às LOMs. A análise empírica terá que provar se eventuais efeitos da rigidez sobre a taxa de emendamento podem ser detectados mesmo nessas condições de limitada variação.

Passando aos fatores vinculados às características dos países, notamos que a literatura comparativa avalia em que medida as clivagens sociais ou diferentes trajetórias históricas influenciam os textos constitucionais. Uma das características de comparações subnacionais é justamente certa uniformidade de determinadas macrocaracterísticas quanto à formação histórica e a estrutura social. Porém, mesmo dentro do Brasil, os municípios apresentam variação em várias dimensões. Escolhemos as duas dimensões do tamanho populacional e dos recursos orçamentários como proxies para captar parte dessa variação. Usamos o tamanho dos municípios como indicador para a heterogeneidade das sociedades locais e da complexidade das relações socioeconômicas a serem reguladas pela política local. Em analogia à literatura internacional, a nossa hipótese 4 é que o volume de texto das LOMs cresce com a heterogeneidades das sociedades locais, identificada pelo tamanho dos municípios. O orçamento municipal per capita é usado como indicador da capacidade de intervenção política dos municípios. Conforme a hipótese 5, esperamos que os municípios que dispõem de mais recursos orçamentários a serem alocados investem mais no detalhamento das respectivas regras nas LOMs. Finalmente, a dependência financeira dos municípios de recursos transferidos da União identifica o grau de autonomia em relação à gestão dos recursos. A expectativa formulada na hipótese 6 é que municípios com maior dependência de recursos federais tenham pouco incentivo para detalhar as regras da disputa política nas LOMs.

Por outro lado, a ideia da literatura de que a trajetória anterior dos países antes da elaboração das primeiras cartas constitucionais pode influenciar a extensão dos textos (Berkowitz e Clay, 2005BERKOWITZ, Daniel; CLAY, Karen. (2005), “American Civil Law Origins: Implications for State Constitutions”, American Law and Economics Review, 7, 1:62–84. DOI: https://doi.org/10.1093/aler/ahi007.
https://doi.org/10.1093/aler/ahi007...
) também permite uma aplicação adaptada à realidade dos municípios brasileiros. Uma breve recapitulação do processo de autonomização dos municípios nos mostra que os municípios eram instância meramente administrativa na Constituição do Império e que na Primeira República a garantia de autonomia política ficou abstrata. De fato, os municípios ficaram aninhados nas constituições estaduais. A Constituição de 1946 garantiu a autonomia política, com eleições das autoridades locais. No entanto, as leis orgânicas eram uniformes, elaboradas pelas Assembleias Legislativas dos Estados. Essa situação continuou com as Constituições de 1967 e 1969. Somente a Constituição de 1988 atribuiu aos Legislativos Municipais a responsabilidade pela elaboração de LOMs individuais para os seus respectivos municípios (Silva e Lima, 2011SILVA, Jorge Kleber Teixeira; LIMA, Maria Helena Palmer. (2011), “Evolução do marco legal da criação de municípios no Brasil”, in IBGE. (org.), Evolução da divisão territorial do Brasil. Rio de Janeiro, IBGE.). Isso cria duas situações diferentes para os municípios criados antes ou depois da Carta de 1988. No primeiro caso, os municípios dispõem de uma LOM herdada do tempo anterior das LOMs estaduais, que precisa ser adaptado às novas exigências da CF de 1988. No segundo caso, de municípios criados após 1988, os Legisladores locais podem elaborar a nova LOM sem as amarras do passado. A nossa hipótese é que essa diferença quanto à trajetória histórica dos municípios também impacta sobre o texto das LOMs, especificamente sobre a sua extensão. A nossa hipótese 7 é que essas duas trajetórias diferentes (para municípios criados antes ou depois da vigência da CF de 1988) têm impacto sobre a extensão do texto das LOMs.

Finalmente, o argumento do controle sobre o futuro como possível explicação para constituições mais extensas também permite a transposição para a política local. Na sua versão original, a tese se refere ao momento da elaboração dos textos constitucionais (Holmes, 1999HOLMES, Stephen. (1999), “El precompromisso y la paradoja de la democracia”, in J. Elster; R. Slagstad. (org.), Constitucionalismo y democracia. México, Fondo De Cultura Economica USA.). Após a entrada em vigência da nova Constituição Federal de 1988, os legislativos locais tinham um prazo de menos de 2 anos para a elaboração das LOMs locais. Não dispomos dos dados sobre a configuração política do legislativo local naquele momento (a composição partidária das Câmaras dos Vereadores após as eleições locais de 1988). Por outro lado, o argumento que a LOM pode ser um instrumento do grupo político majoritário para tentar controlar o futuro incerto através da constitucionalização pode ser estendido também para a questão do emendamento. A hipótese 8 estipula que em contextos de maior volatilidade no controle da prefeitura ao longo dos anos há maior atuação dos legisladores no emendamento das regras das políticas públicas. Onde há menos alternância no controle da prefeitura, esperamos menos alterações da lei básica. Alguns municípios são caracterizados pela continuidade de determinados grupos políticos, enquanto outros passam por disputa mais intensa e por frequente alteração no poder. O universo dos municípios oferece grande variedade de constelações de dominação política. Essas são condições ideais para testar a tese do seguro. Desconhecemos um trabalho que explore a teoria do seguro político empiricamente. O Quadro 2 resume as hipóteses que norteiam o trabalho.

Quadro 2
– Transposição das teorias para o âmbito local

4. A construção das bases de dados

4.1 A construção e perfil dos bancos de dados

Analisamos uma amostra de Leis Orgânicas de 743 municípios, aproximadamente 13% do universo dos municípios brasileiros. A amostra se baseia na raspagem de informações disponíveis na internet.8 8 Textos de 684 LOMs disponíveis em www.leismunicipais.com.br, consultado em 10/12/2021. Completamos esse banco de dados com as LOMs de todas as cidades acima de 200 mil habitantes, apenas não obtivemos sucesso para o município de Santo André-SP. Trata-se, portanto, de uma amostra de conveniência que não cumpre os requisitos da representatividade a partir de uma amostra probabilística. Verificamos mais abaixo em que medida os casos analisados se distribuem sobre vários recortes de tamanho e região dos municípios. Os textos passaram por análise semi-automatizada, em quatro etapas. Primeiro, produzimos uma classificação temática dos textos. Seguimos a ideia de Arantes e Couto (2009)ARANTES, Rogério; COUTO, Cláudio. (2009), “Uma constituição incomum”, in M.A.R. de Carvalho; C. Araújo; J.A. Simões. (org.), A Constituição de 1988: Passado e Futuro. São Paulo, Aderaldo & Rothschild; ANPOCS. de classificar o conteúdo dos textos das LOMs. A nossa unidade de análise são os títulos e seções das LOMs que foram classificados como pertencentes a seis diferentes categorias.9 9 O procedimento de classificação diverge da abordagem de Couto e Arantes (2006) em relação a dois pontos centrais. Classificamos títulos e seções enquanto os autores classificam os artigos e incisos. Por outro lado, a nossa classificação separa seis categorias de conteúdo, enquanto a análise dos autores usa as categorias de policy e polity.

1 = Geral (preâmbulo, disposições preliminares, competência do município e garantias);

2 = Administrativo (administração, servidores, tributação, planejamento, orçamento, distritos, bens, guarda e publicidade);

3 = Poder legislativo (atribuições, mesa, comissões, processo legislativo, fiscalização, vereadores, remuneração e infrações);

4 = Poder executivo (atribuições, vice-prefeito, secretários e auxiliares, remuneração e infrações);

5 = Políticas Públicas (agricultura, comércio, serviços, economia, educação, saúde, turismo, meio ambiente, cultura, lazer, segurança e transporte);

6 = Final (disposições finais e transitórias).

Depois extraímos informações sobre o volume dos textos (caracteres), identificando também a proporção dedicada a cada uma das áreas temáticas. Na terceira etapa, identificamos os artigos alterados por emendas, contabilizando esse número por tema e para o texto total. Uma vez que nem todos os textos disponíveis identificam as emendas, a nossa amostra contendo essa informação foi reduzida para 421 municípios.

Na quarta e última etapa analisamos o conteúdo das LOMs, extraindo a informação sobre as regras de emendamento. A finalidade é classificar as LOMs quanto à rigidez de emendamento, como identificado na literatura.

Finalmente, completamos o banco de dados extraído dos textos das LOMs com informações do IBGE, sobre o número de habitantes (ano 2022) e a data de criação dos municípios; do IPEA, sobre o volume do orçamento municipal e a dependência de transferências (ano 2018); e do TSE, sobre os resultados das disputas eleitorais entre 2000 e 2020. A partir dos dados do TSE construímos um índice de alteração no controle da prefeitura. Se o partido vencedor perdeu a prefeitura a cada eleição para uma sigla concorrente, o número é 5. Se ele conseguiu manter-se no poder durante o período todo, o índice é 0.10 10 Partidos que mudaram de nome ou passaram por fusão entre duas eleições são considerados continuidade. As cisões ou a criação de novas siglas em eventual vitória do novo partido criado é tida como mudança. Ainda, a contagem de mudanças de governo é diferente da contagem do n de partidos que governaram o município.

Todas as informações foram inseridas em um único banco de dados que tem como unidade de análise os municípios. Eventuais subamostras cobrem um número menor de casos, como ilustrado no Quadro 3.

Quadro 3
– Descrição dos dados

4.2 A representatividade da amostra

Uma vez que a amostra dos municípios não é representativa, cabe analisar o perfil dos municípios analisados. Mobilizamos a base 0, com o registro de todos os municípios, para identificar a representatividade das nossas amostras de conveniência. A Tabela 1 mostra a porcentagem de dados das bases 1 e 2, referentes aos dados sobre o volume de texto e a frequência do emendamento, respectivamente, pelas duas óticas do tamanho dos municípios e da representação dos Estados. Os dois bancos de dados cobrem 13% (texto) e 8% (emendas) do universo de todos os municípios, sendo que o banco das emendas está totalmente contido no banco dos textos. Percebemos que a amostra de conveniência está desequilibrada, principalmente no que diz respeito à sobrerrepresentação dos municípios grandes e aos estados do Sul (Tabela 1). O banco sobre os textos das LOMs cobre 95% dos municípios de grande porte, índice que cai para 66% no banco sobre as emendas. A sobrerrepresentação é resultado do nosso esforço de completar os dados para todas as cidades acima de 200 mil habitantes. No que diz respeito às outras faixas de tamanho, a representatividade varia entre 7% e 23% para o texto e 2% a 17% para as emendas.

Tabela 1
– Distribuição da amostra sobre municípios por tamanho e região

Olhando pela lente das regiões, a distorção da amostra é gradual. Há uma predominância dos municípios do Sul e uma sub-representação do universo do Norte e Nordeste. Do universo dessas últimas duas regiões somente, 1% a 4% dos municípios estão representadas nos bancos de dados sobre textos e emendas das LOMs. Essas características das bases de dados devem ser levadas em consideração no momento da interpretação e da validade externa dos resultados.

5. A análise dos dados

Passamos agora à análise quantitativa dos textos das LOMs e das emendas. O trabalho de análise recorre primeiro a estatísticas descritivas. Num segundo passo tentamos explicar o volume de texto e as taxas de emendamento a partir de uma série de fatores, seguindo as hipóteses formuladas.

5.1 Descrevendo o volume e os temas das LOMs

Iniciamos a análise quantitativa das constituições com a descrição do volume dos textos. Verificamos na Tabela 2 que as Leis Orgânicas têm em média 134 mil caracteres, mas, ao mesmo tempo, identificamos que a variação entre os municípios é grande, com textos que possuem entre 7 mil e 340 mil caracteres. O desvio padrão é de 42 mil caracteres. Quando comparamos os municípios de diferentes faixas populacionais, verificamos que o volume médio dos textos cresce com o tamanho dos municípios. No entanto, a variação dentro de cada grupo permanece grande, indicando que o tamanho dos municípios explica uma parte da variação, mas outra parte deve ser explicada por outros fatores.

Tabela 2
– A variação da extensão dos textos das LOMs, por tamanho dos municípios

A partir desta classificação, analisamos a distribuição do texto entre as diferentes áreas temáticas (Tabela 3). Em média, as LOMs dedicam 13,9% à introdução, 23,8% à questão da organização administrativa do município, 12,8% e 24,7% ao executivo e legislativo, respectivamente, 22,4% às políticas públicas e 2,4% a questões finais ou transitórias. Quando comparamos os dados para as diferentes faixas populacionais, verificamos uma distribuição bastante similar entre os primeiros quatro grupos. Somente no grupo dos municípios acima de 200 mil habitantes há uma redução da parte geral e do legislativo, além de uma maior presença do bloco dedicado às políticas públicas (ressaltado em negrito na tabela).

Tabela 3
– Proporção dos temas no texto total das LOMs, por tamanho dos municípios

5.2 O que explica o volume do texto?

Como vimos na discussão da literatura e na apresentação das hipóteses do trabalho, a teoria da Ciência Política sugere que o volume dos textos constitucionais de países é influenciado por fatores vinculados à arquitetura interna dos textos, pelo contexto social e histórico dos municípios e pelas características da disputa política nos municípios.

Em relação ao impacto do desenho constitucional das LOMs sobre a extensão dos textos, vimos que o caráter aninhado impõe arranjos bastante uniformes aos diferentes municípios. Dada a estrutura institucional uniforme, levantamos a hipótese (h1) de que determinados temas das constituições locais são responsáveis pela variação no volume dos textos.

Sugerimos acima que o segundo grupo de fatores, referente à influência do contexto socioeconômico e histórico sobre a extensão dos textos constitucionais, pode ser explorado pela pesquisa a partir do tamanho dos municípios (como proxy para a heterogeneidade das sociedades locais e o momento da criação dos municípios antes ou depois da constituição de 1988 (pela existência de uma LOM antecedente ou não). A hipótese 4 argumenta que os municípios maiores, por apresentarem maior complexidade das sociedades locais, tendem à elaboração de textos mais extensos. A hipótese 5 argumenta que a trajetória dos municípios influencia a elaboração das LOMs após a Constituição de 1988. Enquanto a grande parte dos municípios teve que reformular a LOM herdada do passado, os municípios que se tornaram independentes após 1988 tiveram a oportunidade de elaborar as suas LOMs sem esse constrangimento. Testamos o impacto desse fator sobre a extensão dos textos das LOMs.

Ao testar as hipóteses 4 e 5, usando regressões lineares multivariadas, obtivemos os resultados reproduzidos no Gráfico 1. Rodamos várias regressões, mobilizando como variável dependente o volume total do texto das LOMs (total) e depois o volume de texto de cada um dos seis blocos temáticos (geral, administração, legislativo, executivo, políticas públicas e final). As diferentes regressões são identificadas na legenda e por cores diferentes no gráfico. As variáveis explicativas correspondem às duas hipóteses: a influência do tamanho dos municípios (log do número de habitantes em 2020) e do momento da fundação (antes de 1988=0, após 1988=1) sobre o volume de textos das LOMs.

Gráfico 1
– Explicando o volume das LOMs e das seções temáticas | Fonte: elaboração própria (base 1), 2023.

Na apresentação dos resultados, neste e em todos os outros gráficos, optamos pela reprodução dos coeficientes beta para identificar em que medida a variação das variáveis independentes influencia as variáveis dependentes. Os intervalos de confiança de 5% dos coeficientes beta são identificados pelas linhas horizontais. O impacto dos fatores que cruzam a linha 0 não são estatisticamente significativos.

O Gráfico 1 mostra que em relação ao volume total dos textos das LOMs, a hipótese 4 se confirma. O tamanho dos municípios é o fator que tem maior poder explicativo sobre a extensão dos textos. As outras variáveis externas, vinculadas ao orçamento municipal (h5), à dependência financeira (h6) e o momento da fundação (h7) também apresentam algum efeito sobre o tamanho do texto, mas a significância é mais baixa e o tamanho do efeito é menor.

Também aplicamos as mesmas regressões para explicar o volume dedicado aos temas específicos das LOMs (geral até final). Os resultados aqui são mais modulados. Não há efeito de nenhuma das variáveis sobre a seção geral. O tema “administração” cresce somente em função do tamanho populacional. O espaço dedicado ao “executivo” novamente não se explica pelos fatores analisados. Os temas do “legislativo” crescem em função do tamanho dos municípios. O espaço dedicado às “políticas públicas” sofre influência positiva de vários fatores. Ele cresce em função do tamanho dos munícipios, da receita e também da data de fundação pós 1988. Igualmente, a “seção final” dos textos é maior nos municípios grandes, de orçamento maior e com maior dependência financeira.

De forma geral, percebemos que o tamanho dos municípios tende a ser o fator mais importante para explicar o volume de textos das LOMs. Por outro lado, entre as seções temáticas especificas, as políticas públicas sofrem mais impacto do contexto demográfico, financeiro e da trajetória histórica.

Analisamos também a hipótese 1, a respeito da influência das diferentes temáticas sobre o volume do texto total. Na regressão representada no Gráfico 2, usamos o volume do texto total das LOMs como variável dependente e as diferentes temáticas como fatores explicativos. Incluímos quatro dos seis temas (administração, executivo, legislativo e políticas públicas). Os coeficientes beta mostram que a variação do tema das “políticas públicas” impactam mais sobre o volume total dos textos, seguido do tema da “administração”. A variação do “legislativo” e “executivo” tem peso menor. Esses resultados confirmam a hipótese 1, sobre a contribuição desigual das diferentes temáticas sobre o volume dos textos. Ele se explica, em primeiro lugar, a partir do detalhamento das regras em relação à administração pública e às políticas públicas, enquanto a definição das regras da polity (legislativo e executivo) tem volume mais constante. Os fatores externos (tamanho populacional, orçamento municipal, dependência de transferências e momento da fundação) foram incluídos apenas como controles e não apresentaram impacto significativo.11 11 O gráfico anterior mostrou que o impacto desses fatores é indireto, via composição temática das LOMs.

Gráfico 2
– Explicando o volume das LOMs a partir das seções temáticas | Fonte: elaboração própria (base 1), 2023.

5.3 Descrição da frequência e dos temas das emendas

Como já havíamos explorado anteriormente, as LOMs apresentam grande frequência de emendamento. Devemos lembrar que o banco de dados sobre as emendas é menor, porque não dispomos de informações sobre as emendas para todos os textos das LOMs levantados. Adicionalmente, reduzimos o período de observação à janela de 2005 a 2016, devido à limitação dos dados sobre a alteração de governo, um dos fatores potencialmente relevantes para o volume de emendas que foi levantado na literatura. Os 421 municípios para os quais temos informações sobre o emendamento modificaram 8.219 artigos no período observado, o que resulta em uma média de 19,5 emendas dentro do período dos 12 anos. A Tabela 4 mostra que há grande variação entre os municípios quanto ao número de artigos emendados (entre 1 e 138 artigos). A distribuição, tanto dos valores médios como também da variação das emendas, entre os municípios de diferentes tamanhos é bastante equilibrada, como mostra a Tabela 4. As médias estão entre 17 e 21 artigos emendados no período e os valores máximos vão de 75 a 138 artigos.

Tabela 4
– A Variação Do Número De Artigos Emendados, Por Tamanho Dos Municípios

Focamos agora nos tópicos sobre os quais as emendas incidem com maior frequência. Utilizando a classificação temática dos textos, foi possível identificar em quais áreas os legisladores municipais concentram as suas redefinições da lei maior.

A Tabela 5 reproduz o cálculo da frequência dos artigos emendados, separando os temas aos quais os respectivos artigos estão alocados, pelas diferentes faixas populacionais dos municípios. Percebemos que a maior frequência das emendas se refere a artigos referentes ao legislativo (44,2%), seguidos da administração (19,2%). As outras categorias temáticas concentram menor número de artigos emendados. Especificamente a área de políticas públicas concentra poucos artigos emendados. O Gráfico 3 calcula a diferença entre os dados da Tabela 3 (sobre o volume de texto) e a Tabela 5 (sobre o número dos artigos emendados). Ele ressalta que o emendamento se concentra no tema do legislativo, enquanto a área temática das políticas públicas está sub-representada entre os artigos emendados.

Tabela 5
– Proporção das emendas das LOMs por tema
Gráfico 3
– Diferença entre e proporção de texto e de artigos emendados, por tema e tamanho dos municípios | Fonte: elaboração própria (base 1 e 2), 2023.

5.4 O que explica a frequência das emendas?

Como discutimos anteriormente, há um extenso debate a respeito das possíveis causas do emendamento das constituições. Aqui focamos em três hipóteses. As duas primeiras remontam às análises de Lutz (1994)LUTZ, Donald. (1994), “Toward a Theory of Constitutional Amendment”, The American Political Science Review, 88, 2:355–370. DOI: https://doi.org/10.2307/2944709.
https://doi.org/10.2307/2944709...
que especificou o tamanho e a rigidez como determinantes centrais do emendamento. A hipótese 2 sugere que as emendas se tornam mais frequentes quando as LOMs regulam de forma mais detalhada a vida política das respectivas comunidades. Aqui usamos o número de caracteres como variável explicativa. A hipótese 3 argumenta que a maior rigidez das regras de emendamento dificulta as mudanças das LOMs, influenciando assim a taxa de emendamento. Medimos a rigidez por duas variáveis. O número de entidades que podem iniciar processos de emendamento abrange tipicamente o poder Legislativo e Executivo, mas, em alguns casos, também as organizações da sociedade civil, bem como outras instituições. Operacionalizamos a variável com um sistema de pontuação onde 0 significa menor rigidez (maior número de instituições competentes para iniciar emendamento) e 3 significa a maior rigidez (menor número). A segunda variável, referente ao fator rigidez, avalia o quórum necessário para a aprovação das emendas nas Câmaras dos Vereadores. Novamente, a escala vai da menor rigidez (maioria simples, valor 0), passando pela regra mais frequente (três quintos, valor 1) até a regra mais rígida (maioria de dois terços, valor 2).

A hipótese 8 sugere que os textos constitucionais são um seguro do grupo político majoritário no momento da elaboração das leis básicas contra um futuro político incerto. Uma vez que não dispomos das informações sobre a composição das Câmaras de Vereadores para a primeira legislatura após a elaboração da nova Constituição, adaptamos a hipótese, analisando a volatilidade política nas últimas duas décadas. Em comunidades com frequentes alterações no controle político sobre a prefeitura, esperamos uma maior frequência de alteração das leis básicas, tanto para reverter as decisões do passado como para inserir novos seguros contra alterações futuras. Em municípios altamente disputados por diferentes grupos políticos, a alteração das LOMs faz parte do conflito político. Operacionalizamos a variável das alterações de governo comparando os partidos que controlam a prefeitura em diferentes períodos legislativos. A hipótese 6 argumenta que a alteração no controle da prefeitura aumenta a taxa de emendamento, uma vez que os governos locais tendem a alterar as regras estabelecidas pelos seus antecessores, principalmente quando esses são de outro grupo político. Operacionalizamos a variável atribuindo os valores 0 a 3, que corresponde ao número de mudanças sequenciais dos partidos que controlaram a prefeitura nos 4 períodos legislativos entre 2000 e 2016.

Os bancos de dados do TSE permitem identificar as alterações de governo local somente para os períodos de 2000 adiante. Por outro lado, os registros das emendas são incompletos para os anos recentes. Em função dessas limitações, a análise está limitada às emendas realizadas nos três períodos legislativos de 2005 a 2008, 2009 a 2012 e 2013 a 2016.

Finalmente, incluímos o fator tamanho dos municípios (log do número de eleitores) como variável de controle, sem uma hipótese especifica sobre a influência da heterogeneidade da sociedade sobre a probabilidade de emendamento. Realizamos novamente várias regressões lineares, utilizando primeiro o número total de artigos emendados como variável dependente e, depois, o número relativo a cada seção temática. As diferentes regressões são identificadas na legenda do Gráfico 4 e também pelas cores. O gráfico mostra que a extensão dos textos das LOMs está positivamente vinculada às taxas de emendamento. As regressões para as diferentes seções temáticas trazem os mesmos resultados. A frequência do número de artigos emendados depende em grande parte do volume de texto nas respectivas seções temáticas. A correção é estatisticamente significativa (p<0,01) para o texto total e todos os temas separados.

Gráfico 4
– Explicando o número de artigos emendados por tema | Fonte: elaboração própria (base 2), 2023.

Dos fatores que avaliam a rigidez, nenhum têm influência estatisticamente significativa no sentido esperado sobre a taxa de emendamento. Em relação ao número de entidades que podem propor emendas, temos duas correlações positivas (para o texto sobre políticas públicas e as considerações finais) no sentido contrário à hipótese. A maior rigidez leva a uma maior taxa de emendamento. Em relação às maiorias necessárias para aprovar as emendas, não identificamos nenhum impacto estatisticamente significativo sobre as taxas de emendamento.

Em relação à hipótese 8, sobre a influência do seguro político, a falta de impacto da alteração de governo sobre a variação do emendamento às configurações da disputa política é um resultado importante. O teste em âmbito local não confirmou a hipótese de que as lideranças políticas locais usam o emendamento para corrigir decisões das maiorias no passado ou criar seguros contra as incertezas políticas do futuro. Esse resultado tem validade não somente para as regressões que explicam as taxas de emendamento do texto total, mas também separadamente para todas as seções temáticas. Mesmo em relação aos trechos das LOMs dedicados às políticas públicas, a frequência do emendamento não está vinculado ao contexto da competitividade do ambiente político.

Dada a relevância da hipótese sobre a importância do seguro político como motivo para o emendamento das LOMs, também testamos duas outras formas de operacionalização da variável dependente. Primeiro, separamos o número de artigos emendados por ciclo eleitoral (2005 a 2008; 2009 a 2012; 2013 a 2016), usando como variável explicativa as respectivas mudanças de governo em relação ao período anterior (0 sem mudança; 1 com mudança). Esse teste permite vincular mais diretamente a mudança de governo local em uma eleição específica às taxas de emendamento nos quatro anos seguintes. Em um segundo passo analisamos separadamente os quatro anos de governo. A hipótese seria de que as emendas que resultam da competição política se concentram ou no primeiro ou no último ano de governo. O Gráfico 5 mostra que nenhuma das duas modalidades confirma a hipótese do emendamento como reação à alteração do controle político sobre a prefeitura local. No caso do último ciclo eleitoral (2013 a 2016), identificamos até uma correlação no sentido contrário ao esperado pela hipótese. Os municípios que passaram por uma alteração de governo em relação ao período anterior tiveram uma taxa menor de emendamento do que os municípios com continuidade política.

Gráfico 5
– Explicando o volume de artigos emendados por ciclo e período de governo | Fonte: elaboração própria (base 2), 2023.

6. Discussão e perspectivas para futuras pesquisas

O texto analisa as LOMs como macro-regras que organizam os sistemas políticos nos municípios brasileiros. Mobilizamos as teorias da Ciência Política nacional e internacional, que há mais de duas décadas exploram diferentes características para descrever e explicar aspectos centrais da elaboração e da mudança dos textos constitucionais. Argumentamos que a transposição das questões, desenhos de pesquisa e hipóteses da literatura sobre as constituições nacionais é uma ferramenta importante para guiar a pesquisa sobre essa dimensão da política local. Por outro lado, a análise dos sistemas políticos municipais mobilizando as teorias e hipóteses da discussão sobre o âmbito nacional amplia a validade externa de teorias. Reconhecemos que, dado o caráter aninhado das LOMs dentro do contexto das constituições Nacional e Estadual, são necessárias adaptações. Exploramos em que medida a CF estabelece condições coercitivas para as LOMs, limitando a discricionaridade dos legisladores municipais na elaboração das LOMs. Outra dimensão da coerção externa diz respeito às decisões da justiça sobre a inconstitucionalidade de regras estabelecidas nas LOMs. Várias das hipóteses da literatura internacional não têm aplicação imediata. Nesse caso, buscamos possibilidades de adaptação. Em outros casos, a transposição do âmbito nacional para a política local é menos problemática.

Após esse exercício, formulamos cinco hipóteses para explicar o volume de texto das LOMs, a partir da composição temática dos textos, do tamanho dos municípios, do orçamento por habitante, da dependência de transferências e do momento de criação dos municípios. Para entender as taxas de emendamento, formulamos outras três hipóteses que mobilizam o volume de texto, a rigidez e o seguro para o futuro.

A partir de uma amostra de conveniência de 743 LOMs de municípios brasileiros, coletada no ano 2022, conseguimos analisar o volume e a composição temática dessas constituições locais. Para 421 desses textos, foi possível identificar o número de artigos emendados, bem como o ano das emendas. Completamos esse banco de dados com informações sobre o tamanho dos municípios (em 2022) e o ano de fundação, coletados a partir de dados do IBGE. Também buscamos dados sobre o orçamento municipal e as transferências orçamentárias (para o ano de 2018) do IPEA. Finalmente, coletamos dados do TSE para identificar o grau de competição política nos municípios para o período de 2000 a 2016. Munidos desses dados foi possível testar as hipóteses formuladas. Cabe lembrar que a amostra de conveniência está bem equilibrada no que diz respeito ao tamanho dos municípios, mas deixa de representar todas as regiões do Brasil de forma adequada. A questão da representatividade da amostra precisa ser enfrentada em trabalhos futuros.

Quando entramos na análise quantitativa das LOMs, identificamos que elas apresentam grande variedade nas duas dimensões da extensão e do emendamento dos textos. O que melhor explica o volume de texto é o tamanho dos municípios, que na nossa interpretação representa a complexidade das comunidades locais. Também identificamos que os municípios com maior receita orçamentária tendem a ter textos mais extensos de LOMs. Finalmente, municípios criados após o ano de1988 também apresentam textos mais extensos. A temática referente às políticas públicas, principalmente, é elaborada em mais detalhe nos municípios mais recentes. Em termos temáticos, o crescimento dos textos é puxado pelos temas das Políticas Públicas e da Administração. Os temas Legislativo e Executivo perdem participação nos textos de maior extensão.

A frequência das emendas depende principalmente da extensão dos textos. A avaliação do papel da rigidez das LOMs quanto ao emendamento é difícil porque os textos apresentam pouca variação nesse item. Fatores contextuais como a complexidade da sociedade, o volume orçamentário e a origem dos recursos não estão correlacionados com a taxa de emendamento. A intensidade da disputa política pela hegemonia no município também não teve impacto significativo sobre as taxas de emendamento. Em relação a esta última hipótese, cremos que a nossa contribuição com a literatura é importante. Salvo engano, o nosso trabalho é o primeiro que testa empiricamente a tese de que a constitucionalização de determinados temas é resultado de uma política de seguro para o futuro. Analisamos de diferentes formas se a alteração do governo municipal está vinculada a uma maior taxa de emendamento. Nenhum dos testes rendeu um resultado positivo.

A análise aqui oferece duas contribuições para a Ciência Política. Por um lado, ressaltamos a necessidade de identificar a relação entre as análises sobre a política local e os fenômenos nacionais. Entendemos que essa relação é determinada tanto pela ideia da universalidade das teorias, como também da especificidade das configurações da política local. As teorias sobre o âmbito nacional sugerem validade universal, mas devem ser testadas no âmbito local. Um passo natural é mobilizar essas teorias sobre a política nacional como ponto de partida para analisar os sistemas políticos municipais. A contribuição para a Ciência Política consiste na ampliação da validade externa dessas teorias. Um segundo passo consiste na identificação das especificidades dos sistemas políticos locais que leva à adaptação e complementação das teorias. A variação das configurações locais em relação a vários fatores políticos, econômicos e sociais oferece oportunidades para ampliar o corpo teórico para explicar determinado fenômeno.

A segunda contribuição diz respeito à análise do fenômeno da política constitucional. A teoria nacional e internacional avançou bastante em relação ao entendimento sobre os fatores que explicam os textos constitucionais e seu emendamento. Mostramos no texto que a teoria que vincula a extensão desses textos à prevalência de determinados temas também encontra confirmação no âmbito local. Por outro lado, a variação dos contextos nos municípios também ofereceu oportunidade de testar a importância de outros fatores como o tamanho populacional dos municípios, as características do orçamento e as trajetórias históricas dos sistemas políticos locais. Vários desses fatores ainda não foram explorados na literatura sobre as constituições nacionais.

A explicação das emendas às LOMs também se iniciou com o teste das duas teorias sobre a importância do tamanho do texto e da rigidez das regras de emendamento. Confirmamos que as LOMs mais extensas também são mais emendadas, ampliando, dessa forma, a validade da teoria também para o âmbito local. A análise da importância da rigidez das regras de emendamento foi prejudicada pela grande uniformidade dessas regras nos vários municípios. Por outro lado, exploramos a ideia de que constituições são salvaguardas em contextos de maiorias políticas instáveis. Não encontramos correlação entre as taxas de emendamento e a volatilidade do controle político sobre os municípios.

A análise das LOMs se revela um terreno fértil para futuras pesquisas. O presente trabalho de caráter exploratório apontou regularidades em relação à extensão dos textos e das temáticas abordadas. Cabe ainda uma investigação mais sistemática sobre a similaridade dos textos verticalmente, com a Constituição Federal e as Constituições Estaduais, mas também horizontalmente, entre as LOMs de municípios vizinhos. Mas, ao mesmo tempo, o trabalho deixa várias perguntas abertas em relação à dinâmica no emendamento das LOMs. Por um lado, encontramos que as taxas de emendamento das LOMs são altas, confirmando um padrão que já encontramos em relação à Constituição Nacional. Por outro, sabemos pouco sobre os fatores que impulsionam essa dinâmica. A pesquisa sobre a dinâmica da alteração das LOMs precisa de aprofundamento. Uma análise mais detalhada do conteúdo das emendas poderá revelar em que medida elas são reativas, se provocadas por mudanças da Constituição Federal ou por declarações de inconstitucionalidade, ou resultado da disputa política local, quando os legisladores locais redefinem as regras da polis ou das políticas públicas. Se, por um lado, as idiossincrasias dos municípios demandam adaptação da teoria e do desenho de pesquisa, nessas questões centrais a pesquisa sobre as LOMs e emendas municipais dialoga com a literatura sobre o âmbito nacional, oferecendo uma oportunidade para aumentar a validade externa das teorias gerais.

  • 1
    Agradecemos ao CNPq que apoiou os dois autores com seus programas de bolsa (Bolsa PQ e Bolsa de Mestrado).
  • 2
    Cabe citar trabalhos anteriores como Maarseveen e Tang (1978)MAARSEVEEN, Henc van; TANG, Ger van der. (1978), Written Constitutions: A Computerized Comparative Study. Brill., Sturm (1982)STURM, Albert L. (1982), “The Development of American State Constitutions”, Publius: The Journal of Federalism, 12, 1:57–98. DOI: https://doi.org/10.1093/oxfordjournals.pubjof.a037387.
    https://doi.org/10.1093/oxfordjournals.p...
    e Anderson et al. (1990)ANDERSON, Gary; MARTIN, Deloris; SHUGART, William; TOLLISON, Robert. (1990), “Behind the Veil: The Political Economy of Constitutional Change”, in W.M. Crain; R.D. Tollison. (org.), Predicting Politics: Essays in Empirical Public Choice. Ann Arbor: University of Michigan Press. que abriram o caminho para a análise empírica dos textos constitucionais. No entanto, o texto de Lutz (1994)LUTZ, Donald. (1994), “Toward a Theory of Constitutional Amendment”, The American Political Science Review, 88, 2:355–370. DOI: https://doi.org/10.2307/2944709.
    https://doi.org/10.2307/2944709...
    teve mais impacto sobre a discussão na Ciência Política.
  • 3
    Arantes e Couto usam como unidades de medição não o texto (número de caracteres ou de palavras), mas as unidades lógicas do texto que separa entre títulos, capítulos, artigos e parágrafos, para fins de quantificação dos respectivos trechos da constituição.
  • 4
    Cabe lembrar que os municípios não podem incluir os estrangeiros residentes entre os eleitores, como acontece nos Estados Unidos (Richman et al., 2014RICHMAN, Jesse; CHATTHA, Gulshan; EARNEST, David. (2014), “Do Non-Citizens Vote in U.S. Elections?”, Electoral Studies, 36:149–157. DOI: https://doi.org/10.1016/j.electstud.2014.09.001.
    https://doi.org/10.1016/j.electstud.2014...
    ), em eleições locais na Europa (Kayran e Erdilmen, 2020KAYRAN, Elif Naz; ERDILMEN, Merve. (2020), “When do states give voting rights to non-citizens? The role of population, policy, and politics on the timing of enfranchisement reforms in liberal democracies”, Journal of Ethnic and Migration Studies, 47, 13:2855–2876. DOI: https://doi.org/10.1080/1369183X.2020.1782178.
    https://doi.org/10.1080/1369183X.2020.17...
    ) e em poucos países da América Latina (Pompeu et al., 2016POMPEU, Gina Vidal Marcílio; FREITAS, Ana Carla Pinheiro; SILVA, Henrique Santos. (2016), “A inserção do direito ao voto do estrangeiro na America Latina”, Revista de Direito Brasileira, 15, 6:61–82. DOI: http://dx.doi.org/10.26668/IndexLawJournals/2358-1352/2016.v15i6.3067.
    http://dx.doi.org/10.26668/IndexLawJourn...
    ).
  • 5
    O pano de fundo é a opção em muitos países pela possibilidade de candidaturas independentes em eleições locais (Brancati, 2008BRANCATI, Dawn. (2008), “Winning Alone: The Electoral Fate of Independent Candidates Worldwide”, The Journal of Politics, 70, 3:648–662. DOI: https://doi.org/10.1017/S0022381608080675.
    https://doi.org/ https://doi.org/10.1017...
    ; Scarrow, 2000SCARROW, Susan. (2000), “Parties without members”, in M.P. Wattenberg; R.J. Dalton. (org.), Parties without partisans, Oxford, Oxford University Press.; Tavares et al., 2020TAVARES, António; RAUDLA, Ringa; SILVA, Tiago. (2020), “Best of both worlds? Independent lists and voter turnout in local elections”, Journal of Urban Affairs, 42, 7:955–974. DOI: https://doi.org/10.1080/07352166.2019.1623682.
    https://doi.org/10.1080/07352166.2019.16...
    ).
  • 6
    Cabe lembrar que o judiciário brasileiro tem um papel importante nesse enforcement do caráter aninhado das LOMs no arcabouço constituição nacional. Os municípios frequentemente são obrigados a adequações das suas LOMs, a partir de ações movidas na justiça, questionando a constitucionalidade do texto original das LOMs ou de emendas aprovadas.
  • 7
    O caráter aninhado pode ajudar a taxa média de emendamento em todos os munícipios. Somente futuras pesquisas poderão esclarecer em que medida as taxas de emendamento das LOMs são “puxadas” por fatores decorrentes desse aninhamento, como as mudanças na CF ou as ações de inconstitucionalidade que correm nos Tribunais de Justiça dos estados.
  • 8
    Textos de 684 LOMs disponíveis em www.leismunicipais.com.br, consultado em 10/12/2021. Completamos esse banco de dados com as LOMs de todas as cidades acima de 200 mil habitantes, apenas não obtivemos sucesso para o município de Santo André-SP.
  • 9
    O procedimento de classificação diverge da abordagem de Couto e Arantes (2006) em relação a dois pontos centrais. Classificamos títulos e seções enquanto os autores classificam os artigos e incisos. Por outro lado, a nossa classificação separa seis categorias de conteúdo, enquanto a análise dos autores usa as categorias de policy e polity.
  • 10
    Partidos que mudaram de nome ou passaram por fusão entre duas eleições são considerados continuidade. As cisões ou a criação de novas siglas em eventual vitória do novo partido criado é tida como mudança. Ainda, a contagem de mudanças de governo é diferente da contagem do n de partidos que governaram o município.
  • 11
    O gráfico anterior mostrou que o impacto desses fatores é indireto, via composição temática das LOMs.

Bibliografia

  • ABSHER-BELLON, Gabriel Luan. (2015), Constituições estaduais pós-1989: o processo de emendamento e seus determinantes. Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo. DOI: https://doi.org/10.11606/D.8.2016.tde-14032016-101816
    » https://doi.org/10.11606/D.8.2016.tde-14032016-101816
  • ANDERSON, Gary; MARTIN, Deloris; SHUGART, William; TOLLISON, Robert. (1990), “Behind the Veil: The Political Economy of Constitutional Change”, in W.M. Crain; R.D. Tollison. (org.), Predicting Politics: Essays in Empirical Public Choice. Ann Arbor: University of Michigan Press.
  • ARANTES, Rogério Bastos. (1997), Judiciário e política no Brasil. São Paulo, Sumaré/Educ/Fapesp.
  • ARANTES, Rogerio Bastos; COUTO, Cláudio. (2016). “Constitutionalizing Policy: The Brazilian Constitution of 1988 and its Impact on Governance”, in D. Nolte; A. Schilling-Vacaflor. (org.), New Constitutionalism in Latin America: Promises and Practices, Abingdon, Ashgate, Routledge.
  • ARANTES, Rogério; COUTO, Cláudio. (2009), “Uma constituição incomum”, in M.A.R. de Carvalho; C. Araújo; J.A. Simões. (org.), A Constituição de 1988: Passado e Futuro. São Paulo, Aderaldo & Rothschild; ANPOCS.
  • BERKOWITZ, Daniel; CLAY, Karen. (2005), “American Civil Law Origins: Implications for State Constitutions”, American Law and Economics Review, 7, 1:62–84. DOI: https://doi.org/10.1093/aler/ahi007
    » https://doi.org/10.1093/aler/ahi007
  • BRANCATI, Dawn. (2008), “Winning Alone: The Electoral Fate of Independent Candidates Worldwide”, The Journal of Politics, 70, 3:648–662. DOI: https://doi.org/10.1017/S0022381608080675.
    » https://doi.org/ https://doi.org/10.1017/S0022381608080675
  • COUTO, Cláudio Gonçalves; ABSHER-BELLON, Gabriel Luan. (2018), “Imitação ou coerção? Constituições estaduais e centralização federativa no Brasil”, Revista de Administração Pública, 52, 2:321–344. DOI: https://doi.org/10.1590/0034-761220170061
    » https://doi.org/10.1590/0034-761220170061
  • COUTO, Cláudio Gonçalves; ARANTES, Rogério Bastos. (2006), “Constituição, governo e democracia no Brasil”, Revista Brasileira de Ciências Sociais, 21, 61:41–62. DOI: https://doi.org/10.1590/S0102-69092006000200003
    » https://doi.org/10.1590/S0102-69092006000200003
  • COUTO, Cláudio; ARANTES, Rogério. (2008), “Constitution, Government and democracy in Brazil”. World Political Science, 4, 2:1-33. DOI: https://doi.org/10.2202/1935-6226.1050
    » https://doi.org/10.2202/1935-6226.1050
  • ELKINS, Zachary; GINSBURG, Tom; MELTON, James. (2009), The endurance of national constitutions. Cambridge, New York, Cambridge University Press.
  • FEREJOHN, John. (1997), “The Politics of Imperfection: The Amendment of Constitutions”, Law & Social Inquiry, 22, 2:501–530.
  • GUTMANN, Jerg; VOIGT, Stefan. (2022), Quantitative Analysis of Constitutions ILE Working Paper Series, No. 56, fevereiro, Institute of Law and Economics, Universität Hamburg. Disponível em: https://www.econstor.eu/bitstream/10419/249560/1/ile-wp-2022-56.pdf, consultado em 22/02/2024.
    » https://www.econstor.eu/bitstream/10419/249560/1/ile-wp-2022-56.pdf
  • HIRSCHL, Ran. (2004), Towards Juristocracy: The Origins and Consequences of the New Constitutionalism. Cambridge, London, Harvard University Press.
  • HOLMES, Stephen. (1999), “El precompromisso y la paradoja de la democracia”, in J. Elster; R. Slagstad. (org.), Constitucionalismo y democracia. México, Fondo De Cultura Economica USA.
  • KAYRAN, Elif Naz; ERDILMEN, Merve. (2020), “When do states give voting rights to non-citizens? The role of population, policy, and politics on the timing of enfranchisement reforms in liberal democracies”, Journal of Ethnic and Migration Studies, 47, 13:2855–2876. DOI: https://doi.org/10.1080/1369183X.2020.1782178
    » https://doi.org/10.1080/1369183X.2020.1782178
  • LUTZ, Donald. (1994), “Toward a Theory of Constitutional Amendment”, The American Political Science Review, 88, 2:355–370. DOI: https://doi.org/10.2307/2944709
    » https://doi.org/10.2307/2944709
  • MAARSEVEEN, Henc van; TANG, Ger van der. (1978), Written Constitutions: A Computerized Comparative Study. Brill.
  • MELO, Marcus André. (2007), “Hiperconstitucionalização e qualidade da democracia. Mito e realidade”. in C.R. Melo; M.A. Sáez. (org.), A democracia brasileira: balanço e perspectivas para o século 21. Belo Horizonte, Editora UFMG.
  • MELO, Marcus André. (2013), “Mudança constitucional no Brasil, dos debates sobre regras de emendamento na constituinte à ‘megapolítica’”, Novos Estudos - CEBRAP, 97, 187–206. DOI: https://doi.org/10.1590/S0101-33002013000300012
    » https://doi.org/10.1590/S0101-33002013000300012
  • NEGRETTO, Gabriel. (2012), “Replacing and Amending Constitutions: The Logic of Constitutional Change in Latin America”, Law & Society Review, 46, 4:749–79. DOI: https://doi.org/10.1111/j.1540-5893.2012.00516
    » https://doi.org/10.1111/j.1540-5893.2012.00516
  • NORONHA, Lincoln Thomaz. (2017), “A Methodological Critique on Constitutional Amendment Theory”. Leviathan, 11:88-120.
  • POMPEU, Gina Vidal Marcílio; FREITAS, Ana Carla Pinheiro; SILVA, Henrique Santos. (2016), “A inserção do direito ao voto do estrangeiro na America Latina”, Revista de Direito Brasileira, 15, 6:61–82. DOI: http://dx.doi.org/10.26668/IndexLawJournals/2358-1352/2016.v15i6.3067
    » http://dx.doi.org/10.26668/IndexLawJournals/2358-1352/2016.v15i6.3067
  • RICHMAN, Jesse; CHATTHA, Gulshan; EARNEST, David. (2014), “Do Non-Citizens Vote in U.S. Elections?”, Electoral Studies, 36:149–157. DOI: https://doi.org/10.1016/j.electstud.2014.09.001
    » https://doi.org/10.1016/j.electstud.2014.09.001
  • SCARROW, Susan. (2000), “Parties without members”, in M.P. Wattenberg; R.J. Dalton. (org.), Parties without partisans, Oxford, Oxford University Press.
  • SILVA, Jorge Kleber Teixeira; LIMA, Maria Helena Palmer. (2011), “Evolução do marco legal da criação de municípios no Brasil”, in IBGE. (org.), Evolução da divisão territorial do Brasil. Rio de Janeiro, IBGE.
  • SOUZA, Celina. (2008), “Regras e contexto: as reformas da Constituição de 1988”. Dados, 51, 4:791–823. DOI: https://doi.org/10.1590/S0011-52582008000400001
    » https://doi.org/10.1590/S0011-52582008000400001
  • STURM, Albert L. (1982), “The Development of American State Constitutions”, Publius: The Journal of Federalism, 12, 1:57–98. DOI: https://doi.org/10.1093/oxfordjournals.pubjof.a037387
    » https://doi.org/10.1093/oxfordjournals.pubjof.a037387
  • TAVARES, António; RAUDLA, Ringa; SILVA, Tiago. (2020), “Best of both worlds? Independent lists and voter turnout in local elections”, Journal of Urban Affairs, 42, 7:955–974. DOI: https://doi.org/10.1080/07352166.2019.1623682
    » https://doi.org/10.1080/07352166.2019.1623682
  • TSEBELIS, George. (1997), “Processo decisório em sistemas políticos: veto players no presidencialismo, parlamentarismo, multicameralismo e pluripartidarismo”, Revista Brasileira de Ciências Sociais, 12, 34: 89-117.
  • TSEBELIS, George; NARDI, Dominic. (2016), “A Long Constitution is a (Positively) Bad Constitution: Evidence from OECD Countries”, British Journal of Political Science, 46, 2:479–480. https://doi.org/10.1017/S000712341500040X
    » https://doi.org/10.1017/S000712341500040X
  • VOIGT, Stefan. (2009), “Explaining Constitutional Garrulity”, International Review of Law and Economics, 29, 4:290–303. DOI: https://doi.org/10.1016/j.irle.2009.06.002
    » https://doi.org/10.1016/j.irle.2009.06.002

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    20 Jan 2023
  • Aceito
    30 Jan 2024
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais - ANPOCS Av. Prof. Luciano Gualberto, 315 - sala 116, 05508-900 São Paulo SP Brazil, Tel.: +55 11 3091-4664, Fax: +55 11 3091-5043 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: anpocs@anpocs.org.br