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Imageamento Óptico com Fotodetector de Elemento Único

Resumos

Com o advento do laser na década de 1960, novas técnicas de microscopia foram desenvolvidas, algumas possibilitando inclusive a obtenção de imagens com superresolução. Neste cenário, a técnica SPIFI (SPatIal Frequency-modulated Imaging), tem se destacado por apresentar uma montagem óptica relativamente simples, com rápida aquisição de imagens e ser adequada para meios espalhadores. Esta técnica de imageamento utiliza uma linha focal como fonte de luz na amostra e realiza a detecção por meio de um único fotodetector. A linha focal é modulada em intensidade por uma máscara giratória (retículo de Lovell), codificando cada trecho da linha com uma frequência diferente. A deconvolução do sinal SPIFI coletado pelo fotodetector, realizada por meio de uma Transformada de Fourier (FFT), permite obter o sinal no domínio das frequências, indicando a intensidade luminosa para cada trecho da linha focal. A composição da imagem do objeto pode então ser obtida pela varredura desta linha focal sobre a amostra. O presente estudo tem como objetivo apresentar esta técnica de fronteira com uma montagem simplificada, que pode ser desenvolvida em laboratórios de ensino, tornando-a mais acessível, porém ainda com os benefícios inerentes da técnica SPIFI.

Palavras-chave:
Imageamento óptico; SPIFI; Microscopia; Modulação em frequência espacial; Fotodetector de elemento único


With the advent of the laser in the 1960s, new microscopy techniques were developed, some of which even made it possible to obtain superresolved images. In this scenario, the SPIFI (SPatIal Frequency-modulated Imaging) technique has stood out for presenting a relatively simple optical assembly, with fast image acquisition and being suitable for scattering media. This imaging technique uses a focal line as a light source on the sample and performs detection using a single photodetector. The focal line is modulated in intensity by a rotating mask (Lovell reticle), encoding each part of the line with a different frequency. The deconvolution of the SPIFI signal collected by the photodetector, performed using a Fourier Transform (FFT), allows for obtaining the signal in the frequency domain, indicating the luminous intensity for each section of the focal line. The composition of the object image can then be obtained by scanning this focal line over the sample. The present study aims to present this frontier technique with a simplified assembly, which can be developed in teaching laboratories, making it more accessible, but still with the inherent benefits of the SPIFI technique.

Keywords:
Optical imaging; SPIFI; Microscopy; Spatial-frequency modulation; Single-element photodetector


1. Introdução

O imageamento realizado a partir dos microscópios ópticos convencionais é utilizado em várias áreas, incluindo biologia, ciência dos materiais, física, engenharias e medicina, encontrando-se bem desenvolvido e estabelecido. No entanto, há ainda casos de aplicações que buscam investigar, por exemplo, estruturas celulares como células, organelas e proteínas; ou ainda fenômenos físicos, como a dispersão da luz, a interferência e a polarização, que requerem imageamentos por tecnologias alternativas, melhores resoluções, etc. Como exemplo podemos citar aplicações no estudo de componentes mecânicos, eletrônicos e sistemas ópticos, bem como na visualização de tecidos humanos, incluindo ossos, músculos, vasos sanguíneos e órgãos internos, Gora et al. [1[1] M. Góra, K. Karnowski, M. Szkulmowski, B.J. Kaluzny, R. Huber, A. Kowalczyk e M. Woljtkowski, Opt. Express 17, 14880 (2009).]. A busca pela melhoria das técnicas de imageamento óptico é justificada pela importância de obter informações cada vez mais detalhadas sobre a estrutura, distribuição e propriedades das amostras, o que possibilita uma avaliação mais precisa de materiais, tecidos e componentes. O avanço na resolução, sensibilidade e velocidade dos sistemas de imageamento óptico tem permitido, por exemplo, a detecção precoce de doenças, a avaliação de materiais para aplicações tecnológicas e a descoberta de novos fenômenos físicos e biológicos [2[2] G. Futia, P. Schlup, D.G. Winters e R.A. Bartels, Opt. Express 19, 1626 (2011).].

Desde o desenvolvimento do laser em 1960, novos horizontes foram abertos na área da óptica, possibilitando a obtenção de fenômenos antes inacessíveis. Isso levou ao surgimento de técnicas avançadas de microscopia e imageamento, como as que empregam processos não lineares como geração de harmônicos e absorção multifotônica, que podem ser empregados para obtenção de imagens em superresolução (resolução abaixo do limite de difração). Essas técnicas capturam o sinal por meio de um fotodetector e produzem uma imagem ponto a ponto, utilizando um processo conhecido como imageamento por varredura. Este método envolve a focalização do laser em uma região da amostra e a translação do feixe de luz ou da amostra, sendo amplamente utilizado em pesquisas e aplicações médicas. No entanto, estas técnicas geralmente demandam um tempo significativamente longo para formar uma imagem completa. Uma alternativa foi o desenvolvimento de sistemas com múltiplos feixes [3[3] K.E. Sheetz, E.E. Hoover, R. Carriles, D. Kleinfeld e J.A. Squier, Opt. Express 16, 17574 (2008)., 4[4] E.E. Hoover, M.D. Young, E.V. Chandler, A. Luo, J.J. Field, K.E. Sheetz, A.W. Sylvester e J.A. Squier, Biomed. Opt. Express 2, 113 (2011).], que possibilitam a aquisição de imagens simultâneas com base na separação espacial lateral ou axial dos focos. Por outro lado, essas técnicas são relativamente complicadas de serem implementadas e menos viáveis financeiramente. Devido a estas dificuldades, uma possibilidade é a utilização de uma linha focal (extended line geometry) ao invés de um ponto focal, o que pode ser obtido focalizando o feixe com uma lente cilíndrica, assim como feito na técnica SPIFI (SPatIal Frequency-modulated Imaging)[2[2] G. Futia, P. Schlup, D.G. Winters e R.A. Bartels, Opt. Express 19, 1626 (2011).]. SPIFI é capaz de varrer áreas maiores de uma amostra em menos tempo, além de manter um baixo custo. Esses fatores são, de certa forma, essenciais para laboratórios que possuem poucos recursos e indicam, inclusive, a viabilidade de sua montagem em laboratórios de ensino de Física. Além disso, esta técnica tem a capacidade de ilustrar de forma interessante diversos fenômenos ópticos para alunos de graduação, abordar teorias avançadas necessárias para o entendimento da técnica, assim como tratar tópicos interdisciplinares, dependendo somente da amostra utilizada no imageamento.

2. Fundamentos Teóricos

2.1. Imageamento óptico

As técnicas de imageamento que utilizam lasers normalmente se baseiam na varredura da amostra ou do feixe de laser [5[5] P. Davidovits e M.D. Egger, Nature 223, 831 (1969)., 6[6] C.J.R. Sheppard e A. Choudhury, J. Mod. Opt. 24, 1051 (1977).]. O mecanismo de contraste utilizado para gerar a imagem pode ser originado a partir de diferentes processos, como espalhamento, mudanças de polarização e/ou absorção, geração de harmônicos, mudanças de fase, fluorescência, entre outros. Quando o laser é focalizado em um ponto da amostra, a intensidade da luz transmitida é registrada por um dispositivo, como uma fotomultiplicadora, que coleta esses dados. Essas informações podem então ser processadas para produzir imagens em um computador.

As microscopias de varredura utilizando feixe de laser, que produzem uma imagem ponto por ponto, são amplamente utilizadas na pesquisa. No entanto, devido ao tempo significativamente longo para formar uma imagem completa, pesquisadores têm buscado desenvolver técnicas alternativas com sistemas de múltiplos feixes [3[3] K.E. Sheetz, E.E. Hoover, R. Carriles, D. Kleinfeld e J.A. Squier, Opt. Express 16, 17574 (2008)., 4[4] E.E. Hoover, M.D. Young, E.V. Chandler, A. Luo, J.J. Field, K.E. Sheetz, A.W. Sylvester e J.A. Squier, Biomed. Opt. Express 2, 113 (2011).]. Em contrapartida, estas técnicas são mais complicadas de serem implementadas e demandam mais recursos. Uma alternativa é a utilização de uma linha focal ao invés de um ponto focal, o que pode ser obtido ao focalizar o feixe com uma lente cilíndrica. A lente cilíndrica, diferente da lente esférica, consiste em um material transparente e polido capaz de fazer com que todos os raios de luz de um feixe de raios paralelos, incidentes em um lado, passem bem próximos de uma única linha ao emergirem do outro lado da lente, formando uma linha focal. Isso acontece devido ao seu formato, pois a lente cilíndrica colima o feixe de laser em uma única direção, não afetando o feixe na direção perpendicular a esta devido à sua curvatura, como pode ser visto na Figura1. Essa linha focal segue o perfil gaussiano de distribuição de intensidade, onde o centro é mais intenso do que as bordas. A Figura1 compara o feixe de laser antes e depois de passar por uma lente cilíndrica e mostra como é a distribuição da potência P(r) ao longo da coordenada radial de cada feixe.

Figura 1:
Laser de perfil gaussiano antes e depois de passar por uma lente cilíndrica (LC).

A aquisição pode ser realizada por meio de um dispositivo de carga acoplado CCD (charge coupled device), o qual é um sensor semicondutor para captação de imagens. O CCD possui uma região fotoativa e uma região de transmissão dos fótons. A imagem formada pelas lentes do microscópio é projetada nos capacitores (na região fotoativa) fazendo com que cada capacitor acumule uma quantidade de carga proporcional à intensidade de luz na região projetada. Outra função do dispositivo é a conversão da intensidade luminosa em sinais elétricos para fazer a captação por meio de outros dispositivos. Porém, o espalhamento de luz que ocorre quando o laser é projetado na amostra, reduz a qualidade da imagem final. Quando incidimos uma linha focal em um objeto, devido ao espalhamento, os fótons transmitidos podem ter suas trajetórias alteradas, borrando a imagem coletada na câmera. A Figura2 representa o espalhamento que acontece ao incidir fótons (de uma fonte de distribuição gaussiana) em um material.

Figura 2:
Espalhamento dos fótons transmitidos após interagirem com um objeto.

2.2. Modulação em Frequência Espacial para Imageamento – SPIFI

Em 2011, Futia et al [2[2] G. Futia, P. Schlup, D.G. Winters e R.A. Bartels, Opt. Express 19, 1626 (2011).] apresentaram um método que utiliza a linha focal para aquisição rápida de imagens e que é compatível com meios espalhadores. A solução encontrada foi modular em amplitude, com diferentes frequências, as distintas partes da linha, ou seja, codificar em frequência as pequenas partes do feixe ao longo da extensão da linha focal. Outra vantagem desta técnica, na qual o feixe de excitação é modulado (multiplexado) em frequência espacial, é que a luz pode ser coletada por um detector de elemento único, como um fotodetector ou uma fotomultiplicadora. Os detectores de elemento único, mesmo coletando apenas a intensidade do sinal transmitido, podem ser implementados com a modulação em frequência do sinal. Assim, é possível recuperar as informações espaciais do sinal coletado, contornando o problema do espalhamento.

A modulação em frequência espacial para imageamento [7[7] E. Block, M.D. Young, D.G. Winters, J.J. Field, R.A. Bartels e J.A. Squier, Opt. Lett. 41, 265 (2016)., 8[8] A.M.A. Motz, J. Czerski, D.E. Adams, C. Durfee, R. Bartels, J. Field, C.L. Hoy e J. Squier, Opt. Express 28, 405 (2020)., 9[9] M.D. Young, Developments in Multifocal Multiphoton Microscopy with Single Element Detection. Tese de Doutorado, Colorado School of Mines, Golden (2015).], codifica as informações espaciais de distintas partes da linha focal em determinadas frequências, isso através do uso de uma máscara giratória, conhecida como retículo de Lovell [10[10] D. Lovell, US Patent 2,997,699 (1961).]. A equação que representa o retículo de Lovell, a máscara em si, é dada por:

(1) m ( r , θ ) = 1 2 + 1 2 sgn [ cos ( 2 π κ r θ ) ] ,

onde r e θ são as coordenadas radial e angular e κ 1 1 Este parâmetro é responsável pelo número de franjas da máscara. é o parâmetro de chirp espacial da máscara.

Para modular o feixe cilíndrico da Figura1, de forma eficaz, podemos imprimir a máscara, como visto na Figura3, em uma impressora 3D e utilizar um chopper óptico para rotacioná-la. A modulação m(r,θ) do feixe cilíndrico, a mesma utilizada por Futia [2[2] G. Futia, P. Schlup, D.G. Winters e R.A. Bartels, Opt. Express 19, 1626 (2011).] em seu trabalho, permite diferenciar as distintas partes do feixe, evitando que fótons detectados sejam atribuídos a posições incorretas da amostra. A variação espacial na frequência faz com que cada parte da linha focal esteja em diferentes frequências devido às franjas da máscara da Figura3. Próximo ao centro da máscara (círculo vermelho), a frequência de modulação será menor devido ao número de franjas nesta região. Afastando-se do centro (círculo roxo ou verde), maior será a quantidade de franjas que esta parte do feixe irá se deparar, aumentando a frequência de modulação linearmente com a coordenada radial da máscara.

Figura 3:
Máscara SPIFI e a modulação do feixe para diferentes posições radiais no disco reticulado.

Em resumo, SPIFI é uma técnica de imageamento óptico que utiliza fotodetector de elemento único. Através do uso de uma linha focal as imagens podem ser obtidas mais rapidamente e, por meio da modulação em amplitude, cada trecho da linha focal adquire uma frequência temporal característica. Com esta técnica, é possível obter imagens por meio de processos ópticos lineares (como absorção linear ou transmissão, por exemplo) e não-lineares (geração de harmônicos, fluorescência induzida por absorção não-linear, etc.).

2.3. Estrutura do sistema óptico

Ao passar pela lente cilíndrica, o feixe circular é focalizado em uma linha que é modulada em amplitude ao incidir sobre a máscara, com uma frequência que aumenta linearmente ao longo da extensão da linha focal. Com uma lente objetiva, a linha focal é projetada na amostra, que é varrida com o auxílio de um translador a fim de coletar toda sua área para obtenção de uma imagem bidimensional. A partir da Figura4, podemos visualizar a montagem básica da técnica SPIFI. Em vermelho, tem-se o feixe gaussiano, que passa pela lente cilíndrica (LC) gerando uma linha focal. O feixe então passa pelo modulador e é focalizado pela lente objetiva (LO) na amostra. Após ser focalizado na amostra, a luz transmitida (ou emitida pela amostra) é coletada com uma lente LF no fotodetector (F).

Figura 4:
Montagem experimental do microscópio SPIFI, adaptada de [2[2] G. Futia, P. Schlup, D.G. Winters e R.A. Bartels, Opt. Express 19, 1626 (2011).]. Em vermelho tem-se o feixe de laser, que passa pela lente cilíndrica (LC) gerando uma linha focal. O feixe então passa pela máscara giratória para ser modulado e é então focalizado pela lente objetiva (LO) na amostra. Por fim, o feixe é focalizado pela lente (LF) no fotodetector (F) para a coleta do sinal.

2.4. Sinal SPIFI

Após a modulação do feixe de laser, quando este passar por um material, haverá uma redução na intensidade de algumas componentes de frequência, simplesmente devido à interação da luz com a matéria, já que alguns fótons serão absorvidos, outros espalhados, etc., Figura5.

Figura 5:
A linha focal também possui um perfil de intensidade gaussiano e cada trecho da linha é codificado com uma diferente frequência de modulação. Durante a interação da radiação com a matéria, alguns fótons deixam de ser transmitidos, diminuindo a intensidade de luz em algumas frequências de modulação.

Ao focalizar este feixe modulado com uma lente esférica (LC), estaremos induzindo uma interferência espacial e temporal entre as diferentes partes do feixe, que estão moduladas em diferentes frequências. Este efeito de interferência acontece porque no foco da lente esférica haverá uma sobreposição (espacial e temporal) de campos elétricos com diferentes frequências de oscilação (de acordo com a modulação da máscara). No sinal coletado pelo fotodetector, esta interferência dá origem a um batimento, como pode ser visto na Figura 6, que é o sinal característico da técnica SPIFI. O sinal SPIFI muda de acordo com a estrutura (amostra) encontrada pelo feixe de laser durante sua propagação. A Figura6 ilustra o sinal SPIFI coletado pelo fotodetector sem e com a presença de uma amostra.

Figura 6:
Sinal SPIFI coletado pelo fotodetector sem amostra (em preto) e com amostra (em vermelho).

2.5. Transformada de Fourier

A modulação utilizada por Futia et al [2[2] G. Futia, P. Schlup, D.G. Winters e R.A. Bartels, Opt. Express 19, 1626 (2011).], representada na equação (1), pode ser reescrita no sistema de coordenadas do campo elétrico, de tal forma que o sinal coletado pelo fotodetector gere uma corrente elétrica variante no tempo (uma fotocorrente), que pode ser descrita como [11[11] N. Worts, J. Czerski, J. Jones, J.J. Field, R. Bartels e J. Squier, Int. J. Optomechatronics 14, 1 (2020).]:

(2) s ( t ) = γ I ( x , t ) d x ,

sendo γ uma constante relacionada à eficiência do fotodetector e I(x,t) a distribuição de intensidade do feixe utilizado. Esta integração é calculada sobre a extensão do fotodetector.

A Transformada de Fourier é uma técnica matemática que permite a análise de sinais em domínios de frequências [12[12] G.B. Arfken, H.J. Weber e F.E. Harris, Mathematical Methods for Physicists (Academic Press, San Diego, 1985), 3 ed.]. Ela é usada para transformar um sinal no tempo para o espaço de frequência, o que permite identificar as componentes de frequência que compõem o sinal original.

(3) F ( ω ) = 1 2 π - + s ( t ) e - i ω t d t .

A Transformada de Fourier é amplamente utilizada em microscopia para análise de imagens. Por exemplo, em microscopia de fluorescência [13[13] C. Juntunen, I.M. Woller, A.R. Abramczyk e Y. Sung, Sci. Rep. 12, 2477 (2022).], as imagens são frequentemente adquiridas com baixa resolução espacial devido a limitações físicas da objetiva da câmera. A Transformada de Fourier pode ser usada para melhorar a resolução espacial da imagem, permitindo que detalhes mais finos sejam visualizados. Outro exemplo é a microscopia de interferência [14[14] P. de Groot, Adv. Opt. Photonics 7, 1 (2015).], onde a Transformada de Fourier é usada para processar as informações obtidas pelo interferômetro e produzir uma imagem da superfície do objeto. Esta operação matemática também é útil na análise de imagens obtidas por outras técnicas de microscopia, como a microscopia confocal [15[15] M. Mueller, Introduction to Confocal Fluorescence Microscopy (SPIE Press, Washington, 2005), 2 ed.] e a microscopia de força atômica [16[16] Q. Xie e X.G. Xu, Nano Lett. 22, 9174 (2022).]. Em todos esses casos, a técnica permite que informações sobre a estrutura e a distribuição de materiais em diferentes escalas sejam obtidas a partir de imagens de microscopia.

3. Aparato Experimental

3.1. Sistema óptico

Nesta montagem utilizamos como fonte de luz um feixe de laser de He-Ne operando no comprimento de onda de 632,8 nm. Este feixe passa por um expansor óptico, composto por duas lentes (L1 e L2) distanciadas pela soma de seus focos (550mm), aumentando o diâmetro do feixe em 10 vezes. O feixe é então refletido por um par de espelhos (para auxiliar no alinhamento óptico) e incide em uma lente cilíndrica com foco de 35mm. A lente cilíndrica modifica o formato do feixe de circular para linear, focalizando-o em uma dimensão. Ao passar pela lente cilíndrica, o feixe incide na lente L3 (125mm) e é focalizado na máscara, que é rotacionada por um sistema de chopper óptico. Ao passar pela máscara, o feixe é colimado com a lente L4 (125mm). Inserindo uma lente objetiva (LO) de foco curto (30mm), podemos focalizar o feixe na amostra. A amostra é posicionada na região focal desta lente e é acoplada a um translador para varredura na direção perpendicular ao eixo de propagação do feixe. Por fim, inserimos uma lente (LF de 50mm) para coleta do sinal em um fotodetector. A montagem está representada na Figura7.

Figura 7:
Montagem experimental completa do microscópio SPIFI. O feixe de luz laser passa por um expansor óptico (lentes L1 e L2), refletido por um conjunto de espelhos e é focalizado em uma direção ao passar pela cilíndrica (LC). Ao passar pela lente L3 o feixe é focalizado na máscara SPIFI e colimado por L4. O feixe é então focalizado pela lente objtiva (LO) na amostra e refocalizado no fotodetector (F) pela lente LF.

3.2. Aquisição de dados

A automação do experimento foi realizada por intermédio do dispositivo MyDaq da empresa National Instruments. Este equipamento faz a conversão do sinal analógico para digital (para aquisição de dados em um computador) e realiza também o deslocamento da amostra (conversão digital-analógico) via porta USB. Os dados são analisados em um programa desenvolvido na linguagem de programação gráfica do software LabVIEW (National Instruments). Este programa, além de fazer toda a coleta e análise dos dados, controla o translador que movimenta a amostra. Para o deslocamento, é acoplado um motor de passo a um estágio de translação que possui uma precisão de rotação de 2,5μm. A linguagem gráfica usada em LabVIEW é intuitiva e utiliza ícones que são conectados por fios em um diagrama, fazendo com que os dados em cada bloco sejam transmitidos na forma de fluxo. Ela é utilizada amplamente em laboratórios e indústrias para sistemas de automação, deslocamentos e tarefas de repetições. Esta linguagem possibilita utilizar outros programas (Sub VI’s) dentro do programa principal para realizar tarefas específicas. Além disso, suporta outras linguagens de programação por meio de suas bibliotecas.

3.3. Amostras

Para obtenção de imagens utilizando o microscópio SPIFI, utilizamos duas amostras: (i) uma grade quadriculada (Figura8), retirada de uma peneira de cozinha, estrutura facilmente identificável em um microscópio e que possui 14,0 mm de comprimento e 6,0 mm de largura; e (ii) uma formiga da espécie Acromyrmex hispidus (sub-espécie: Acromyrmex hispidus fallax) [17[17] A.E. Campos, O. Bueno e M. Morini, Formigas em Ambientes Urbanos no Brasil (Canal 6, Bauru, 2017), 1 ed.], (Figura9), popularmente conhecida como formiga-cortadeira, encontrada principalmente em regiões urbanas na região sul do Brasil. A formiga-cortadeira utilizada apresenta dimensões aproximadas de 6,0 mm de comprimento e 2,0 mm de largura.

Figura 8:
Imagem ampliada da grade quadriculada (peneira de cozinha) obtida com microscópio óptico convencional.
Figura 9:
Imagem ampliada da formiga-cortadeira (Acromyrmex hispidus fallax) obtida com microscópio óptico convencional.

4. Resultados

No caso do sinal SPIFI, a Transformada de Fourier é aplicada para analisar a distribuição de frequência oriunda da modulação da luz pelo retículo de Lovell, (Figura10). Ao aplicar a Transformada de Fourier no sinal SPIFI, que remete ao perfil gaussiano do laser (curva preta na Figura10), é possível obter uma representação da distribuição de frequência presente na interferência, o que permite a identificação de estruturas do material investigado. A curva vermelha na Figura10 representa o caso em que o feixe gaussiano passa por uma haste (Figura11), que aqui representa nossa amostra, de forma que há uma redução na intensidade das componentes de frequência que compõem o centro do feixe gaussiano modulado. Na técnica SPIFI é importante lembrar que cada frequência de modulação guarda as informações de uma dada região da amostra, frequências estas que correspondem a uma posição específica da linha focal projetada no material. Para recuperar a imagem, a partir do sinal coletado pelo fotodetector de elemento único, é necessário aplicar a Transformada de Fourier, em que teremos como resultado diferentes ordens (harmônicos) da frequência fundamental. A imagem mais intensa (imagem fundamental) é obtida do sinal de primeira ordem, podendo ter de outras ordens (segunda, terceira, etc.) com intensidades mais baixas, porém com maior resolução a respeito do objeto, pois para as altas ordens a mesma região do objeto será descrita por uma quantidade maior de frequências. Neste caso, a Transformada representa uma linha da imagem ampliada, como pode ser visto na Figura10.

Figura 10:
Transformada de Fourier dos sinais SPIFI coletados pelo fotodetector sem amostra (em preto) e com amostra (em vermelho).
Figura 11:
Representação do feixe cilíndrico sendo focalizado por uma lente objetiva LO em uma haste (agulha) e sua projeção parcialmente bloqueada em um anteparo.

O sinal SPIFI com a amostra pode ser normalizado pelo sinal SPIFI sem a amostra (feixe gaussiano do laser) para uma melhor visualização do perfil do material na região onde a linha focal está projetada, Figura12. Coletando diversas linhas focais ao longo da amostra e aplicando as devidas transformadas nos sinais SPIFI, pode-se então construir um mapa de cor, que será a imagem bidimensional da amostra, Figura13.

Figura 12:
Normalização entre os sinais com e sem amostra, representando o perfil da amostra ao longo da linha focal.
Figura 13:
(a) Imagem da ponta e (b) base da haste (agulha) obtida através da técnica de imageamento SPIFI.

A partir dos dados coletados pelo programa de aquisição e análise de dados em LabVIEW, obtivemos as imagens da grade quadriculada e da formiga-cortadeira pelo método de modulação em frequência espacial para imageamento, SPIFI.

A Figura14 mostra a imagem de primeira ordem obtida para a grade quadriculada. A cor da imagem é escolhida livremente pelo usuário que faz o processamento dos dados, enquanto a técnica SPIFI fornece o contraste através da mudança de intensidade. Na Figura15, são mostradas a primeira (a) e segunda ordem (b) da Transformada de Fourier para a medida da formiga-cortadeira. É notável o ganho de resolução na imagem de segundo harmônico quando comparada com a de primeiro harmônico, pode-se visualizar detalhes que antes estavam ofuscados e turvos pela baixa resolução. É possível obter imagens de harmônicos superiores, porém, quanto maior a ordem do harmônico, menos intenso é o sinal, de forma que estes tornam-se muito suscetíveis a ruídos, prejudicando sua aquisição e resultado da imagem.

Figura 14:
Imagem da grade quadriculada obtida através da técnica SPIFI.

5. Discussão

A partir do comprimento de onda, λ, da radiação laser e da abertura numérica, NA, da lente objetiva utilizada, é possível calcular qual é a resolução lateral máxima, d, do sistema de microscopia pelo critério de Rayleigh d=0,61λ/(NA)[9[9] M.D. Young, Developments in Multifocal Multiphoton Microscopy with Single Element Detection. Tese de Doutorado, Colorado School of Mines, Golden (2015)., 18[18] M. Born e E. Wolf, Principles of Optics: Electromagnetic Theory of Propagation, Interference and Diffraction of Light (Cambridge University Press, Cambridge, 1999), 7 ed.], que fornece o limite de difração. Para o microscópio em questão, foi empregada uma lente de uma polegada de diâmetro (25,4 mm) e comprimento focal de 30mm, de forma que NA0,3898. Considerando que λ=632,8nm, temos d990nm. Portanto, podemos dizer que 990nm é o limite teórico para a resolução lateral do microscópio óptico utilizado, considerando que esteja perfeitamente alinhado e que toda a abertura numérica da lente objetiva esteja sendo utilizada.

No caso do microscópio SPIFI, em que a linha focal é modulada ao longo de sua extensão, tem-se resoluções distintas na direção da linha focal e perpendicular a ela. A espessura da linha focal fornece a resolução na direção perpendicular à linha (eixo horizontal nas Figuras13,14 e15, que em nosso experimento é 2,4μm, dado que estamos iluminando apenas em torno de 40% do diâmetro da lente objetiva, LO. Como o menor passo da amostra na direção perpendicular à linha focal é de 2,5μm, esta é nossa limitante e, portanto, nossa resolução nesta direção. Ao longo da linha focal (eixo vertical nas Figuras13,14 e15), a resolução pode ser encontrada dividindo-se o comprimento da linha projetada na amostra, 3,4mm, pela quantidade de frequências distintas produzidas pela modulação. Para este caso, temos um total de 30 frequências distintas para a primeira ordem, que levou a uma resolução de aproximadamente 113μm. Já para a imagem de segunda ordem, a linha focal foi codificada com 60 frequências diferentes, o que representa uma resolução de aproximadamente 57μm. Note que o sinal de segunda ordem tem o dobro de frequências quando comparado ao de primeira ordem, o que é esperado teoricamente. Como pode ser observado, quanto maior a quantidade de frequências para dividir a linha focal, melhor será a resolução do sistema nesta direção, lembrando que em ambas as direções, a resolução só pode ser otimizada até o limite de difração do sistema, ou seja, 990μm. Porém, vale dizer que já foi mostrado que é possível obter imagens em superresolução, ou seja, com resolução abaixo do limite de difração, quando processos ópticos não lineares são empregados usando a técnica SPIFI[19[19] J.J. Field, K.A. Wernsing, S.R. Domingue, A.M.A. Motz, K.F. DeLuca, D.H. Levi, J.G. DeLuca, M.D. Young, J.A. Squier e R.A. Bartels, Proc. Natl. Acad. Sci. U.S.A. 113, 6605 (2016).].

Observando a Figura14, ou Figura15, pode-se perceber alguns artefatos que cortam a imagem verticalmente. Tais linhas escurecidas estão presentes devido à dificuldade de efetuar o trigger do sinal SPIFI no software LabVIEW, por conta da complexidade deste sinal. Logo, quando o sinal oscila, perde-se a posição do sinal SPIFI e então é calculada a transformada de um ruído, gerando uma linha com valores não condizentes com a imagem real. Tal problema pode ser resolvido ao utilizar canais de referência mais estáveis ou acompanhar como o sinal se modifica ao longo da amostra a fim de controlar melhor o trigger.

Figura 15:
(a) Imagem de primeira e (b) segunda ordem da formiga-cortadeira obtida através da técnica SPIFI.

6. Conclusão

Neste trabalho, apresentamos um experimento que ilustra conceitos de imageamento óptico que podem ser realizados em laboratórios de física em nível de graduação. Demonstramos a técnica SPIFI, que é moderna e pode ser realizada com equipamentos simples, como um laser de He-Ne, fotodetector, máscara de modulação feita em impressora 3D, além de espelhos e lentes. Como sugestão para a extensão deste experimento, propomos a coleta de imagens utilizando uma lente objetiva com foco mais curto, como uma objetiva de microscópio, assim como o uso de uma máscara SPIFI com maior densidade de franjas para alcançar resoluções melhores. Para experimentos mais avançados, pode-se coletar o sinal SPIFI originado de diferentes processos ópticos lineares ou não lineares.

Agradecimentos

Gostaríamos de agradecer ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Paraná (Fundação Araucária) pelo suporte financeiro, ao Grupo de Propriedades Ópticas, Eletrônicas e Fotônica do Departamento de Física da UFPR pela infraestrutura necessária para o desenvolvimento deste projeto. Agradecemos especialmente ao Prof. Dr. Wilson Alcântara Soares por gentilmente realizar a impressão 3D da máscara de modulação. Agradecemos também a Ana Carolina Alves Neundorf por auxiliar na identificação da formiga utilizada como amostra neste artigo.

Referências

  • [1]
    M. Góra, K. Karnowski, M. Szkulmowski, B.J. Kaluzny, R. Huber, A. Kowalczyk e M. Woljtkowski, Opt. Express 17, 14880 (2009).
  • [2]
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    Este parâmetro é responsável pelo número de franjas da máscara.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    03 Jul 2023
  • Aceito
    11 Jul 2023
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