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Influenza aviária: questões centrais

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Influenza aviária: questões centrais

Avian influenza: main issues

Maria Rita Donalísio

Membro da Comissão de Epidemiologia da abrasco e da FCM-Unicamp. Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. Caixa Postal 6111 Campinas - SP 13083-970 donalisi@fcm.unicamp.br

Embora a infecção humana pelo vírus influenza aviária A H5N1 tenha sido registrada desde 1997 na China, a incidência tem aumentado e casos sido identificados em vários países nos últimos anos, seguindo o trajeto de epidemias em aves, embora também detectada em outras espécies animais.

Infecções humanas confirmadas pelo vírus influenza H5N1 foram registradas no Vietnã e Tailândia em 2003 e 2004, aparecendo em 2005 e 2006 no Camboja, Tailândia, China, Turquia, Iraque e Egito. Desde as primeiras notificações até 6 de abril de 2006, foram 192 casos humanos com 109 óbitos, a quase totalidade relacionada com o contato direto com aves infectadas (Organização Mundial da Saúde).

A alta letalidade dos casos humanas (ao redor de 50%) traz uma forte inquietação sobre o risco real de uma possível pandemia de infecção grave, cuja susceptibilidade humana poderá ser alta e universal.

No entanto, não se pode prever quando uma pandemia ocorrerá, qual será sua gravidade, e nem mesmo a exata identidade do vírus a ela relacionado. Pode-se afirmar que, além da vacina e dos antivirais específicos, ainda não disponíveis no âmbito de saúde pública, uma das estratégias mais preciosas para o retardo da transmissão viral é a vigilância virológica e epidemiológica, isto é, a detecção precoce dos primeiros casos, o bloqueio da transmissão, a intervenção oportuna. O sistema de vigilância epidemiológica será novamente testado, com a tarefa de modificar os caminhos da transmissão e o impacto de uma grave epidemia. Estaremos preparados para isso?

A Revista Brasileira de Epidemiologia organizou um conjunto de questões de interesse sobre a influenza aviária, que será divulgado neste e nos próximos números. Para discuti-los foram convidados pesquisadores e gestores envolvidos com a elaboração de estratégias nacional e regionais para enfrentar uma possível transmissão epidêmica do vírus influenza H5N1 no Brasil. A seguir são apresentados comentários pontuais e sucintos sobre alguns temas centrais da influenza aviária: 1) perspectivas da vigilância virológica no Brasil; 2) as possíveis mutações do vírus H5N1 e sua adaptação na transmissão inter-humana; 3) aspectos clínicos da influenza aviária; 4) a eficácia da terapêutica antiviral em casos humanos e 5) a perspectiva da produção da vacina no Brasil.

1. O Brasil está preparado para detectar a entrada e realizar a vigilância virológica do vírus H5N1?

  • Profª Dra. Terezinha Maria Paiva. Laboratório de Vírus Respiratórios/Virologia/Instituto Adolfo Lutz Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.

O Brasil está apto a realizar a vigilância virológia do vírus da influenza, uma vez que atua nesta área junto à Rede Mundial de Vigilância, coordenada pela Organização Mundial de Saúde, desde a década de 50. O país possui três Laboratórios integrantes da Rede Mundial: Instituto Adolfo Lutz, Instituto Evandro Chagas e Fundação Oswaldo Cruz. Estes Laboratórios são capacitados na realização de metodologias clássicas e moleculares para detecção rápida e específica do vírus da influenza.

A vigilância virológica no Brasil foi implementada pela Rede Nacional de Vigilância da Influenza sob coordenação do Ministério da Saúde em função do risco de uma pandemia. Atualmente, cerca de 45 Unidades Sentinelas, distribuídas nos diferentes Estados da Federação, integram a Rede Nacional de Vigilância da Influenza. As Autoridades em Saúde Pública estão mobilizadas quanto ao agravo e já elaboraram o Plano Nacional de Contingência da Influenza, do qual participam todos os setores da sociedade.

2. Quais as mutações envolvidas na adaptação do vírus influenza aviária H5N1 em humanos?

  • Profª Dra. Rita Catarina Medeiros Souza do Núcleo de Medicina Tropical/ Universidade Federal do Pará e do Laboratório de Vírus Respiratórios/Instituto Evandro Chagas/Ministério da Saúde.

A barreira de espécie para o vírus influenza de tipo A é estabelecida por vários genes virais, envolvendo não somente os genes codificadores das glicoproteínas de superfície viral, a hemaglutinina (HA) e a neuraminidade (NA), mas também genes internos como o da PB2 do complexo polimerase. O vírus influenza possui genoma RNA segmentado, o que favorece o acúmulo de mutações além da possibilidade de rearranjos dos diversos segmentos quando uma célula é co-infectada com dois ou mais vírus geneticamente distintos. Os vírus introduzidos na população humana durante as pandemias de 1957 e 1968, causadas respectivamente pelos vírus A (H2N2) e A (H3N2), foram resultado de um rearranjo entre segmentos do genoma de um vírus de origem aviária com aqueles de vírus que já circulavam há algum tempo na população humana. Os genes de origem aviária foram HA, NA e PB1, no caso do vírus H2N2, e HA e PB1, no caso do vírus H3N2, sugerindo que a manutenção de genes codificadores de proteínas internas de vírus humanos é necessária para a adaptação do novo vírus à espécie humana. Daí o grande receio da expansão da gripe aviária pelo vírus H5N1 no mundo, o que aumenta o risco de co-infecção com um vírus influenza de origem humana, seja no homem ou em outro hospedeiro, como o porco, o que favoreceria o surgimento de um vírus híbrido aviário/humano com risco potencial de maior adaptação e fixação na população humana. Porém, muito recentemente, foi demonstrado que o vírus A (H1N1), responsável pela gripe espanhola, era um vírus de origem exclusivamente aviária, que não sofreu rearranjo com vírus de outras origens, demonstrando o potencial de adaptação de um vírus aviário ao homem sem a necessidade da ocorrência do rearranjo genético com vírus humanos. Nesse caso, torna-se evidente a evolução genética com o acúmulo de mutações em sítios importantes de interação das proteínas virais com a célula hospedeira. O exemplo mais bem documentado é o da hemaglutinina viral.

De fato, a HA do vírus influenza é capaz de reconhecer de forma diferenciada seus receptores, os ácidos siálicos, existentes nos sítios de replicação viral de diversos hospedeiros. Os vírus influenza aviários possuem HA com alta afinidade pelos ácidos siálicos terminais de uma cadeia oligossacarídica, quando em ligação a2,3 com a galactose subjacente. Este tipo de ácido siálico é predominante em células epiteliais do intestino das aves selvagens, local de maior multiplicação viral nestes hospedeiros. Ao contrário, a HA dos vírus influenza adaptados ao homem fixam-se com maior afinidade aos ácidos siálicos ligados em a2,6 com a galactose, que são mais abundantes em células epiteliais não ciliadas presentes no trato respiratório humano. Essas predileções por receptor definem em parte a barreira de espécie, impedindo a livre passagem dos vírus de um hospedeiro a outro. Muito recentemente foi demonstrado que existe uma população de células epiteliais ciliadas na traquéia humana que expressam, em baixa densidade, os receptores para vírus aviário, justificando dezenas de casos humanos de influenza pelo vírus A (H5N1) ocorridos desde 1997, sem a ocorrência de mutação no gene codificador para a HA. Entretanto, quando estas alterações genéticas acontecem no âmbito do sítio de fixação da proteína ao receptor, é possível ocorrerem mudanças na especificidade da mesma. A HA do vírus aviário poderá então aumentar sua afinidade por ácidos siálicos do tipo 2,6, determinando um aprimoramento da multiplicação viral no trato respiratório humano, especialmente na traquéia e faringe, o que favoreceria a transmissão respiratória do vírus de pessoa a pessoa.

Os aminoácidos em posições 226 e 228 são classicamente envolvidos nessa especificidade de interação da HA ao seu receptor. A presença de uma leucina ou isoleucina ou valina em posição 226, além de serina em posição 228, encontradas em vírus humanos, determina maior afinidade da glicoproteína aos ácidos siálicos do tipo 2,6, enquanto que glutamina e glicina em posições 226 e 228, respectivamente, conferem maior especificidade aos ácidos siálicos do tipo 2,3. São estes últimos os aminoácidos encontrados na H5 dos vírus isolados tanto de aves como de humanos até o momento, revelando assim a manutenção da afinidade da proteína aos receptores 2,3. Entretanto, já foi demonstrado que substituições em outras posições de aminoácidos que compõem o sítio de fixação ao receptor, por exemplo 193, 227 e 156, podem interferir na afinidade da hemaglutinina ao ácido siálico, constituindo assim um primeiro passo para a mudança de especificidade da proteína viral. Como estas mutações são aleatórias, é impossível prever como e quando ocorrerão. Porém, com a rápida expansão geográfica do vírus H5N1 e sua contínua evolução genética, supõe-se que tais mutações surgirão, determinando risco potencial de fixação do vírus na população humana.

3. Quais os aspectos clínicos que diferenciam um quadro de influenza sazonal humana e a infecção pelo vírus H5N1?

  • Prof. Dr. Luiz Jacintho da Silva. Departamento de Clínica Médica/Faculdade de Ciêncais Médicas/Unicamp.

Os casos humanos de influenza H5N1 são indistinguíveis dos casos humanos da influenza anual, por H1N1 ou H3N2, salvo, talvez, pela maior gravidade e letalidade desta última, em torno de 50%.

Cabe lembrar, no entanto, que a experiência clínica com casos humanos de influenza H5N1 é reduzida e, possivelmente por viés de notificação e diagnóstico, os casos identificados tendem a ser os mais graves.

A maior letalidade deve-se à maior freqüência de pneumonia viral, sendo que os óbitos ocorreram por insuficiência respiratória. A aparente maior gravidade pode ser explicada pela tendência do vírus a determinar viremia.

Dos 18 pacientes de 1997, 11 evoluíram para pneumonia e seis morreram de insuficiência respiratória. A evolução desses casos, como costuma ocorrer na influenza, é rápida, de apenas alguns dias. O tempo de incubação também é curto, de dois a oito dias. O tempo do inicio dos sintomas ao óbito variou de quatro a 30 dias. Encefalite foi uma complicação encontrada.

À semelhança de outras influenzas aviárias, a conjuntivite foi uma manifestação vista, porém não freqüente, nos primeiros 18 casos vistos em Hong Kong em 1997. Manifestações gastrintestinais, particularmente diarréia, não comuns na influenza, foram freqüentes nesses casos. A ocorrência de conjuntivite e manifestações gastrintestinais se explica pelo fato de a hemaglutinina dos vírus de influenza aviaria se ligar ao ácido siálico com receptores alfa 2-3 da superfície das células do hospedeiro. Esses receptores são encontrados nas células respiratórias e digestivas das aves, e em humanos são encontrados nas células da mucosa ocular e digestiva, com menor freqüência na mucosa do trato respiratório, onde os receptores do acido siálico são alfa 2-6, para os quais os vírus da influenza humana (H1, H2, e H3) estão adaptados.

O manejo clínico desses pacientes não deve diferir do usual na influenza, apenas impondo um maior cuidado dada a maior letalidade em humanos verificada até então. O uso de antivirais, é recomendado até demonstração em contrário.

4. Que eficácia podem ter os antivirais na infecção pelo vírus influenza H5N1?

  • Prof. Dr. Dirceu Bartolomeu Greco. Departamento de Clínica Médica/Faculdade de Medicina/Universidade Federal de Minas Gerais.

A discussão sobre eficácia e efetividade dos medicamentos antivirais disponíveis para o tratamento de possível epidemia de infecção pelo H5N1 aviário é complexa e os dados atuais são escassos e contraditórios.

Há, atualmente, quatro medicamentos de duas diferentes classes disponíveis para o tratamento da infecção pelo vírus da influenza.

Inibidores da neuraminidase. Há dois medicamentos desta classe aprovados para utilização a partir de um ano de idade: oseltamivir em comprimidos de 75 mg (Tamiflu ®1999) e zanamivir em blisters para inalação com 5 mg (Relenza ®1999), que reduzem a gravidade e a duração dos sintomas da influenza sazonal, tipos A e B. Estes medicamentos atuam sobre uma das duas principais estruturas de superfície do vírus da influenza, a proteína neuranamidase, que é praticamente a mesma em todas as cepas comuns da influenza. Para ter eficácia devem ser administrados dentro de, no máximo, 48 horas do início dos sintomas. O oseltamivir é administrado oralmente e o zanamivir é disponível em pó para auto-administração inalatória, através de um aparelho plástico.

Inibidores M2. Há também dois medicamentos nesta classe, disponíveis há mais tempo: amantadina (Symetrel ®1966) e rimantadina (Flumadine ®1993) para o tratamento e quimioprofilaxia da influenza tipo A, para adultos e crianças com um ano ou mais.

Eficácia

Oseltamivir e zanamivir

Apesar dos poucos dados clínicos disponíveis, é possível que o H5N1 seja suscetível aos inibidores de neuraminidase. Na utilização habitual para infecção por vírus A da Influenza, a resistência tem sido rara, embora possa se desenvolver em uso extensivo no caso de uma pandemia. A maioria das cepas do H5N1 testadas mostrou-se suscetível a estes medicamentos, mas a efetividade destes como tratamento para a infecção é ainda desconhecida. Metananálise publicada recentemente (Jefferson T et al, 2006) demonstrou que o Oseltamivir na dose diária de 150 mg foi eficaz na prevenção de complicações pulmonares dos casos de influenza (OR 0,32, 0,18–0,57).

Amantadina e rimantadina

Já se sabe que algumas cepas de H5N1 aviária são completamente resistentes. Entretanto, dependendo do tipo de vírus que emergirá no caso de mutações para infecção humana, estes inibidores poderão ser eficazes.

Na metanálise acima citada, quando utilizados para prevenir a influenza A, a eficácia situou-se em torno de 60% para os antivirais disponíveis. Não foram encontradas evidências de eficácia destes medicamentos na infecção humana pelo H5N1 aviário.

Por outro lado, há relatos de não eficácia do oseltamivir em pacientes infectados pelo H5N1 aviário tratados no Centro de Doenças Tropicais de Hanói.

Limitações do uso dos inibidores de neuraminidase

As principais dificuldades estão relacionadas à capacidade limitada de produção e ao preço muito elevado, tornando-os inacessíveis para muitos países. Também será necessário diagnóstico precoce, pois a atuação destes medicamentos se dá nas primeiras 48 horas de infecção. Some-se a isto o fato de que pessoas com afecções crônicas têm risco aumentado de complicações quando infectadas pelos vírus da influenza e, além disso, várias patologias, incluindo bacteremias de progressão rápida podem ter sintomatologia inicial semelhante à influenza, o que pode dificultar a decisão terapêutica.

Deve ainda ser levado em conta o fato que reações adversas, apesar de relativamente pouco freqüentes, podem ser graves, havendo ainda o risco de aumentar a resistência viral se estes medicamentos forem utilizados indiscriminadamente.

Precauções

Recomenda-se que a amantadina e a rimantadina não sejam utilizadas para o tratamento da influenza sazonal; do mesmo modo, por sua baixa efetividade, esta recomendação também se estende aos inibidores de neuraminidase. Sua utilização deve ficar reservada para o caso de epidemia grave ou pandemia, junto com outras medidas de saúde pública.

Outras precauções

Amantadina: pode causar midríase, sendo, portanto, contra-indicada em glaucoma não controlado.

Zanamivir: há risco de eventos adversos graves como broncoespasmo, o que contraindica o seu uso em pessoas com asma. Há também relatos de edema facial e de orofaringe.

Oseltamivir: têm sido relatados náusea e vômitos, que diminuem de intensidade quando ele é tomado junto com alimentos.

Uso na gravidez: Nenhum ensaio clínico foi realizado com qualquer destes medicamentos durante a gravidez.

Em síntese

Em avaliação laboratorial, o vírus H5N1 é aparentemente suscetível à ação dos inibidores da neuraminidase. Entretanto, não é possível prever sua real efetividade nem o risco de surgimento de resistência com o uso em larga escala no caso de uma pandemia. Há relatos de não eficácia entre pacientes tratados no Vietnã, mas nestes casos não é possível excluir completamente a possibilidade de o oseltamivir ter sido administrado tardiamente. Por outro lado, já se sabe que algumas cepas de H5N1 aviária são resistentes a inibidores M2, embora não seja possível descartar a possibilidade de sua eficácia, se e quando esta cepa mudar para se adaptar melhor ao ser humano.

Não há estudo realizado com a associação destes medicamentos.

No caso de uma pandemia por variante do vírus H5N1 aviário e da dificuldade de se ter vacina eficaz disponível em tempo hábil, é possível que a utilização judiciosa e precoce de medicamentos antivirais possa proteger contra a infecção e diminuir as complicações em pacientes com doença aguda. Há muitas dúvidas quanto à efetividade, segurança, possibilidade de aparecimento de resistência e sobre a maneira de estabelecer mecanismos de monitorização, assegurar produção suficiente de medicamentos e acesso mundial. A recomendação atual da OMS é que sejam agilizados os esforços para desenvolvimento de vacina eficaz e que os países se organizem para enfrentar a possível epidemia. Recomenda-se ainda que oseltamivir seja administrado precocemente para o tratamento de infecções respiratórias sugestivas de H5N1 em pacientes diretamente envolvidos com o trato ou criação de aves, onde já tenha sido comprovada a presença deste vírus.

5. Qual a perspectiva de preparação de uma vacina contra o vírus H5N1 no Brasil?

  • Prof. Dr. Isaias Raw. Instituto Butantã/Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.

Alguns meses atrás, a Organização Panamericana de Saúde convocou uma reunião de produtores internacionais da vacina contra influenza e de alguns paises. A agenda era a possível transferência de tecnologia dos produtores para instituições nacionais. A resposta era óbvia: a transferência, na qual os produtores não tinham interesse, era uma fantasia. Quem não tinha uma fábrica construída e montada, com equipamentos encomendados e importados (como uma ultracentrífuga preparativa industrial), não teria possibilidade de produzir vacina em menos de seis anos, quando a pandemia ou não ocorreu ou teria passado!

A única Instituição que estava na fase final de implantação da sua fábrica era o Butantã. A construção de cerca de 12.000 m2 (incluído o piso técnico), apesar dos problemas usuais da licitação pública, estará pronta antes de Junho de 2006. Os equipamentos, adquiridos com recursos do Ministério da Saúde, já foram entregues e estão prontos para ser instalados e validados até outubro próximo. Os técnicos principais foram treinados e os demais funcionários estão sendo contratados pelo Estado.

A tecnologia está totalmente transferida da Sanofi-Aventis, embutida na aquisição das cepas de vacinas a granel, de 2000 a 2006. A vacina adquirida pela Fundação Butantã, formulada e envasada, vem sendo entregue ao Ministério por US$ 1,60, metade do custo internacional, o que resultou numa economia de 150 milhões de dólares, contra um investimento na fabrica de apenas 10 milhões!

As vacinas contra influenza são definidas através de um acompanhamento das cepas circulantes a cada ano, que depois de sorotipadas pelos laboratórios de referência nacionais são enviadas ao Center for Disease Control and Prevention, CDC e outros laboratórios internacionais para seqüência completa do seus RNAs, o que permite analisar a evolução anual dos vírus no Hemisfério Norte e Sul e encomendar, via Organização Mundial da Saúde, OMS, os lotes sementes e reativos para sua dosagem, que são fornecidos aos produtores. Portanto, as vacinas são internacionalmente definidas e uniformes.

A produção da vacina H5N1 também é feita com a cepa padrão, definida pela OMS e alterada, só caso necessário, durante a evolução de uma possível pandemia. Esta cepa é reconstruída a partir do vírus aviário e atenuada pela substituição de dois aminoácidos.

A produção planejada pelo Butantã usa, como a maior parte dos produtores, ovos fecundados. Na vacina de cada ano é utilizado um ovo para produzir uma vacina tripla. Como a vacina, no momento, é oferecida gratuitamente para os maiores de 60 anos, população de risco, e ao corpo médico-sanitário exposto ao vírus, a demanda nacional é da ordem de 20 milhões de doses. O Brasil é o maior produtor mundial de aves, e a utilização de cerca de 30 milhões de ovos galados, em novembro, não afeta a disponibilidade para o mercado nacional e exportador, nem o preço.

A idéia inicial de que o cultivo do vírus H5N1 não poderia ser feita em ovos, pois mataria os embriões, mostrou-se, com a cepa produzida para a OMS, equivocada. Algumas empresas multinacionais tinham disponíveis grandes biorreatores para células animais, mas esta não é a solução para o Brasil. O Brasil não tem experiência na produção da vacinas para uso humano, em cultivo em células animais, para produzir a vacina contra influenza (o Butantã está produzindo em escala, ampliando a produção de vacinas contra a raiva em células Vero e eritropoetina em células CHO com tecnologia própria. Outras vacinas virais não são ainda produzidas no país). Os meios de cultura devem ser importados (ou pelo menos seus componentes com qualidade certificada) e a custo muito maior do que os ovos. Se os produtores optarem por vacina de influenza produzidos em células, o suprimento de componentes do meio de cultura não estaria garantido.

O Butantã optou por não esperar a planta de influenza, que já foi alterada para atender as exigências da OMS para produzir a vacina da pandemia. Num tempo recorde, com um investimento pequeno, mas fundamental, da Secretaria de Vigilância a Saúde, reconstruímos um laboratório experimental para iniciar a produção da vacina H5N1. Este laboratório deve iniciar a produção de lotes experimentais até junho próximo.

Inovações brasileiras na composição da vacina

O Butantã já estava preocupado com a redução da quantidade de antígeno para a vacina anual da influenza, visando reduzir o seu custo, o que permitiria incluir, todos os anos, as crianças de 1-2 anos. Na reunião da OPAS, citada acima, apresentamos os primeiros resultados do uso de adjuvantes, que incluem o tradicional hidróxido de alumínio e um monofosforil-lipidio A (MPLA), produzido por método original. Tanto o hidróxido de alumínio, como apenas 0,2 microgramos de MPLA, permitem utilizar apenas um quarto da dose. O uso de hidróxido de alumínio já foi ensaiado em 60 voluntários, demonstrando ser possível usar um quarto da dose da vacina contra influenza A. Novos ensaios estão sendo programados em animais de laboratório e voluntários, usando-se a vacina a ser administrada em abril próximo para todos os idosos e repetindo-se a vacinação tão logo tenhamos vacina H5N1.

A implicação destas pesquisas é muito importante. A cada ano poderemos reduzir a dose de um fator de quatro, com comparável redução do custo da vacinação. É fundamental equacionar a vacinação pública e gratuita, que estará sempre sendo ampliada, conforme o custo. A vacina de influenza custa cada ano cerca de 43 milhões de dólares, o que poderia ser reduzido para cerca de 15 milhões. Para comparação, as demais vacinas produzidas pelo Butantã (DTP, hepatite B, raiva, BCG), e que representam 83% das vacinas realmente produzidas no País, custam ao Ministério o equivalente a 14,3 milhões de dólares. A vacina recombinante contra hepatite B é entregue ao Ministério por menos de R$ 0,80! A vacina monovalente contra rotavirus importada custou 55 milhões de dólares e em 2007-8 será substituída pela vacina pentavalente do Butantã a um custo significativamente menor.

Outra implicação é que a fábrica de vacina contra influenza do Butantã, que foi dimensionada para produzir 20 milhões de doses anuais, poderia produzir, cada semestre, 60 milhões de doses da vacina. Se a vacina H5N1 crescer na mesma proporção, teremos 180 milhões de doses. Testes realizados na Europa demonstraram que esta vacina é menos imunogênica, exigindo até 4 doses por pessoa. Se os adjuvantes funcionarem como o esperado, bastaria uma dose de 15 microgramas e teríamos a capacidade de produzir 60 milhões de doses por semestre. Nenhum país planeja vacinar toda a população e a meta no Hemisfério Norte é dispor de vacina para cerca de um décimo da população, que seria usada para bloquear a transmissão, se houver, de um paciente para os que entraram em contacto com ele e para o pessoal de saúde.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Jun 2007
  • Data do Fascículo
    Mar 2006
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