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Internato Rural

Introdução

A Faculdade de Medicina da UFMG vem desde 1971 buscando, dentro de um Processo de Desenvolvimento Curricular em Educação Médica, formar em termos de conhecimento, atitudes e habilidades um profissional em Medicina que seja capaz de identificar e resolver os problemas de saúde integral de uma população. Assim o texto “O Processo de Desenvolvimento Curricular em Educação Médica na Universidade Federal de Minas Gerais” define que “a correta opção para a mudança educacional em medicina reside no principio geral de que se deve antes definir o profissional adequado às necessidades de saúde da comunidade e que o currículo deve ser flexivelmente formulado em função desse profissional e não de acordo com o que cada especialista em posição docente considera necessário ser ensinado. O amadorismo em educação médica, que não foi muito prejudicial até há alguns anos atrás, tem sido tão desastroso diante de novas realidades sociais e técnicas que se faz imperioso e inadiável o correto ajustamento dos currículos de medicina às atuais e, principalmente, às futuras exigências do cuidado integral de saúde da crescente população brasileira. Para esse ajustamento, o ensino em vez de girar em torno do binômio aluno/professor, deve passar a ser progressivamente centrado no trinômio aluno/paciente/comunidade. Em outras palavras, o ambiente da escola médica, em vez de ser a sala de aula ou o laboratório tradicional e seletivo, deve ser cada vez mais o próprio serviço de atendimento comunitário, ou seja, o serviço de atendimento não seletivo, co-extensivo às necessidades de saúde da Comunidade”

Como complementação da filosofia de ensino e trabalho imprimida na Faculdade, a partir da adoção desse Processo de Desenvolvimento Curricular, foi criado o 6o ano de Graduação Médica, 11o e 12o períodos; é importante lembrar que a Faculdade de Medicina em virtude de autorização do Conselho Federal de Educação vinha funcionando, há dez anos, com um curso de cinco anos de duração. Assim, o Internato criado no 6o ano teve como uma das áreas prioritárias de atenção o Internato Rural, cumprido no 11o período de graduação. Coube ao Departamento de Medicina Preventiva e Social responsabilizar-se pela implementação deste novo programa de ensino: o Internato Rural.

O Internato Rural

Criado, portanto, em função das modificações do ensino na Faculdade de Medicina, o Internato Rural teve início em janeiro de 1978, quando a primeira turma do 11o período deslocou-se para as áreas de estágio. Este programa tem como meta principal a utilização pela Escola Médica dos serviços próprios da Comunidade, integrando-se ao sistema de saúde que se desenvolve no Estado e aproveitando o estudante como mão­de-obra dentro do sistema de assistência médico-social. Com isso a dicotomia trabalho/aprendizagem deixa de existir e o estudante passa a refletir dentro de sua própria prática, junto aos problemas da realidade, sendo útil às populações brasileiras mais carentes e aprendendo uma teoria surgida do concreto, do dia-a-dia.

Os objetivos do Internato Rural compreendem, entre outros, o estímulo à interiorização dos médicos, um maior ganho de autonomia pelos estudantes, a realização de um trabalho junto a um Sistema Integrado de Saúde, o manejo de uma tecnologia médica simplificada, a busca de um aprendizado em serviço, o contato com uma população necessitada em termos de saúde e a ênfase em trabalhos preferencialmente de Saúde Pública.

1 - Objetivos

Objetivo Geral

  • Atuar, sob supervisão, em ambulatório, a nível domiciliar e com pacientes hospitalizados, em cidades do interior (zona urbana e rural) realizando ações de Saúde Pública e cumprindo os objetivos da Medicina Geral de Adultos e Crianças.

  • Atuar junto ao indivíduo ou a seus familiares, no sentido de obter o reconhecimento de suas necessidades de saúde e as de sua comunidade.

  • Fazer o diagnóstico do estado de saúde da comunidade e do individuo em seu contexto sócio-econômico e cultural.

  • Realizar medidas preventivas e terapêuticas.

  • Prescrever e administrar tratamentos.

  • Avaliar, pelo acompanhamento de casos e pela supervisão, os efeitos das prescrições.

  • Avaliar criticamente os dados concretos da experiência acumulada dos atendimentos referents à nosologia prevalente.

Objetivos de Aprendizagem

Ao final do Internato Rural o aluno deverá ser capaz de:

  • identificar características físicas e funcionais de uma unidade de saúde (US) em comunidade rural;

  • identificar a nosologia prevalente da região utilizando o Sistema de Informática e os dados da experiência acumulada durante o IR;

  • orientar e executar técnica mais adequada para controle e imunização da população local;

  • reconhecer, a nível domiciliar, as condições de vida (moradia, nutrição, higiene, trabalho) da população;

  • conhecer e orientar a execução de soluções tipicamente domiciliares relativas a saneamento e habitação (água, dejetos, lixo, etc.);

  • identificar os determinantes de saúde da população;

  • identificar, controlar e assumir a conduta terapêutica, sob supervisão de pacientes acometidos de patologias prevalentes na comunidade:
    • consultas em hospitais, ambulatórios e/ou domicilio;

    • aplicação de vacinas;

    • execução de exames complementares (de laboratório, raios X);

    • realização de pequenas cirurgias;

    • acompanhamento de egressos (principalmente doentes mentais e físicos);

    • orientação e encaminhamento das pessoas quanto aos aspectos promocionais, preventivos e terapêuticos;

    • estudo orientado dos casos nas regiões:
      • doenças infectuosas e parasitárias

      • desnutrição

      • intoxicação por inseticidas

      • outros acidentes de trabalho

      • acidente ofídico e por outros animais.

    • colaboração, sempre que possível, em levantamentos e pesquisas em andamento na região;

  • conhecer os níveis da hierarquização do cuidado do paciente;

  • identifícar e avaliar o sistema hierarquizado de saúde.

2 - Convênios

Realizados para a implementação do Internato Rural.

Para a realização dos estágios curriculares dos alunos do 11o período - Internato Rural, foram feitos convênios com várias Instituições, abaixo discriminadas junto com as obrigações respectivas.

a) Secretaria de Saúde do Estado de Minas Gerais.

Cabe à Secretaria possibilitar trabalho dos alunos na área do CENTRO REGIONAL DE SAÚDE DE MONTES CLAROS, Sistema Regionalizado de Prestação de Serviços do Norte de Minas e o pagamento de uma bolsa mensal no valor de Cr$ 1.300,00.

b) Fundação Serviços de Saúde Pública - FSESP.

Cabe à Fundação SESP possibilitar o trabalho dos alunos em suas Unidades Mistas (ambulatório e hospital).

c) Companhia Agrícola Florestal - CAF.

Cabe à Companhia possibilitar o trabalho dos estudantes nas áreas sob sua jurisdição em suas Unidades de Saúde, e o pagamento de uma bolsa mensal no valor de Cr$ 1.300,00.

d) Companhia Vale do Rio Doce - CVRD.

Cabe à Companhia possibilitar o trabalho dos alunos em seu Hospital Carlos Chagas, na cidade de Itabira, e o pagamento de uma bolsa no valor de Cr$ 2.000,00.

e) Hospital Margarida.

Cabe ao Hospital Margarida possibilitar o trabalho dos estudantes em seus serviços na cidade de João Monlevade.

f) Prefeituras Municipais do Norte de Minas.

Cabe às Prefeituras o fornecimento de acomodação e alimentação aos estudantes durante sua permanência nas cidades.

3 - Recursos: para pagamento de bolsas aos estudantes.

a) Região de Montes Claros.

Recursos advindos do Convênio com a Secretaria de Saúde do Estado; pagamento de 46 bolsas mensais no valor de Cr$ 1.300,00 cada.

Região da FSESP e João Monlevade.

b) Recursos advindos do DAU/MEC colocados à disposição da Faculdade para o Internato Rural; pagamento de 19 bolsas mensais no valor de Cr$ 1.300,00 cada.

c) Região de ltabira.

Recursos advindos do convênio com a CVRD; pagamento de 7 bolsas mensais no valor de Cr$ 2.000,00 cada (inclui transporte).

d) Região da CAF.

Recursos advindos da Companhia Agrícola Florestal; pagamento de 8 bolsas mensais no valor de Cr$ 1.300,00 cada.

4 - Área de Atuação

A. Centro Regional de Saúde de Montes Claros

Secretaria de Saúde do Estado de Minas Gerais. Cidades: Apresentadas em função da divisão do Centro Regional em Áreas programáticas (ver mapas I, II e III):

Área Programática I

Juramento

Coração de Jesus Mirabela

Área Programática II

Engenheiro Navarro

Francisco Dumont

Buenópolis

Augusto de Lima

Joaquim Felício

Área Programática III

Grão Mogol

Botumirim

Cristália Francisco Sá

Área Programática IV

Santa Fé de Minas

Buritizeiro Lassance

Jequitaí

São Romão

Ibiai

Área Programática VI

Montalvânia

Manga

Ltacarambi

Varzelândia

B. Fundação SESP

Januária

São Francisco

Pirapora

Bócaiúva

João Pinheiro

C. Companhia Agrícola Florestal

Carbonita

Santa Bárbara - Dionísio

Coronel Fabriciano

D. Companhia Vale do Rio Doce

Itabira

E. Hospital Margarida

João Monlevade

5 - População Abrangida Aproximadamente (Quadro II)

1.000.000 habitantes

6 - Trabalhos Realizados

- Cobertura de Atenção Médica Prestada Atualmente

N.o de consultas mínimas diárias: 15 por aluno

N.o de alunos nas áreas: 80 alunos Cálculo mensal por aluno: 15 consultas x 20 dias = 300 cons/mês

Cálculo total no mês: 80 alunos x 300 cons = 24.000 cons/mês.

- Outros trabalhos:

visitas domiciliares

reuniões de gestantes

reuniões de tuberculosis

reuniões com professors

palestras em escolas

reuniões de comunidade

hortas comunitárias

Controle de Doenças Transmissíveis:

Tuberculose

Doença de Chagas

Febre Tifóide

Malária

Vacinação nas cidades nas zonas rurais meio, como por exemplo, o caso de LOÍASE (filariose da África Ocidental) descoberto em Pirapora pelos alunos do Internato Rural.

Atendimentos nos aglomerados rurais.

7 - Recursos

- RECURSOS HUMANOS CONTRATADOS PARA O INTERNATO RURAL

  • 02 (dois) professores em regime de T 40

- RECURSOS HUMANOS CEDIDOS AO INERNATO RURAL

  • 01 (um) agente de portaria (que desempenha funções de auxiliar administrativo com grande eficiência)

  • 01 (um) motorista

  • 01 (um) agente administrativo (que desempenha funções de secretaria)

  • (um) professor na coordenação do Internato que auxilia na coordenação do Internato Rural.

- RECURSOS MATERIAIS À DISPOSIÇÃO DO INTERNATO RURAL

  • 01 (um) Veículo Volkswagen, placa 1432, ano 1976, cor preto e branco, motor BJ 356 - 384 (chassis)

8 - Distâncias Percorridas pelos Coordenadores no IR até 18.06.78

Aproximadamente: 50.000 km sendo:

11.651km - Volks

13.538km - Brasília

23.000km - carros da secretaria, ônibus e carros particulares

9 - O Desenvolvimento do Internato Rural no Primeiro Semestre

I - As Características do Centro Regional de Saúde de Montes Claros. “O Sistema Integrado de Prestação de Serviços de Saúde do Norte de Minas”

II - Os objetivos alcançados.

III - A avaliação das dificuldaçies existentes.

I - As Características do Centro Regional de Saúde de Montes Claros

O Internato Rural da Faculdade de Medicina da UFMG atua preferencialmente na área do Norte de Minas, por existir ali uma experiência de implantação de um Sistema de Prestação de Serviços de Saúde muito comprometido com a realidade brasileira e que vem buscando, nos limites de suas possibilidades, encontrar alternativas concretas para a solução dos problemas de saúde daquela área. Assim este Sistema possui os seguintes princípios básicos:

A - Aumento da Cobertura

A baixa cobertura da organização sanitária brasileira se coloca como o principal desafio que os governos federal, estaduais e municipais vêm enfrentando no setor saúde. Assim, a extensão da cobertura populacional a, pelo menos, 70% da população alvo, dentro de um quadro de “constraints” bem definidos (especialmente no que refere à relativa inelasticidade dos recursos financeiros), constituirá a principal medida da adequacidade do modelo que se propõe.

B - Coordenação Interinstitucional

A coordenação das diversas instituições que atuam no campo da saúde consiste, basicamente, na aplicação do princípio de racionalidade administrativa da não duplicação de meios para os mesmos fins, o que se conseguirá através da definição de um sistema operativo, entendido como um conjunto ordenado de órgãos e entidades destinados à realização de objetivos, funções e atividades afins.

A coordenação interinstitucional deverá constituir o “modus operandi” da organização sistêmica do modelo, definida como a disposição adequada, consciente e explicita, das partes componentes do sistema.

C - Financiamento Multilateral

O financiamento do setor saúde tem de ser multilateral dada a pluralidade de serviços a prestar e devido aos seus altos e crescentes custos.

As fontes disponíveis podem ser externas e internas. Os recursos externos serão utilizados com o objetivo de desenvolver a infra-estrutura do sistema, aqui entendida em sentido amplo, e envolvendo investimento em equipamentos e instalações, formação de recursos humanos, assistência técnica e pesquisas operacionais. Os recursos internos deverão ser dirigidos prioritariamente, para garantir a operação, reposição e expansão relativa do sistema.

Do ponto de vista administrativo, há que se buscar a criação de mecanismos de coordenação das diversas fontes de financiamento que poderão envolver a consolidação orçamentária a nivel regional e a operação de um fundo regional de saúde, a ser gerenciado por um órgão colegiado de representação interinstitucional.

D - Regionalização

Sabe-se que os níveis de saúde de uma comunidade são a resultante de interação de fatores ambientais, demográficos, sociais, econômicos e culturais e, por isso, torna-se evidente que eles estão sujeitos a uma variação espaço-temporal e, como conseqüência, num espaço físico heterogeneamente desenvolvido, coexistirão momentos e situações de saúde diversos, expressos em necessidades e disponibilidades de recursos diferentes.

Do ponto de vista administrativo, a regionalização se impõe como pré-condição para a descentralização dos processos de planejamento, execução e controle da política de saúde.

No caso brasileiro a regionalização do sistema de saúde comporta os seguintes níveis espaciais: nacional, estaduais, regionais (nível do modelo do Norte de Minas), de áreas e locais, estes subdivididos em rurais, peri-urbanos e urbanos (veja quadro 1 e Fig. I).

QUADRO 1
Níveis de regionalização do Sistema Nacional de Saúde

E - Hierarquização dos Serviços

Estreitamente ligado à regionalização do sistema de saúde está o conceito de hierarquização pelo qual o subsistema de prestação de serviços deve-se organizar numa ordem de complexidade crescente das unidades operacio nais.

A hierarquização, definida como organização funilar de custos crescentes e cobertura decrescente, constitui um pré­requisito para a viabilidade econômica do sistema e, conseqüentemente, sua produtividade estará diretamente relacionada com sua capacidade de retenção de pacientes em níveis inferiores, tendo como parâmetro a qualidade da atenção prestada.

O modelo do Norte de Minas é composto pelos seguintes niveis, em ordem de complexidade crescente: unidades auxiliares, unidades ambulatoriais gerais, unidade ambulatorial especializada, unidades hospitalares, estas últimas subdivididas em hospitais locais, distritais e regional.

A infra-estrutura do sistema é composto por um módulo básico constituído pelo complexo domicílio-unidades auxliares, unidade ambulatorial geral.

As unidades de nível inferior gravitam, à forma de satélite, em torno das unidades imediatamente superiores. Cabe ressaltar, contudo, que uma unidade mais complexa contém em si mesma, todas as funções das unidades subalternas. Assim, a unidade auxiliar constitui um conjunto unitário, enquanto que a unidade ambulatorial geral é um conjunto composto por dois elementos: o elemento cuidado primário mais o elemento ambulatorial geral.

F - Relacionamento com o Sistema Informal

A baixa cobertura dos sitemas formais - inacessíveis à maioria das populações peri-urbanas e rurais - engendrou o surgimento de um sistema informal que, às vezes, constitui a única opção e, outras vezes, convive com o sistema formal num interessante sincretismo organizacional.

Assim, a implantação de um modelo de sistema institucional deve obedecer no seu relacionamento com a organização informal, uma estratégia que privilegie a utilização racional das ações empírico-místicas.

G - Integralidade de Atenção à Saúde O sistema déve ser integrado na medida em que não reconhece os limites artificiais da promoção, prevenção, tratamento e reabilitação e na medida em que se propõe a proteger a família e os indivíduos durante todo o ciclo vital.

Do ponto de vista da clientela, o modelo pressupõe a universalização da atenção à saúde com a eliminação das clientelas cativas, a nível de unidades de saúde.

H - Participação da Comunidade

A idéia de sistema de saúde é transcendente à de serviços de saúde por conter outras variáveis como fatores ambientais e comportamentais.

Assim o sistema de saúde, englobando a vida de relação do homem em tudo que diga respeito à saúde, deve se caracterizar por uma participação efetiva do homem e dos grupos sociais da comunidade, tanto a nível de planejamento, quanto a nível de operação e avaliação do sistema. Tal modelo participativo contempla a comunidade como agente e destinatário do sistema e não como seu objeto.

I - Utilização da Equipe de Saúde

A extrema complexidade de um sistema de saúde exige a distribuição balanceada das tarefas ao longo da pirâmide de recursos humanos de modo a que cientistas, profissionais, técnicos e auxiliares otimizem sua participação.

Contudo, a organização sanitária brasileira, do ponto de vista dos recursos humanos, caracteriza-se marcantemente pela quase inexistência de pessoal auxiliar.

Nesse sentido, o modelo enfatizará a formação e utilização desse pessoal na realização de ações promocionais e preventivas e na prestação de cuidados mínimos, delegáveis na área curativa.

Falo-á, contudo, num caráter de suplementariedade ao trabalho dos cientistas, profissionais e técnicos e, não em sua substituição.

J - Reprodutividade

Implícito na própria idéia do projeto está o objetivo de se obter um modelo político, técnico e economicamente viável para reprodução em outras regiões semelhantes do estado e país.

II - Objetivos Alcançados

A primeira turma que se deslocou para o Internato Rural vinha de uma experiência que a levou a se posicionar contrariamente, não no Internato Rural especificamente, mas ao Internato - 6° ano - como um todo, pois isso a obrigaria cumprir mais um ano curricular, tempo este que já esperavam estar formados. Assim sofremos na primeira turma o desgaste natural de uma primeira experiência acrescido da obrigatoriedade do 6o ano que criou um clima desfavorável no início. Isto entretanto foi revisto já na primeira turma conforme ficou demonstrado pelas conclusões a que chegaram quando no Seminário realizado em Montes Claros, em 10 de março de 1978. No relatório do seminário nota-se claramente a integração dos estudantes com o serviço e seu envolvimento com a população, bem como sua preocupação de resolver determinados problemas. A segunda turma (abril - maio - junho) já deslocou-se para a área rural com menos anseios, decorrentes do contato havido com a turma anterior, e devido a que foi solicitado aos estudantes nas áreas que não se retirassem enquanto a outra turma não houvesse chegado. Isto possibilitou que houvesse uma troca de idéias entre os estudantes que deixavam as cidades e os que chegavam, e facilitou a continuidade dos trabalhos, ponto essencial de nosso trabalho.

Podemos analisar os resultados sob dois enfoques: quanto ao serviço: a presença dos estudantes nas Unidades de Saúde e da Secretaria, no Sistema Integrado de Prestação de Serviços do Norte de Minas, possibilitou uma necessária revisão do serviço dentro destas Unidades. Trabalharam em Unidades que possuem médicos e em Unidades que só possuem Auxiliares de Saúde. Nas Unidades que contam com médicos a presença do estudante, num primeiro momento, levou estes profissionais (não em sua totalidade) a um certo acomodamento, deixando tarefas para o estudante, não com o intuito de aprendizagem, mas com o objetivo de aliviar seu próprio trabalho. A não explicitação dos objetivos do Internato Rural aos médicos, levou-os também a imaginar que os estudantes devessem predominantemente atuar em atividades curativas, a nível de prevenção secundária, ao contrário da disposição dos estudantes e mesmo de nossos objetivos de aprendizagem. No entanto, aos poucos esta situação tende a diminuir, a já o foi, na medida em que um dos supervisores se fez presente e mesmo quando os próprios estudantes fazem a equipe ver que suas atividades devem ser valorizadas e mostram seu bom desempenho.

Nas Unidades de Saúde (Unidades Auxiliares de Saúde) que não contam com médicos e sim com auxiliares de saúde, aconteceram dois tipos de comportamento: no primeiro os estudantes posicionaram-se de inaneira tradicional, distanciando-se da auxiliar, justificados em sua crença de possuírem um status superior; nestes casos a auxiliar era desviada de suas tarefas normais e tornava-se uma simples “auxiliar do medico”; assim ela que no sistema de Montes Claros, assume cuidados primários, aplicação de injeção, curativos, prescreve determinados medicamentos, era deslocada destas funções e o estudante passava a “coordenar” suas atividades. No segundo os estudantes, por possuírem um outro tipo de preocupação em seu trabalho e por pressentirem os riscos de seu trabalho caso não se organizassem com as auxiliares, buscaram integrar seu trabalho ao que era anteriormente desenvolvido, ajudando as auxiliares e aprendendo com elas; essas continuaram em seu trabalho normal, mas os estudantes lhes propiciaram maiores informações técnicas e as estimularam a trabalhos também fora das Unidades. De uma maneira geral, houve um certo impasse entre as propostas dos estudantes, o que esperavam encontrar e a realidade de cada Unidade: o Sistema de Saúde de Montes Claros tem como proposta a participação da população em suas atividades, e estimula seus trabalhadores a desempenharem ações além das exercidas dentro das Unidades, como por exemplo as Visitas Domiciliares, a realização de Grupos de Gestantes, de Comunidade. No entanto estas atividades vinham sendo relegadas a um segundo piano, ou pela não compreensão de sua importância ou por acúmulo de demenda nas Unidades; a presença dos estudantes serviu para reativar estes trabalhos em alguns locais e para ajudar os que já estavam sendo realizados. Os estudantes propiciaram também uma retomada dos trabalhos nas pequenas comunidades rurais, que raramente contavam com a presença da auxiliar ou do médico. Do ponto de vista da prestação de serviços à população, como foi destacado no item 6, a realização do Internato Rural possibilitou prestar à população de Minas Gerais, à uma das populações mais necessitadas do nosso Estado, um número de aproximadamente 144 mil atendimentos médicos individuais, no semestre e um grande número de outras atividades como saneamento, higiene, orientação alimentar, educação para a saúde, vacinação etc.

Quanto ao aprendizado: acostumados com uma atividade de aprendizado dicotomizada das necessidades de saúde da população, predominantemente curativa, e sempre acomodados pela presença ao seu lado do professor nos hospitais, sentiram-se num primeiro instante desprotegidos; a realidade de uma cidade do interior, as vezes sem médico, sem luz durante o dia e parte da noite, as diferenças culturais, trouxeram uma ansiedade que aos poucos foi sendo substituída pela necessidade de estar à disposição para os chamados de urgência e por um comprometimento com a população decorrente de suas enormes necessidades e do excelente modo com que recebeu os estudantes. Houve um ganho excelente em termos de autonomia, o aprender a cuidar de seus próprios problemas de paciente sem recorrer ao “mestre”; houve também uma grande vivência humana, fato particularmente destacado pelos estudantes, que nunca haviam imaginado quanto de difícil existe no contato de dia a dia com a população carente de serviços de saúde, mas quanto ela é amiga, agradecida e afetiva com os que lhe dispensam a atenção devida. Muitos dos estudantes começaram a ser preferidos para os atendimentos, pois os médicos dispensavam um tratamento desinteressado à população, e os estudantes “eram bondosos e até colocavam os aparelhos”. Os estudantes sentiram que em termos de técnica médica estavam razoavelmente capacitados a não ser nas áreas de Ginecologia, Traumatologia, Dermatologia e Medicina Social; quanto às primeiras disciplinas o Internato Rural possibilitou um “feedback” aos seus respectivos Departamentos e à direção da faculdade que deverão buscar maneiras para solucionar estas deficiências; quanto à Medicina Social o próprio estágio rural possibilitou um grande crescimento, pois os alunos sentiram que as atividades tradicionais da medicina não resolveriam os problemas de saúde daquelas populações e tentaram encontrar alternativas de trabalho mais amplas e comprometidas com a população; infelizmente o pequeno tempo que passaram (três meses) nas áres não lhes possibilitou detectar mudanças significativas, mas nos encontros realizados refletiram no sentido de que determinados passos, pela sua importância, só mostram seus resultados a longo prazo.

Por outro lado, os conhecimentos de Medicina Preventina, que por vezes são considerados teóricos, como foi até expressado pelos estudantes, podem, quando refletidos a partir de uma experiência anterior possibilitar um grande crescimento médico aos mesmos. Um aprendizado foi também o manejo de situações difíceis tanto no âmbito médico, quanto no relacionamento com as lideranças, com a população e com os técnicos de saúde locais.

III - Avaliação das diflculdades encontradas

Podemos relacionar, para uma análise mais apurada, os seguintes problemas:

1) Diversidade dos serviços - Nas turmas que cumpriram o Internato Rural até o momento, vários alunos nos apresentaram determinados problemas pessoais, como por exemplo filhos com patologias que requerem cuidados diários, dificuldades econômicas que exigem sua presença em Belo Horizonte toda semana, empregos que não podem ser largados etc., problemas estes que nos levaram a considerá-los “casos especiais”; para solucionar estes casos lançamos mão de cidades mais próximas de Belo Horizonte, que possibilitassem a vinda dos estudantes quando necessário; assim foram criados os estágios nas cidades de: João Monlevade e Itabira. Como descrito anteriormente o estágio nestas cidades é desenvolvido em Hospitais, o que infelizmente nao está de acordo com nossos objetivos, mas possibilita uma vivência mais próxima da realidade nos estudantes, sem deixar de considerar seus problemas pessoais.

Por outro lado os estágios da Fundação SESP, e na CAF prendem-se às dificuldades de implementação, decorrentes do pouco número de pessoal disponível para contactar comas prefeiturasda região de Montes Claros e também aos poucos recursos disponíveis para pagamento de bolsas (caso da CAF). É fácil perceber que atuando em cinco serviços diferentes torna-se muito difícil atingir nossos objetivos de aprendizado e mais ainda dificulta a supervisão dos trabalhos.

Para a solução deste problema elitamos buscando concentrar o estágio no Centro Regional de Montes Claros, por acreditarmos que este local oferece condições de uma boa experiência por ser um modelo de prestação de serviços simplificado, mais coerente com nossas necessidades de saúde.

2) Atraso no pagamento das bolsas/burocracia - Contrastando com o bom funcionamento do Internato Rural em sua maior parte, alguns fatores alheios à nossa vontade, infelizmente, dificultam bastante nosso trabalho; este o caso de atraso no pagamento das bolsas; quando isto ocorre os estudantes ficam, com justa razão, bastante desestimulados pois têm às vezes que lançar mão de seus próprios recursos até que chegue o dinheiro de pagamento. Aliado a isto, esbarra-se constantemente em problemes de burocracia interna da Universidade como liberação de diárias, de motoristas, de carros, a falta de material, a dificuldade em encontrar alternativas de trabalho, e finalmente a dificuldade em implantar um programa totalmente novo, e fora do comum, sem um mínimo de estrutura que permita seu bom funcionamento.

Para solucionar estes aspectos seria preciso contar com maior quantidade de recursos e maior autonomia para resolver com mais rapidez os problemas, e possibilitar maior flexibilidade ao trabalho.

3) Diversidade geográfica - Este problema em certa medida vem em decorrência dos serviços, mas não totalmente. É importante destacar que as cidades distam bastante de Belo horizonte e Montes Claros; além disso as condições de muitas das estradas são péssimas e chegam algumas vezes a ser intransitáveis. Existem locais que só é possível, sem chuvas (caso de Cristália). Outros locais como por exemplo Ibiaí mesmo em condições normais do tempo, são de difícil acesso por suas estradas serem muito areiosas, tornando necessário o uso de carros altos, com tração nas quatro rodas. Para atingir estes locais dispomos atualmente de somente um carro Volkswagen, apesar de serem dois professores viajando.

Para solucionar este problema torna-se necessário a aquisição de dois carros, com tração nas quatro rodas, com uma altura de chassi elevada para evitar que fique preso o diferencial na lama ou areião. Também é necessário maior número de professores possibilitando maior supervisão e procurando atuação preferencialmente na área de Montes Claros evitando outras áreas, que pela distância dificultam nosso trabalho.


ÁREA DE ATUAÇÃO DO INTERNATO RURAL = CENTRO REGIONAL DE SAÚDE/MOC


SISTEMA INTEGRADO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE SAÚDE DO NORTE DE MINAS - REGIONALIZAÇÃO DA SAÚDE


SISTEMA INTEGRADO DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE SAÚDE DO NORTE DE MINAS ESTRUTURA FUNCIONAL


ÁREA DE ATUAÇÃO DO CENTRO REGIONAL DE SAÚDE DE MONTES CLAROS


ÁREA DE ATUAÇÃO DO INTERNATO RURAL DA FMUFMG

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Fev 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 1979
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