Acessibilidade / Reportar erro

Por uma ética integradora e pluralista: caminhos para a educação em valores a partir da resolução de conflitos

Por una ética integradora y pluralista: caminos para la educación en valores a partir de la resolución de conflictos

RESUMO

Este artigo tem como objetivo desbravar implicações teórico-metodológicas da ética do cuidado para a psicologia e a educação moral. Assumindo a premissa de múltiplas vozes morais em conexão, inaugurada por Gilligan, o artigo estuda os conflitos interpessoais pela via da Teoria dos Modelos Organizadores do Pensamento. Parte-se de um recorte de pesquisa com adolescentes de 14 a 16 anos em que foram aplicadas entrevistas sobre conflitos interpessoais. Apresentamos a análise de dois conflitos narrados por um jovem participante para identificar diferentes fenômenos do psiquismo humano na resolução de conflitos. Os resultados evidenciaram o continuum entre desejos de justiça, cuidado, felicidade e bem-estar na elaboração das relações interpessoais em diversos contextos interativos, dando visibilidade à ética relacional. Com base nos resultados, discutimos algumas implicações para práticas educacionais voltadas à formação ética e à atuação para o bem pessoal e coletivo.

Palavras-chave:
Ética; Modelos Organizadores do Pensamento; Conflitos; Educação em valores

RESUMEN

Este artículo explora las implicaciones teóricas y metodológicas de la ética del cuidado para la psicología y la educación moral. Asumiendo la premisa de Gilligan múltiples voces morales en conexión, el artículo estudia los conflictos interpersonales a través de la Teoría de los Modelos Organizadores del Pensamiento. Desde un recorte de investigación con entrevistas a adolescentes de 14 a 16 años sobre conflictos interpersonales, presentamos el análisis de dos conflictos narrados por un joven participante, para identificar diferentes fenómenos de la psique humana en la resolución de conflictos. Los resultados mostraron el continuo entre los deseos de justicia, cuidado, felicidad y bienestar en el desarrollo de las relaciones interpersonales en diferentes contextos interactivos, dando visibilidad a la ética relacional. Con base en los resultados, discutimos algunas implicaciones para las prácticas educativas dirigidas a la formación ética y al actuar para el bien personal y colectivo.

Palabras clave:
Ética; Modelos Organizadores del Pensamiento; Conflictos; Educación en Valores

ABSTRACT

This article aims to explore theoretical-methodological implications of the ethics of care for psychology and moral education. Taking the premise of multiple moral voices in connection, installed by Gilligan, the article analyzes interpersonal conflicts, through the Theory of Organizing Models of Thinking. From a research clipping with teenagers aged 14 to 16, in which interviews about interpersonal conflicts were applied, we present the analysis of two conflicts narrated by a young participant. We seek to highlight different phenomena of the human psyche in conflict resolution. The results showed the continuum between the desires of justice, care, happiness, and well-being in the elaboration of interpersonal relationships in different interactive contexts, giving visibility to relational ethics. Based on the results, we discuss some implications for educational practices aimed at ethical education aligned with acting for the personal and collective good.

Keywords:
Ethics; Organizing Models of Thinking; Conflicts; Moral education

De forma geral, sugerimos que cuidar seja visto como uma atividade da espécie humana que inclui tudo o que fazemos para manter, continuar e reparar nosso ‘mundo’ de maneira que possamos viver nele da melhor forma possível. Esse mundo inclui nossos corpos, nós mesmos e nosso ambiente, todos os quais buscamos entrelaçar em uma rede complexa que sustenta nossa vida. (Tronto, 1993TRONTO, Joan C. Moral boundaries: A political argument for an ethic of care. New York: Routledge, 1993. https://doi.org/10.4324/9781003070672
https://doi.org/10.4324/9781003070672...
, p. 103, tradução nossa)

A publicação do livro In a different voice: Psychological Theory and Women's Development por Carol Gilligan, em 1982GILLIGAN, Carol. In a different voice: Psychological theory and women's development. Cambridge: Harvard University Press, 1982., trouxe à luz uma vertente inovadora e poderosa para o estudo da moralidade humana, com implicações importantes para a educação em valores. Suas ideias, que essencialmente buscaram romper o princípio de uma moralidade baseada exclusivamente na justiça, foram um marco na abertura de novos caminhos para as investigações e desvelaram, a partir de pressupostos feministas, uma "voz diferente" na elaboração de juízos frente a dilemas morais. Trata-se de uma "voz" elaborada por meninas e mulheres em busca de outra concepção de moralidade: a ética do cuidado, voltada para a compreensão da responsabilidade e dos relacionamentos interpessoais.

O construto teórico que eleva a ética do cuidado como fundamental à moralidade humana ampliou o espectro do campo da psicologia moral por meio da identificação de múltiplas vozes (Hekman, 1995HEKMAN, Susan J. Moral voices, moral selves: Carol Gilligan and feminist moral theory. New York: Polity, 1995.) e fez emergir a ideia de que, para além do ideal de igualdade e de justiça, as premissas do amor e da paz são igualmente importantes para o exercício da cidadania nas sociedades democráticas (Gilligan, 2013GILLIGAN, Carol. La ética del cuidado. Barcelona: Fundació Víctor Grífols i Lucas, 2013.; Tronto, 2013TRONTO, Joan C. Caring democracy: Markets, equality, and democracy. New York: New York University Press, 2013.). Com isso, tal ótica passa a considerar o sujeito em sua complexidade e imerso em um contexto espacial e temporal, inaugurando um novo paradigma que integra cognição e emoção, mente e corpo, público e privado, bem como o "eu", suas relações e o mundo (Gilligan, 2013GILLIGAN, Carol. La ética del cuidado. Barcelona: Fundació Víctor Grífols i Lucas, 2013.).

No bojo das ideias postuladas por Gilligan, pretendemos desbravar algumas implicações teóricas e metodológicas da ética do cuidado para os campos da psicologia e da educação moral, articulando-as com nossas reflexões, embasadas em um recorte de uma investigação empreendida por nós sobre a resolução de conflitos na ótica da Teoria dos Modelos Organizadores do Pensamento (TMOP — Moreno Marimón et al., 1999MORENO MARIMÓN, Montserrat; SASTRE, Genoveva; BOVER, Magali; LEAL, Aurora. Conhecimento e mudança: Os modelos organizadores na construção do conhecimento. Campinas: Unicamp; São Paulo: Moderna, 1999.).

ENTRE A ÉTICA DA JUSTIÇA E A ÉTICA DO CUIDADO

No campo da psicologia moral, até a publicação da obra In a different voice (Gilligan, 1982GILLIGAN, Carol. In a different voice: Psychological theory and women's development. Cambridge: Harvard University Press, 1982.), a inspiração kantiana era dominante, na perspectiva de uma moral de fonte deontológica, firmada no princípio de justiça e caracterizada por um percurso hierárquico e universal estabelecido entre o desenvolvimento intelectual e o raciocínio moral. Inspirados por essa moral, Piaget (1932)PIAGET, Jean. O juízo moral na criança. São Paulo: Grupo Editorial Summus, 1932/1994. e Kohlberg (1976KOHLBERG, Lawrence. Moral stages and moralization: The cognitive-development approach. In: LICKONA, Thomas. Moral development and behavior: Theory, Research, and Social Issues. New York: Holt, Rinehart, & Winston, 1976. p. 31-53.; 1984KOHLBERG, Lawrence. The Psychology of Moral Development: The Nature and Validity of Moral Stages. Essays on moral development, v. II. San Francisco: Harper & Row, 1984.), apesar de suas diferenças substanciais, convergiam no conceito de que o juízo moral antecipa e é condição necessária para a ação, orientando-a e direcionando-a, ainda que não seja capaz de garanti-la. Tal interpretação determina o sujeito racional como o detentor da moralidade, o que consiste em uma leitura parcial, que não corresponde à realidade dos sujeitos psicológicos, conforme sinalizaram diversos autores como Selman (1989)SELMAN, Robert. El desarrollo sociocognitivo: Una guía para la práctica educativa y clínica. In: TURIEL, Elliot; ARANA, Ileana Enesco; LINAZA IGLESIAS, José Luis (org.). El mundo social en la mente infantil. Madrid: Alianza Editorial, 1989. p. 71-100., Flanagan (1993)FLANAGAN, Owen. Varieties of moral personality: ethics and psychological realism. Cambridge: Harvard University Press, 1993., Sastre Vilarrasa, Moreno Marimón e Fernández Nistal (1994)SASTRE VILARRASA, Genoveva; MORENO MARIMÓN, Montserrat; FERNANDEZ NISTAL, María Teresa. El derecho a ser y la autorrenuncia: sus modelos organizadores en la preadolescencia. Educación y sociedade, Madrid, n. 27-28, p. 163-190, 1994. e Campbell e Christopher (1996)CAMPBELL, Robert L.; CHRISTOPHER, John Chambers. Moral development theory: A critique of its Kantian presuppositions. Developmental Review, [S.l.], v. 16, n. 1, p. 1-47, 1996. https://psycnet.apa.org/doi/10.1006/drev.1996.0001
https://psycnet.apa.org/doi/10.1006/drev...
.

Apontando lacunas nesses modelos teóricos, Gilligan defendeu, com veemência, que aquilo que era considerado como limitações no desenvolvimento das mulheres — preocupação com o outro, com as relações e com a dimensão emocional —, na realidade, se tratava do interesse pelo eu e da preocupação com o outro. Dessa forma, uma diferenciação cada vez maior do eu e do outro, bem como uma compreensão crescente da dinâmica na interação social, legitimavam o desenvolvimento da ética do cuidado, que se constrói no conhecimento cumulativo dos relacionamentos humanos, numa progressão que pressupõe a concepção de interdependência do eu e do outro. A invisibilidade ou o sacrifício dessa "voz" feminina significava, portanto, o sacrifício da relação. Eis uma falha que, para além de problemática do ponto de vista moral, parece inaceitável do ponto de vista psicológico, já que estar numa relação significa estar presente e não ausente (Gilligan, 2013GILLIGAN, Carol. La ética del cuidado. Barcelona: Fundació Víctor Grífols i Lucas, 2013.).

Para Gilligan (1982)GILLIGAN, Carol. In a different voice: Psychological theory and women's development. Cambridge: Harvard University Press, 1982., as relações experienciadas por meninas e meninos são, desde tenra infância, muito diferentes, o que faz com que ambos cheguem à puberdade com orientações interpessoais e experiências sociais também muito diversas. Como as mulheres foram cuidadas por alguém do mesmo sexo, somado ao fato de não precisarem do sucesso da separação da mãe em seu processo de individualização, elas se definem em um marco de relações humanas, julgando-se também em função da capacidade de atenderem aos outros. Daí o pressuposto da existência de duas fontes da moralidade: a ética da justiça, mais fortemente arraigada às características masculinas, e a ética do cuidado, mais presente nos juízos femininos, sem com isso qualificar uma como superior à outra. Vale destacar ainda que, embora a orientação de justiça ou cuidado possa ser mais expressiva, respectivamente, nos homens e nas mulheres, Gilligan foi cautelosa ao postular que "[...] ambos são capazes de mudar de orientação considerando o conflito em questão" (Gilligan e Wiggins, 1988GILLIGAN, Carol; WIGGINS, Grant. The Origins of Morality in Early Childhood Relationships. In: GILLIGAN, Carol; WARD, Janie Victoria; TAYLOR, Jill McLean; BARDIGE, B. Mapping the Moral Domain. Boston: Harvard Press, 1988., p. 119).

Apesar de reconhecer que o cuidado não está estritamente relacionado às mulheres, ao trazer em seus estudos a expressão "voz feminina", Gilligan foi interpretada como autora de uma ética "feminina" e, com isso, recebeu críticas de teorias feministas que apontaram as limitações de seu modelo na superação dos paradigmas sexistas da sociedade patriarcal. De um modo ou de outro, estava instalada a polêmica sobre a dualidade justiça-cuidado, nos anos 1980–1990, com debates que abriram novos caminhos para as pesquisas nos campos da psicologia e da filosofia moral. Também estava instalado o "care challenge" (desafio do cuidado, tradução nossa), proposto por Gilligan e outros teóricos com o intuito de erigir uma teoria que abordasse o desenvolvimento do cuidado como complementar ao desenvolvimento cognitivo do princípio de justiça. Além da própria Gilligan (1986; 1995/2003)GILLIGAN, Carol. Reply by Carol Gilligan. Signs: journal of women in culture and society, Chicago, v. 11, n. 2, p. 324-333, 1986., essa linha teórica foi levada a cabo por várias autoras como Noddings (1984/2013)NODDINGS, Nel. Caring: A relational approach to ethics and moral education. Oakland: University of California Press, 1984/2013., Hekman (1993HEKMAN, Susan. Moral voices, moral selves: About getting it right in moral theory. Human Studies, [S.l.], v. 16, n. 1-2, p. 143-162, 1993. https://doi.org/10.1007/bf01318576
https://doi.org/10.1007/bf01318576...
; 1995HEKMAN, Susan J. Moral voices, moral selves: Carol Gilligan and feminist moral theory. New York: Polity, 1995.), Tronto (1993TRONTO, Joan C. Moral boundaries: A political argument for an ethic of care. New York: Routledge, 1993. https://doi.org/10.4324/9781003070672
https://doi.org/10.4324/9781003070672...
; 2013TRONTO, Joan C. Caring democracy: Markets, equality, and democracy. New York: New York University Press, 2013.), Held (2006)HELD, Virginia. The ethics of care: Personal, political, and global. New York: Oxford University Press, 2006. https://doi.org/10.1093/0195180992.001.0001
https://doi.org/10.1093/0195180992.001.0...
, Skoe (2014)SKOE, Eva E. A. Measuring care-based moral development: The Ethic of Care Interview. Behavioral Development Bulletin, v. 19, n. 3, p. 95-104, 2014. https://doi.org/10.1037/h0100594
https://doi.org/10.1037/h0100594...
e Puig de la Bellacasa (2017)PUIG DE LA BELLACASA, Maria. Matters of care: Speculative ethics in more than human worlds. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2017., corroborando novas possibilidades em diversos campos do conhecimento. Tal contexto também impôs a Kohlberg uma revisão de seus pressupostos teóricos e, consequentemente, o reconhecimento de uma outra orientação moral além da justiça (Kohlberg, Levine e Hewer, 1983KOHLBERG, Lawrence; LEVINE, Charles; HEWER, Alexandra. The Current Formulation of the Theory. In: KOHLBERG, Lawrence; LEVINE, Charles; HEWER, Alexandra (org.). Moral Stages. Berlim: Karger Publishers, 1983. https://doi.org/10.1159/isbn.978-3-318-03252-9
https://doi.org/10.1159/isbn.978-3-318-0...
), mantendo, porém, a justiça como princípio ético superior, à qual estava subordinada a ética do cuidado (Blum, 1988BLUM, Lawrence A. Gilligan and Kohlberg: Implications for Moral Theory. Ethics, Chicago, v. 98, n. 3, p. 472-491, Apr. 1988.).

Nesse movimento, alguns autores passaram a sugerir a redefinição da justiça dentro dos parâmetros da ética do cuidado. Noddings (1984/2013)NODDINGS, Nel. Caring: A relational approach to ethics and moral education. Oakland: University of California Press, 1984/2013., por exemplo, defendeu que o cuidado é "natural", acessível a todas as pessoas e, sendo imanentemente humano, acaba por englobar o princípio de justiça. Okin (1989)OKIN, Susan Moller. Justice, gender and the family. New York: Basic Books, 1989., na vertente política, apresentou a tese de que a justiça precisa ser avaliada pelo princípio do cuidado, o que requer uma transformação na distinção das esferas do público e do privado, sendo a intimidade das relações familiares uma via fecunda para as políticas em âmbito público. Em uma perspectiva semelhante, Young (1990)YOUNG, Iris Marion. Justice and the politics of difference. Princeton: Princeton University Press, 1990. argumentou que a imparcialidade é um ideal impossível que mascara o domínio de um grupo hegemônico, sustentando que a justiça deve ser realizada em um contexto de heterogeneidade e parcialidade. Porém, de acordo com Hekman (1993)HEKMAN, Susan. Moral voices, moral selves: About getting it right in moral theory. Human Studies, [S.l.], v. 16, n. 1-2, p. 143-162, 1993. https://doi.org/10.1007/bf01318576
https://doi.org/10.1007/bf01318576...
, tais abordagens ainda falham em avaliar as implicações radicais sugeridas pelo trabalho de Gilligan, por buscarem, em nossa tradição ocidental, redefinições e não transformações na epistemologia moral.

Em nossa opinião, a análise mais fina sobre essas duas éticas foi feita pela filósofa Seyla Benhabib (1992)BENHABIB, Seyla. Situating the self: gender, community and postmodernism in contemporary ethics. New York: Routlege, 1992.. Para essa autora, a ética da justiça considera cada pessoa como um "outro generalizado", o que permite atribuir a todos os indivíduos os mesmos direitos e deveres. Centradas naquilo que todos os seres humanos têm em comum, as relações nessa perspectiva são geridas pelas normas de igualdade formal e reciprocidade, que são primariamente públicas e institucionais. A ideia de justiça é, nesse sentido, entendida como o respeito pelos direitos e deveres das pessoas, que deve estar acima de todas e quaisquer necessidades e/ou diferenças. A ética do cuidado e da responsabilidade, pelo contrário, leva em consideração a diversidade e está baseada na consideração de um "outro concreto". Nessa abordagem, os seres humanos são vistos como pessoas com uma identidade, uma história de vida concreta e uma constituição afetiva própria. Assim, regidos pelos princípios de equidade e de reciprocidade "complementar", os indivíduos assumem, frente ao outro, comportamentos em que se sintam reconhecidos como pessoas com necessidades específicas, talentos e capacidades. De ordem privada e não pública, as categorias morais de tal ética são a responsabilidade e o compartilhar, baseadas no amor, na amizade, no cuidado, na empatia e na solidariedade.

Nessa perspectiva, a ética da justiça impede-nos, por exemplo, de tratar injustamente os demais, enquanto a ética do cuidado e da responsabilidade, para além disso, impossibilita-nos de ignorar alguém que se encontra em situação de necessidade ou risco. Ainda que sejam éticas complementares, cada uma delas — justiça e cuidado — obedece a uma posição moral diferente. O fato é que, ao aplicar a todas as pessoas as mesmas normas sem considerar suas particularidades, dificuldades e/ou problemas pessoais, a ética da justiça pode chegar a ser injusta, enquanto a ética do cuidado, vista como complementar, pode encobrir os inconvenientes da ética da justiça e instaurar uma nova moral baseada não apenas na justiça, mas também no cuidado para com o outro, no respeito pelas diferenças, na cooperação e no amor (Moreno Marimón e Sastre Vilarrasa, 2014MORENO MARIMÓN, Montserrat; SASTRE VILARRASA, Genoveva. Como construímos universos: amor, cooperação e conflito. São Paulo: Editora UNESP, 2014.).

Admitindo que ambas as dimensões — justiça e cuidado — são essenciais para os seres humanos, Benhabib (1992)BENHABIB, Seyla. Situating the self: gender, community and postmodernism in contemporary ethics. New York: Routlege, 1992. postula que nenhuma tem primazia e defende sua integração, já que somos seres concretos e corporais com necessidades, emoções e desejos. Tal integração prevê pontos de vista reversíveis de acordo com os interesses, os desejos, os valores e as atitudes do sujeito em relação ao "outro concreto", ao mesmo tempo em que o contexto de suas experiências estabelece regras e direitos para o "outro generalizado". No bojo dessas discussões, Gilligan (1995/2003)GILLIGAN, Carol. Hearing the difference: theorizing connection. Anuario de Psicología, Barcelona, v. 34, n. 2, p. 155-161, 1995/2003. indica que a ética do cuidado suscita a quebra de um paradigma patriarcal, firmado na "desconexão" entre homens e mulheres. Daí a necessidade de se fazer uma distinção inicial entre uma ética feminina do cuidado, que diz respeito às obrigações e aos relacionamentos interpessoais, com a premissa do autossacrifício e da falta de identidade, e uma ética feminista do cuidado, cuja essência está na "conexão", vista como primária e fundamental para o ser humano.

Todos esses trabalhos e essas controvérsias têm em comum a intenção de buscar modelos teóricos mais abrangentes e completos sobre a moralidade humana, admitindo que sua compreensão pressupõe a confluência das esferas pública e privada, dos aspectos afetivos e cognitivos. Afinal, o que resta de um universo público desprovido do afetivo? Para onde caminhamos num mundo "privado" sem cognição? Uma sociedade que favorece a hierarquia entre homens e mulheres poderia ser considerada democrática?

Tais questionamentos nos incitam a superar paradigmas teóricos e experimentais centrados numa análise linear do pensamento. Para isso, elaboramos investigações que nos permitem diferenciar e relacionar a confluência de ambos os processos, indissociáveis nos atos mentais, e traçar indicações importantes para a educação em valores.

MÚLTIPLAS VOZES EM CONEXÃO: OS MODELOS ORGANIZADORES DO PENSAMENTO E OS CONFLITOS INTERPESSOAIS

Como bem nos advertiu Hekman (1993)HEKMAN, Susan. Moral voices, moral selves: About getting it right in moral theory. Human Studies, [S.l.], v. 16, n. 1-2, p. 143-162, 1993. https://doi.org/10.1007/bf01318576
https://doi.org/10.1007/bf01318576...
, se estiver correta a premissa de que as vozes são produtos de experiências através das quais o sujeito é constituído, então certamente há mais do que apenas dois princípios morais. Tal premissa, provocada por Gilligan, trouxe para os estudos no campo da moralidade um ponto de virada, levando-nos, por diferentes vias, à abertura de outras possíveis vozes ou de múltiplos princípios éticos na constituição humana.

Em busca dessas múltiplas vozes, apostamos nos caminhos trilhados por Fox Keller (apud Schnitman e Littlejohn, 1999SCHNITMAN, Dora Fried; LITTLEJOHN, Stephen (org.). Novos paradigmas em mediação. São Paulo: Artes Médicas, 1999.), que critica as clássicas oposições dicotômicas e examina sistematicamente os elementos pessoais do político e os elementos políticos do pessoal; a oculta e silenciosa dimensão subjetiva do objetivo; a dimensão racional do afetivo; e as dimensões afetivas do racional. A essas dicotomias apontadas por Fox Keller, acrescentamos ainda a fronteira intransitável entre as dimensões do consciente e do inconsciente. Isso porque herdamos uma cultura cujo universo foi dividido em duas metades ao longo da história: uma considerada pública, cognitiva, objetiva, consciente; e outra concebida como privada, afetiva, subjetiva e não consciente. Tal divisão promove uma simplificação e um empobrecimento dos elementos que qualificam cada uma das metades criadas, além de não fazer jus às experiências que subsidiam a produção de nossas diferentes vozes.

A elaboração pessoal da experiência leva à construção e organização de novos conhecimentos com elementos que dão base a leituras de diferentes ordens: pessoal, política, afetiva e cognitiva. Nessa elaboração, algumas leituras chegam ao nível da consciência enquanto outras permanecem em níveis não conscientes; porém, ainda que uma parte reduzida de nossa atividade aflore de forma consciente, nossos mundos internos e externos são elaborados simultaneamente (Arantes e Pinheiro, 2017ARANTES, Valéria Amorim; PINHEIRO, Viviane Potenza Guimarães. Cognição, Afetividade e a Resolução de Problemas. International Studies on Law and Education, São Paulo, n. 27, p. 49-62, set./dez. 2017.). Essas diferentes forças, internas e externas, conscientes e não conscientes, morais e não morais, atuam e regulam nossos pensamentos, nossos sentimentos e nossas ações diante das situações cotidianas. Nesse processo, o ser humano é impulsionado a fazer escolhas sobre como viver, aplicando-as à sua vida pessoal e coletiva, num percurso de constituição da sua identidade no qual os valores vão sendo construídos e incorporados (Araújo, Puig e Arantes, 2007ARAÚJO, Ulisses F.; PUIG, Josep Maria; ARANTES, Valéria Amorim (org.). Educação e valores: pontos e contrapontos. São Paulo: Summus, 2007.).

A concepção de uma moralidade que vai sendo construída e se integra à identidade do ser humano faz com que exista um compromisso de agir moralmente (Blasi, 2004BLASI, Augusto. Moral functioning: moral understanding and personality. In: LAPSLEY, Daniel K.; NARVAEZ, Darcia (org.). Moral development, self and identity. Marhwash, New Jersey; London: Lawrence Eerlbaum Associates Publishers, 2004. p. 335-347.) que, apesar de não ser a única via para o pensar, o sentir e o agir moralmente, é apoio para eles. Isso porque, para além da gama de processos mentais, emocionais e comportamentais que contribuem para uma escolha moral, a organização do pensar e do agir moral pressupõe a conexão entre todos eles já que eles interagem entre si durante a experiência humana (Damon e Colby, 2015DAMON, William; COLBY, Anne. The power of ideals: The real story of moral choice. New York: Oxford University Press, 2015.).

Ao assumirmos a perspectiva da moralidade humana como um constructo complexo, bem como a premissa das múltiplas vozes em conexão, apostamos no estudo dos conflitos interpessoais como uma via fecunda para se interpretar os diferentes fenômenos do psiquismo humano. Entendemos, com Schnitman e Littlejohn (1999)SCHNITMAN, Dora Fried; LITTLEJOHN, Stephen (org.). Novos paradigmas em mediação. São Paulo: Artes Médicas, 1999., os conflitos como matéria-prima para nossa constituição psíquica, cognitiva, afetiva, ideológica e social. Afinal, por estarmos em relações diretas ou mediadas com os demais, a resolução de conflitos nos convida a nos descentrarmos de nosso ponto de vista para contemplar simultaneamente o do outro (Sastre Vilarrasa e Moreno Marimón, 2002SASTRE VILARRASA, Genoveva; MORENO MARIMÓN, Montserrat. Resolução de conflitos e aprendizagem emocional. São Paulo: Moderna, 2002.). Trata-se, portanto, de um exercício complexo que integra todas as dimensões — cognitiva, afetiva, física e social — que constituem o ser humano e possibilita a (re)construção de nossa visão de nós mesmos e do mundo (Moreno Marimón e Sastre Vilarrasa, 2014MORENO MARIMÓN, Montserrat; SASTRE VILARRASA, Genoveva. Como construímos universos: amor, cooperação e conflito. São Paulo: Editora UNESP, 2014.).

A análise de conflitos traz à tona uma fonte inesgotável de saberes, construídos a partir de vivências únicas, ao longo de uma história singular. O aspecto dinâmico dos conflitos permite-nos, no estudo das representações elaboradas diante de contextos específicos, uma análise centrada na funcionalidade do psiquismo humano (Inhelder e Cellérier, 1996INHELDER, Bärbel; CELLÉRIER, Guy. O desenrolar das descobertas da criança: pesquisa acerca das microgêneses cognitivas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.). Para isso, apostamos na TMOP como referencial teórico-metodológico que nos possibilita identificar e analisar as possíveis semelhanças e diferenças entre tais fenômenos. Segundo a TMOP, quando atravessamos um conflito, o desejo de resolvê-lo abre as portas para uma revisão dos nossos próprios modelos e esquemas do passado, além de possíveis remodelações daquilo que foi dado, em algum momento, como definitivo. Ao longo da vida, cada indivíduo elabora modelos gerais, que se tornam os responsáveis pela seleção de elementos e pela atribuição de significados mobilizados na interpretação das situações concretas e pontuais do presente — são os modelos matriciais (Moreno Marimón e Sastre Vilarrasa, 2014MORENO MARIMÓN, Montserrat; SASTRE VILARRASA, Genoveva. Como construímos universos: amor, cooperação e conflito. São Paulo: Editora UNESP, 2014.). Uma análise aprofundada dos conflitos por nós vividos (e, por consequência, de nossos modelos matriciais), pode ser uma oportunidade ímpar de construirmos novas formas de viver, de conviver, de pensar e de sentir os vínculos afetivos. Trata-se de um processo no qual o dinamismo mental tem especial relevância, já que pressupõe gerir diferentes e contrapostos desejos, pensamentos, sentimentos, ações, sensações e valores (Arantes et al., 2017ARANTES, Valeria; ARAÚJO, Ulisses; PINHEIRO, Viviane; MORENO MARIMON, Montserrat; SASTRE, Genoveva. Youth purpose through the lens of the Theory of Organizing Models of Thinking. Journal of Moral Education, [S.l.], v. 46, n. 3, p. 245-257, 2017. https://doi.org/10.1080/03057240.2017.1345725
https://doi.org/10.1080/03057240.2017.13...
), constituindo fonte importante de aprendizagem emocional e de construção de valores morais (Sastre Vilarrasa e Moreno Marimón, 2002SASTRE VILARRASA, Genoveva; MORENO MARIMÓN, Montserrat. Resolução de conflitos e aprendizagem emocional. São Paulo: Moderna, 2002.). Com isso, revisitar a própria narrativa biográfica, por meio dos conflitos vivenciados e das formas como operamos neles e sobre eles, possibilita o autoconhecimento e a construção de formas pacíficas de convivência, estratégias já consolidadas em práticas de educação em valores (Puig, 2004PUIG, Josep Maria. Práticas morais: uma abordagem sociocultural da educação moral. São Paulo: Moderna, 2004.).

A TMOP fundamenta a elaboração da experiência na construção e reconstrução constantes de sistemas dinâmicos e organizados de significados que o indivíduo atribui aos elementos que ele mesmo seleciona como relevantes dos fenômenos. Os significados não são propriedades dos objetos nem elementos da situação, o que significa que o objeto não dá sentido a si mesmo, mas o adquire de acordo com a relação que é estabelecida com e pelo sujeito. Os significados são psicologicamente organizados para extrair implicações das relações entre eles, razão pela qual os modelos organizadores do pensamento constituem a base sobre a qual os seres humanos constroem suas representações do mundo.

Nesse processo, como a mente humana não consegue reter todos os elementos observáveis em uma situação particular, ela realiza uma seleção, mantendo apenas aqueles que considera relevantes (por diferentes razões, tais como sociais, políticas, psíquicas e culturais) e aos quais atribui significado. Na seleção, o sujeito não tem conhecimento dos elementos que rechaçou, já que eles não cumprem nenhuma função na organização do seu pensamento, isto é, não fazem parte da sua "realidade mental", mesmo que esses elementos objetivamente possam ser de grande importância para uma interpretação adequada da situação. Isso porque o indivíduo que experimenta a situação — o sujeito psicológico — organiza os elementos selecionados com seus significados correspondentes, a fim de construir um sistema que lhe pareça coerente e a partir do qual ele possa tirar implicações que resultam de um processo mental complexo quase sempre inconsciente — aquilo que tendemos a considerar a "realidade" de um sujeito.

Além disso, a TMOP reconhece que existem elementos na percepção subjetiva de uma situação que podem não ser observados por outros porque provêm de inferências ou fantasias de um sujeito em particular. Essas inferências ou fantasias são "adicionadas" à situação, pois o sujeito as considera necessárias para garantir maior "coerência" entre os significados na construção de sua "realidade". Na maioria das vezes, essa coerência é "subjetiva" e pouco tem que ver com a lógica formal. Em vez disso, as relações que o sujeito estabelece entre os elementos e significados estão intimamente relacionadas entre si e com o sujeito em dimensões de conhecimento e raciocínio, experiências morais, sociais e pessoais, além de sentimentos e emoções.

Como instrumento de análise, a TMOP pode ser considerada uma teoria fundamentada em dados (Strauss e Corbin, 1998STRAUSS, Anselm; CORBIN, Juliet. Basics of qualitative research techniques: Techniques and procedures for developing grounded theory. Thousand Oaks, CA: Sage Publications, 1998.) na medida em que os conteúdos reais das categorias a serem analisadas derivam indutivamente das próprias respostas dos sujeitos e não de categorias definidas a priori. Nesse sentido, abre-se para o que Gilligan (2015GILLIGAN, Carol. The Listening Guide Method of Psychological Inquiry. Qualitative Psychology, Washington, v. 2, n. 1, p. 69-77, 2015. https://psycnet.apa.org/doi/10.1037/qup0000023
https://psycnet.apa.org/doi/10.1037/qup0...
, p. 68) compreende como um método que atende à exploração das interações entre os mundos interno e externo do sujeito: olhar para uma voz "corporificada", ou seja, de um sujeito real, e que reside na linguagem "[...] fundamenta a investigação psicológica no espaço físico e cultural".

MÉTODO

Imbuídas da premissa de uma análise funcional, buscamos compreender as múltiplas vozes presentes no pensamento moral a fim de desvelar possíveis implicações para a educação em valores. Para isso, fizemos um recorte em uma pesquisa maior1 1 A pesquisa "Formação docente continuada e a construção de projetos de vida éticos na juventude" teve por objetivo analisar os impactos de um percurso de formação docente, construído coletivamente com a equipe de educadores de uma escola pública da cidade de São Paulo, nos projetos de vida de estudantes e docentes. A pesquisa caracterizou-se como multimétodo, com a articulação de diferentes dados, variados instrumentos e formatos de análise na composição dos resultados. Além da aplicação de questionários aos estudantes, de entrevistas com educadores e de registros em diário de campo pelos pesquisadores, foram realizadas coletas de dados complementares com estudantes por meio de entrevistas. O projeto foi financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), processo n.º 406899/2018-5. com o objetivo de analisar, de forma qualitativa e com base nos pressupostos da TMOP, as dinâmicas de funcionamento do psiquismo humano de adolescentes de 14 a 16 anos frente a diferentes conflitos vividos ao longo de suas vidas.

Por meio de entrevistas orais estruturadas, 18 adolescentes, respondentes dos questionários da pesquisa maior, foram selecionados para entrevistas por relatarem situações de vulnerabilidade social, questões familiares, acadêmicas ou de ordem emocional que atravessavam seus projetos de vida. Nas entrevistas, realizadas por meio de videochamada, esses participantes narraram dois diferentes conflitos vivenciados em suas trajetórias que os impactaram e responderam a perguntas que versavam sobre qual foi o conflito vivenciado, o que o provocou, as ações dos protagonistas, seus pensamentos e sentimentos, como os conflitos foram resolvidos e as ações que o sujeito vislumbrava caso o conflito fosse revivido.

Para a coleta dos dados, foram seguidos os princípios éticos das pesquisas com seres humanos (Resolução n.º 510/2016 — CNS, 2016CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE — CNS. Resolução nº 510/2016 – Dispõe sobre a pesquisa em Ciências Humanas e Sociais. Brasil: Ministério da Saúde, Brasília, DF, 2016.). O convite para participar da pesquisa, as informações necessárias à participação, os Termos de Consentimento e de Assentimento Livre e Esclarecido compunham os elementos antecedentes ao questionário e à entrevista. A presente pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo sob parecer n.º 12810219.8.0000.0075.

A análise, fundamentada no instrumento teórico-metodológico da TMOP (Moreno Marimón et al., 1999MORENO MARIMÓN, Montserrat; SASTRE, Genoveva; BOVER, Magali; LEAL, Aurora. Conhecimento e mudança: Os modelos organizadores na construção do conhecimento. Campinas: Unicamp; São Paulo: Moderna, 1999.), foi realizada por meio da leitura exaustiva dos protocolos, com o objetivo de destacar os elementos abstraídos, os significados a eles atribuídos e as relações/implicações entre eles que resultam na dinâmica de organização do pensamento de cada adolescente na resolução de cada conflito. Após esse processo fino de análise, as dinâmicas empreendidas na resolução de cada conflito foram analisadas e comparadas para compreender o que se conservou e o que se modificou na forma de resolver cada situação.

Para realizar o estudo exploratório proposto e desbravar implicações teórico-metodológicas de uma ética integradora e pluralista, que emerge a partir da ética do cuidado, definimos como recorte a apresentação de dois conflitos narrados por um dos participantes da pesquisa, que chamaremos de Tobias2 2 Nome fictício. (14 anos). Pretendemos, ao desvelar os modelos organizadores aplicados pelo jovem, identificar como o cuidado e a responsabilidade comparecem nas relações e em cada contexto.

MODELOS ORGANIZADORES DO PENSAMENTO NA RESOLUÇÃO DE CONFLITOS

A partir da narrativa sobre os conflitos vividos por Tobias — numa construção temporal que pressupõe analisar desde seu início (ou seja, o que lhes provocou) até a sua resolução (ou não) —, destacaremos os elementos centrais e principais significados atribuídos por Tobias a respeito de si mesmo e das outras pessoas envolvidas.

O primeiro conflito refere-se a uma discussão com a mãe sobre a sexualidade do participante no fim de 2019. Na ocasião, Tobias conversava com sua mãe sobre um trabalho escolar quando ela puxou o assunto da sexualidade, o que a levou a compartilhar seus pensamentos e ameaçar contar ao pai dele sobre a orientação sexual do filho. Após uma forte discussão, Tobias afastou-se da situação e passou um fim de semana na casa de uma amiga. Algum tempo após retornar para casa, sua mãe lhe procurou e lhe informou que não tocaria mais no assunto.

Ao narrar o conflito, Tobias rememora como tudo começou e traz na narrativa sua vontade de compartilhar com a mãe um trabalho realizado na escola. O jovem significa esse elemento como um trabalho muito relevante, que lhe exigiu muita dedicação. Ele também evidencia orgulho do trabalho realizado e sua vontade de contar para a mãe. Esse mesmo elemento, porém, é significado pela mãe como uma oportunidade de Tobias estar com os amigos com quem conversa sobre a sua sexualidade. Tobias aponta que o significado atribuído pela mãe estava revestido de ansiedade e raiva acumuladas por ele ser homossexual. Em consequência, Tobias traz o embate com a mãe sobre a sua sexualidade. O jovem se sente mal pelas colocações da mãe a respeito de suas amizades e de sua orientação sexual — ao mesmo tempo que ela o culpabiliza pela "escolha" de ser gay, nomeia tal escolha como uma "doença". No episódio, Tobias mobiliza raiva e medo em relação à experiência vivida: a raiva advém da forma agressiva como a mãe fala com ele, e o medo advém da ameaça de contar ao pai sobre sua sexualidade:

Ela começou a falar, brigar muito e ela só brigava comigo e começou a insinuar coisas sobre mim, coisas que não faziam o menor sentido. No fim, ela começou a ameaçar de contar para o meu pai. Começou a ser agressiva comigo. Ah, além de fazer algumas ameaças, ela começou a falar que isso tudo era uma doença e enfim… começou a insinuar coisas sobre os meus amigos e sobre as coisas que eu falava. No geral, ela começou a falar mais que era uma doença. (Tobias)

Tobias compreende que a mãe traz para o embate um "preconceito instaurado". Para ele, a mãe se sentia confusa e com dor por ter que aceitar a sexualidade do filho e quebrar suas crenças religiosas, o que faz com que ela o culpabilize:

Ela sempre foi muito religiosa e para quebrar isso é muito difícil. Eu entendo que pode causar uma dor muito forte. Eu sabia que ela estava tentando tirar essa dor que ela estava sentindo, tentando fazer com que eu me sentisse culpado, tirando essa dor da "fonte do problema" (que seria eu), jogando tudo aquilo para mim para me fazer sentir culpado e para eu ver como fiz ela ficar porque foi uma escolha minha, porque eu estou fazendo tudo isso porque é moda, porque é fase. (Tobias)

Em relação ao embate, Tobias também atribui à mãe a preocupação com o julgamento das pessoas, o que o contraria. Para o jovem, a mãe se mostra mais preocupada com "como as pessoas iriam julgá-la" do que com ele mesmo. Tobias aponta também que a mãe significa o embate como uma possibilidade de desabafar com ele e, ainda que isso crie uma discussão, parece ser um caminho para ela "tirar da cabeça" o assunto e aceitar melhor a situação: "Ela falou "Mas, você deveria ligar!" Eu respondi "Quer saber? A única pessoa que me faz sentir desconfortável com a minha sexualidade é você". (Tobias)

Após o embate, o elemento destacado por Tobias é o seu isolamento e sua reflexão sobre o ocorrido. Tobias significa esse momento como de profunda tristeza pelo fato de a mãe ter agido com agressividade e de forma incompreensiva. Ele também se sente ansioso por tudo que poderia vir depois da briga e com muito medo do que iria acontecer:

O que ia acontecer? Como ia ficar a situação? Estava pensando em… por causa das ameaças dela, estava pensando: "Será que ela realmente vai fazer aquilo que ela estava insinuando, que era contar para o meu pai?" Era algo que eu tinha muito medo de acontecer. Eu ficava pensando nas ameaças e como aquilo era triste e só fazia com que ela perdesse o filho dela. (Tobias)

O apoio de uma amiga foi outro elemento abstraído por Tobias sobre a situação relatada. Ele ligou para a amiga, chorando, e ela o convidou para passar o fim de semana em sua casa. Além de se sentir bem e acolhido pela amiga, Tobias significa esse elemento como uma possibilidade de fuga, pois "estava com a cabeça muito cheia, a ponto de explodir". O silenciamento a respeito do assunto é significado por ele como a forma de resolução da situação. Tal silenciamento emerge na fala da mãe, que retoma o diálogo algum tempo depois e diz "sobre aquele negócio lá, eu vou deixar com você, não vou mais me intrometer", o que levou mãe e filho a não tocarem mais no assunto. Por parte da mãe, o silenciamento é significado como aceitação da homossexualidade do filho e oferta de liberdade para que ele cuide de sua vida e de suas amizades. Porém, para Tobias, tal silenciamento gera a perda da confiança na mãe: "Eu sei que, mesmo ‘aceitando’, ela pensa daquela forma lá no fundinho". Com isso, o jovem aponta "uma ferida emocional muito grande" e traz como significado a impossibilidade de ter uma relação aberta com a mãe novamente. Ele também indica que perdeu a autoconfiança por perceber que, se a mãe o julga, outras pessoas o farão também: "Eu fiquei muito mais receoso em relação a outras pessoas. Eu fiquei muito mais inseguro por causa disso".

Em relação à possibilidade de reincidência do conflito, Tobias a interpreta como uma oportunidade para se expressar melhor e falar mais sobre seus sentimentos. Para ele, o fato de ter se expressado no embate, ainda que timidamente, ajudou muito na resolução. "Eu seria muito mais sincero e forte na minha palavra. Tentaria mostrar que aquilo era sério, sabe?". Com base nessa ideia, Tobias avalia que, se sua reação fosse mais forte e tivesse mais argumentos, a mãe seria menos agressiva e poderia compreender melhor seus sentimentos e o que ele estava passando.

O segundo conflito narrado por Tobias envolve uma situação em âmbito escolar, em contexto anterior à pandemia, em meados de agosto de 2019. Tobias conta que chamou a atenção de colegas da turma durante a apresentação do seu grupo em um seminário. Por esse motivo, os colegas de outro grupo, incluindo um amigo seu, fizeram postagens nas redes sociais caçoando dele. Ele e seus colegas de grupo não deram importância ao caso até que ele percebeu que seu amigo também estava envolvido nas postagens. Então, Tobias entrou em contato com o amigo via rede social para questioná-lo e, frente às justificativas recebidas, decidiu bloqueá-lo, mas, passado um tempo, eles se reaproximaram e retomaram a amizade aos poucos. Na sua narrativa, Tobias apresenta prioritariamente os sentimentos e pensamentos próprios e de seu amigo Vítor na situação.

Ao resgatar o que provocou o conflito, Tobias abstrai o elemento intervenção durante a apresentação do seminário em grupo, que é significado por ele como necessário para agilizar as apresentações mediante o fato de o outro grupo estar atrapalhando o seu desempenho. Tobias destaca ter se sentido cansado e considerado a postura dos colegas inadequada para a situação, além de ter ficado bravo com a intervenção. Na visão de Tobias, os colegas de outro grupo, incluindo seu amigo, consideraram sua intervenção engraçada, mas ficaram bravos por ele ter feito uma imposição por silêncio, o que atrapalhou suas brincadeiras.

Em consequência, segue-se a indicação da postagem feita por colegas e por Vítor em uma rede social ridicularizando Tobias. Tobias significa as postagens com indiferença até que verifica que Vítor estava envolvido, mobilizando sentimentos de raiva e tristeza. Tobias revela que perdeu a confiança no amigo. Sobre Vítor, o jovem aponta que ele seguiu os demais colegas para tentar se enturmar e achou engraçado.

A interpelação ao amigo Vítor é outro elemento que configura o conflito para Tobias, mobilizado pelos sentimentos de indignação e raiva por não ser uma atitude validada por ele e por ter recebido justificativas do amigo em vez de um pedido de desculpas:

Depois eu fui tirar satisfações, porque estava inconformado: como pôde fazer isso? Foi meio babaca da parte dele e aí eu fui tirar satisfações e a partir do momento que ele começou a se justificar com coisas como "era só uma brincadeira", "a ideia não foi minha", etc., eu comecei a ficar muito bravo. Quanto mais ele tentava se justificar, mais bravo eu ficava. Tipo "assume, velho, vai ser melhor". Eu fiquei muito bravo com aquilo. (Tobias)

Ao considerar que a interpelação não satisfez seus propósitos, Tobias apresenta o elemento bloqueio ao Vítor, por meio do impedimento das conversas pela rede social e pelo afastamento em relação ao amigo. Esse bloqueio é significado por Tobias por um misto de sentimentos: primeiro, alívio por encerrar a discussão e, posteriormente, ansiedade, tristeza e preocupação com o amigo: "Querendo ou não, eu não conseguia parar de me importar um pouco. Eu fiquei pensando se ele devia estar triste, se ele ficou bravo. Eu fiquei meio pensativo sobre aquilo ainda, fiquei ansioso mesmo. Fiquei triste também". O bloqueio também é significado por Tobias como uma forma de ignorar o conflito, algo que ele considera que faz com frequência:

É que normalmente, em várias situações, chega um ponto da briga em que eu não quero mais brigar. Um ponto do conflito em que eu não quero mais e eu falo só "Tá bom, a gente não vai chegar em nenhum lugar com isso. [...] Independente do que eu falar ou do que você falar, vamos continuar estando errados.". Então, chega um ponto em que só deixo para lá. Como no conflito que eu falei antes, chegou uma hora do conflito que eu só falei uma coisa para a minha mãe e fui para o quarto, porque eu não queria mais [...], que é algo que eu não sei se devia fazer. [...] E se eu insistisse um pouco mais, sabe? Ou, ao invés de bloquear meu amigo, eu tivesse falado e mostrado o quão triste eu estava com aquela situação e não só brigar e falar as atitudes dele, mas falar das minhas emoções, o quanto aquilo me afetou, sabe? Eu deveria ter falado um pouco mais de mim, de como eu me senti — talvez ele entendesse melhor e não ficasse fazendo piada disso. (Tobias)

Ao refletir sobre como o bloqueio foi significado pelo amigo, Tobias entende que Vítor se sentiu preocupado e confuso por acreditar que tudo não passou de uma brincadeira sem importância. "E ele provavelmente só estava… ahnnn… preocupado também, tipo ‘Putz, ele ficou bravo mesmo’. Mas, no geral, acho que ele não levou muito a sério".

A retomada da amizade por iniciativa do Vítor foi significada por Tobias como gradativa, como se estivessem se conhecendo novamente, pois houve perda da intimidade e da confiança. De forma implícita, Tobias significa que essa retomada resolve a situação e que o amigo admite a sua culpa pela situação: "Então, eu tirei as conclusões de que ele entendeu que aquilo era algo errado". A retomada da amizade é marcada, para Tobias, como algo que ele não vai esquecer.

O último elemento em destaque é a possibilidade de reincidência do conflito. Tobias aponta que, se passasse por isso novamente, iria expor o que estava sentindo e falar "com mais jeito". Além disso, acredita que Vítor levaria a situação mais a sério e, em vez de ser sarcástico e ficar se justificando, teria pedido desculpas, sido mais gentil e dado apoio ao amigo.

POR UMA ÉTICA INTEGRADORA E PLURALISTA: REFLEXÕES SOBRE AS NARRATIVAS

A riqueza e a complexidade dos conflitos relatados pelo jovem Tobias exigem-nos múltiplos olhares. Suas narrativas nos permitem refletir sobre como ele organiza suas lembranças a respeito dos conflitos vividos, o que pensa sobre os fatos observáveis de ambas as situações, que significados afetivos atribui às cenas conflitivas, que pensamentos lhes acompanha, como resolve os conflitos e que ética sustenta sua conduta relacional.

Em ambas as situações relatadas, o cerne dos conflitos parece estar na homossexualidade do protagonista. Não podemos deixar de mencionar que, como bem sinalizou Gilligan (2013)GILLIGAN, Carol. La ética del cuidado. Barcelona: Fundació Víctor Grífols i Lucas, 2013., as guerras culturais dos Estados Unidos nos anos 1970 fizeram aflorar algumas tensões que existiam entre o compromisso com as instituições, os valores democráticos e a manutenção do privilégio e do poder patriarcal. Nesse contexto estava a liberação gay. No caso de Tobias, houve uma tensão entre sua orientação sexual e a adaptação cultural, o que lhe causou uma crise de conexão tanto com sua mãe como com seus pares.

Nessa crise, tal como vimos na obra de Gilligan, Tobias silencia a própria voz para poder se relacionar com os demais, num movimento "adaptativo" que parece lhe oferecer, ainda que momentaneamente, uma recompensa social: a retomada das relações. Tal silenciamento, fruto do papel que a sociedade e a cultura podem desempenhar no psiquismo humano, está permeado pelos sentimentos de raiva e medo na narrativa de Tobias. Afinal, apesar de vivermos em corpos e em culturas, também contamos com uma psique — uma voz e uma faculdade de resistência. Nas entrevistas realizadas por Gilligan, a autora encontrou ira e isolamento social como respostas da psique à "desobediência"3 3 A desobediência aqui se refere àquilo que fere o que está bem em uma cultura. Como afirmou Shay (1994, p. 5, grifos do original, tradução nossa), "[...] nenhuma palavra inglesa abarca a magnitude do conceito do que está bem e do que está mal numa cultura; usamos termos como: ordem social, costume, expectativas normativas, ética e valores sociais geralmente aceitos. A palavra do grego clássico que Homero usava, ‘themes’, compreende todos estes significados". cometida pelas mulheres, o que, na obra do psiquiatra Jonathan Shay (1994)SHAY, Jonathan. Achilles in Vietnam: combat trauma and the undoing of character. New York: Atheneum, 1994., é denominado de dano moral: aquilo que ocorre e que psicologicamente carece de sentido.

A carência de sentido ao fato de as pessoas não aceitarem sua homossexualidade faz com que Tobias atribua vários significados cognitivos e afetivos ao silenciamento. Interessa-nos, em especial, destacar a falta de confiança por ele instalada em ambas as relações — materna e de amizade. Ora, para que ecoe uma "voz diferente" (aquela que não atende às categorias interpretativas predominantes), é necessária uma escuta que gere confiança (Gilligan, 2013GILLIGAN, Carol. La ética del cuidado. Barcelona: Fundació Víctor Grífols i Lucas, 2013., p. 16). Dito de outra forma, é preciso que exista espaço para que a história possa ser contada por seu autor com a segurança de que sua integridade psíquica será resguardada — ou, se retomarmos a expressão de Shay (1994)SHAY, Jonathan. Achilles in Vietnam: combat trauma and the undoing of character. New York: Atheneum, 1994., de que mais danos morais não lhe serão causados.

A superação e/ou recuperação desses supostos danos morais dependem da comunicação dos conteúdos que os causaram e de uma escuta confiável, o que levou Shay (1994SHAY, Jonathan. Achilles in Vietnam: combat trauma and the undoing of character. New York: Atheneum, 1994., p. 4) a defender que "[...] antes de analisar, antes de classificar, antes de pensar, antes de tentar fazer qualquer coisa, deveríamos escutar". No caso de Tobias, a angústia expressa em sua narrativa, somada ao desejo de buscar um equilíbrio psíquico, fez com que ele vislumbrasse uma maior visibilidade e intensidade de sua "voz" caso o conflito acontecesse novamente — "Eu seria muito mais sincero e forte na minha palavra". O jovem aposta ainda que isso causaria um impacto significativo nos sentimentos de ambas as partes envolvidas: no caso da mãe, Tobias acredita que o eco de sua "voz" faria com que ela fosse menos agressiva e mais respeitosa; em relação à conduta do seu amigo, ele imagina que sua "voz" levaria, para além de um pedido de desculpas e uma postura mais gentil, ao apoio de sua orientação sexual.

Essas projeções futuras, elaboradas no caso de reincidência dos conflitos, parecem ter vindo à tona porque, durante a narrativa dos conflitos, Tobias foi se aprofundando no conhecimento das distintas dimensões de si mesmo e dos demais. Nesse processo, ele está imerso em um entrelaçamento de pensamentos, sentimentos, ações, desejos, normas e costumes sociais (Moreno Marimón e Sastre Vilarrasa, 2014MORENO MARIMÓN, Montserrat; SASTRE VILARRASA, Genoveva. Como construímos universos: amor, cooperação e conflito. São Paulo: Editora UNESP, 2014.). Isso ocorre por meio do outro concreto — pelo reconhecimento dos desejos, das necessidades e dos pensamentos das pessoas envolvidas na situação — e do outro generalizado — imposto pelas normas sociais que perpassam as situações (Benhabib, 1992BENHABIB, Seyla. Situating the self: gender, community and postmodernism in contemporary ethics. New York: Routlege, 1992.). Com isso, houve um cruzamento dos olhares voltados para a própria intimidade com aqueles dirigidos ao entorno social e aos demais protagonistas dos conflitos. Para cada etapa do conflito, Tobias selecionou, significou e organizou os elementos que foram dirigindo suas ações, dando visibilidade às mudanças e à interdependência entre o pensar, o sentir e o atuar de cada parte envolvida. Nesse processo interno, possibilitado pela análise por meio da TMOP (Moreno Marimón et al., 1999MORENO MARIMÓN, Montserrat; SASTRE, Genoveva; BOVER, Magali; LEAL, Aurora. Conhecimento e mudança: Os modelos organizadores na construção do conhecimento. Campinas: Unicamp; São Paulo: Moderna, 1999.), fica evidente que a ética relacional se apoia na organização dos significados que a pessoa atribui às suas próprias condutas e às condutas dos demais envolvidos.

Tirar da invisibilidade a ética relacional só é possível quando assumimos um paradigma que nos permite trilhar por um continuum entre os desejos de justiça, de cuidado, de felicidade e de bem-estar na elaboração das relações interpessoais em diversos contextos interativos. A TMOP é uma teoria interacionista que faz da elaboração pessoal da experiência o ponto de encontro entre o indivíduo e a cultura. Qualquer conduta individual é reflexo daquilo que cada pessoa ou coletivo faz com aquilo que a sociedade quer fazer dele. Com esse princípio, postula que o indivíduo constrói a si mesmo a partir da elaboração das experiências pessoais situadas nos distintos contextos sociais dos quais faz parte. Afinal, fazemos parte de um mundo do qual somos, ao mesmo tempo, produto e agentes de construção (Arantes et al., 2017ARANTES, Valeria; ARAÚJO, Ulisses; PINHEIRO, Viviane; MORENO MARIMON, Montserrat; SASTRE, Genoveva. Youth purpose through the lens of the Theory of Organizing Models of Thinking. Journal of Moral Education, [S.l.], v. 46, n. 3, p. 245-257, 2017. https://doi.org/10.1080/03057240.2017.1345725
https://doi.org/10.1080/03057240.2017.13...
).

No caso de Tobias, é explícito o peso que "aquilo que a sociedade quer fazer dele" — ou, dito de outra forma, o julgamento social e cultural — exerce nos embates vividos. Isso porque, ao longo do processo de construção de si e do mundo do qual fazemos parte, incorporamos perguntas que envolvem o olhar externo e que pressupõem pensar sobre como as pessoas nos veem e o que eu faço com aquilo que o meio espera de mim. A elaboração das experiências sofre, portanto, influência da cultura (como a religiosidade da mãe, presente no primeiro conflito), ainda que a significação cultural seja apenas uma parte de todos os elementos que abstraímos para organizarmos nossas experiências. Uma parte que também está entrelaçada com outras dimensões constitutivas do psiquismo humano.

Seguindo esse exemplo da religiosidade da mãe, tal entrelaçamento pode ser facilmente identificado na reflexão de Tobias a respeito da conduta dela — "Ela sempre foi muito religiosa e para quebrar isso é muito difícil. Eu entendo que pode causar uma dor muito forte ... jogando tudo aquilo para mim para me fazer sentir culpado e para eu ver como fiz ela ficar porque foi uma escolha minha". Assim, as crenças religiosas parecem impactar fortemente as ações e os sentimentos de ambas as partes, mãe e filho, o que referenda resultados de pesquisas desenvolvidas por nós anteriormente (Araújo, 2000ARAÚJO, Valéria Amorim Arantes de. Cognição, Afetividade e Moralidade. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 26, n. 2, p. 137-153, 2000. https://doi.org/10.1590/S1517-97022000000200010
https://doi.org/10.1590/S1517-9702200000...
; Araújo e Sastre Vilarrasa, 2003ARAÚJO, Valéria Amorim Arantes de; SASTRE VILARRASA, G. Moralidad, Sentimientos y Educación. Educar, Barcelona, v. 31, p. 47-66, 2003. https://doi.org/10.5565/rev/educar.304
https://doi.org/10.5565/rev/educar.304...
; Arantes, Sastre e González, 2010ARANTES, Valeria Amorim; SASTRE, Genoveva; GONZÁLEZ, Alba. Violência contra a mulher e representações mentais: Um estudo sobre pensamentos morais e sentimentos de adolescentes. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília, v. 26, n. 1, p. 109-120, mar. 2010. https://doi.org/10.1590/S0102-37722010000100013
https://doi.org/10.1590/S0102-3772201000...
; Arantes e Pinheiro, 2017ARANTES, Valéria Amorim; PINHEIRO, Viviane Potenza Guimarães. Cognição, Afetividade e a Resolução de Problemas. International Studies on Law and Education, São Paulo, n. 27, p. 49-62, set./dez. 2017.; 2021ARANTES, Valéria Amorim; PINHEIRO, Viviane Potenza Guimarães. Purposes in life of Young Brazilians: Identities and values in context. Estudos de Psicologia, Campinas, v. 38, p. 1-12, 2021. https://doi.org/10.1590/1982-0275202138e200012
https://doi.org/10.1590/1982-0275202138e...
; Sastre Vilarrasa et al., 2016SASTRE VILARRASA, Genoveva; MORENO MARIMÓN, Montserrat; LEAL, Aurora; ARANTES, Valeria. Amor, educación y cambio. Barcelona: Icaria, 2016.; Arantes et al., 2017ARANTES, Valeria; ARAÚJO, Ulisses; PINHEIRO, Viviane; MORENO MARIMON, Montserrat; SASTRE, Genoveva. Youth purpose through the lens of the Theory of Organizing Models of Thinking. Journal of Moral Education, [S.l.], v. 46, n. 3, p. 245-257, 2017. https://doi.org/10.1080/03057240.2017.1345725
https://doi.org/10.1080/03057240.2017.13...
), que demonstraram a presença da indissociabilidade das dimensões afetivas, cognitivas, sociais e culturais no pensamento moral. Importante salientar, uma vez mais, que a TMOP contempla conjuntamente aspectos cognitivos, emocionais e valorativos na organização dos elementos abstraídos da realidade, de seus significados e de suas relações. Com isso, evidencia como o sujeito interage com o contexto sociocultural na organização de seu pensamento. Trata-se, portanto, de um modelo teórico que pressupõe dar visibilidade a todas essas dimensões do psiquismo, o que nos remete a uma preocupação central nas investigações realizadas por Gilligan: descobrir os mecanismos que escondem os sentimentos mais íntimos das pessoas.

Dar visibilidade e voz àquilo que não vemos é um caminho necessário e profícuo para a construção de um mundo mais justo, solidário e feliz, para si e para os outros. No caso das situações conflitivas, sabemos que a mesma situação tem diferentes facetas psicossociais e que, quando nos centramos em uma delas — tornando as demais invisíveis —, fazemos uma leitura reduzida da situação e abafamos várias "vozes", o que impede aquilo que Gilligan nomeava de "liberação moral e psíquica". Dito de outra forma, quando não temos consciência daquilo que sentimos e pensamos, não conseguimos fazer jus às "múltiplas vozes" que nos constituem. Nesse sentido, o compromisso com a construção da verdadeira cidadania solicita uma prática que contemple e integre os saberes racionais e emocionais.

POR UMA EDUCAÇÃO MORAL INTEGRADORA E PLURALISTA

A razão e a emoção são as bases nas quais nos apoiamos para compartilhar relações pessoais equilibradas e satisfatórias. Assumir tal perspectiva — de indissociação entre razão e emoção no funcionamento psíquico — pode contribuir para a construção da cidadania e de pessoas eticamente competentes na resolução de conflitos cotidianos. Acreditamos que um processo educativo dessa natureza pode levar os estudantes a construírem uma qualidade de vida — pessoal e social — baseada em uma organização mental que equilibre os processos intelectuais e emocionais empregados na resolução de conflitos. Pode ainda ajudar-lhes no desenvolvimento de sua personalidade e de seus projetos de vida, tornando-os mais conscientes de suas ações e de suas consequências; a conhecer melhor a si mesmo(a) e às demais pessoas; a fomentar a cooperação, a autoconfiança e a confiança em si e nos(as) companheiros(as), com base no conhecimento da forma de agir de cada pessoa; e a beneficiar-se das consequências que esses conhecimentos lhes proporcionam.

Trabalhar os sentimentos e as emoções na educação básica, por meio da resolução de conflitos que solicitem a integração dos aspectos afetivos, cognitivos, sociais e culturais do raciocínio humano, é uma forma de promover o progresso no campo das relações interpessoais tanto nos microgrupos (casal, família e amigos) quanto nos coletivos mais amplos (relações étnicas e entre países — Sastre Vilarrasa e Moreno Marimón, 2002SASTRE VILARRASA, Genoveva; MORENO MARIMÓN, Montserrat. Resolução de conflitos e aprendizagem emocional. São Paulo: Moderna, 2002.; Arantes, Sastre e González, 2010ARANTES, Valeria Amorim; SASTRE, Genoveva; GONZÁLEZ, Alba. Violência contra a mulher e representações mentais: Um estudo sobre pensamentos morais e sentimentos de adolescentes. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília, v. 26, n. 1, p. 109-120, mar. 2010. https://doi.org/10.1590/S0102-37722010000100013
https://doi.org/10.1590/S0102-3772201000...
). Daí a importância de uma educação que rompa as fronteiras — histórica e culturalmente construídas — entre as esferas pública e privada, científica e cotidiana, racional e emocional. Em outras palavras, trata-se de uma educação centrada na construção autônoma e solidária de coletividades criativas, generosas e justas (Puig, 2004PUIG, Josep Maria. Práticas morais: uma abordagem sociocultural da educação moral. São Paulo: Moderna, 2004.), o que pressupõe tomar como objetos de reflexão os sentimentos, os pensamentos e as ações dos sujeitos de direitos e deveres, ao mesmo tempo em que precisamos considerar, também como essencial, os aspectos intrapessoais e a busca virtuosa da felicidade.

Nesse modelo de educação, a análise das situações de conflito constitui-se como uma perspectiva privilegiada para pensarmos a complexa trama tecida pela diversidade e subjetividade de fatores que se entrelaçam nas relações interpessoais (Sastre Vilarrasa e Moreno Marimón, 2002SASTRE VILARRASA, Genoveva; MORENO MARIMÓN, Montserrat. Resolução de conflitos e aprendizagem emocional. São Paulo: Moderna, 2002.; Puig, 2004PUIG, Josep Maria. Práticas morais: uma abordagem sociocultural da educação moral. São Paulo: Moderna, 2004.). Nessa análise, deparamo-nos com as diferenças e semelhanças que nos obrigam a comparar, descobrir, ressignificar, compreender, agir, buscar alternativas e refletir sobre nós mesmos e sobre os demais.

Como fenômenos complexos que são os conflitos interpessoais, seu enfrentamento requer o estudo da elaboração subjetiva de uma problemática social em que os afetos desempenham uma importante função (Araújo e Sastre Vilarrasa, 2003ARAÚJO, Valéria Amorim Arantes de; SASTRE VILARRASA, G. Moralidad, Sentimientos y Educación. Educar, Barcelona, v. 31, p. 47-66, 2003. https://doi.org/10.5565/rev/educar.304
https://doi.org/10.5565/rev/educar.304...
; Arantes, Sastre e González, 2010ARANTES, Valeria Amorim; SASTRE, Genoveva; GONZÁLEZ, Alba. Violência contra a mulher e representações mentais: Um estudo sobre pensamentos morais e sentimentos de adolescentes. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília, v. 26, n. 1, p. 109-120, mar. 2010. https://doi.org/10.1590/S0102-37722010000100013
https://doi.org/10.1590/S0102-3772201000...
). Ou seja, se quisermos compartilhar a resolução de um conflito, temos que nos aproximar da outra pessoa e tentar entender como ela se sente e por que chega a conclusões diferentes das nossas. Por outro lado, a partir de nossa perspectiva pessoal, temos que mostrar nossos sentimentos e defender nossos direitos e nossas razões para que a outra pessoa possa, por sua vez, compreender suas obrigações. Tal processo, interativo e dinâmico, não pode ser baseado em partes isoladas. Cada pessoa, em função de sua história pessoal, do conjunto de sua experiência e dos valores de seu entorno cultural, constrói os papéis que julga pertinentes no estabelecimento de cada nova relação (Noam e Fischer, 1996NOAM, Gil G.; FISCHER, Kurt W. Development and vulnerability in close relationships. The Jean Piaget Symposium series. Hillsdale, NJ, England: Lawrence Erlbaum Associates, 1996.).

A resolução satisfatória de um conflito exige, portanto, que nos descentremos do próprio ponto de vista para contemplarmos, simultaneamente, outros pontos de vista diferentes e, muitas vezes, opostos aos nossos. Tal processo exige-nos ainda a elaboração de fusões criativas entre esses pontos e implica, necessariamente, operações de reciprocidade e síntese entre as diferenças (Arantes, Sastre e González, 2010ARANTES, Valeria Amorim; SASTRE, Genoveva; GONZÁLEZ, Alba. Violência contra a mulher e representações mentais: Um estudo sobre pensamentos morais e sentimentos de adolescentes. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília, v. 26, n. 1, p. 109-120, mar. 2010. https://doi.org/10.1590/S0102-37722010000100013
https://doi.org/10.1590/S0102-3772201000...
). Para tanto, faz-se necessário analisar a situação enfrentada, expor adequadamente o problema e buscar soluções que permitam resolvê-lo de maneira satisfatória para os envolvidos. Tudo isso requer um processo de aprendizagem que pressupõe romper com o paradigma ganhar-perder, cuja lógica binária limita a construção de ações coordenadas que considerem as diferenças. Ao promover o diálogo e a participação coletiva em decisões e acordos, a resolução de conflitos torna-se um instrumento para repensar a própria cultura e transformar os discursos institucionais e culturais. Uma oportunidade, pois, de crescimento e desenvolvimento (Schnitman e Littlejohn, 1999SCHNITMAN, Dora Fried; LITTLEJOHN, Stephen (org.). Novos paradigmas em mediação. São Paulo: Artes Médicas, 1999.).

A partir desses pressupostos, o processo de aprendizagem da resolução de conflitos requer práticas sistemáticas de análise de suas causas, consequências, estados afetivos, mudanças de perspectivas e elaboração de encaminhamentos para a situação enfrentada (Sastre Vilarrasa e Moreno Marimón, 2002SASTRE VILARRASA, Genoveva; MORENO MARIMÓN, Montserrat. Resolução de conflitos e aprendizagem emocional. São Paulo: Moderna, 2002.). Tais práticas devem, a nosso ver, ser introduzidas desde o início da escolaridade, com a finalidade também de promover a construção de valores de democracia, cidadania, ética e diversidade, fazendo jus a uma ética efetivamente integradora e pluralista.

  • 1
    A pesquisa "Formação docente continuada e a construção de projetos de vida éticos na juventude" teve por objetivo analisar os impactos de um percurso de formação docente, construído coletivamente com a equipe de educadores de uma escola pública da cidade de São Paulo, nos projetos de vida de estudantes e docentes. A pesquisa caracterizou-se como multimétodo, com a articulação de diferentes dados, variados instrumentos e formatos de análise na composição dos resultados. Além da aplicação de questionários aos estudantes, de entrevistas com educadores e de registros em diário de campo pelos pesquisadores, foram realizadas coletas de dados complementares com estudantes por meio de entrevistas. O projeto foi financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), processo n.º 406899/2018-5.
  • 2
    Nome fictício.
  • 3
    A desobediência aqui se refere àquilo que fere o que está bem em uma cultura. Como afirmou Shay (1994SHAY, Jonathan. Achilles in Vietnam: combat trauma and the undoing of character. New York: Atheneum, 1994., p. 5, grifos do original, tradução nossa), "[...] nenhuma palavra inglesa abarca a magnitude do conceito do que está bem e do que está mal numa cultura; usamos termos como: ordem social, costume, expectativas normativas, ética e valores sociais geralmente aceitos. A palavra do grego clássico que Homero usava, ‘themes’, compreende todos estes significados".
  • Financiamento: O projeto foi financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq - processo 406899/2018-5).

REFERÊNCIAS

  • ARANTES, Valeria; ARAÚJO, Ulisses; PINHEIRO, Viviane; MORENO MARIMON, Montserrat; SASTRE, Genoveva. Youth purpose through the lens of the Theory of Organizing Models of Thinking. Journal of Moral Education, [S.l.], v. 46, n. 3, p. 245-257, 2017. https://doi.org/10.1080/03057240.2017.1345725
    » https://doi.org/10.1080/03057240.2017.1345725
  • ARANTES, Valeria Amorim; SASTRE, Genoveva; GONZÁLEZ, Alba. Violência contra a mulher e representações mentais: Um estudo sobre pensamentos morais e sentimentos de adolescentes. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília, v. 26, n. 1, p. 109-120, mar. 2010. https://doi.org/10.1590/S0102-37722010000100013
    » https://doi.org/10.1590/S0102-37722010000100013
  • ARANTES, Valéria Amorim; PINHEIRO, Viviane Potenza Guimarães. Cognição, Afetividade e a Resolução de Problemas. International Studies on Law and Education, São Paulo, n. 27, p. 49-62, set./dez. 2017.
  • ARANTES, Valéria Amorim; PINHEIRO, Viviane Potenza Guimarães. Purposes in life of Young Brazilians: Identities and values in context. Estudos de Psicologia, Campinas, v. 38, p. 1-12, 2021. https://doi.org/10.1590/1982-0275202138e200012
    » https://doi.org/10.1590/1982-0275202138e200012
  • ARAÚJO, Valéria Amorim Arantes de. Cognição, Afetividade e Moralidade. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 26, n. 2, p. 137-153, 2000. https://doi.org/10.1590/S1517-97022000000200010
    » https://doi.org/10.1590/S1517-97022000000200010
  • ARAÚJO, Valéria Amorim Arantes de; SASTRE VILARRASA, G. Moralidad, Sentimientos y Educación. Educar, Barcelona, v. 31, p. 47-66, 2003. https://doi.org/10.5565/rev/educar.304
    » https://doi.org/10.5565/rev/educar.304
  • ARAÚJO, Ulisses F.; PUIG, Josep Maria; ARANTES, Valéria Amorim (org.). Educação e valores: pontos e contrapontos. São Paulo: Summus, 2007.
  • BENHABIB, Seyla. Situating the self: gender, community and postmodernism in contemporary ethics. New York: Routlege, 1992.
  • BLASI, Augusto. Moral functioning: moral understanding and personality. In: LAPSLEY, Daniel K.; NARVAEZ, Darcia (org.). Moral development, self and identity Marhwash, New Jersey; London: Lawrence Eerlbaum Associates Publishers, 2004. p. 335-347.
  • BLUM, Lawrence A. Gilligan and Kohlberg: Implications for Moral Theory. Ethics, Chicago, v. 98, n. 3, p. 472-491, Apr. 1988.
  • CAMPBELL, Robert L.; CHRISTOPHER, John Chambers. Moral development theory: A critique of its Kantian presuppositions. Developmental Review, [S.l.], v. 16, n. 1, p. 1-47, 1996. https://psycnet.apa.org/doi/10.1006/drev.1996.0001
    » https://psycnet.apa.org/doi/10.1006/drev.1996.0001
  • CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE — CNS. Resolução nº 510/2016 – Dispõe sobre a pesquisa em Ciências Humanas e Sociais. Brasil: Ministério da Saúde, Brasília, DF, 2016.
  • DAMON, William; COLBY, Anne. The power of ideals: The real story of moral choice. New York: Oxford University Press, 2015.
  • FLANAGAN, Owen. Varieties of moral personality: ethics and psychological realism. Cambridge: Harvard University Press, 1993.
  • GILLIGAN, Carol. In a different voice: Psychological theory and women's development. Cambridge: Harvard University Press, 1982.
  • GILLIGAN, Carol. Reply by Carol Gilligan. Signs: journal of women in culture and society, Chicago, v. 11, n. 2, p. 324-333, 1986.
  • GILLIGAN, Carol. Hearing the difference: theorizing connection. Anuario de Psicología, Barcelona, v. 34, n. 2, p. 155-161, 1995/2003.
  • GILLIGAN, Carol. La ética del cuidado Barcelona: Fundació Víctor Grífols i Lucas, 2013.
  • GILLIGAN, Carol. The Listening Guide Method of Psychological Inquiry. Qualitative Psychology, Washington, v. 2, n. 1, p. 69-77, 2015. https://psycnet.apa.org/doi/10.1037/qup0000023
    » https://psycnet.apa.org/doi/10.1037/qup0000023
  • GILLIGAN, Carol; WIGGINS, Grant. The Origins of Morality in Early Childhood Relationships. In: GILLIGAN, Carol; WARD, Janie Victoria; TAYLOR, Jill McLean; BARDIGE, B. Mapping the Moral Domain Boston: Harvard Press, 1988.
  • HEKMAN, Susan. Moral voices, moral selves: About getting it right in moral theory. Human Studies, [S.l.], v. 16, n. 1-2, p. 143-162, 1993. https://doi.org/10.1007/bf01318576
    » https://doi.org/10.1007/bf01318576
  • HEKMAN, Susan J. Moral voices, moral selves: Carol Gilligan and feminist moral theory. New York: Polity, 1995.
  • HELD, Virginia. The ethics of care: Personal, political, and global. New York: Oxford University Press, 2006. https://doi.org/10.1093/0195180992.001.0001
    » https://doi.org/10.1093/0195180992.001.0001
  • INHELDER, Bärbel; CELLÉRIER, Guy. O desenrolar das descobertas da criança: pesquisa acerca das microgêneses cognitivas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
  • KOHLBERG, Lawrence. Moral stages and moralization: The cognitive-development approach. In: LICKONA, Thomas. Moral development and behavior: Theory, Research, and Social Issues. New York: Holt, Rinehart, & Winston, 1976. p. 31-53.
  • KOHLBERG, Lawrence. The Psychology of Moral Development: The Nature and Validity of Moral Stages. Essays on moral development, v. II. San Francisco: Harper & Row, 1984.
  • KOHLBERG, Lawrence; LEVINE, Charles; HEWER, Alexandra. The Current Formulation of the Theory. In: KOHLBERG, Lawrence; LEVINE, Charles; HEWER, Alexandra (org.). Moral Stages Berlim: Karger Publishers, 1983. https://doi.org/10.1159/isbn.978-3-318-03252-9
    » https://doi.org/10.1159/isbn.978-3-318-03252-9
  • MORENO MARIMÓN, Montserrat; SASTRE, Genoveva; BOVER, Magali; LEAL, Aurora. Conhecimento e mudança: Os modelos organizadores na construção do conhecimento. Campinas: Unicamp; São Paulo: Moderna, 1999.
  • MORENO MARIMÓN, Montserrat; SASTRE VILARRASA, Genoveva. Como construímos universos: amor, cooperação e conflito. São Paulo: Editora UNESP, 2014.
  • NOAM, Gil G.; FISCHER, Kurt W. Development and vulnerability in close relationships The Jean Piaget Symposium series. Hillsdale, NJ, England: Lawrence Erlbaum Associates, 1996.
  • NODDINGS, Nel. Caring: A relational approach to ethics and moral education. Oakland: University of California Press, 1984/2013.
  • OKIN, Susan Moller. Justice, gender and the family New York: Basic Books, 1989.
  • PIAGET, Jean. O juízo moral na criança São Paulo: Grupo Editorial Summus, 1932/1994.
  • PUIG, Josep Maria. Práticas morais: uma abordagem sociocultural da educação moral. São Paulo: Moderna, 2004.
  • PUIG DE LA BELLACASA, Maria. Matters of care: Speculative ethics in more than human worlds. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2017.
  • SASTRE VILARRASA, Genoveva; MORENO MARIMÓN, Montserrat. Resolução de conflitos e aprendizagem emocional São Paulo: Moderna, 2002.
  • SASTRE VILARRASA, Genoveva; MORENO MARIMÓN, Montserrat; FERNANDEZ NISTAL, María Teresa. El derecho a ser y la autorrenuncia: sus modelos organizadores en la preadolescencia. Educación y sociedade, Madrid, n. 27-28, p. 163-190, 1994.
  • SASTRE VILARRASA, Genoveva; MORENO MARIMÓN, Montserrat; LEAL, Aurora; ARANTES, Valeria. Amor, educación y cambio Barcelona: Icaria, 2016.
  • SCHNITMAN, Dora Fried; LITTLEJOHN, Stephen (org.). Novos paradigmas em mediação São Paulo: Artes Médicas, 1999.
  • SELMAN, Robert. El desarrollo sociocognitivo: Una guía para la práctica educativa y clínica. In: TURIEL, Elliot; ARANA, Ileana Enesco; LINAZA IGLESIAS, José Luis (org.). El mundo social en la mente infantil Madrid: Alianza Editorial, 1989. p. 71-100.
  • SHAY, Jonathan. Achilles in Vietnam: combat trauma and the undoing of character. New York: Atheneum, 1994.
  • SKOE, Eva E. A. Measuring care-based moral development: The Ethic of Care Interview. Behavioral Development Bulletin, v. 19, n. 3, p. 95-104, 2014. https://doi.org/10.1037/h0100594
    » https://doi.org/10.1037/h0100594
  • STRAUSS, Anselm; CORBIN, Juliet. Basics of qualitative research techniques: Techniques and procedures for developing grounded theory. Thousand Oaks, CA: Sage Publications, 1998.
  • TRONTO, Joan C. Moral boundaries: A political argument for an ethic of care. New York: Routledge, 1993. https://doi.org/10.4324/9781003070672
    » https://doi.org/10.4324/9781003070672
  • TRONTO, Joan C. Caring democracy: Markets, equality, and democracy. New York: New York University Press, 2013.
  • YOUNG, Iris Marion. Justice and the politics of difference Princeton: Princeton University Press, 1990.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    03 Ago 2022
  • Revisado
    27 Mar 2023
  • Aceito
    31 Mar 2023
ANPEd - Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação Rua Visconde de Santa Isabel, 20 - Conjunto 206-208 Vila Isabel - 20560-120, Rio de Janeiro RJ - Brasil, Tel.: (21) 2576 1447, (21) 2265 5521, Fax: (21) 3879 5511 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: rbe@anped.org.br