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ESCOLA MÉDICA E EDUCAÇÃO CONTINUADA

Introdução

Os avanços científicos deste século vêm acarretando profundas transformações na sociedade e suas instituições. No setor saúde, essa constante renovação do conhecimento científico, com a decorrente tecnologia, aliada à crescente expectativa da sociedade, constitui-se em poderosa força de mudança.

As expectativas da população quanto à aplicação dos novos conhecimentos na solução de problemas de saúde aumentam à medida que o povo toma ciência dos novos avanços no campo da Medicina. Cria-se uma crescente demanda por melhor assistência médica graças à difusão dos meios de comunicação e, também, à conscientização de que a assistência médica é um direito de todo cidadão. Isso é bem enfatizado por DIAS55. BURR, B. D. et alii, A continuing medical education; course for physicians and midlevel practitioners. J. Med. Educ. , 54 (5): 421-3, May 1979.:

“As novas idéias sobre a saúde como direito do homem é fator indispensável para sua realização plena, quer no plano individual, quanto familiar e social; o reconhecimento da importância da saúde comunitária para o desenvolvimento sócio-econômico; o extraordinário e ininterrupto progresso da Medicina neste século (...) todos esses fatores geram idéias e pressões que se traduzem em demanda crescente de atenção à saúde no plano individual, comunitário e social”.

Acresce que as recentes descobertas em vários campos do conhecimento, especialmente na genética humana, os novos medicamentos, o progresso tecnológico, os equipamentos sofisticados e as conseqüentes novas técnicas acarretam grandes alterações na prática médica.

Entretanto, como os novos conhecimentos aumentam com velocidade bem maior do que seu potencial de divulgação e assimilação, forma-se uma defasagem entre os currículos dos Cursos de Medicina e a prática profissional. Isto é ressaltado por MOORE1111. ENSENANZA continua para médicos. Ginebra, OMS, 1973. (Informes Técnicos n.o 534). quando declara que a velocidade do acréscimo de conhecimentos novos excede a capacidade de sua comunicação para a utilização prática.

Em decorrência das mudanças, tanto nos conhecimentos adquiridos no curso, como, também, na tecnologia que apóia o trabalho médico, os profissionais se defrontam com diferentes situações, assim descritas por BOBENRIETH.33. BOBENRIETH, M. A propósito de adiestramiento y desarrollo. Educ. Med. Salud, 14 (2): 133-4, 1980.

“O avanço incessante das ciências biomédicossociais, como as rápidas transformações tecnológicas, expõe os profissionais e técnicos a três situações: a) diminuição quantitativa do conhecimento por desgaste, ou esquecimento; b) deformação do conhecimento devido ao uso seletivo, na prática diária, de apenas uma parcela do mesmo; c) diminuição qualitativa do valor do conhecimento, ou obsolescência, como conseqüência do progresso científico-tecnológico”.

Da mesma forma que o conhecimento médico se expandiu explosivamente nos últimos anos, a prática médica sofreu grandes modificações. Essas mudanças na prática médica têm sido de tal ordem que não é mais possível garantir a qualidade da assistência médica assegurando-se, apenas, padrões de formação do médico.

Mais ainda, essa rápida expansão do conhecimento nas áreas da saúde, ciência e tecnologia, associada às pressões sociais por maiores níveis de competência e desempenho profissionais, acarreta a necessidade de uma contínua educação médica durante o exercício da profissão, a fim de assegurar a competência profissional.

PONTES1212. FARGEN, D. et alii. Hospital dietitians in Mid-career, J. Am. Diet. Asoc., 81 (1): 47-53, Jul. 1982. descreve conquistas científicas e tecnológicas ocorridas a partir da década de 70, mostrando que “seus benefícios dependem de seu amplo conhecimento pelos médicos e das possibilidades de sua aplicação prática”, ressaltando que “o objetivo essencial da educação continuada é a melhoria da qualidade da assistência médica, através da atualização dos profissionais da saúde”.

Educação médica continuada: conceito

A educação médica continuada vem sendo alvo de estudos e pesquisas em vários países, já que é considerada essencial para se obter o máximo de retorno do investimento representado pela educação básica do médico.

Outro aspecto que vem sendo considerado é que o sucesso, ou o fracasso, da educação continuada se reflete na assistência médica, tornando-se responsabilidade da profissão médica manter e aperfeiçoar a qualidade, eficiência e produtividade da educação continuada.

De acordo com MACIEL1010. LA EDUCACION continua en America Latina y el Caribe. Educ. Med. Salud , 10 (3): 305-11, 1976., “por educação continuada se entende, em Medicina e fora dela, aquele tipo de educação pós-escolar, qualquer que seja sua modalidade, que visa a suplementar falhas da formação profissional e atualizar conhecimentos e aptidões. Em seus programas mais amplos e ambiciosos, ela transcende dessa definição e busca tornar-se um processo contínuo de desenvolver no educando suas potencialidades e motivações para auto-educar-se, numa melhor adaptação à vida e às possibilidades de vivê-la bem e orientá-la de acordo com seus ideais e objetivos”.

Assim definida, não se nota separação entre educação continuada e educação permanente. Entretanto, as referências encontradas na literatura sobre educação continuada na área da saúde delimitam, nitidamente, a educação continuada ao profissional em exercício.

Essa situação transparece na definição de educação médica continuada como um processo permanente de aprendizagem que tem início imediatamente após a instrução básica, ou a especialidade, e que se encerra ao término do exercício profissional. Fica ainda enfatizada que essa aprendizagem é, ou deveria ser, uma parte de qualquer carreira, já que permite ao profissional manter-se atualizado tanto em conhecimentos, quanto em suas aplicações na prática.88. CONTINUING education courses for physicians. JAMA , 246: 417-572, 1981.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) constituiu, em 1970, um grupo de consultores para estudar a educação médica continuada. Esse Comitê de peritos definiu a educação médica continuada como aquela que um médico segue depois de finalizar sua instrução médica básica, ou qualquer estudo adicional que ele faça, a fim de melhorar sua competência profissional sem visar à obtenção de um título, ou diploma.66. COLDITZ, G.; WILSON, A. & MUNRO, C. Continuing education in general practice 2; impact of educational activities. Med. J. Aust., 2 (11): 610-1, Nov. 1981. A definição foi esquematicamente representada conforme Quadro 1.

Quadro 1
Etapas do ensino em Medicina

A educação continuada, segundo esse grupo de especialistas, inicia-se imediatamente após a graduação, ou a pós-graduação, com o objetivo exclusivo de auxiliar o médico a melhorar sua competência profissional; ela pode adotar várias formas: cursos, conferências, auto-estudo etc.

A educação médica continuada, de acordo com a política adotada pelo Accreditation Council for Continuing Medical Education, compreende todas as atividades educacionais que auxiliem o médico a desempenhar suas responsabilidades profissionais com mais eficiência.11. ASSOCIATION OF AMERICAN MEDICAL COLLEGES. Annual meeting and annual report 1982. J. Med. Educ., 58(3): 223-92, Mar. 1983.

A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), através de sua Divisão de Desenvolvimento de Recursos Humanos, reuniu, em 1975, um grupo de especialistas para analisar os programas de educação continuada que estavam sendo desenvolvidos na América Latina e no Caribe. Caberia ainda ao grupo estudar as formas de cooperação mais adequadas para a ampliação e aperfeiçoamento desses programas.99. DIAS, C. B. Dezessete anos da Associação Brasileira de Educação Médica. R. bras. Educ. Med., 6 (1): 3742, jan./abr. 1982. O grupo, após, os estudos realizados, definia a educação continuada como “processo de ensino-aprendizagem ativo e permanente que se inicia ao terminar a formação básica e está destinado a atualizar e melhorar a capacitação de uma pessoa, ou grupo, frente à evolução científico-tecnológica e às necessidades sociais”.

Ficou constatado pelo estudo que existem atividades de educação continuada em quase todos os países da América Latina e do Caribe e que, de alguma forma, eles contribuem para a melhoria do pessoal da saúde.

Foi ainda sugerido que os programas de educação continuada deveriam atingir todos os níveis do pessoal da saúde, melhorando a percepção de seu papel social como ser humano individualmente e, também, como membro da equipe de saúde.

No Seminário Inter-regional sobre Educação Continuada do Pessoal da Saúde, realizado em 1979 sob os auspícios da OMS e da OPAS, a educação continuada foi enfocada como sendo o produto resultante de dois elementos: um ligado ao próprio indivíduo, e, o outro, dependente de uma organização, ou mecanismo, estrutural permanente.1313. FRAGA FILHO, C. & ROSA, A. R. Temas de educação médica. Brasília, MEC/SESu, 1980. 182p. (Série de monografias de ensino superior, v.1).

O indivíduo, além da motivação para aprender, precisa encontrar programas de educação continuada que apoiem seu desejo de aprender. No Seminário, foram identificados como objetivos da educação continuada: a) o aperfeiçoamento técnico-científico do pessoal de saúde, para a função que lhe cabe na equipe de saúde; b) o desenvolvimento cultural, intelectual e social do indivíduo, recomendado pela UNESCO.

A importância atribuída à educação médica continuada nos Estados Unidos, pode ser constatada nas publicações da Associação Médica Americana (AMA), que publica, anualmente, uma listagem de cursos oferecidos pelas escolas de Medicina, sociedades médicas, hospitais e outras organizações.

Em 1962, foram aprovados pela AMA 1146 cursos, número que aumentou para 4862, em 1975, passando para 8500 em 1981. Para publicação, em 1982, foram submetidos à AMA 8128 cursos oferecidos por 1238 instituições.44. BROWN, C. R. & UHL, H. S. Mandatory continuing education sense or non sense? JAMA, 213 (10): 1660-8, Sept. 1970.

Paralelamente ao aumento do número de cursos oferecidos, houve uma reavaliação nos propósitos da educação médica continuada. A política atual da AMA é encorajar médicos a participar voluntariamente em programas dessa natureza.

Preparo do estudante de Medicina

Há uma ênfase cada vez maior na necessidade de educação médica continuada objetivando, não só manter os médicos atualizados em seu campo profissional, pela aquisição de novos conhecimentos e novas habilidades, mas, também, visando à melhoria da prática médica através de maior competência profissional.

Como as mudanças tecnológicas e sociais que ocorrem alteram a base do conhecimento para a prática médica, o preparo dos profissionais torna-se rapidamente inadequado, forçando-os a uma atualização constante para que possam acompanhar as mais recentes conquistas da Medicina.

Segundo FRAGA FILHO & ROSA77. CONGRESS ON MEDICAL EDUCATION. JAMA , 206: 611, 1968. “a educação do médico prolonga-se por toda a sua vida ativa, como fator essencial para manter a competência”.

Aceitando-se que o aperfeiçoamento técnico-científico do médico é indispensável para a melhoria da qualidade do atendimento médico, a educação continuada torna-se indispensável já que propicia o aperfeiçoamento pessoal e uma maior eficácia dos serviços de saúde.

Mais ainda, devido ao descompasso existente entre as mudanças cada vez maiores nos métodos de prestação de serviços e o preparo do profissional a educação médica continuada torna-se uma exigência das novas formas de prestação de serviço.

Uma vez que existe uma correlação direta entre a atenção médica e os padrões de educação médica, a educação médica continuada é assunto de maior relevância. A sua importância é ressaltada por FRAGA FILHO & ROSA77. CONGRESS ON MEDICAL EDUCATION. JAMA , 206: 611, 1968. quando afirmam:

“Não existe mais um tempo de aprender e outro de fazer. O conhecimento científico renova-se incessantemente e os métodos de prestação de serviços de saúde passam por freqüentes modificações. Assim, a educação médica continuada não visa, apenas, a aperfeiçoar o profissional, mas, sobretudo, a assegurar os níveis de competência adequados à assistência à saúde comunitária, ou individual”.

A formação médica básica não consegue preparar o aluno para uma prática em constante renovação e nem para as transformações aceleradas nos conteúdos, habilidades e técnicas necessárias ao exercício profissional.

Daí, o preparo do aluno para a educação médica continuada assumir papel primordial na sua formação. O aluno deve ser preparado para continuar sua aprendizagem durante toda sua vida profissional, procurando manter o equilíbrio entre o progresso científico e a competência Profissional.

É responsabilidade da escola médica criar um ambiente de aprendizagem que fomente um verdadeiro continuum educacional. Este teria início na graduação, seguida das fases da pós-graduação e da educação continuada.22. BEATON, G. Z. Can a medical school provide for a continuum of medical education? Med. Educ., 12:85, supl., Sept. 1978.

O grande desafio da escola médica frente à educação continuada é preparar seus alunos para uma participação efetiva, evitando, assim, a perpetuação de uma situação na qual os médicos aparentemente atingem o ponto terminal da aprendizagem, sem modificar e a aperfeiçoar a qualidade de sua prática médica.

A responsabilidade para com a educação médica continuada deve ser criada em cada aluno durante a sua graduação. A educação médica só tem sentido se for concebida como um processo que tem início com os estudos de graduação e amadurece na educação médica continuada.

O conceito de educação médica continuada deve ser instilado e cultivado durante os anos de graduação para que o profissional seja mais eficaz durante seus anos de prática.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 1985
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