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Mercado do erro médico

EDITORIAL

Presidente do Colégio Brasileiro de Cirurgiões

É com preocuopação e até mesmo perplexidade que temos acompanhado o crescente número de processos ético-profissionais bem como ações cíveis propostas contra os médicos. Uma análise criteriosa deste fenômeno se faz necessária e deverá partir das entidades que congregam estes profissionais.

É bem verdade que a prática da medicina vem sofrendo através dos séculos grandes transformações acompanhando a própria evolução dos costumes e da sociedade. Dois mil anos antes de Cristo, a pena de morte era imposta pelo código de Hamurabi ao médico cujo tratamento falhasse ocasionando a morte do paciente. Eram os médicos assemelhados aos Deuses e por isto deveriam ser infalíveis, obrigando aqueles que se propusessem a curar seus doentes a fazê-lo sob pena de pagar com a própria vida o insucesso.

Bem mais adiante, a medicina começou a ser praticada por pessoas social e culturalmente diferenciadas, e o "prestígio médico" passou a ser definido muito mais por sua posição na sociedade do que pelos "dons" sobrenaturais do passado. O médico penetrou, então, na intimidade dos lares e, além da doença propriamente dita, tratava também dos problemas familiares e não raro opinava sobre negócios de seus pacientes.

O mundo atual, entretanto, mais uma vez altera o comportamento social. O homem que hoje vive nos grandes centros urbanos tem se tornado, pelas mais diversas razões, extremamente individualista e cada vez mais distante de seus semelhantes. O médico, como partícipe desta sociedade, segue neste rumo e, via de regra, mostra-se extremamente dedicado aos progressos técnicos e científicos da medicina, mas não raro despreparado para o relacionamento interpessoal com seus pacientes.

As sabidas dificuldades aliadas à alta competitividade dos dias atuais acabam por produzir efeitos deletérios à saúde do indivíduo, que tentará junto ao médico ajuda para os seu a males físicos e emocionais e este, muitas vezes, não terá condições de oferecer este amplo suporte.

Atuando como membro da Câmara Técnica do Cremerj, temos constatado que a grande parte dos processos que tramitam pelos tribunais rotulados como erro médico resulta, na verdade, da deterioração de uma frágil relação médico-paciente.

Por outro lado, é inegável que a crise pela qual atravessa o ensino no País contribui sobremaneira para o ingresso no mercado de trabalho de profissionais mal preparados, mormente aqueles que por razões as mais diversas não tiveram a oportunidade de cumprir um programa adequado de aperfeiçoamento. Irão à prática profissional em hospitais cujas condições são precárias, geralmente sucateadas pela má administração dos assuntos da saúde. Forma-se assim uma conjunção perfeita para a geração do "erro médico", pronto para ser explorado pelos que se nutrem da infelicidade alheia.

É óbvio que este tema encerra uma série de outras implicações, mas deve ficar claro que não devemos aceitar como regra a generalização destes conceitos, impondo a todos os profissionais, inclusive à grande maioria que atua de forma correta e adequada, a ameaça constante da punição, seja ela indenizatória ou ética. Tal prática criará uma atitude defensiva, constituindo-se então uma relação estritamente comercial, mantida por contratos entre partes, distanciando ainda mais médicos e pacientes.

O erro médico existe, mas deve ser analisado e julgado na sua essência, pois complicações da própria doença, riscos já previsíveis, podem levar ao insucesso um tratamento que foi bem orientado. Ele não pode ser utilizado num jogo de interesses indenizatórios, onde os grandes perdedores são o médico e o próprio paciente.

A nossa ação neste aspecto de defesa profissional deverá se fazer por via indireta, através do incentivo da vida associativa, buscando soluções conjuntas para fatos tão preocupantes que têm maculado a prática médica cotidiana.

  • Mercado do erro médico

    Luiz Guilherme Romano, TCBC
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Ago 2010
    • Data do Fascículo
      Abr 1998
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