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Do “Tratado sobre Probabilidade” à “Teoria Geral”: o conceito de racionalidade em Keynes

From the Treatise of Probability to the General Theory: the concept of rationality in Keynes

RESUMO

O objetivo deste artigo é reavaliar o papel da incerteza na macroeconomia de Keynes, explorando os conceitos de probabilidade, crença racional e ação racional, conforme aparecem no Tratado sobre Probabilidade. Três reivindicações principais são então feitas. Primeiro, existem laços substanciais entre a concepção de racionalidade humana no Tratado de Probabilidade e a Teoria Geral. Em segundo lugar, Keynes atribui considerável importância aos elementos racionais envolvidos no processo de decisão de investimento e sugere que eles normalmente levem à estabilidade macroeconômica. A instabilidade é, portanto, explicada por um choque institucional específico para uma economia que já é propensa a crises devido ao funcionamento não perfeito de certos mercados-chave. Nesta perspectiva, a literatura pós-keynesiana é enganosa ao culpar a incerteza pela instabilidade capitalista e pelo desemprego. Em terceiro lugar, seguindo as dicas de Keynes, sugiro que um programa de pesquisa institucionalista forneça uma base firme para modelar o comportamento do investimento sob incerteza de uma maneira mais realista do que normalmente o clonado.

PALAVRAS-CHAVE:
Probabilidade; racionalidade; Keynes

ABSTRACT

The purpose of this paper is to re-assess the role of uncertainty in Keynes’s macroeconomics by exploring the concepts of probability, rational belief and rational action, as they appear in the Treatise on Probability. Three main claims are then made. First, there exist substantial links between the conception of human rationality in the Treatise on Probability and that in the General Theory. Secondly, Keynes attributes considerable importance to the rational elements involved in the process of investment decision and suggests that they normally lead to macroeconomic stability. Instability is thus explained by a specific institutional shock to an economy which is already prone to crises due to the non-perfect working of certain key markets. From this perspective, the post-Keynesian literature is misleading in blaming uncertainty for capitalist instability and unemployment. Thirdly, following Keynes’s hints, I suggest that an institutionalist research programme would provide a firm basis to model investment behaviour under uncertainty in a more realistic way than usually clone.

KEYWORDS:
Probability; rationality; Keynes

Característica ímpar do keynesianismo desde o início tem sido a importância analítica atribuída à incerteza sobre o futuro. Ao discutir o papel da incerteza em decisões econômicas, Keynes implicitamente assumia alguma forma de comportamento racional por parte do agente representativo. A concepção de racionalidade humana em Keynes, entretanto, só é extensivamente discutida em seu único trabalho filosófico - o Tratado sobre Probabilidade (TP) -, publicado quinze anos antes da Teoria Geral. Embora sua importância seja amplamente reconhecida por filósofos (Popper, 1959POPPER, K.R. (1959) The Logic of Scientific Discovery, London: Hutchinson.; Ayer, 1972AYER, A. J. (1972) Probability and Evidence. London: Macmillan.; Braithwaite, 1976BRAITHWAITE, R. B. (1976) “Keynes as a Philosopher”. In Keynes, M. (ed.) Essays on John Maynard Keynes. Cambridge: Cambridge University Press.) e biógrafos de Keynes (Harrod, 1951HARROD, R. (1951) The Life of John Maynard Keynes. London: MacMillan.; Skidelsky, 1983SKIDELSKY, R. (1983) John Maynard Keynes. Hopes Betrayed 1883-1920. London: MacMillan.), só recentemente o TP tem recebido alguma atenção por parte de economistas. Não obstante, alguns elos entre o TP e os trabalhos posteriores de Keynes - notavelmente, a Teoria Geral (TG) - permanecem inexplorados: de um lado, clássicos da literatura keynesiana como Leijonhufvud (1968LEIJONHFVUD, A. (1968) On Keynesian Economics and the Economics of Keynes. Oxford: Oxford University Press.), Minsky (1975MINSKY, H.P. (1975) John Maynard Keynes. New York: Columbia University Press.) e Weintraub (1977WEINTRAUB, E. R. (1977) Microfoundations (The Compatibility of Microeconomics and Macroeconomics). Cambridge: Cambridge University Press.) apenas fazem breves menções ao TP; de outro, trabalhos sistemáticos sobre a metodologia de Keynes (O’Donnell, 1982O’DONNELL, R.M. (1982) “Keynes: Philosophy and Economics (An approach Towards Uncertainty)”. PhD dissertation. University of Cambridge.; Lawson & Pesaran, 1985LAWSON, T & Pesaran, eds. (1985) Keynes’ Economics. Methological Issues. London: Croom Helm.) estão longe de exaurir o assunto.

O propósito deste artigo é explorar alguns dos vínculos entre o TP e a TG e, a partir daí, indicar possíveis desdobramentos ao enfoque original de Keynes.

A exposição é dividida em três seções. A seção I apresenta os conceitos de probabilidade, peso da evidência, comportamento racional e incerteza, tais como aparecem no TP. À luz dessas ideias o impacto macroeconômico das expectativas incertas, como exposto na Teoria Geral, é reexaminado na seção II. Conclui-se, então, que os pós-keynesianos em geral desconsideram aspectos fundamentais da abordagem de Keynes, cujos possíveis desdobramentos, em termos de um programa de pesquisa de corte institucionalista, são, por fim, discutidos na seção III.

I. RACIONALIDADE E INCERTEZA NO TRABALHO SOBRE PROBABILIDADE

Em contraste com o significado estatístico corrente, o TP define probabilidade como uma relação entre as premissas e a conclusão de um argumento lógico:

Let our premisses consist of any set of propositions h, and our conclusion consist of any set of propositions a, then, if a knowledge of h justifies a rational belief in a of degree we say that there is a probality-relation of degree b between a and h (TPKEYNES, J.M. (1973a) A Treatise on Probability, In: Moggridge, D. E. (ed.) Collected Writings of John Maynard Keynes (CW/JMK), vol. VIII. London: Macmillan., p. 4)

Keynes nota que a escolha das premissas depende do tipo de informação disponível, experiência e intuição (TPKEYNES, J.M. (1973a) A Treatise on Probability, In: Moggridge, D. E. (ed.) Collected Writings of John Maynard Keynes (CW/JMK), vol. VIII. London: Macmillan.: 4, 12 & 13). Não é, portanto, mera questão de capricho individual, mas varia conforme a situação objetiva na qual o agente está envolvido.1 1 A hipótese de que existe uma realidade objetiva, independente da percepção do indivíduo, permeia o TP, aparecendo explícita em algumas passagens (TP: 56, 274-75). Não obstante, uma interpretação oposta da epistemologia do TP foi sugerida por Carabelli (1986). Esta autora, entretanto, parece não encontrar suporte para sua interpretação nos escritos econômicos de Keynes - em particular, no Treatise on Money e na General Theory.

A partir das premissas, o agente necessita conhecer uma “relação de probabilidade” que seja certa, a fim de chegar a uma conclusão, ou “proposição primária”, que seja lógica. O conhecimento da relação de probabilidade se dá de forma “direta”, através de analogias2 2 Por exemplo, se todo o número que termina em 2 é divisível por 2, todo o número que termina em 5 deve ser divisível por 5. O fato de a mesma generalização não ser verdadeira no caso do número 7, não implica que tal analogia seja ilógica; simplesmente ressalta a importância da indução como método complementar à analogia pura. e da repetição de fenômenos (indução). Contestando a crítica clássica sobre a validade lógica da indução, Keynes mostra que todo argumento empírico cuja probabilidade inicial de ocorrência é obtida por analogia, pode ter sua validade erguida até o nível da certeza através da indução (TPKEYNES, J.M. (1973a) A Treatise on Probability, In: Moggridge, D. E. (ed.) Collected Writings of John Maynard Keynes (CW/JMK), vol. VIII. London: Macmillan.: 259-268). A indução mostra-se particularmente reveladora no caso de repetições não-idênticas de um tipo de fenômeno, na medida em que estas permitem isolar as características não comuns dos eventos e, assim, distinguir uma determinada relação de probabilidade (TPKEYNES, J.M. (1973a) A Treatise on Probability, In: Moggridge, D. E. (ed.) Collected Writings of John Maynard Keynes (CW/JMK), vol. VIII. London: Macmillan.: 243-244).3 3 Keynes, entretanto, não oferece uma explicação do processo psicológico que nos leva a traçar analogias e perceber a regularidade de certas ocorrências. Nesse sentido, a forma pela qual um indivíduo obtém conhecimento direto da relação de probabilidade permanece um tanto obscura, como o próprio Keynes reconhece (TP: 10,247,291). De fato, a falta de uma teoria psicológica do conhecimento constitui uma lacuna no TP. Esse ponto será retomado na parte III deste trabalho. Tal conexão entre probabilidade e método indutivo, enfatizada por Keynes, é fundamental para a justificação lógica de muitos hábitos e procedimentos cotidianos, incluindo decisões econômicas.

A partir do conhecimento direto das premissas e da relação de probabilidade, o agente pode inferir conhecimento indireto sobre as coisas. É o que expressa a conhecida notação

P a / h = β

onde, uma vez tendo h e P conhecidos, o indivíduo pode estimar a ocorrência de a com probabilidade b. Toda vez que P(a/h)=1 ou P(a/h)=0, o indivíduo terá, respectivamente, demonstrado ou negado a proposição a de forma conclusiva. Entre dois extremos, ele/ela pode ter uma “crença racional de determinado grau na sua proposição primária” (TPKEYNES, J.M. (1973a) A Treatise on Probability, In: Moggridge, D. E. (ed.) Collected Writings of John Maynard Keynes (CW/JMK), vol. VIII. London: Macmillan.: 15-16).

É importante destacar três aspectos da relação acima. Em primeiro lugar, a relação de probabilidade é lógica: para uma conclusão baseada num dado conjunto de premissas h, existe uma e só uma relação de probabilidade P (TPKEYNES, J.M. (1973a) A Treatise on Probability, In: Moggridge, D. E. (ed.) Collected Writings of John Maynard Keynes (CW/JMK), vol. VIII. London: Macmillan.: 146). No TP uma crença só é considerada racional se for lógica e, como tal, distinguir-se de outras possíveis crenças de caráter arbitrário (TPKEYNES, J.M. (1973a) A Treatise on Probability, In: Moggridge, D. E. (ed.) Collected Writings of John Maynard Keynes (CW/JMK), vol. VIII. London: Macmillan.: 4, 19, 42). Nesse sentido, Keynes difere claramente dos subjetivistas. Estes identificam probabilidade com o grau de confiança que um indivíduo tem na ocorrência de certo evento e admitem que tal probabilidade varia amplamente entre as pessoas: a dimensão lógica e, portanto, objetiva da relação de probabilidade é, assim, minimizada (veja, e.g.,Ramsey, 1926RAMSEY, F.R. (1926 [1978]). “Truth and Probability”. In Mellor, D.H. (ed.) Foundations. Essays in Philosophy, Logic, Mathematic and Economics by F.R. Ramsey. London: Routledge & Kegan Paul; De Finetti, 1985DE FINETTI, B. (1985) “Cambridge Probability Theorists”. Manchester School, pp. 348-363.). De outro lado, Keynes nota que a escolha de premissas e a capacidade de perceber relações de probabilidade depende de fatores subjetivos. Assim, a concepção de Keynes difere também daquela dos chamados “teóricos da frequência”, que tomam probabilidade como simples proporção entre o número de casos favoráveis e desfavoráveis depois de repetições idênticas de um fenômeno (e.g. o lançamento de um dado). Tal concepção puramente empirista vê a probabilidade como atributo próprio do mundo físico.4 4 Para uma versão contemporânea e mais sofisticada da teoria da frequência, veja Popper (1988). Em contraste, Keynes concebe probabilidade como forma de pensar sobre o mundo real (TPKEYNES, J.M. (1973a) A Treatise on Probability, In: Moggridge, D. E. (ed.) Collected Writings of John Maynard Keynes (CW/JMK), vol. VIII. London: Macmillan.: 35, 56, 94, 312, 317).

Outro aspecto da concepção keynesiana de probabilidade refere-se à independência entre o caráter lógico de uma proposição e sua efetiva realização. Nas palavras do próprio Keynes,

An inductive argument affirms, not that a certain matter of fact is so, but that relative to certain evidence there is a probability in its favour. The validity of the induction, relative to the original evidence, is not upset, therefore, if, as a fact the truth turns out to be otherwise. (TPKEYNES, J.M. (1973a) A Treatise on Probability, In: Moggridge, D. E. (ed.) Collected Writings of John Maynard Keynes (CW/JMK), vol. VIII. London: Macmillan.: 245, ênfase no original)

Por sua vez, uma evidência contrária ao evento esperado provê o agente com informação nova, cuja inclusão nos julgamentos futuros irá modificar o próprio valor da relação de probabilidade. É dessa forma que se dá o processo de aprendizado. Quanto maior for a experiência advinda do processo de aprendizado, diz Keynes, maior será a crença racional do indivíduo em futuros julgamentos de probabilidade (TPKEYNES, J.M. (1973a) A Treatise on Probability, In: Moggridge, D. E. (ed.) Collected Writings of John Maynard Keynes (CW/JMK), vol. VIII. London: Macmillan.: 272). Esse é um desdobramento importante do conceito de racionalidade apresentado no TP e cuja relevância econômica será analisada na seção II.

O terceiro ponto, que frequentemente causa mal-entendidos, refere-se à relação entre o valor da relação de probabilidade P e o montante de informação contido num conjunto de premissas h. Embora um acréscimo de informação relevante possa alterar a probabilidade de a proposição a ser verdadeira, tal informação incremental pode levar tanto a um aumento como a uma diminuição deb.5 5 Keynes chega a admitir que um acréscimo de informação relevante pode deixar inalterada a relação de probabilidade, o que o leva a propor uma definição mais estrita de relevância (TP: 59). Esta, entretanto, apresenta sérios problemas teóricos (Carnap, 1950: 420) e possui, em todo caso, pouca importância prática. Em outras palavras, a adição de evidência h 1 , ao conjunto de premissas iniciais h certamente aumenta o montante absoluto da informação sobre a qual se apoia uma proposição primária, i.e, aumenta o que Keynes chama de peso do argumento. O aumento do peso de uma proposição, porém, não faz aumentar necessariamente sua probabilidade de ocorrência, pois a última não depende do montante absoluto de evidência, mas da diferença entre casos favoráveis e desfavoráveis à respectiva proposição (TPKEYNES, J.M. (1973a) A Treatise on Probability, In: Moggridge, D. E. (ed.) Collected Writings of John Maynard Keynes (CW/JMK), vol. VIII. London: Macmillan.: 77, 84). Assim, pode-se deparar com o seguinte caso: o montante de informação relevante disponível para calcular P é muito limitado, de forma que o peso da proposição a é correspondentemente baixo; entretanto, a probabilidade de a ser verdadeiro com base nessa evidência limitada pode ser bastante alta. O ponto fundamental aqui é que a crença ou grau de confiança numa proposição é função direta do peso do argumento e não de sua probabilidade de ser verdadeira. Daí ser crucial para o entendimento da noção e incerteza em Keynes6 6 Neste sentido, é surpreendente que pós-keynesianos notáveis como Weintraub (1975: 531) e Shackle (1974: 41) não tenham apreendido o significado de tal distinção. Veja Stohs (1980) para uma crítica da versão destes autores. a distinção entre os fatores que determinam peso e os que determinam a própria relação de probabilidade.

Uma vez discutidos os principais aspectos teóricos da concepção de probabilidade em Keynes, passemos agora ao exame da dimensão pragmática do TP, vale dizer, de como as crenças racionais guiam a ação. É neste contexto que Keynes aborda questões especialmente relevantes para o economista, como a viabilidade de estimar relações de probabilidade, a distinção entre racionalidade individual e racionalidade coletiva e o significado e possíveis fontes de incerteza no mundo real.

Uma das premissas básicas do TP é a de que o indivíduo tende a agir de acordo com sua concepção de mundo. De fato, exceto em casos de esquizofrenia, essa premissa é bastante razoável; não nega que possa haver um certo grau de autoilusão no agir cotidiano, tampouco que tal autoilusão possa ser, algumas vezes, funcional para o indivíduo e/ou para a sociedade. A mensagem central do TP é que o indivíduo pode ter uma crença racional acerca de eventos sobre os quais ele/ela não tem certeza e, se agir de acordo com tal crença, ele/ela estará agindo racionalmente. Na medida em que Keynes assume o conhecimento da relação de probabilidade como um caso frequente na vida cotidiana (TPKEYNES, J.M. (1973a) A Treatise on Probability, In: Moggridge, D. E. (ed.) Collected Writings of John Maynard Keynes (CW/JMK), vol. VIII. London: Macmillan.: 5, 46, 56, 83, 104, 241, 339),7 7 Sobre esta questão existe também interpretação alternativa do TP, segundo a qual o conhecimento da relação de probabilidade só se dá em casos muito específicos (Lawson, 1985). Tal interpretação parece considerar conhecida a relação de probabilidade somente quando se pode atribuir-lhe um valor numérico. Está é precisamente a concepção de Laplace, criticada por Keynes (TP: 33/34). Ela implica negar a relevância do enfoque do TP na maioria das decisões cotidianas, o que contradiz o espírito pragmático de Keynes, presente tanto no TP como nos seus escritos econômicos. a relevância dos juízos de probabilidade é óbvia, como ele próprio coloca:

The importance of probability can only be derived from the judgement that it is rational to be guided by it in action; and a practical dependence on it can only be justified by a judgement that in action we ought to act to take some account of it. It is for this reason that probability is to us the ‘guide of life’ ... (TPKEYNES, J.M. (1973a) A Treatise on Probability, In: Moggridge, D. E. (ed.) Collected Writings of John Maynard Keynes (CW/JMK), vol. VIII. London: Macmillan.: 356)

Três aspectos da definição de “ação racional” no TP merecem destaque. O primeiro diz respeito à distinção entre “fins racionais” e “meios racionais”. No capítulo 26 do TP - A aplicação da probabilidade à conduta -, Keynes considera os fins morais da ação individual como também sujeitos a julgamentos racionais. Neste particular, a posição de Keynes está em franco contraste com a visão ortodoxa a la Robbins, que define o comportamento econômico racional para dados fins morais, especificados a priori (O’Donnell, 1982O’DONNELL, R.M. (1982) “Keynes: Philosophy and Economics (An approach Towards Uncertainty)”. PhD dissertation. University of Cambridge.:26). Para Keynes, uma ação deve ser julgada racional na medida em que seus meios e fins, considerados em conjunto, o sejam.

O segundo aspecto importante se refere à distinção entre racionalidade individual e racionalidade coletiva. Se a sociedade fosse um sistema atômico - de efeito agregado composto pela simples soma de ações individuais separadas -, seria fácil delimitar o impacto agregado de possíveis ações individuais. Keynes, entretanto, sugere que as sociedades humanas não exibem uniformidade atômica (TPKEYNES, J.M. (1973a) A Treatise on Probability, In: Moggridge, D. E. (ed.) Collected Writings of John Maynard Keynes (CW/JMK), vol. VIII. London: Macmillan.: 291-292). Ao contrário, parecem constituir o que Keynes chama de sistemas orgânicos, nos quais a interação complexa entre os membros impede, ou ao menos, dificulta, que se delimitem os possíveis·efeitos agregados de uma ação individual (TPKEYNES, J.M. (1973a) A Treatise on Probability, In: Moggridge, D. E. (ed.) Collected Writings of John Maynard Keynes (CW/JMK), vol. VIII. London: Macmillan.: 276-77). Neste caso, avaliar os efeitos macroeconômicos das ações individuais pela simples adição delas leva à chamada falácia da composição.

A terceira distinção importante é entre atos deliberados e atos subconscientes. Keynes considera formas de comportamento racional também os hábitos e os costumes.8 8 O interesse de Keynes pela importância dos costumes parece advir de suas leituras de David Hume (Harrod, 1951; Meeks, 1983). Hume, no seu Treatise on Human Nature, enfatiza o papel dos costumes na vida cotidiana (Hume, 1978: 183-184, 268-271). Keynes, entretanto, interpreta Hume como sendo completamente cético sobre a validade da indução como forma de conhecimento sobre eventos futuros. Nesse sentido, o TP constitui uma resposta à asserção de Hume, que “while it is true that past experience gives rise to psychological anticipation of some events rather than others, no ground has been given for the validity of this superior anticipation” (TP: 88). Concebido num marco indutivista, o TP procura, nas palavras de Harrod, ‘to rescue us from this obliterating scepticism” (Harrod, 1951: 665). Na maioria das vezes, portanto, em que um indivíduo segue automaticamente as convenções sociais, tal comportamento não deve ser considerado ‘irracional’ (TPKEYNES, J.M. (1973a) A Treatise on Probability, In: Moggridge, D. E. (ed.) Collected Writings of John Maynard Keynes (CW/JMK), vol. VIII. London: Macmillan.: 15, 241). De fato, isso é compreensível quando observamos que por trás de muitos hábitos existe uma teoria incorporada de maneira subconsciente pelo indivíduo e posta em ação automaticamente, toda a vez que ele/ela se defronta com certas situações. Quando tal teoria começa a falhar sistematicamente, é improvável que o hábito sobreviva; outros tomarão seu lugar. Em suma, Keynes reconhece que algum grau de repetição de eventos passados cria padrões de raciocínio (modes of thought) que, consciente ou subconscientemente, permitem às pessoas fazerem o melhor uso possível da informação disponível a fim de agir, mesmo que algumas vezes suas expectativas venham a ser frustradas.

Examinando o conceito de ação racional, resta discutir se é possível quantificar a relação de probabilidade. Em seu sentido mais estrito, os teóricos da frequência entendem probabilidade como simples valor numérico atribuído a eventos que se repetem sob idênticas condições. Tal concepção é criticada por Keynes; em primeiro lugar, porque é inútil na maioria dos casos práticos, na medida em que não ocorrem repetições idênticas do mesmo fenômeno (TPKEYNES, J.M. (1973a) A Treatise on Probability, In: Moggridge, D. E. (ed.) Collected Writings of John Maynard Keynes (CW/JMK), vol. VIII. London: Macmillan.: 103-108). Em segundo lugar, porque nas sociedades humanas um indivíduo não pode determinar todos os possíveis impactos da ação dos demais devido aos limites computacionais da mente humana vis-à-vis uma complexidade de relações causais (TPKEYNES, J.M. (1973a) A Treatise on Probability, In: Moggridge, D. E. (ed.) Collected Writings of John Maynard Keynes (CW/JMK), vol. VIII. London: Macmillan.: 118-119, 315, 316, 326). Assim, é impossível obter uma medida acurada da probabilidade de ocorrência dos eventos sociais. Em terceiro lugar, Keynes mostra que a indução é fonte válida de conhecimento lógico somente se fundada em alguma forma de informação a priori, normalmente obtida através de analogia (TPKEYNES, J.M. (1973a) A Treatise on Probability, In: Moggridge, D. E. (ed.) Collected Writings of John Maynard Keynes (CW/JMK), vol. VIII. London: Macmillan.: 94, 117, 144, 267, 329, 338); esta última, no entanto, é frequentemente difícil de quantificar. Como os empiristas puros e os teóricos da frequência em particular não consideram tais razões apriorísticas de caráter qualitativo, deixam de dar fundamentação lógica ao processo indutivo.

Em contraste com os empiristas puros, portanto, Keynes considera comparações quantitativas como um subconjunto do heterogêneo universo de relações de probabilidade. Quatro situações distintas são possíveis:

  1. casos em que é possível calcular numericamente a distribuição de frequência de uma série de eventos;

  2. casos em que é impossível desenvolver cálculos numéricos, embora avaliações qualitativas sejam possíveis;

  3. casos em que é impossível comparar eventos entre si na medida em que estes não dividem características comuns;

  4. casos em que a relação de probabilidade é desconhecida devida à incapacidade de apreensão do agente.

Feitas tais distinções, estamos agora em condição de avaliar o conceito de incerteza dentro do quadro teórico do TP. Embora Keynes não defina explicitamente incerteza em nenhum lugar no TP, fica implícito que incerteza não significa simplesmente situações em que 0<P<1, tampouco situações em que não se pode atribuir um valor numérico à relação de probabilidade. Uma situação de incerteza, tanto no contexto do TP como na TG, pode se conflagrar de duas formas: 1. o agente possui informação incompleta sobre os fatores que causam determinado evento, i.e., o “peso da evidência” disponível é baixo; 2. o agente, embora disponha de ampla evidência relevante, é incapaz de computar a relação de probabilidade devido a limitações intelectuais de caráter subjetivo.9 9 Keynes, entretanto, parece minimizar a importância destas (TP: 35). Isto é, o desconhecimento da relação de probabilidade devido a limitações intelectuais peculiares a um indivíduo não desempenha papel predominante no TP. Desta forma, a definição de incerteza no TP é similar àquilo que Knight (1921KNIGHT, F.H. (1921 [1964]). Risk, Uncertainty and Profit. London: Frank Cass & Company Ltd.: 19-20, 230-35) chamou de incerteza genuína, em contraste com o conceito de risco, em que a informação relevante é tal que permite cálculos numericamente precisos da relação de probabilidade.

A definição de incerteza proposta acima é claramente ilustrada em diversas passagens do TP. Primeiro, Keynes menciona situações de incerteza associadas a possíveis estados da natureza - por exemplo, a probabilidade de chover amanhã (TPKEYNES, J.M. (1973a) A Treatise on Probability, In: Moggridge, D. E. (ed.) Collected Writings of John Maynard Keynes (CW/JMK), vol. VIII. London: Macmillan.: 31). Segundo, Keynes menciona a incerteza associada a processos de interação social. Ela tem duas dimensões: de um lado, a informação limitada sobre os possíveis pensamentos e ações dos demais; de outro, a incerteza associada ao efeito composicional, já que nas sociedades humanas o todo não resulta da mera soma das decisões individuais (TPKEYNES, J.M. (1973a) A Treatise on Probability, In: Moggridge, D. E. (ed.) Collected Writings of John Maynard Keynes (CW/JMK), vol. VIII. London: Macmillan.: 291-292). Keynes dá vários exemplos desse tipo de incerteza, como prognósticos do preço futuro da cotação de uma ação ou do resultado de uma eleição (TPKEYNES, J.M. (1973a) A Treatise on Probability, In: Moggridge, D. E. (ed.) Collected Writings of John Maynard Keynes (CW/JMK), vol. VIII. London: Macmillan.: 23-29). O terceiro tipo de incerteza assinalada por Keynes é de natureza distinta dos anteriores: refere-se à limitada capacidade humana ou ao alto custo de processar uma massa de informação disponível como, por exemplo, no caso de um diretor de uma companhia de seguros com acesso a vasto material estatístico, mas cujas decisões são puramente regidas por intuição e experiência (TPKEYNES, J.M. (1973a) A Treatise on Probability, In: Moggridge, D. E. (ed.) Collected Writings of John Maynard Keynes (CW/JMK), vol. VIII. London: Macmillan.: 34, 315-316, 326). Podemos batizar essas três fontes de incerteza da seguinte forma: a incerteza natural, invariável nas ações humanas; a incerteza social, que é função do processo de interação humana numa dada sociedade; por fim, a incerteza devida ao que Simon (1957SIMON, H. (1957) Models of Man. New York.) cunhou de racionalidade limitada (bounded rationality). Nos escritos econômicos de Keynes e na Teoria Geral, em particular, o que chamamos de incerteza social desempenha papel proeminente, conforme será mostrado na seção II.

Em resumo, no TP Keynes mostra que repetições ainda que não idênticas de um evento, quando combinadas com uma dose de conhecimento a priori e intuição, permitem ao indivíduo ter uma crença racional ou lógica na ocorrência futura de tal evento. Três importantes facetas dessa concepção são exploradas no TP. Em primeiro lugar, o caráter lógico de uma crença racional é inalterado pelo baixo peso da evidência, vale dizer, pela incerteza reinante. Em outras palavras, em situações de incerteza - sejam estas causadas por fatores naturais, sociais ou subjetivos - o agente pode (e deve!) ter um comportamento racional. Em segundo lugar, embora seja impossível quantificar a crença racional num evento, avaliações qualitativas e mensuração ordinal são normalmente factíveis na maioria dos casos práticos. Por fim, Keynes aponta o componente racional embutido em hábitos e convenções sociais.

Essa definição ampla de racionalidade humana é relevante para o economista em geral e para o entendimento da macroeconomia do próprio Keynes, em particular. Isso é o que discutiremos a seguir.

II. INCERTEZA E MACROECONOMIA: A TEORIA GERAL REVISITADA

É sabido que existe uma relação hierárquica entre os componentes macroeconômicos do modelo keynesiano: uma vez que o empresário representativo decida o quanto investir, o produto nacional, a poupança e o consumo agregados são determinados via multiplicador, dados o nível do gasto público, o montante de exportação e as propensões a consumir e a importar. Daí a importância analítica que Keynes atribui aos determinantes do investimento, a saber, as expectativas de longo prazo e a taxa de juros. Como a última é função, inter alia, da demanda especulativa por moeda - a qual também depende das expectativas - o impacto macroeconômico destas é óbvio.

No caso da decisão de investir em capital fixo, a importância das expectativas é aguçada por três fatores. Em primeiro lugar, o capital fixo tem, em geral, uma vida útil muito longa vis-à-vis bens intermediários e de consumo, de forma que o cálculo da rentabilidade esperada do investimento fixo envolve estimativas de longo prazo. Segundo, o investimento fixo mobiliza um montante muito maior de recursos que a decisão de consumir. Terceiro, uma vez completo, o investimento em capital fixo é irreversível. Dado o vultoso tamanho das possíveis perdas, a irreversibilidade do investimento e um certo grau de concorrência intercapitalista, o empresário é compelido então a maximizar a acuidade de seus prognósticos quanto ao futuro.

Como, porém, a informação disponível sobre as possíveis ações dos consumidores, dos seus competidores e do governo é muito limitada, o empresário representativo defronta-se com o que chamamos de incerteza social. Como discutimos na seção I, tal incerteza não implica necessariamente em impossibilidade de estimar uma relação de probabilidade, mas está associada ao baixo peso da evidência disponível para o empresário.10 10 Daí Keynes observar que por processos “muito incertos” ele não quer dizer a mesma coisa que “muito improváveis” e remeter o leitor ao capítulo VI do TP, sobre peso da evidência (TG: 148). Esta é a única menção feita ao TP em toda a Teoria Geral. A distinção entre o que é provável e o que é incerto reaparece no seu conhecido artigo “The General Theory of Employment” (Keynes, 1973e: 113-114), onde Keynes rediscute as ideias fundamentais na TG. Assim, Keynes nota que o empresário pode estimar a probabilidade de ocorrência de certos eventos futuros mas, devido ao baixo peso da evidência relevante, tenderá a apoiar-se sobremaneira na sua experiência recente:

It is reasonable, therefore, to be guided to a considerable degree by facts about which we feel somewhat confident, even though they may be less decisively relevant to the issue than other facts about which our knowledge is vague and scanty. For this reason the facts of the existing situation enter disproportionately into the formation of our long-term expectations; our usual practice being to take existing situation and to project it into the future, modified only to the extent we have more or less definite reasons for expecting a change. (TGKEYNES, J.M. (1973g) “The General Theory and After: a Supplement”. CWJMK, vol. XXIX.: 148)

Keynes, portanto, não despreza o conjunto de informações, ainda que limitado, de que o empresário dispõe no processo de formação de expectativas de longo prazo. O que Keynes nota é que uma parcela substancial da informação relevante ao empresário aparece embutida em certas convenções sociais:

In practice we have tacitly agreed, as a rule, to fall back on what is, in truth, a convention. The essence of this convention - though it does not, of course, work out quite so simply - lies in assuming that the existing state of affairs will continue indefinitely, except in so far as we have reasons to expect a change ( ... ) We are assuming in effect that the existing market valuation, however arrived at, is uniquely correct in relation to our existing knowledge of the facts which will influence the yield of the investment, and that it will only change in proportion to changes in this knowledge; though, philosophically speaking it cannot be uniquely correct, since our existing knowledge does not provide a sufficient basis for a calculated mathematical expectation ( ... ) However, the above conventional method of calculation will be compatible with a considerable measure of continuity and stability in our affairs, so long as we can rely on the maintenance of the convention (TGKEYNES, J.M. (1973g) “The General Theory and After: a Supplement”. CWJMK, vol. XXIX.: 152, ênfase acrescentada).

A citação acima claramente traz à tona algumas das importantes noções presentes no TP. Em primeiro lugar, Keynes assume que seguir a convenção não significa um comportamento irracional por parte do empresário. De um lado, ele muitas vezes segue a convenção porque, numa sociedade política e economicamente estável, existe alta probabilidade de as tendências recentes não se alterarem. De outro lado, em termos agregados, ao seguir a convenção o empresário individual pode estar se comportando racionalmente do ponto-de-vista macroeconômico. Com efeito, se todos se comportam de maneira similar, a estabilidade do investimento agregado está garantida, o que beneficia o empresário individual.

Segundo, Keynes admite haver outras fontes de conhecimento sobre o futuro, além das embutidas na convenção social, que podem levar o empresário a ter uma crença racional em mudanças na situação corrente. O empresário bem-sucedido é aquele que combina a informação corrente com experiência e intuição para estimar a probabilidade de quebras da convenção.

Em terceiro lugar, Keynes nota que o peso da evidência relevante para a formação de expectativas de longo prazo é, quase sempre, insuficiente para o empresário estimar numericamente a relação de probabilidade. Isto não significa que o empresário não possa estimar qualitativamente a probabilidade de um evento ocorrer ou arranjar ordinalmente a probabilidade de eventos alternativos. De fato, avaliações não exatas ou qualitativas da relação de probabilidade são proeminentes no TP e caem como uma luva no caso da decisão de investir, como descrito na TG.

Keynes, por fim, nota que a informação corrente, a experiência passada e uma certa estabilidade das convenções sociais são condições necessárias, mas não suficientes para a decisão de investir em capital fixo. Aí entra a famosa noção do· “espírito animal” - motivação de origem extraeconômica por parte do empresário - que preenche a “brecha” e o leva a investir (TGKEYNES, J.M. (1973g) “The General Theory and After: a Supplement”. CWJMK, vol. XXIX.: 150, 161 & 162).11 11 Importante dimensão da noção de espírito animal é sublinhada por Matthews (1984: 31): ao reduzir o peso que o indivíduo comum usualmente dá a erros cognitivos, o empresário pode estar agindo dentro de uma concepção mais ampla de racionalidade. Em outras palavras, o empresário que é excessivamente cuidadoso em evitar cometer erros, pode não ter a capacidade para tomar decisões no momento mais propício. Tal espírito animal será mais importante quanto maior for o prazo de gestação e de vida útil do capital fixo, pois maior será a incerteza sobre os rendimentos futuros do investimento. Mesmo em casos extremos, porém, como as expectativas sobre o preço do cobre e da taxa de juros ou da posição dos proprietários de riqueza nos próximos vinte ou trinta anos,12 12 Estes são exemplos dados pelo próprio Keynes no seu célebre artigo de 1937 - “The General Theory of Employment” (Keynes, 1973b: 113-114). Keynes neta que a informação presente - combinada com a estabilidade de certas convenções sociais - permite uma avaliação racional sobre o comportamento futuro de tais variáveis, não obstante sujeita a larga margem de erro (Keynes, 1973eKEYNES, J.M. (1973e) “Letter to J. Robinson”. CWJMK, vol. XIV, pp. 136-37.: 113-114).

Em suma: ao examinar os determinantes do investimento, Keynes baseia-se na ampla concepção de racionalidade que permeia o TP, imbuindo-a de considerável significado econômico.

É curioso, portanto, que pós-keynesianos como Shackle (1974SCHAKLE, G.L.S. (1974) Keynesian Kaleidics. Edinburgh: Edinburgh University Press., 1982SCHAKLE, G.L.S. (1982) The Years of High Theory: Invention and Tradition in Economic Thought, 1926-1939. Cambridge: Cambridge University Press.), Davidson (1972DAVIDSON, P. (1972) Money and the Real World. New York: Halsted Press., 1982DAVIDSON, P. (1982) “Rational Expectations: a Fallacious Foundation for Studying Crucial Decision-Making Processes”. Journal of Post-Keynesian Economics, vol. V, n. 2, pp. 182-198.) e outros considerem que “a decisão de investir é uma atividade irracional”, no sentido de não existir base alguma que possibilite ao empresário uma crença racional em eventos futuros (Shackle, 1982SCHAKLE, G.L.S. (1982) The Years of High Theory: Invention and Tradition in Economic Thought, 1926-1939. Cambridge: Cambridge University Press.: 130). A possibilidade de aprendizado pela repetição de eventos similares no passado e, em particular, pela convenção, é descartada por esses autores: para eles a decisão de investir é um “evento crucial” (sic), no sentido de ser tomada em condições não-recorrentes do tempo histórico.

Na medida em que esta interpretação é influente, convém apontar aqui suas deficiências. Em primeiro lugar, ela assume que o empresário representativo forma crenças de maneira meramente subjetiva. Isto, como vimos, está em franco contraste com a concepção de racionalidade humana discutida em detalhe no TP e consubstanciada na TG. Em segundo lugar, não é claro que a decisão de investir seja um evento crucial ou que o fato de ela se dar em condições do tempo histórico deva implicar em não-reprodução de situações similares, de forma que a experiência não possa servir de base para avaliar o futuro. Sem entrar aqui na discussão filosófica sobre o movimento da História, resta observar que caso não existisse certo grau de repetição dos fenômenos seria impossível fazer ciência empírica e, em particular, economia. Como bem coloca Coddington (1982CODDINGTON, A. (1983) “Deficient Foresight: A Troublesome Theme in Keynesian Economics”. American Economic Review, vol. 72, n. 3, pp. 480-487.: 486):

if there is no regularity in agents’ behaviour and to make reasonable foresights is impossible, we should leave aside all analytical tools which economic analysis has developed so far and convince other economists of the folly of their ways.

Claramente, o empresário pode aprender a partir de sua própria experiência e da experiência alheia. Embora presente tanto no TP como na TG, a importância do processo de aprendizagem é em geral minimizada pelo pós-keynesianismo. Isto permitiu que a hipótese de expectativas racionais tivesse um colossal impacto na teoria econômica, especialmente no keynesianismo. Em terceiro lugar, a interpretação shackliana ignora a ênfase do capítulo XII da TG em fatores institucionais como determinantes da especulação: daí Shackle (1982SCHAKLE, G.L.S. (1982) The Years of High Theory: Invention and Tradition in Economic Thought, 1926-1939. Cambridge: Cambridge University Press.: 132) considerar aquele capítulo como “curiosamente insatisfatório”. Em outras palavras, a despeito da preocupação shackliana com o tempo histórico, ele não parece distinguir o contexto histórico em que Keynes escreveu de situações de “normalidade” institucional.

Por fim, um enfoque alternativo que merece ser examinado aqui é o representado por Meeks (1983MEEKS, G. J. T. (1983) “Keynes on the Rationality of the Investment Decision Under Uncertainty”. Mimeo. Cambridge.) e Lawson (1985LAWSON, T. (1985) “Uncertainty and Economic Analysis”. Economic Journal, 95, pp. 909-927.). Este enfatiza sobremaneira o papel das convenções sociais na determinação do investimento. Vimos acima que, de fato, Keynes mostra a relevância das convenções na decisão de investir. Tais autores, no entanto, desconsideram as raízes racionais da convenção. Como analisado anteriormente, muitas das convenções sociais nascem de teorias sobre o funcionamento do mundo real que, como o tempo, são incorporadas subconscientemente. Ou seja, não são simples resultado de seguir cegamente o que os demais fazem. Por detrás da interpretação de Meeks e Lawson parece jazer a concepção de que situações de incerteza são aquelas onde a relação de probabilidade é desconhecida (Lawson, 1985LAWSON, T. (1985) “Uncertainty and Economic Analysis”. Economic Journal, 95, pp. 909-927.: 914). Já discutimos como tal conceito de incerteza é estranho ao núcleo analítico do TP. No que toca ao aspecto econômico da questão, a versão desses autores não permite explicar o gasto com assessores técnicos para fazer previsões sobre o estado futuro dos mercados, tampouco o progresso técnico.

***

Uma vez sublinhados os aspectos racionais da decisão de investir e a possibilidade de inferências aproximadamente corretas sobre o futuro, como explicar então a instabilidade da economia capitalista?

Na visão de Keynes, a instabilidade capitalista decorre do funcionamento imperfeito dos mecanismos de coordenação de decisões ótimas tomadas meramente do ponto-de-vista microeconômico. Na raiz do problema está uma economia amplamente monetizada, em que o agente tem considerável grau de liberdade para decidir quanto, como e quando gastar. Na medida em que a decisão do agente, de produzir para o mercado, é dissociada da decisão de comprar por parte dos demais, abre-se o que Marx (1946MARX, K. (1946) El Capital. Tomo 1. México: Pondo de Cultura Económico., cap. III) chamou de possibilidade de crise.

Num mundo perfeitamente competitivo e com plena informação, a coordenação das decisões de produzir e gastar dos vários agentes se dá via movimento de preços relativos. No mundo real, entretanto, o funcionamento de alguns mercados é altamente imperfeito devido a fatores de ordem institucional. Este é o caso, por exemplo, dos mercados de informação, financeiro e de trabalho. Tais imperfeições permitem que a incerteza, ao gerar súbitos desequilíbrios entre oferta e demanda nesses mercados, possa induzir flutuações dramáticas no investimento e, portanto, no produto agregado. É num contexto de mercados imperfeitos que as convenções sociais desempenham um papel crucial em manter a estabilidade macroeconômica.

Porém, as convenções sociais estão elas mesmas sujeitas a choques. Na TG, Keynes focaliza a expansão desmedida do processo especulativo como um possível tipo de choque. Isto se dá no marco histórico de emergência das grandes corporações, em fins do século XIX. O que basicamente diferencia a grande corporação das formas de organizações empresariais anteriores é a dissociação radical entre propriedade e gestão do capital. O veículo de tal processo é a bolsa de valores. A democratização desta última pode se dar de forma mais ou menos brusca. Tal como ocorreu nos Estados Unidos na década de 20, ela permitiu que a compra da propriedade de uma companhia se tornasse uma operação amplamente difundida entre o grande público num curto espaço de tempo.13 13 Em grande parte devido ao choque associado à primeira guerra mundial, a bolsa de Nova York expandiu muito mais rapidamente seu volume de negócios que a bolsa de Londres antes da guerra e o fez sob a égide de subscritores desprovidos da experiência britânica na avaliação do mercado de títulos, particularmente do de títulos estrangeiros (Mintz, 1950). Isso está por trás da dramática repercussão internacional da crise de 1929 (Eichengreen & Portes, 1987).

Sem o devido controle institucional, a rápida expansão dos negócios da bolsa é incompatível com a estabilidade do investimento, por três razões distintas. Primeiro, facilita a obtenção de fundos sem requerimentos estritos sobre a avaliação da rentabilidade futura de um projeto de investimento. O que passa a ser importante é o valor futuro atribuído aos ativos da respectiva firma no mercado de ações; e tal mercado é frequentemente sujeito a rumores e crenças arbitrárias. Em segundo lugar, a presença de muitos proprietários faz com que eventuais fracassos tenham uma repercussão social mais ampla. Terceiro, o mercado de ações permite a propriedade de um ativo físico tornar-se uma condição transitória para o investidor individual, embora permaneça sendo uma constante para a sociedade como um todo.

Os três fatores supracitados moldam um quadro institucional propício à especulação. A conexão entre as flutuações da cotação de títulos na bolsa e a decisão de investir em capital fixo é claramente expressa na TG:

... the Stock Exchange revalues many investments every day and the revaluations give a frequent opportunity to the individual (though not to the community as a whole) to revise his commitments. ( ... ) the daily revaluations of the Stock Exchange, though they are primarily made to facilitate transfers of old investments between one individual and another, inevitably exert a decisive influence on the rate of current investment. For there is no sense in building up a new enterprise at a cost greater than that at which a similar existing enterprise can be purchase; whilst there is an inducement to spend in a new project what may seem an extravagant sum, if it can float off on the Stock Exchange at an immediate profit. Thus, certain classes of investment are governed by the average expectation of those who deal on the Stock Exchange as revealed in the price of shares rather than by the genuine expectations of the professional entrepreneur. (TGKEYNES, J.M. (1973g) “The General Theory and After: a Supplement”. CWJMK, vol. XXIX.: 151, ênfase acrescentada)

Em outras palavras, com a rápida proliferação dos negócios na bolsa, o processo de formação de expectativas de longo prazo deixa de ser feito com base nos critérios racionais usuais. Isto é devido ao fato de a avaliação de ativos reais passar às mãos de pessoas que não administram ou não têm conhecimentos técnicos apropriados do projeto de investimento em questão - os especuladores. Estes não são norteados pelo genuíno desejo de poupar, mas pelo de auferir lucros extras através da mera transação de títulos. Isto é possível na medida em que imperfeições no mercado de informação permitam ao especulador antecipar a opinião média sobre qual será o título mais rentável no futuro.

Quando a economia cresce rapidamente sem os devidos controles institucionais e sob elasticidade do crédito, o especulador passa a gozar de um amplo espaço de ação. A possibilidade de fazer dinheiro “fácil” com a revenda de títulos existentes faz com que, de um lado, bancos e poupadores individuais aumentem seus encaixes de moeda por motivos especulativos. Isto leva, ceteris paribus, a um aumento na taxa de juros e a uma gradual perda da função principal do sistema financeiro moderno: prover fundos a menor custo para o capitalista profissional. De outro lado, os capitalistas tornam-se mais receosos de investir em capital fixo, por três razões: primeiro, devido à subida da taxa de juros; segundo, devido à possibilidade de altos retornos em ativos financeiros relativamente líquidos; por fim, pela maior dificuldade de prever o comportamento dos concorrentes, uma vez que estes também abandonam os critérios convencionais de avaliação de projetos de investimento. Em tais condições, o espírito animal se entorpece.

Entretanto, já que os capitalistas não investem enquanto classe, como Kalecki (1971KALECKI, M. (1971) “The Problem of Effective Demand with Tugan-Baranovsky and Rosa Luxemburg”. In: Selected Essays on the Dinamics of the Capitalist Economy, pp. 146-155. Cambridge: Cambridge University Press.: 152) bem observou, a decisão do capitalista individual de reduzir o investimento produtivo a fim de especular com títulos existentes resulta paradoxal do ponto-de-vista macroeconômico: a contração da demanda efetiva que se segue é contrária tanto aos interesses do capitalista individual, quanto aos interesses de milhares de poupadores genuínos, os quais acabam envolvidos no processo especulativo.

Em suma, ao se engajarem no jogo especulativo, capitalistas e poupadores quebram os critérios convencionais da decisão de investir. Embora em tal contexto a especulação com títulos existentes seja racional do ponto-de-vista microeconômico, ela certamente não o é quando vista pela ótica macroeconômica. Trata-se de um caso típico de falácia da composição - uma noção, como vimos, já presente no TP e que desempenha um papel central na TG. Ou seja, quando a especulação predomina sobre o espírito de empresa, o sistema como um todo se comporta “irracionalmente”. Dependendo do grau de inflexibilidade da taxa cambial, dos salários ou de outros preços relativo, bem como da fragilidade do sistema financeiro, uma queda da produção e do emprego mais ou menos dramática se seguirá.

É sabido que a visão anteriormente esboçada fornece uma explicação de peso para a Grande Depressão dos anos 30. Em contraste com muitos modelos pós-keynesianos, ela deixa clara a ênfase de Keynes em fatores objetivos como causas básicas da instabilidade capitalista. De fato, numa carta a Joan Robinson, Keynes (CW, XIVKEYNES, J.M. (1973c) “The General Theory of Employment”. CWJMK, vol, XIV, pp. 109-123.: 137) foi bastante explícito: “you must not confound instability with uncertainty’’.14 14 Na própria TO, Keynes adverte que não devemos concluir que tudo depende de ondas de psicologia irracional e que, ao contrário, o estado das expectativas de longo prazo é em geral estável (TO: 162). Daí ser equivocada a ênfase de muitos pós-keynesianos no papel desestabilizante das expectativas incertas per se. Ao fazê-lo, eles menosprezam tanto os casos objetivos de imperfeições de certos mercados como o contexto institucional no qual Keynes escreveu.15 15 O qual mudou sensivelmente desde então, devido à expansão do setor governo no pós-guerra e à presença de poderosos bancos centrais atuando como “emprestadores de última instância”. Para análise detalhada de mecanismos econômicos objetivos e das peculiaridades institucionais que explicam a amplitude da Grande Depressão, veja Kindleberger (1986) e Eichengreen & Portes (1987).

III. OBSERVAÇÕES FINAIS: BUSCANDO FORMAS ALTERNATIVAS DE MODELAR EXPECTATIVAS INCERTAS

A busca de alternativas para modelar expectativas tem levado alguns a incorporar à Economia elementos de psicologia behaviorista. Experimentos de laboratório com processos de decisão individual sobre incerteza são discutidos, por exemplo, por Tversky & Kahneman (1974TVERSKY & KAHNEMAN (1974) “Judgement Under Uncertainty: Heuristics and Biases”. Science, vol. 185, pp. 1124-31.). Tal linha pesquisa é desenvolvida por Scitovsky (1978SCITOVSKY, T. (1978) The Joyless Economy: an inquiry into Human Satisfaction and Consumer Dissatisfaction. Oxford: Oxford University Press.), Liebenstein (1976LIEBENSTEIN, H. (1976) Beyond Economic Man. A New Foundation for Microeconomics. Cambridge, Mass: Harvard University Press.) e Earl (1983EARL, P. E. (1983) The Economic Imagination (Towards a Behavioural Analysis of Choice). New York: M. E. Sharpe.).

Deve-se reconhecer a importância desses estudos como tentativas de superar as limitações do paradigma neoclássico de agente econômico. Mais ainda: esses trabalhos tentam fornecer uma teoria psicológica do conhecimento, cuja falta é patente, por exemplo, na obra do próprio Keynes. Esses esforços de unir Psicologia e Economia tem sofrido, entretanto, de uma deficiência comum: não tomar em conta o marco institucional no qual as expectativas são formadas.

Mostramos ao longo deste trabalho que é possível, segundo Keynes, identificar padrões de comportamento racional na formação das expectativas de longo prazo. A teoria do investimento de Keynes é uma teoria das expectativas de longo prazo, sob um determinado quadro institucional. Contrasta claramente com modelos baseados em um só tipo de expectativa por parte do agente - como fazem os novos-clássicos - , assim como com modelos onde o investidor pode ter todo tipo de crenças sobre o futuro - como fazem muitos pós-keynesianos. Enfoque mais realista e autenticamente keynesiano consiste em identificar padrões de comportamento prováveis por parte do empresário em contextos similares.

Um programa de pesquisa dentro deste enfoque deve ser erigido sobre dois pilares. Primeiro, medidas sistemáticas das expectativas de longo prazo de empresários operando em diversos setores da economia. Até o momento, trabalhos quantitativos envolvendo mensuração de expectativas têm sido levados a cabo quase que exclusivamente sob o paradigma das expectativas racionais.16 16 Pesaran (1988) constitui notável exceção. Obviamente, medidas diretas de expectativas baseadas em questionários por empresários contêm, como todo trabalho empírico, informações mais ou menos cruzadas. Não obstante, este parece ser um caminho promissor para superar as deficiências dos correntes modelos macroeconométricos de investimento.

Em segundo lugar, como toda expectativa é formada sob uma realidade histórica, esta deve ser descrita. Neste âmbito, existe amplo espaço para estudos de natureza interdisciplinar. Descrição está diretamente associada a realismo; e realismo está associado a relevância. Infelizmente, como Gordon (1976GORDON, R.A. (1976) “Rigor and Relevance in a Changing Institucional Setting”. American Economic Review, vol. 66, n. 1, pp. 1-14.) e Sen (1980SEN, A. (1980) “Description as a Choice”. Oxford Economic Papers, vol. 32, pp. 353-69.) observaram, os economistas contemporâneos têm dispensado pouca atenção ao papel das instituições. Daí a sofisticação analítica ter proliferado em detrimento da relevância.

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  • WEINTRAUB, E. R. (1977) Microfoundations (The Compatibility of Microeconomics and Macroeconomics). Cambridge: Cambridge University Press.
  • 1
    A hipótese de que existe uma realidade objetiva, independente da percepção do indivíduo, permeia o TP, aparecendo explícita em algumas passagens (TPKEYNES, J.M. (1973a) A Treatise on Probability, In: Moggridge, D. E. (ed.) Collected Writings of John Maynard Keynes (CW/JMK), vol. VIII. London: Macmillan.: 56, 274-75). Não obstante, uma interpretação oposta da epistemologia do TP foi sugerida por Carabelli (1986CARABELLI, A. (1986) “On Keynes’ Method”. PhD dissertation, University of Cambridge.). Esta autora, entretanto, parece não encontrar suporte para sua interpretação nos escritos econômicos de Keynes - em particular, no Treatise on Money e na General Theory.
  • 2
    Por exemplo, se todo o número que termina em 2 é divisível por 2, todo o número que termina em 5 deve ser divisível por 5. O fato de a mesma generalização não ser verdadeira no caso do número 7, não implica que tal analogia seja ilógica; simplesmente ressalta a importância da indução como método complementar à analogia pura.
  • 3
    Keynes, entretanto, não oferece uma explicação do processo psicológico que nos leva a traçar analogias e perceber a regularidade de certas ocorrências. Nesse sentido, a forma pela qual um indivíduo obtém conhecimento direto da relação de probabilidade permanece um tanto obscura, como o próprio Keynes reconhece (TPKEYNES, J.M. (1973a) A Treatise on Probability, In: Moggridge, D. E. (ed.) Collected Writings of John Maynard Keynes (CW/JMK), vol. VIII. London: Macmillan.: 10,247,291). De fato, a falta de uma teoria psicológica do conhecimento constitui uma lacuna no TP. Esse ponto será retomado na parte III deste trabalho.
  • 4
    Para uma versão contemporânea e mais sofisticada da teoria da frequência, veja Popper (1988POPPER, K.R. (1988) “The Allure of the Open Future”. The Guardian. August 29th, p. 8.).
  • 5
    Keynes chega a admitir que um acréscimo de informação relevante pode deixar inalterada a relação de probabilidade, o que o leva a propor uma definição mais estrita de relevância (TPKEYNES, J.M. (1973a) A Treatise on Probability, In: Moggridge, D. E. (ed.) Collected Writings of John Maynard Keynes (CW/JMK), vol. VIII. London: Macmillan.: 59). Esta, entretanto, apresenta sérios problemas teóricos (Carnap, 1950CARNAP, R. (1950) Logical Foundations of Probability, Chicago: University of Chicago Press.: 420) e possui, em todo caso, pouca importância prática.
  • 6
    Neste sentido, é surpreendente que pós-keynesianos notáveis como Weintraub (1975WEINTRAUB, E. R. (1975) “Uncertainty and the Keynesian Revolution.” History of Political Economy, VII, pp. 530-548.: 531) e Shackle (1974SCHAKLE, G.L.S. (1974) Keynesian Kaleidics. Edinburgh: Edinburgh University Press.: 41) não tenham apreendido o significado de tal distinção. Veja Stohs (1980STOHS, M. (1980) “Uncertainty in Keynes General Theory”. History of Political Economy, 12, pp. 372-382.) para uma crítica da versão destes autores.
  • 7
    Sobre esta questão existe também interpretação alternativa do TP, segundo a qual o conhecimento da relação de probabilidade só se dá em casos muito específicos (Lawson, 1985LAWSON, T. (1985) “Uncertainty and Economic Analysis”. Economic Journal, 95, pp. 909-927.). Tal interpretação parece considerar conhecida a relação de probabilidade somente quando se pode atribuir-lhe um valor numérico. Está é precisamente a concepção de Laplace, criticada por Keynes (TPKEYNES, J.M. (1973a) A Treatise on Probability, In: Moggridge, D. E. (ed.) Collected Writings of John Maynard Keynes (CW/JMK), vol. VIII. London: Macmillan.: 33/34). Ela implica negar a relevância do enfoque do TP na maioria das decisões cotidianas, o que contradiz o espírito pragmático de Keynes, presente tanto no TP como nos seus escritos econômicos.
  • 8
    O interesse de Keynes pela importância dos costumes parece advir de suas leituras de David Hume (Harrod, 1951HARROD, R. (1951) The Life of John Maynard Keynes. London: MacMillan.; Meeks, 1983MEEKS, G. J. T. (1983) “Keynes on the Rationality of the Investment Decision Under Uncertainty”. Mimeo. Cambridge.). Hume, no seu Treatise on Human Nature, enfatiza o papel dos costumes na vida cotidiana (Hume, 1978HUME, D. (1740 [1978]). A Treatise of Human Nature. Oxford: Oxford University Press.: 183-184, 268-271). Keynes, entretanto, interpreta Hume como sendo completamente cético sobre a validade da indução como forma de conhecimento sobre eventos futuros. Nesse sentido, o TP constitui uma resposta à asserção de Hume, que “while it is true that past experience gives rise to psychological anticipation of some events rather than others, no ground has been given for the validity of this superior anticipation” (TPKEYNES, J.M. (1973a) A Treatise on Probability, In: Moggridge, D. E. (ed.) Collected Writings of John Maynard Keynes (CW/JMK), vol. VIII. London: Macmillan.: 88). Concebido num marco indutivista, o TP procura, nas palavras de Harrod, ‘to rescue us from this obliterating scepticism” (Harrod, 1951HARROD, R. (1951) The Life of John Maynard Keynes. London: MacMillan.: 665).
  • 9
    Keynes, entretanto, parece minimizar a importância destas (TPKEYNES, J.M. (1973a) A Treatise on Probability, In: Moggridge, D. E. (ed.) Collected Writings of John Maynard Keynes (CW/JMK), vol. VIII. London: Macmillan.: 35). Isto é, o desconhecimento da relação de probabilidade devido a limitações intelectuais peculiares a um indivíduo não desempenha papel predominante no TP.
  • 10
    Daí Keynes observar que por processos “muito incertos” ele não quer dizer a mesma coisa que “muito improváveis” e remeter o leitor ao capítulo VI do TP, sobre peso da evidência (TGKEYNES, J.M. (1973g) “The General Theory and After: a Supplement”. CWJMK, vol. XXIX.: 148). Esta é a única menção feita ao TP em toda a Teoria Geral. A distinção entre o que é provável e o que é incerto reaparece no seu conhecido artigo “The General Theory of Employment” (Keynes, 1973eKEYNES, J.M. (1973e) “Letter to J. Robinson”. CWJMK, vol. XIV, pp. 136-37.: 113-114), onde Keynes rediscute as ideias fundamentais na TG.
  • 11
    Importante dimensão da noção de espírito animal é sublinhada por Matthews (1984MATTHEWS, R.C.O. (1984) “Animal Spirits”: Mimeo. Cambridge.: 31): ao reduzir o peso que o indivíduo comum usualmente dá a erros cognitivos, o empresário pode estar agindo dentro de uma concepção mais ampla de racionalidade. Em outras palavras, o empresário que é excessivamente cuidadoso em evitar cometer erros, pode não ter a capacidade para tomar decisões no momento mais propício.
  • 12
    Estes são exemplos dados pelo próprio Keynes no seu célebre artigo de 1937 - “The General Theory of Employment” (Keynes, 1973bKEYNES, J.M. (1973b) The General Theory of Employment, Interest and Money, CWJMK, vol. VII.: 113-114).
  • 13
    Em grande parte devido ao choque associado à primeira guerra mundial, a bolsa de Nova York expandiu muito mais rapidamente seu volume de negócios que a bolsa de Londres antes da guerra e o fez sob a égide de subscritores desprovidos da experiência britânica na avaliação do mercado de títulos, particularmente do de títulos estrangeiros (Mintz, 1950MINTZ, I. (1950) Deterioralion in the Quality of Foreign Bonds Issued in the United States, 1920-1930. New York: National Bureau of Economic Research.). Isso está por trás da dramática repercussão internacional da crise de 1929 (Eichengreen & Portes, 1987EICHENGREEN, B. & PORTES, R. (1987) “The Anatomy of Financial Crises”. Institute of International Economic Studies, University of Stockholm. Reprinted Series n. 361.).
  • 14
    Na própria TO, Keynes adverte que não devemos concluir que tudo depende de ondas de psicologia irracional e que, ao contrário, o estado das expectativas de longo prazo é em geral estável (TO: 162).
  • 15
    O qual mudou sensivelmente desde então, devido à expansão do setor governo no pós-guerra e à presença de poderosos bancos centrais atuando como “emprestadores de última instância”. Para análise detalhada de mecanismos econômicos objetivos e das peculiaridades institucionais que explicam a amplitude da Grande Depressão, veja Kindleberger (1986KINDLEBERGER, C.P. (1986) The World in Depression, 1929-1939. Berkeley: University of California Press. 2nd edition.) e Eichengreen & Portes (1987EICHENGREEN, B. & PORTES, R. (1987) “The Anatomy of Financial Crises”. Institute of International Economic Studies, University of Stockholm. Reprinted Series n. 361.).
  • 16
    Pesaran (1988PESARAN, M.H. (1988) Limits to Rational Expectations. Oxford: Basil Blackwell.) constitui notável exceção.
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    O autor agradece a Eduardo Fonseca, Tony Lawson e Bob Rowthorn, por comentários a uma versão preliminar deste trabalho, e ao CNPq, pelo apoio financeiro, sem, contudo, imputar-lhes alguma responsabilidade pelo conteúdo do presente artigo.
  • JEL Classification: B3; B4.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 1992
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