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Pesquisando diante, com e como terreiro: reflexões metodológicas sobre possibilidades no fazer etnográfico em um terreiro de Umbanda

Researching with, facing and as a terreiro: methodological reflections on possibilities in ethnographic work in an Umbanda terreiro

Resumos

Resumo: Este trabalho é resultado de uma pesquisa etnográfica mais ampla, de cerca de 7 anos, com um terreiro de Umbanda Esotérica na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais. Dessa experiência diante, com e como terreiro, envolta por uma cosmologia tão múltipla e dada aos encontros cósmicos, proponho uma reflexão metodológica sobre o fazer etnográfico neste contexto. Assim, teço considerações sobre o tempo como agente ritual no terreiro e na escrita e sobre o processo iniciático religioso e de pesquisa que afetam uma neófita-pesquisadora, ou pesquisadora-cambona. Aprendendo com o terreiro como se aprende, o objetivo era a feitura de uma pesquisa-gira, que emerge no caminho do encontro entre pessoas, guias, mentores, enfim, um encontro com a própria ancestralidade.

Palavras-Chave:
umbanda; autoetnografia; reflexões metodológicas


Abstract: This paper is the result of an ethnographic research of about 7 years with an Esoteric Umbanda terreiro in the city of Belo Horizonte, Minas Gerais. From this experience in front of, with and as a terreiro, surrounded by such a multiple cosmology and given to cosmic encounters, I propose a methodological reflection on the ethnographic practice in this context. Thus, I make considerations about time as a ritual agent in the terreiro and in writing and about the religious initiation process and the research initiation process that affect a neophyte-researcher. Learning from the terreiro how to learn, the objective was to make a research as the religious ritual sessions of Umbanda called gira, which emerges from the encounters between people, guides, mentors, in short, an encounter with ancestry.

Keywords:
umbanda; autoethnography; methodological reflections


Tempo como agente ritual no terreiro e na escrita

Com base na experiência de campo e pesquisa, que se iniciou no ano de 2014, com o Templo Universalista e Espiritualista Solar - TUÉS, terreiro de Umbanda Esotérica parceiro deste trabalho, pude aprender que o tempo é um grande regente ritual tanto da escrita quanto das giras.1 1 Os ritos ou giras são cerimônias ritualísticas que envolvem, no caso da Umbanda, a louvação, a cura e o aconselhamento por meio de consultas espirituais prestadas por entidades incorporadas em seus médiuns. No caso do TUÉS, existiam dois tipos: ritos internos ou de convivência, voltados para o grupo interno do terreiro, a chamada corrente, e seu desenvolvimento mediúnico, e ritos públicos dirigido à comunidade externa. Essa vivência prolongada foi basilar para a feitura de minha monografia de graduação em Ciências Sociais (França 2018FRANÇA, Bianca Z. (2018), AUMBHANDHAN: uma etnografia sobre o feminino, o masculino e o universalismo em um terreiro de umbanda esotérica em Belo Horizonte. Belo Horizonte: Monografia de Graduação em Ciências Sociais, Universidade Federal de Minas Gerais.) e minha dissertação de mestrado em Antropologia (França 2021FRANÇA, Bianca Z. (2021), A umbanda é para todos, mas nem todos são para a umbanda: multiplicidade, pluralismo religioso e gênero em um terreiro de umbanda esotérica. Belo Horizonte: Dissertação de Mestrado em Antropologia Social, Universidade Federal de Minas Gerais.), cujo primeiro capítulo inspirou a escrita deste artigo.2 2 Este texto de forma integral originalmente foi publicado como um dos capítulos de minha dissertação de mestrado e aqui está apresentado com algumas alterações. O tempo, como agente povoado, faz com que cada intervalo de 3 horas do dia possua a regência de uma força, de um orixá, de uma entidade. Caboclos/caboclas, pretos velhos/pretas velhas, pomba-giras/exus, erês, são coetâneos a nós, nos termos de Fabian (2013FABIAN, Johannes. (2013), O Tempo e o Outro: como a antropologia estabelece seu objeto. Petrópolis: Vozes.), têm a habilidade de dobrar o tempo sobre si, causando efeitos, fissuras e aberturas no mundo, provocando o encontro do passado, do presente e do futuro. Saber compor com essas forças é compreender que a passagem do tempo transforma, fortalece e evidencia encontros com forças e agencias não humanas, aproximando a pessoa da sua rede espiritual (Damasceno 2017DAMASCENO, Luisa Mesquita. (2017), Linhas, tramas e caminhos: seguindo os movimentos de um candomblé do Recôncavo da Bahia. Cachoeira: Dissertação de Mestrado em antropologia, PPGCS, Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.). Assim, a pessoa é conduzida, ensinada e relembrada de compromissos firmados e caminhos a serem percorridos.

Um diálogo entre Luís Gustavo, o sacerdote do terreiro, e sua irmã A., que também é a mãe-pequena 3 3 Pai-pequeno ou mãe pequenas são posições ocupadas no terreiro de Umbanda e Candomblé por aqueles que são imediatos aos líderes na hierarquia espiritual das casas. Dividem a responsabilidade dos ritos e trabalhos com o pai ou mãe de santo, podendo eventualmente substituir o sacerdote ou a sacerdotisa em suas funções. da casa, fez com que essa centralidade ritual do tempo e a qualidade do terreiro como um lugar de dobras temporais e epistêmicas emergisse para mim. Em um rito interno no ano de 2020, A. disse ao irmão que trouxera pilhas para o relógio do terreiro que usualmente marcava uma hora diferente do horário oficial do Estado. Como resposta, em tom brincalhão, Luís Gustavo disse “na hora certa”, e A. emendou: “é porque aqui não existe tempo”.

Essa cadência temporal da magia também encontra reverberações no processo da escrita acadêmica. Como dito pelas matriarcas do terreiro pesquisado por Cossard-Binon (1970BINON-COSSARD, Giselle. (1970), Contribution à l’étude des Candomblés au Brésil: le Candomblé Angola. 1970. Paris: Tese de Doutorado, Faculté de Lettres et Sciences Humaines, Université de Paris.) em sua tese sobre o Candomblé Angola de Joãozinho da Gomeia, o tempo não gosta do que se faz sem ele. É esse agente ritual quem costura relações, afetos, confiança, precipita a aprendizagem e as palavras. Escrever é, como nos adverte Geertz (2000GEERTZ, Clifford. (2000), The interpretation of cultures: selected essays by Clifford Geertz. New York: Basic Books.), essa ordem inversa das coisas - primeiro você escreve e depois descobre sobre o que está escrevendo, deixando de lado qualquer prentensão à alta ciência e à técnica superior, ou seja, não começamos com ideias bem formadas. Silva (2006SILVA, Vagner Gonçalves da. (2006), O antropólogo e sua magia: trabalho de campo e texto etnográfico nas pesquisas antropológicas sobre religiões afro-brasileiras. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo.:9) faz um parelelo entre a construção de uma etnografia e o processo iniciático ao descrever os ritos da cabula, modalidade de culto afro-brasileiro registrada em fins do século XIX, destinados aos neófitosno, no qual “o adepto deveria entrar no mato com uma vela apagada e voltar com ela acesa, sem ter levado meios para acendê-la, e trazer, ainda, o nome do seu protetor”. Assim, o lugar da pesquisadora, como nos disse Bastide (2001BASTIDE, Roger. (2001), O Candomblé da Bahia: rito nagô. Tradução de Maria Isaura Pereira de Queiroz; revisão técnica Reginaldo Prandi. São Paulo: Companhia das Letras.:25), guarda semelhanças com o da iniciada, o que significa dizer que, em ambos os casos, só se entra pouco a pouco (Barbosa Neto 2012BARBOSA NETO, Edgar Rodrigues. (2012b), A Máquina do Mundo: variações sobre o Politeísmo em coletivos afro-brasileiros. Rio de Janeiro: Tese de Doutorado em Antropologia Social, Museu Nacional - UFRJ.b:19).

Existem temas que são povoados (uns mais que outros): somos introduzidas e introduzidos em uma atmosfera que reverbera a carga de cada assunto e ativa as agências que os habitam, portanto, nunca é exatamente uma escrita desacompanhada. Há a instauração de sensações físicas, um arrepio ao lermos e escrevermos um texto sobre a Umbanda, suas entidades e os seres que a habitam. Nesse sentido, Barbosa Neto (2012BARBOSA NETO, Edgar Rodrigues. (2012b), A Máquina do Mundo: variações sobre o Politeísmo em coletivos afro-brasileiros. Rio de Janeiro: Tese de Doutorado em Antropologia Social, Museu Nacional - UFRJ.b:21) afirma que fazer é sempre um “fazer fazer” diante de uma escrita que é afetada pelo campo e diante da indagação de Pai Luis ao dizer: “Tu achas que estás escrevendo sozinho esta tese?”

Via-me diante de inúmeras páginas de registro de campo, em um caderno que me lembra um grimório 4 4 Cadernos de registro pessoal de cada magista sobre conhecimentos e procedimentos rituais, significados de símbolos esotéricos e propriedade de certos materiais e instrumentos, cristais, plantas, ervas e fases da lua. e que, de fato, também o era, feitas ao longo de sete anos de pesquisa com o Templo. Além do caderno de campo, outras formas de registro também foram utilizadas, como entrevistas semiestruturadas e a gravação, com a autorização da comunidade e o do sacerdote da casa, de algumas prédicas (palestras que precedem os rituais). Além disso, muitas conversas informais, cotidianas, diálogos espontâneos entre a fila do banheiro para a troca de uniformes, arrumação da cantina e nos dias de limpeza do terreiro contribuíram para a feitura deste trabalho. “O ritual é um elemento (o mais espetacular, mas não o único)” (Fravet-Saada 2005:161).

Caputo (2012CAPUTO, Stela Guedes. (2012), Educação nos terreiros e como a escola se relaciona com crianças de candomblé. Rio de Janeiro: Pallas.:24) nos chama atenção para a empreitada de valorizar o processo da pesquisa e não o apagar em detrimento do resultado acabado, “como se ele sempre fizesse parte de uma questão teórica arrumada em nossas cabeças”. Considerando isso, é difícil precisar quando exatamente a pesquisa começou e reconheci, como Caputo (2012), que existe um período em que se é antes de ser ou onde, para citar um dos princípios de Bastide (2001BASTIDE, Roger. (2001), O Candomblé da Bahia: rito nagô. Tradução de Maria Isaura Pereira de Queiroz; revisão técnica Reginaldo Prandi. São Paulo: Companhia das Letras.), percebi minha participação com a Umbanda. Assim, “nunca se sabe quando nem o que é capaz de abrir em nós algumas portas trancas” (Caputo 2012:140).

Minha família paterna possui ligação com a Umbanda desde a década de 1950 com a fundação do terreiro familiar Centro Espírita de Umbanda Nhá Chica e Pai Jacob de Embaé por minha tia bisavó, a tia Elza. Durante a infância, frequentava algumas sessões no Centro junto ao meu pai, que depois de algum tempo se afastou da religião, fazendo visitas mais esporádicas à casa. Entretanto, tudo que eu via ali impressionava meus sentidos e me provocava emoções diversas: os cheiros, os sons dos atabaques, as incorporações e as grandes imagens de Jesus e Yemanjá, que ficavam nos altares da casa. Mesmo com o nosso afastamento, questionava meu pai sobre a história da Umbanda e do Centro da família, sobre como funcionavam as incorporações, porque as pessoas se movimentavam daquela forma e seus olhos ficavam totalmente brancos e quem eram os guias e os Orixás. Como resposta, meu pai me contava relatos sobre fenômenos místicos provocados pelas entidades de Tia Elza, como quando Nhá Chica,5 5 Francisca de Paula de Jesus, a Nhá Chica, nasceu em São João Del Rei (MG) por volta de 1810. A filha de ex-escravizada, em Baependi, passou a ser conhecida como “Mãe dos Pobres” e são a ela atribuídos consideráveis milagres. O Papa Bento XVI, em 2012, assinou o Decreto de Beatificação de Nhá Chica (Silva 2013). O Centro tem a beata, juntamente com Pai Jacob de Embaé e José da Silva, como patrona. sua mentora, descia no terreiro e deixava tudo com um incrível cheiro de rosas. As entidades e guias, tanto para a comunidade do TUÉS quanto para a do Centro da minha família, podem ser aqueles espíritos e ancestrais de grande valor e experiência que já viverem uma vida terrena ou seres originários de outros mundos que, por benevolência, incorporam em seus médiuns para aconselhar, guiar e auxiliar a humanidade no caminho espiritual.

Em 2014, conheci Luís Gustavo, chefe espiritual do TUÉS, em um churrasco familiar ao qual havia sido convidada. Acompanhando o clima de descontração do ambiente, fui apresentada a ele, que dirigia a churrasqueira animadamente. Suas primeiras palavras foram sobre a qualidade da minha energia e, em um outro momento da festa, Gustavo disse para sua mãe, Dona Graça, que era mãe-pequena do Templo naquela época: “ela vai lá no terreiro na terça” (se referindo a mim). Eu, meio sem ter muita certeza ainda, ri e consenti com a cabeça. Quando estava indo embora do local, o sacerdote, que também é quiromante - alguém que entende as mãos e seus sinais como uma forma de oráculo leu as minhas mãos e fez afirmações sobre minha vida pretérita, meu presente e meu futuro, identificando, ali, nas linhas das minhas palmas, o que eu conceituo neste trabalho como linhas de força biográficas,6 6 Nessa rede de linhas e biografias, o terreiro está em participação com tudo que está fora e, ao mesmo tempo, dentro dele. É o movimento no qual as pessoas, entidades e outros não humanos estão inseridos, pensando as histórias de vida, não como uma trajetória linear já dada e datada, mas como uma linha de força biográfica que conflui com os caminhos dos guias e do TUÉS, em algum ponto mais ou menos permanente/intenso, compondo fluxos que se atravessam. É comum encontrar a expressão polissêmica linha nos terreiros de matriz afro e afro-indígena e em pesquisas antropológicas sobre esses contextos. Essa ideia nos permite pensar sobre encontros, coexistências e entrecruzamentos. que compunham meu caminho e que, de alguma forma, se encontraram com as do TUÉS, com as dos meus irmão-de-santê, guias e entidades.

Nos dias que se seguiram aquela intrigante interação, fiquei hesitante sobre comparecer ao rito para o qual havia sido convidada, mas assim o fiz. Em uma terça-feira de rito público de exu do ano de 2014, meu pai e eu estávamos lá, olhando atentos para tudo o que acontecia. O local não apresentava nada que o identificasse externamente como um terreiro e aparentemente era uma garagem com um grande portão branco. Próximo à entrada externa, se formava uma longa fila, na qual um médium vestido de branco ia distribuindo as senhas para os atendimentos com as entidades. Aqueles que estavam indo à casa pela primeira vez, como era o meu caso e o de meu pai, recebiam fichas amarelas, o que indicava que seríamos atendidos pelo guia chefe da sessão, o Sr. Exu Corcunda. Isso ocorria para que houvesse uma espécie de triagem ou um primeiro combate em relação às forças que acompanhavam os consulentes e poderiam ser maléficas de alguma forma ao terreiro. Entretanto, aquelas pessoas que já haviam ido ao menos uma vez nas giras recebiam uma ficha numerada azul.

Por volta das 20 h, entramos em um pequeno corredor, que findava na casa de força dos exus ou tronqueira. Essa é um ponto de força ou assentamento dos exus e pombagiras, que, em geral, se localiza na parte mais externa dos terreiros e se destina à proteção, funcionando como fio terra para as energias que circulam nas casas. A tronqueira do TUÉS tinha uma vela de sete dias branca e um pequeno jarro de barro com marafo (cachaça) em cima de um mapa com os pontos cardeais sustentados por uma estrutura de madeira e vidro. Atrás dessa estrutura, existia um grande cristal conectado a um fio que descia até encostar no chão e fixado na parede, em um quadrado de madeira, estava um ponto riscado direcionador da energia que se dirigia para aquele local. O ponto riscado, mais do que identificar a entidade que o traça, também indicaria as ordens e as linhas às quais ela está filiada (Oliveira 2017OLIVEIRA, José Henrique Motta de. (2017), A escrita do sagrado na literatura umbandista: uma análise da obra de Matta e Silva em perspectiva comparada. Rio de Janeiro: Tese de Doutorado, Universidade Federal do Rio de Janeiro.:168). São formados por uma combinação de “flechas sinuosa” (erês), “flechas curvas” (caboclos), “flechas retas” (preto velho), além de um segundo sinal chamado de chave, que, ao total, são sete - uma para cada linha. Essas iconografias também podem apresentar outros ideogramas para evidenciar o grau hierárquico de uma entidade espiritual, a chama raiz, que somam 21 - três para cada uma das sete linhas (Oliveira 2017:169). Entretanto, o seu domínio é algo restrito para as iniciadas e os iniciados do TUÉS.

As pessoas que passavam pelo corredor de entrada saudavam a tronqueira antes de entrar em um pequeno salão com cadeiras de plástico distribuídas cuidadosamente para deixar livre o caminho do meio entre o congá 7 7 Altar. e a casa de exu. Isso porque, como foi me explicado posteriormente, toda a energia que circula pelo terreiro seria liberada ali, na casa de força. Entretanto, até então essas eram questões que eu ainda não tinha conhecimento.

Assim, meu pai e eu nos sentamos e aguardamos o início da gira. À nossa frente, havia um altar de mármore branco diante de uma parede pintada de azul - cor que evidencia o predicado do patrono do TUÉS, Caboclo Pena Azul, como um guia ligado à Oxóssi, além de ser considerada a cor da espiritualidade. Sobre o altar, estavam duas grandes conchas, taças com água, cristais, flores, uma cruz de madeira com inscrições e um castiçal com uma vela palito branca já um pouco derretida. Na parede azul, estava fixada uma estrela também azul de 7 pontas com um S e um T brancos e sobrepostos escritos nela, o que, cerca de 1 ano depois, o iniciado Otávio me explicou que remetia a palavra astché, sendo a forma como os umbandistas esotéricos se referiam ao temo axé, o aproximando, em suas explicações, à noção de arkhé grega, que para Sodré (1988SODRÉ, Muniz. (1988), O terreiro e a cidade, a forma social negro-brasileira. Petrópolis: Vozes .) significa princípio, ou seja:

Eterno impulso inaugural da força de continuidade do grupo. A Arkhé está no passado e no futuro, é tanto origem como destino, e por isso Heráclito de Eféso sustenta num fragmento que “Arkhé é Eskaton”. Pode-se acrescentar: Arkhé é esperança, não como utopia, mas como terreno onde se planta axé da mudança. (Sodré 1988SODRÉ, Muniz. (1988), O terreiro e a cidade, a forma social negro-brasileira. Petrópolis: Vozes .:153-154)

Na etnografia, o axé é comumente relacionado às noções árabe de baraka, polinésia e melanésia de mana, iroquesa de orenda e o manitu dos algonquinos (Bastide 2001BASTIDE, Roger. (2001), O Candomblé da Bahia: rito nagô. Tradução de Maria Isaura Pereira de Queiroz; revisão técnica Reginaldo Prandi. São Paulo: Companhia das Letras.; Maupoil 1943MAUPOIL Bernard. (1943), La Géomancie à l’ancienne Côte des esclaves. Paris: Muséum national d’Histoire naturelle. ). Dessa forma, ele e suas modulações constituem tudo o que existe e pode existir no universo em um processo simultâneo de concretização, diversificação e individualização (Goldman 2005GOLDMAN, Marcio. (2005), “Formas do saber e modos do ser observações sobre multiplicidade e ontologia no candomblé”. Religião & Sociedade, nº 2: 102-120.:8).

Naquela noite de terça-feira de 2014, com as entidades já em terra, os atendimentos começaram. Ao chamarem o número da minha senha, por ser a primeira vez que ia ao terreiro, fui direcionada a conversar com o Sr. Corcunda, exu chefe do Templo. O coração acelerado, as mãos suadas e os ouvidos atentos para a conversa que se seguiria. Como se dobrasse o tempo, a entidade me falou de fatos passados, fatos futuros e afirmou que a minha origem era tão longínqua quanto a dele, reforçando em minha cabeça o provérbio que diz que exu matou um pássaro ontem com a pedra que só jogou hoje. Naquele momento, ainda não havia decidido pesquisar com aquelas pessoas, então, acredito que a vivência despretensiosa faça com que a memória falhe em relação ao desfecho daquele dia. Nesse sentido, citando Fravet-Saada (2005:160): “as operações de conhecimento acham-se estendidas no tempo e separadas umas das outras: no momento em que somos mais afetados, não podemos narrar a experiência; no momento em que a narramos não podemos compreendê-la. O tempo da análise virá mais tarde.”

Meu pai e eu continuamos frequentando os ritos seguintes até que retornamos ao TUÉS depois de infelizes infortúnios no segundo semestre de 2014. No rito posterior aos acontecimentos, o exu mandou me chamar e disse que eu estava pálida do susto que havia sofrido. Me receitou algumas homeopatias8 8 Terapia complementar criada por Samuel Hahnemann (1775-1843), que considerava as doenças como reflexo do desequilíbrio vital e espiritual de uma pessoa, partindo da superfície para o interior do organismo (Chiesa 2014). O medicamento é diluído ao máximo, considerando em sua fórmula substâncias que produzem sintomas semelhantes ao da doença que se quer tratar. No TUÉS, a homeopatia e a fitoterapia eram formas de utilizar a potência máxima das plantas, uma vez que, para esses umbandistas, as ervas — que eram classificadas em lunares (energia feminina) e solares (energia masculina) — deveriam ser colhidas em estações do ano, turnos do dia e horários específicos. Não são todas as entidades que receitavam a homeopatia, mas apenas aquelas cujos/cujas médiuns possuem essa formação terapêutica. e disse que aquilo havia sido permitido acontecer para que meu pai retornasse para a Umbanda. Acrescentou que eles eram amigos de longa data, e ele o queria em sua corrente, estendendo o convite também a mim. E de fato, meu pai e eu, pouco tempo depois, nos integramos a corrente mediúnica e voltamos a frequentar com maior assiduidade o terreiro da família.

A dupla iniciação: esoterismo antropológico e a antropologia esotérica

No mesmo período em que passei a fazer parte da corrente mediúnica do terreiro, ingressei no curso de Ciências Sociais e em seu Programa de Educação Tutorial, o qual considero a minha iniciação na antropologia. Para a feitura do trabalho final de graduação, o TUÉS também foi o local escolhido para a pesquisa, sendo uma oportunidade de reativar interesses que já eram latentes em mim e reencontrar uma ancestralidade familiar.

A minha participação na Umbanda não foi motivada por entendê-la como um recurso de aproximação com a comunidade ou como justificativa de um princípio metodológico legitimador da observação participante nem para conhecê-la “desde dentro” como fizeram muitos antropólogos/antropólogas estudiosos/estudiosas das religiões afro-indígenas: Nina Rodrigues, Manuel Querino, Artur Ramos, Hosannah de Oliveira, Pierre Verger, Roger Bastide, Ismael Giroto, Juana Elbein Santos e outros/outras (Silva 2006SILVA, Vagner Gonçalves da. (2006), O antropólogo e sua magia: trabalho de campo e texto etnográfico nas pesquisas antropológicas sobre religiões afro-brasileiras. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo.). Ainda assim, há certa analogia com o que Juana Elbein (Santos 1982:13) chamou de antropologia iniciática, que a autora conceituou da seguinte maneira

Em outras palavras, apreender os elementos e os valores “desde dentro”, numa convivência iniciática no seio das comunidades e ao mesmo tempo poder abstrair dessa realidade empírica as relações de conjunto, seus significados simbólicos, numa abstração consciente “desde fora”, permitiria uma visão integradora, uma proposta epistemológica que, por mais heurística que possa ser, admite um “outro”, um sujeito, uma gestalt básica, um alter coerente e “inteiro”.

Entretanto, contrapor um “desde dentro” com um “fora” não é algo que seja pertinente aqui. Não é sobre acesso privilegiado a informações, mas à própria experiência. Veras (2015VERAS, Hermes de Sousa. (2015), O sacerdote e o aprendiz: etnografia, experiência e ritual em um terreiro de Mina Nagô na Amazônia. Belém: Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Antropologia, Universidade Federal do Pará.:26) nos lembra que “a pesquisa não ocupa um lugar externo à lógica da troca que constitui a vida ritual. Uma simples conversa sobre religião já é o suficiente para mobilizar um pouco de axé”. Somando a isso, pensando junto com a Professora Magda dos Santos Ribeiro,9 9 Professora Adjunta do Departamento de Antropologia e Arqueologia e do Programa de Pós-graduação em Antropologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pesquisadora associada ao Lacs - Laboratório de Antropologia das Controvérsias Sociotécnicas. durante uma disciplina lecionada por ela na UFMG, assumo que esta empreitada não se trata de autoantropologia, para acionar um conceito de Strathern (2014STRATHERN, Marilyn. (2014), “Os limites da autoantropologia”. In: M. Strathern. O efeito etnográfico e outros ensaios. São Paulo : Cosac Naify.), ou antropologia em casa em seus termos superficiais. Ou seja, autoantropologia não diz respeito a um contexto de pesquisa familiar a mim, mas talvez à própria antropologia. Nesse sentido, pesquisar com indígenas, por exemplo, seria uma forma de antropologia at home e estudar o parentesco americano não. Dessa maneira, ainda que estejamos estudando algo que não tenha relação direta conosco, estamos falando de nós mesmos, estando sempre implicados na relação. Imaginar o contrário seria ficção antropológica que cinde o outro e o eu. Dizer sobre autoantropologia pressupõe a ideia de que esta seria de alguma forma mais implicada do que qualquer Antropologia.

Para Carvalho (1992CARVALHO, José Jorge. (1992), “Antropologia: Saber acadêmico e experiência iniciática”. Série Antropologia, nº 227.), a iniciação a qual a Antropologia se propõe vai muito além do mestrado ou doutorado e se realiza no trabalho de campo por meio do encontro etnográfico e com a admissão do contato entre pesquisador/pesquisadora com o plano metafísico composto por uma forte carga emocional. O autor sugere que a teosofia da russa Helena Petrova Blavatsky (1831-1891), expoente máximo do esoterismo moderno e, que, segundo Cordovil e Castro (2018CORDOVIL, Daniela; CASTRO, Luis Paulo dos S. de. (2018), “Espíritos de Índios na Umbanda Esotérica: uma complexa teia de representações”. PLURA - Revista de Estudos de Religião, vol. 9, nº 1: 167-187.), também foi uma importante influência para a Umbanda Esotérica, levou a cabo um empreendimento de interesse antropológico. W. W. da Matta e Silva, precursor dessa linha da Umbanda e importante nome nas práticas do TUÉS, se valeu de preceitos esotérico-teosóficos para fundamentar sua teoria umbandista do universalismo que une religiosidades orientais - como o Hinduísmo, Taoísmo, Budismo - Cabala, Cristianismo, Ocultismo, Ifá, astrologia, oráculos - como tarô, quirologia e oponifá, sociedades antiquíssimas como a Atlântida e Lemúria e os conceitos de Bavatsky. Não por acaso, o título do livro de Pai Matta, Doutrina Secreta da Umbanda (1967), faz alusão à obra do século XIX, A Doutrina Secreta da autora russa (Cordovil & Casttro 2018).

Blavatsky se tornou uma buscadora cosmopolita por lidar com temas que posteriormente se tornaram caros à Antropologia (xamanismo, vodu, magia...) em diversas partes do mundo como Rússia, Estados Unidos, México, Índia, China, Tibet, Ceilão, Egito, Grécia, Itália... Suas expedições apresentam, de acordo com Carvalho (1992CARVALHO, José Jorge. (1992), “Antropologia: Saber acadêmico e experiência iniciática”. Série Antropologia, nº 227.), uma dimensão exterior e interior, considerando esta última algo que poderia ser uma contribuição ao exercício antropológico. As viagens exteriores seriam um feito extraordinário por considerar que sozinha, em 1850 e 1870, deu a volta ao mundo três vezes “quando viajar era um esforço descomunal, implicando transportar-se penosamente em navios, botes, trens, diligências, cavalos, além de longuíssimas caminhadas a pé” (Carvalho 1992:97). Já a viagem em sua dimensão interna diz respeito a poderes paranormais e reflexões acerca da religião, ciência e experiências espirituais, o que levou diversos autores a debaterem se Blavatsky realmente tinha os muitos mestres extraterrenos que lhe passaram profundos conhecimentos. Para a Antropologia, isso representaria uma consideração da experiência com a dimensão esotérica do mundo e de como os anos de trabalho de campo nos transformam e nos afetam. O racionalismo teria seus limites, principalmente no que tange a experiência religiosa, não sendo capaz de registrar e analisar todas as dimensões implicadas no estudo da vida humana. Em ressonância com esse entendimento, Brito (2018BRITO, Lucas Gonçalves. (2018), “Notas iniciatórias sobre experiência etnográfica e conhecimento vivido na areia de um terreiro”. Ponto Urbe, nº 23: 1-8.:5) e Turner (1975TURNER, Victor. (1975), “Symbolic Studies”. Annual Review of Anthropology. Vol. 4: 145- 161.) apontam para a experiência como um processo que transversaliza pensamento, sentimento, ação, reflexão, ou seja, “o conhecimento que se aprende pela experiência é um aprendizado da pessoa inteira. Não é somente aprendizado da cabeça, mas também do coração” (Brito 2018:5).

Como toda disciplina acadêmica, a Antropologia deve ser uma atividade racional. Contudo, se se limitar ao paradigma racionalista, terminará por negar sua própria promessa de escutar dignamente os chamados nativos (Carvalho 2006CARVALHO, José Jorge. (2006), “Uma visão antropológica do esoterismo e uma visão esotérica da antropologia”. Série Antropologia , nº 406. :3). Assim, Carvalho (2006) explora as complexas relações existentes entre o esoterismo “entendido como um conjunto de movimentos de espiritualidade conectados com as chamadas religiões antigas e com o cristianismo e unificados pela presença de um protocolo de iniciação” (Carvalho 2006:2) e a Antropologia “entendida como uma disciplina acadêmica dedicada ao estudo detalhado e comparativo dos saberes (incluindo os religiosos e arcanos) de todas as sociedades humanas” (Carvalho 2006:2).

O autor coloca essas duas visões de mundo ou correntes de pensamento, o esoterismo e a Antropologia, como herdeiras da modernidade e ao mesmo tempo críticas da mesma, nomeando-as como contradiscursos dessa. Nesse contexto de modernidade, a Antropologia teria certa dificuldade em se encaixar, uma vez que desde seu início se propôs a integrar e não separar o conhecimento, assim como o esoterismo. Nesse sentido, o próprio Tylor (ainda que um evolucionista), um dos precursores da disciplina, definiu a mesma como “aquele todo complexo de arte, ciência, religião...” (Carvalho 2006CARVALHO, José Jorge. (2006), “Uma visão antropológica do esoterismo e uma visão esotérica da antropologia”. Série Antropologia , nº 406. :14), que é um slogan bastante próximo ao que é defino no TUÉS como Umbanda ou Aumbandan ou conhecimento integral/iniciático.

Essa ideia do Aumbandan também foi algo encontrado por Brito (2017BRITO, Lucas Gonçalves. (2017), O véu do congá de Pai Joaquim: cosmovisão, ritual e experiência ou sobre três aspectos do conhecimento umbandista. Goiânia: Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Universidade Federal de Goiás.; 2018) no Centro Espiritualista de Umbanda Pai Joaquim de Angola - CEUPJA - Centro de Umbanda goianiense parceiro de sua pesquisa de mestrado, mesmo este não sendo um terreiro que se autodenomina como de Umbanda Esotérica. Foi esta ideia de conhecimento integral que levou o autor (Brito 2018:3) a encarar o saber umbandista nos termos de epistemologia umbandista.

Parece-me que tomar Umbanda enquanto conhecimento - ou pensar o conhecimento umbandista engendrado pelas múltiplas umbandas - implica considerá-la(s) dentro de um quadro epistemológico híbrido, ou, se se quiser, como uma epistemologia “híbrida”, no sentido latouriano do termo. A um só tempo, o conhecimento umbandista consegue articular Física, Filosofia, Biologia e História a elementos eminentemente espiritualistas, tais como símbolos, ritos, preces e movimentação de energias. Ao integrar conteúdos aparentemente dispersos, o conhecimento umbandista colide a racionalidade moderna e fragmentadora e se dirige para uma integração analógica e sintética entre linguagens distintas sobre os seres e as coisas do mundo.

Os esotéricos se apoiariam na tradição como um canal de difusão do conhecimento, tido como ciência sagrada, integrado às outras esferas da cognocência. A tradição transmitiria um saber arcano, secreto relativo à verdade humana que atravessa o tempo, pessoas e diferentes sociedades. Essa é, para Carvalho (2006CARVALHO, José Jorge. (2006), “Uma visão antropológica do esoterismo e uma visão esotérica da antropologia”. Série Antropologia , nº 406. ), em última instância, uma tradição oral e que faz parte de uma hierarquia sagrada que relativiza as posições na ordem cósmica. Ou seja, “conectar-se com a tradição é atravessar o véu da ilusão individualista, particularmente hipertrofiada na sociedade ocidental contemporânea secular e materialista” (Carvalho 2006:15). Com esse raciocínio, o autor anuncia as tradições iniciáticas afro-brasileiras como uma linha de estudo que pode ampliar a dimensão iniciática da Antropologia Latino-americana. Sobre isso, Carvalho (2006:3) registrou que:

A esmagadora maioria dos nativos (e muito particularmente os mestres e mestras das milhares de comunidades tradicionais e grupos étnicos do mundo) alerta-nos constantemente para uma forma de viver e saber em que há lugar, não apenas para a razão, mas também para a intuição, para a inteligência dos afetos e a sabedoria dos sentimentos; para os sonhos, as visões, os estados expandidos de consciência; para a ativação e experimentação do que denominamos de fenômenos de para normalidade; e sobretudo, para as correspondências entre os diferentes níveis de percepção e as diferentes dimensões do que definimos por realidade. Essa abertura para a expansão da consciência e para as correspondências significativas, juntamente com o aprendizado de sua leitura e interpretação, conforma a própria dimensão do que é esotérico na experiência humana.

Para a Umbanda, cumprindo a promessa esotérica do universalismo também inspirado nas ideias de Blavatsky, o conhecimento integrado, que une religião, ciência, filosofia, arte, e não é nenhum desses de forma separada, se chama Aumbandan - como dito anteriormente, abarcando não apenas a Umbanda, mas também toda a variedade doutrinária existente sobre esse leque. No TUÉS, essa ideia ganha um sentido afro-universalista e expressa um predicado implicado no “pluralismo religioso” (Serra 1995SERRA, Ordep J. Trindade. (1995), Águas do rei. Petrópolis: Vozes .) e no “politeísmo intensivo” próprio das religiões de matriz afro-indígena. Entretanto, isso não significa dizer que convém a aliança entre tudo que existe no mundo - o que seria bastante perigoso e pautado pelo limite do fundamento de terreiro. Como me alertou Luís Gustavo “o universalismo é a soma das diferenças e não a fusão de várias crenças”. Ou seja, o movimento não é de desterritorialização, mas diz respeito a capacidade de fazer conexões, mesmo que parciais e na diferença. É o que Santos (2015SANTOS, Antônio Bispo. (2015), Colonização, Quilombos: modos e significações. Brasília: CNPq/INCT.) aponta como confluência, ao defini-la como:

A lei que rege a relação de convivência entre os elementos da natureza e nos ensina que nem tudo que se ajunta se mistura, ou seja, nada é igual. Por assim ser, a confluência rege também os processos de mobilização provenientes do pensamento pluralista dos povos politeístas. (Santos 2015SANTOS, Antônio Bispo. (2015), Colonização, Quilombos: modos e significações. Brasília: CNPq/INCT.:89)

Seguindo essa proposta de integração de saberes e um estilo promotor de encontros na diferença, colocando em contato a dimensão esotérica do mundo e a pesquisa, neste trabalho, a teoria e a prática não são apartadas uma da outra. Foram as vivências iniciais no TUÉS e o engajamento pessoal com a Umbanda que me permitiram a possibilidade de deixar o campo “falar” e mostrar suas próprias questões, sendo uma experiência decisiva para a elaboração da pesquisa (Evans-Pritchard 1978EVANS-PRITCHARD, E. E. (1978), Bruxaria, oráculos e magia entre os Azande. Rio de Janeiro: Zahar.). Diferente da ideia que imagina cada grupo buscando uma solução específica para problemas genéricos e universais, aqui a intenção era compreender que os problemas colocados por essa comunidade são radicalmente diversos e que de antemão eu não os conhecia (Viveiros de Castro 2002).

O que a Antropologia, nesse caso, põe em relação são problemas diferentes, não um problema único (“natural”) e suas diferentes soluções (“culturais”). A “arte da Antropologia” (Gell 1999GELL, Alfred. (1999), The Art of Anthropology: Essays and Diagrams. London: Athlone.), penso eu, é a arte de determinar os problemas postos por cada cultura, não a de achar soluções para os problemas postos pela nossa. E é exatamente por isso que o postulado da continuidade dos procedimentos é um imperativo epistemológico (Viveiros de Castro 2002:117).

As hipóteses foram posteriores e funcionaram como um fio de contas - colares litúrgicos - para nos valer da metáfora apresentada por Caputo (2012CAPUTO, Stela Guedes. (2012), Educação nos terreiros e como a escola se relaciona com crianças de candomblé. Rio de Janeiro: Pallas.). “As observações práticas (empíricas) e o conjunto teórico que costuramos para pensar produzem o fio político que conduzirá nossa pesquisa. A hipótese é o que nos identifica e diz a que lugar pertencemos e por onde seguiremos” (Caputo 2012:31). Da mesma forma, as contas identificam de forma pessoal aquele ou aquela que a usa, dizendo, através das cores e tipos, para que orixá a pessoa se vestiu (Caputo 2012). Lody (2001LODY, Raul. (2001), Jóias de axé. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.) diz que o termo “contasse refere aquilo que se forma pelo enfiamento e essas podem ser acrescidas, modificadas, considerando sempre o código cromático e simbólico, além de serem sacralizadas e preparadas ritualmente. A hipótese como um colar invisível também identifica a autora e está sujeita a modificações, não sendo, provavelmente, a mesma conta que usamos ao concluir a pesquisa. É o que a autora chama de fio-hipótese-conta (Caputo 2012).

A pesquisadora-cambona e metodologia de abertura

Etnografar em um contexto religioso também envolve uma série de dilemas éticos e de dificuldades de articular a experiência vivida traduzida ou mediada, nos termos de Latour (2005LATOUR, Bruno. (2005), Reassembling the Social: Na Introduction to Actor-Network Theory. Oxford: Oxford University Press.), para o texto, por meio dos sentidos do olfato, visão, paladar, audição, além de outros dois, ligados às glândulas cerebrais pineal e pituitária, que são, para a comunidade do TUÉS, as glândulas da mediunidade, significando que experimentamos a vida por meio de 7 sentidos. Os etnógrafos e as etnógrafas dessas religiões, como eu, devem estar, portanto, atentos/atentas à dimensão do segredo que permeiam os rituais, as entrevistas, conversas informais, fotografias, filmagens (Silva 2006SILVA, Vagner Gonçalves da. (2006), O antropólogo e sua magia: trabalho de campo e texto etnográfico nas pesquisas antropológicas sobre religiões afro-brasileiras. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo.). Tudo isso não é “apenas uma documentação primária útil para a construção da interpretação da religião; a natureza desses registros ou a forma como as pessoas da religião se posicionam diante deles e de sua divulgação fazem parte da própria” pesquisa (Silva 2006:134). Muitas vezes, equivocadamente esse segredo é tratado como algo que não existe de fato em seu conteúdo, como se fosse algum tipo de estratégia e controle utilitário em relação ao acesso legítimo a religião e, no limite, os “nativos” e as “nativas” não são levados a sério. No TUÉS, o conhecimento não tem caráter de acesso irrestrito, sendo classificado como conhecimento exotérico, com “x” - aquele que é público e acadêmico, e o conhecimento, esotérico, com “s” - aquele que é integral, iniciático e oculto/velado.

Desse modo, alguns acontecimentos do campo me atentaram para essa questão: em 2015, durante o ritual de aceitação do terreiro (análogo ao batismo), ao qual fiz parte como neófita, fomos convidados e convidadas a fazer um juramento para mantermos a boa conduta mediúnica e zelarmos pelos segredos que o tempo nos revelaria, podendo ter sanções espirituais para aquele/aquela que descumprisse essa regra e divulgasse alguma informação para não iniciados ou não aceitos. Assim, as entidades que assistem o/a médium poderiam abandoná-lo/abandoná-la, por exemplo, e todas as proteções que foram concedidas a ele/ela poderiam ser retiradas.

Assim, o meu esforço também é o de produzir um diálogo com o grupo e diante do grupo e não apenas sobre o grupo, sem com isso transformar pessoas de “carne e osso”, como eu, com as quais convivo e mantenho amizade e confiança, em “personagens genéricos”, “indivíduos representantes do seu grupo” ou alguém “sem rosto” (Silva 2006SILVA, Vagner Gonçalves da. (2006), O antropólogo e sua magia: trabalho de campo e texto etnográfico nas pesquisas antropológicas sobre religiões afro-brasileiras. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo.:140). De acordo com Silva (2006:140):

Essa “impessoalidade” da escrita etnográfica (na qual “pessoas particulares” tornam-se “sujeitos coletivos”) não deixa de ser um paradoxo numa ciência que sempre enfatizou a busca pelo outro como um dos seus principais objetivos.

Como nos alerta Wagner (2010WAGNER, Roy. (2010), “Existem grupos sociais nas terras altas da Nova Guiné?”. Cadernos de campo, nº 19: 237-257.), grupos não são como um tipo de contexto geral para a expressão de alguém. É essencial, para o autor, que os antropólogos e antropólogas considerem as implicações da suposição da existência e da necessidade dos grupos. Assim, somos tão criativos e criadores quanto as comunidades com as quais pesquisamos. Em outras palavras, essa perspectiva pensa com base na igualdade de condições entre sujeitos de pesquisa e pesquisadores e pesquisadoras. Ou seja, mais do que pensar com base no “ponto de vista” do nativo (Geertz 2014GEERTZ, Clifford. (2014), “Do ponto de vista dos nativos: a natureza do entendimento antropológico”. In: C. Geertz. O Saber local - novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis: Vozes . ), em um aspecto simbólico, de representação, de experiência próxima e distante, o esforço deve ser pelo o que o/a “nativo/a” entende por “ponto de vista” mesmo. Assim, como nos convoca a reflexão Viveiros (2002a), o questionamento seria em relação à estranha invenção de um mundo exterior independente do sujeito/da sujeita. Não existe um mundo fora do “ponto de vista” como se fosse uma representação. Estamos falando, então, de um pensamento que não é classificatório, tipológico ou taxonômico - não é pelo menos da mesma forma que o pensamento ocidental/acadêmico.

Por isso, também considero que esse seja um trabalho de autoria compartilhada com os médiuns e as médiuns do TUÉS e todas as forças e guias com os quais pude estabelecer uma troca. Narrei minha trajetória e o início da minha relação com a Umbanda na primeira parte deste texto para que entendessem o ponto onde essa pesquisa se encontra. A crítica e a epistemologia feminista já nos alertaram para os perigos de uma “objetividade de lugar nenhum”, não localizada e sem responsabilização. Essas autoras colocaram em xeque noções de objetividade, neutralidade, universalidade e o caráter falogocêntrico e genderizado da Ciência e acrescentaram em sua proposta a inseparabilidade da razão e emoção, considerando-as, juntamente com as experiências pessoais, fundamentais para a produção do conhecimento (Haraway 1995HARAWAY, Donna. (1995), “Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial”. Cadernos Pagu, nº 5: 07-41.). Afirmam a necessidade de a investigadora assumir sua posição, uma vez que o conhecimento é sempre situado, localizado, parcial e corporificado. Haraway (1995) pretende, assim, resgatar a visão como agente corporificado e produtor de uma objetividade feminista, ou seja, sinônimo de saberes localizados, criticando o uso ocularcêntrico da Ciência como um “olhar” descorporificado e desterritorializado. Esse olhar (de homem e branco), que se supõe não marcado e que marca/classifica outros corpos, se autodelega o poder de ver sem ser visto e representar sem ser representado (Haraway 1995). Nesse sentido, os olhos com sua visão infinita, que Zoe Sofoulis (1988), citada por Haraway (1995), chama de olhar canibal, são entendidos por Haraway (1995) como um truque de Deus, sendo um operador de distanciamento, separação sujeito-objeto e habilidade perversa levada a cabo “na história da ciência vinculada ao militarismo, ao capitalismo, ao colonialismo e à supremacia masculina” (Haraway 1995:19).

É o que também nos ensina Juana Elbein (Santos 1982SANTOS, Juana Elbein dos. (1982), “Pierre Verger e os resíduos coloniais: o outro fragmentado”. Religião & Sociedade , nº 8: 11-14.) e sua antropologia iniciática, em seu artigo-resposta “Pierre Verger e os resíduos coloniais: o outro fragmentado”, propondo uma reflexão acerca do texto “Etnografia religiosa iorubá e probidade científica”, no qual Verger (1982VERGER, Pierre. (1982), “Etnografia religiosa iorubá e probidade Científica”. Religião & Sociedade , nº 8: 3-10.) critica fortemente a autora, acusando-a de improbidade científica. Verger (1982) retoma item por item o que ele considera incongruências e erros etnográficos do trabalho de Juana Elbein, principalmente o fato de ter usado versões falsas da mitologia iorubá nos quais orixás masculinos são hipoteticamente confundidos com femininos e a acusa de obter informações de sacerdotes sob pressão para provar teses preestabelecidas. Para Juana (Santos 1982:11), isso é um reflexo de uma visão de pesquisadores acostumados a exotização e fascinação em relação ao “bom primitivo”, limitando-se a fotografá-los e descrevê-los, sendo compiladores, contadores de histórias, de ritos e de heróis. Como consequência, autores como esses destituem “os nativos” “de terem consciência de seu sistema de pensamento, de possuírem autoimagem, elaborações intelectuais e estratégias positivas de ação” (Santos 2018:13), além de não conceberem sua força criativa e a capacidade de recriar-se na identidade. Diante desse discurso fragmentário e folclorizante, Juana Elbein propõe uma ação descolonizadora que desloca o poder do monopólio autocrático da verdade científica, negando a noção de “pureza” de origens e preservação congeladora do primitivo sadio e estético.

Dessa maneira, entendo, assim como Juana Elbein e Haraway (1995HARAWAY, Donna. (1995), “Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial”. Cadernos Pagu, nº 5: 07-41.:37), que “o mundo encontrado nos projetos de conhecimento é uma entidade ativa”, é um trickster codificador, agente e ator. “A própria agência das pessoas estudadas transforma todo o projeto de produção de teoria social” (Haraway 1995:37). Desse modo, o que me propus a fazer não foi observação participante aos moldes de Malinowski (1978MALINOWSKI, Bronislaw. (1978), Argonautas do Pacífico Ocidental. São Paulo: Abril. (Coleção Os Pensadores).), exercitando uma visão que vê sem ser vista e é onipresente para além das pessoas com as quais nos relacionamos no campo. O meu esforço foi me aproximar de uma dimensão que Fravet-Saada (2005) considera central no trabalho de campo, o ser afetado, sem negar o meu lugar na experiência e considerar as forças que não são significáveis. Segundo a autora, isso seria um oxímoro, pois “observar participando, ou participar observando, é quase tão evidente como tomar um sorvete fervente” (Fravet-Saada 2005:156). Ela critica, assim, aqueles antropólogos que consideram o observável empiricamente verificável e independente das afirmações nativas, sendo essas consideradas apenas em seu aspecto simbólico, ou seja, falso. A autora afirma uma desvalorização da fala nativa em benefício das elaborações do pesquisador ou pesquisadora, que seria aquele/aquela um ser acultural que deteria a verdade.

No terreiro de Umbanda Esotérica, no entanto, as entidades e guias espirituais não eram representações, textos ou símbolos. Eram agências que importam para essa comunidade de terreiro, tinham ligações de afinidade ou até mesmo de parentesco e eram coetâneos a ela. Portanto, “temos tudo a ganhar se adotarmos uma perspectiva analítica que não “desrealiza” os efeitos e produtos da possessão para os seus praticantes, mas que, ao contrário, aceita a condição de agentes que os religiosos atribuem aos seus santos e entidades” (Birman 2005BIRMAN, Patrícia. (2005), “Transas e transes: sexo e gênero nos cultos afro-brasileiros, um sobrevôo”. Estudos Feministas, nº 2: 403-414. :404).

Da mesma forma, Segato (1992SEGATO, Rita. (1992), “Um paradoxo do relativismo: o discurso racional da antropologia frente ao sagrado”. Religião & Sociedade , nº1/2: 114-135.:118), que pesquisou o Xangô no Recife e o crescimento dos cultos evangélicos na Argentina, nos chama a atenção para o incômodo que a noção de agência divina sustentada e experimentada pelos parceiros da pesquisa pode trazer quando nos atemos a uma ciência cartesiana, com ares de modernidade, relativismo e quando nos entendemos como observadores neutros e alheios às forças que habitam o campo com o qual estudamos. A autora reconhece o erro de não valorizar, na escrita etnográfica, o que realmente importa para essas comunidades. É a partir daí, por exemplo, que a feitiçaria é “compreendida como discurso acerca das tensões estruturais numa sociedade” (Segato 1992:122) e caímos no velho “contextualizar para entender” ou compreender e interpretar, o que, para a Segato (1992), é um ato empobrecedor e gerador apenas de “significados” e representações em detrimento da experiência sensorial. Compreender, portanto, é se distanciar das circunstâncias pelas quais atravessamos e somos atravessados. Para a autora, compreender uma crença é um exercício antropológico de verossimilhança e racionalização e todas as proposições nativas que não respondem a isso são deixadas de lado. Consequentemente, “a análise racional consiste em tornar verossímil aquelas afirmações aparentemente irracionais” (Segato 1992:124).

Assim, pesquisar com essas pessoas é um convite a participação - que é um instrumento de conhecimento - e:

Se eu “participasse”, o trabalho de campo se tornaria uma aventura pessoal, isto é, o contrário de um trabalho; mas se tentasse “observar”, quer dizer, manter-me à distância, não acharia nada para “observar”. No primeiro caso, meu projeto de conhecimento estava ameaçado, no segundo, arruinado. (Fravet-Saada 2005:157)

Considerando isso, “os enunciados etnográficos trazem consigo a sua situação não etnográfica de enunciação” (Barbosa Neto 2012BARBOSA NETO, Edgar Rodrigues. (2012a), “O quem das coisas: etnografia e feitiçaria em les mots, la mort, les sorts”. Horizontes Antropológicos, nº 37: 235-260.:246) e a transformação que toda relação nos apresenta (Viveiros de Castro 2002bVIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. (2002b), “O nativo relativo”. Mana, nº 1: 113-148.). Justificar as falas, interlocução e presença corporificada das entidades neste trabalho se relaciona ao que Viveiros de Castro (2002VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. (2002a), “Perspectivismo e multinaturalismo na América indígena”. In: E. Viveiros de Castro. A Inconstância da alma selvagem. São Paulo : Cosac Naify . :115) reivindica como igualdade ativa, ou de direito, entre os discursos antropológicos e “nativos”: “de fato, como diria Geertz, somos todos nativos; mas de direito, uns sempre são mais nativos que outros”. E o autor ainda propõe uma radicalização dessa proposta dizendo, como Wagner (1981WAGNER, Roy. (1981), The Invention of Culture. Chicago: University of Chicago Press, 2º ed.:36), que somos todos antropólogos “e não uns mais antropólogos que os outros, mas apenas cada um a seu modo, isto é, de modos muito diferentes” (Viveiros de Castro 2002b:115). O problema é que o nativo certamente pensa, como o antropólogo; mas, muito provavelmente, ele não pensa como o antropólogo (Viveiros de Castro 2002b:119).

Como criar uma relação entre as práticas antropológicas e as práticas sobre as quais a antropologia fala e, nesse caso, uma epistemologia umbandista? Relacionar, para Wagner (1981WAGNER, Roy. (1981), The Invention of Culture. Chicago: University of Chicago Press, 2º ed.), é relevante por dizer respeito a uma aproximação entre duas entidades equivalentes, diferentemente dos termos “análise” e “exame”, que trazem consigo uma ideia de objetividade absoluta. Além disso, digo aqui epistemologia umbandista por entender que esses agentes apresentam um pensamento complexo e reflexivo, formado por conceitos, teorias e ontologias nativas, não sendo apenas “bons para pensar”. E, assim como Brito (2017:175), penso a Umbanda a nível de conhecimento, a considerando enquanto

Sistema de conceitos, técnicas, metodologias e práticas - intelectuais, corporais e experienciais - construídos, aprendidos e transmitidos dentro de uma casa de Umbanda, que propiciam às pessoas tornarem-se instrumentos mediúnicos afinados e atuarem conscientemente nas mais diversas atividades (trabalhos).

Considerando o aspecto antropológico, relaciono aqui também o que Brito (2018BRITO, Lucas Gonçalves. (2018), “Notas iniciatórias sobre experiência etnográfica e conhecimento vivido na areia de um terreiro”. Ponto Urbe, nº 23: 1-8.) chama de humildade epistemológica ao se referir à posição que a pesquisadora deve assumir como premissa para possibilitar que o encontro etnográfico e que a relação entre conhecimento acadêmico e umbandista sejam possíveis. Ser humilde, nesse sentido, não acontece diante das hierarquias e da colonialidade de saberes. Desse modo, entidades e umbandistas, a exemplo do sacerdote Luís Gustavo, os iniciados e as iniciadas, Sr. Corcunda, Sr. Arruda, Pomba-gira Maria Bonita e Preto Velho de Moçambique são pensadores, dialogando aqui com suas teorias e práticas incorporadas de conhecimento sensível sobre a vida e a pessoa umbandista. À vista disso, o aprendizado nos terreiros, assim como a pesquisa antropológica, é algo que demanda tempo, do qual muitas vezes não dispomos, sendo limitados e limitadas pelo tempo cronológico da academia e seu cumprimento de prazos. Entretanto, o esforço é o de catar folhas, aprendendo com o terreiro como se aprende, atividade essa que, como o tempo, é habitada pelas forças do orixá (Goldman 2005GOLDMAN, Marcio. (2005), “Formas do saber e modos do ser observações sobre multiplicidade e ontologia no candomblé”. Religião & Sociedade, nº 2: 102-120.:7). Por consequência:

É inútil esperar ensinamentos prontos e acabados de algum mestre, e que deve tratar de ir reunindo pacientemente, ao longo dos anos, os detalhes que recolhe aqui e ali, com a esperança de que, em algum momento, esse conjunto de saberes adquira uma densidade suficiente para que com ele se possa fazer alguma coisa.

O ambiente do terreiro é povoado por alguns poucos dizeres, metáforas, gestos, olhares, enigmas e aforismos que transmitem enormes e profundos saberes e que permitem que esse catar folhas tenha começado muito antes dessa pesquisa e se precipitado nesse trabalho. “As ‘folhas’ do texto etnográfico ao fixarem aspectos da religião podem ser vistas, assim como produto e produtoras da política poética e ‘magia’ que, queiramos ou não, as animam’’ (Silva 2006SILVA, Vagner Gonçalves da. (2006), O antropólogo e sua magia: trabalho de campo e texto etnográfico nas pesquisas antropológicas sobre religiões afro-brasileiras. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo.:174). “Tudo se passa aqui, pois, segundo a fórmula de Guimarães Rosa (1967: 443): ‘viver - não é? - é muito perigoso. Porque ainda não se sabe. Porque aprender-a-viver é que é o viver mesmo’” (Goldman 2005GOLDMAN, Marcio. (2005), “Formas do saber e modos do ser observações sobre multiplicidade e ontologia no candomblé”. Religião & Sociedade, nº 2: 102-120.:12).

Dessa forma, “a participação que as religiões afro-brasileiras prescrevem aos seus membros como forma de absorção lenta dos seus valores é, portanto, muito próxima da metodologia do trabalho etnográfico” (Silva 2006SILVA, Vagner Gonçalves da. (2006), O antropólogo e sua magia: trabalho de campo e texto etnográfico nas pesquisas antropológicas sobre religiões afro-brasileiras. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo.:71). E, para os participantes, a religião dificilmente se “revela” aos olhos de quem não a experimenta (Silva 2006:89). Foi justamente o que me mostrou a fala de Sr. Arruda, Preto Velho chefe do Templo: eu o estava cambonando quando me pediram para que entregasse a ele um saquinho com diversos números a fim de que o Velho sorteasse o resultado da rifa daquela noite de terça-feira de um rito público de 2019. Então, o guia perguntou para V., sua cambona oficial, qual era o número que ela havia escolhido ao comprar a rifa. A médium respondeu que era o número 32 e Sr. Arruda, olhando para mim colocou as mãos no saquinho e brincou: “será que vai dar?” Retirou uma fichinha e me mostrou que o número sorteado havia sido o 32 e completou dizendo “quando a gente se abre para a espiritualidade, ela se abre para a gente”. Em seguida, colocou o dedo indicador na boca, me pedindo silêncio e falou “não conte a ninguém”.10 10 Conto este relato aqui com posterior autorização do guia. O convite aqui era justamente entender essa metodologia de abertura e, de fato, me abrir e aprimorar os sentidos para perceber as presenças, ensinamentos, hierofanias - fissuras entre as realidades material e espiritual (Goltara 2014GOLTARA, Diogo Bonadiman. (2014), ‘Dá um S na corrente’ - A rede esotérico-umbandista às margens do Rio Itapemirim. Brasília: Tese de Doutorado, Universidade de Brasília.), sonhos, sensações que acompanham o mundo do terreiro. E, como tudo que fazemos também nos faz, essa metodologia é composta por um movimento duplo e recíproco por parte da espiritualidade, que também é agente do processo.

As hierofanias que podem acontecer dentro e fora do terreiro e são definidas por Goltara (2014GOLTARA, Diogo Bonadiman. (2014), ‘Dá um S na corrente’ - A rede esotérico-umbandista às margens do Rio Itapemirim. Brasília: Tese de Doutorado, Universidade de Brasília.:167), com base nas ideias de Mircea Eliade (2010), como “fissuras entre as realidades material e espiritual, objetos, pessoas e ações que atuam como janelas entre os planos de existência”. O reconhecimento, assim, dessas fissuras cabe a sabedoria do sujeito que as percebe e pode ser uma das formas de comunicação entre os guias e seus ou suas médiuns (Goltara 2014:167-168). O mestre esotérico-umbandista, segundo Goltara (2014), tem como uma de suas principais aptidões decifrar esses sinais enviados pelos agentes espirituais, que para a maioria das pessoas passam desapercebidos. Um zumbido no ouvido, uma sensação corpórea, o cheiro de cachimbo, charuto ou ervas no ar, sem que ninguém por perto esteja pitando, podem ser formas da entidade se fazer presente e, para perceber, é preciso aprender a olhar e a sentir, ou seja, como me falou Sr. Arruda é necessário se abrir.

Eu estava, portanto, em lugar de transformação e mediação sensível, nos termos de Segato (1992SEGATO, Rita. (1992), “Um paradoxo do relativismo: o discurso racional da antropologia frente ao sagrado”. Religião & Sociedade , nº1/2: 114-135.), assumindo uma posição engajada e ativa de pesquisadora combona (Simas: Rufino 2018SIMAS, Luiz Antonio; RUFINO, Luiz. (2018), Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro: Mórula.). Ser médium, da mesma forma que exercer a mediação etnográfica, não quer dizer um meio pelo qual algo se manifesta, mas, como em Latour (2005LATOUR, Bruno. (2005), Reassembling the Social: Na Introduction to Actor-Network Theory. Oxford: Oxford University Press.), implica uma capacidade de tradução (e de traição) criativa de resultados provisórios e parciais. Pesquisar com a atitude de uma cambona é se permitir ser transpassada por um saber/fazer potente assentado nas epistemologias da umbanda. O cambono ou a cambona é quem auxilia os consulentes, os sacerdotes, as entidades: “ele varre o salão, acende o cachimbo da vovó, sustenta o verso nos corridos, organiza a assistência, auxilia os consulentes, despacha a entrada, opera como tradutor nas consultas, registra o receituário, toma bronca e é orientado” (Simas; Rufino 2018:36).

O cambono é aquele que se permite afetar pelo outro e atua em função do outro. No desempenho de suas atividades, participa ativamente das dinâmicas de produção e circulação de saberes. Assim, o cambono é aquele que opera, na interlocução, com todas as atividades que precedem os fazeres/saberes necessários para as aberturas de caminhos. (Simas; Rufino 2018SIMAS, Luiz Antonio; RUFINO, Luiz. (2018), Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro: Mórula.:36)

A cambonagem, como bem apresentam Simas e Rufino (2018SIMAS, Luiz Antonio; RUFINO, Luiz. (2018), Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro: Mórula.), é um saber fazer em aberto e na prática. Foi dessa forma que, em meu primeiro dia como cambona, em um rito público de 2014, não entendia uma palavra do que o Preto Velho me pedia para beber, me atrapalhei com o cinzeiro, não sabia o lugar correto de me posicionar nem onde estavam os objetos solicitados. A vergonha me tomava, porque estava à frente da assistência, vestida com a roupa branca de trabalho, diante do olhar descompromissado, que antes era o meu como consulente. Ao final daquela noite, então, Luís Gustavo me disse “Não se preocupe. É assim mesmo. Você vai aprender vivendo”. Estava ali em um lugar de nativa, mesmo que não sendo nativa da mesma forma que meus irmãos-de-santê, que não se preocupavam com a escrita de uma dissertação, por exemplo. Parafraseando Fravet-Saada (2005), estava agitada pelas sensações e intensidades específicas - os afetos - de quem ocupa um lugar nesse contexto.

Aceitar ser afetado supõe, todavia, que se assuma o risco de ver seu projeto de conhecimento se desfazer. Pois se o projeto de conhecimento for onipresente, não acontece nada. Mas se acontece alguma coisa e se o projeto de conhecimento não se perde em meio a uma aventura, então uma etnografia é possível. (Fravet-Saada 2005:160)

‘Ser afetado’ é o nome que Favret-SaadaFAVRET-SAADA, Jeanne. (2005), “Ser afetado”. Tradução de Paula de Siqueira Lopes. Cadernos de Campo, nº 13: 155-161. escolheu dar a essa experiência de criação que escapa à representação, uma experiência que é simultaneamente de campo e de texto, e, sobretudo, de sua sutil e delicada conexão” (Barbosa Neto 2012BARBOSA NETO, Edgar Rodrigues. (2012b), A Máquina do Mundo: variações sobre o Politeísmo em coletivos afro-brasileiros. Rio de Janeiro: Tese de Doutorado em Antropologia Social, Museu Nacional - UFRJ.: 239). É o que Goldman (2006GOLDMAN, Marcio. (2006), Como funciona a democracia: uma teoria etnográfica da política. Rio de Janeiro: 7Letras.) relaciona à noção de “devir-nativo” e Barbosa Neto (2012: 236) ao ato de “escrever”, citando Deleuze (1997DELEUZE, Gilles. (1997), “A literatura e a vida”. In: G. Deleuze. Crítica e clínica. São Paulo: Editora 34.:15):

Não é certamente impor uma forma (de expressão) a uma matéria vivida […] Escrever é um caso de devir […] É um processo, ou seja, uma passagem de Vida que atravessa o vivível e o vivido. A escrita é inseparável do devir: ao escrever, estamos num devir-mulher, num devir-animal ou vegetal, num devir molécula, até num devir-imperceptível.

Para ser mais clara, o “devir” é aquilo que Golman (2005:10) classifica como o que nos arranca de nós mesmos/mesmas e de toda identidade substancial possível. É um movimento de sair de nossa condição para uma outra. Goldman (2005GOLDMAN, Marcio. (2005), “Formas do saber e modos do ser observações sobre multiplicidade e ontologia no candomblé”. Religião & Sociedade, nº 2: 102-120.:10), citando Deleuze e Guattari (1980DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. (1980), Mille Plateaux. Paris: Minuit.:193) afirma que “um devir cavalo, por exemplo, não significa que eu me torne um cavalo ou que eu me identifique psicologicamente com o animal: significa que ‘o que acontece ao cavalo pode acontecer a mim’”. Devires, embora nessa experiência eu não estive apartada do grupo como alguém diferente deles ou como resultado de uma operação do Grande Divisor “nós” versus “eles”.

Mais do que pensar com e diante dessas pessoas, fui convidada a pensar como TUÉS, mirando o exemplo de Flores (2018FLORES, Luiza Dias. (2018), Ocupar: composições e resistências quilombolas. Rio de Janeiro: Tese de Doutorado em Antropologia Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro.) em sua tese sobre a Morada da Paz - comunidade universalista, espiritualista afro-budígena (inspirada nas matrizes indiana, africana e tupimabá) e Kilombola formada majoritariamente por mulheres negras na região metropolitana de Porto Alegre. A questão mais relevante então seria “o que de fato importa para essas pessoas?” (Flores 2018:263). Diante da vivência de tantos acontecimentos nessa comunidade de terreiro e considerando a conjuntura pandêmica de escrita desse trabalho, muitas vezes, o sentido da pesquisa foi por mim questionado. “Sentia-me como Jorge Luis Borges descreveu ‘o etnógrafo’ - depois de conhecer os ‘segredos’ com aqueles com quem fez seu trabalho de campo, a produção de sua pesquisa não passava de simples ‘frivolidade’” (Flores 2018:21). E, assim como Flores (2018), também experienciou em seu campo, o sentimento de viver o TUÉS sem ser pesquisadora foi algo que me acompanhou durante a minha trajetória nessa comunidade.

Não porque os outros da irmandade lembravam-me desse papel, aliás, pareciam pouco lembrar, mas pelo compromisso da escrita...Primeiro porque me fazia assumir o papel do crítico, numa atribuição de que nenhuma ciência serve - um niilismo pueril. (Flores 2018FLORES, Luiza Dias. (2018), Ocupar: composições e resistências quilombolas. Rio de Janeiro: Tese de Doutorado em Antropologia Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro.:21)

Talvez seja, como propôs Fravet-Saada (2005), na ausência da etnógrafa que o trabalho aconteça.

Em alguns poucos momentos, a lembrança de minha tarefa era evocada como no ano de 2019, em que, durante um rito público, a Pombagira Maria Bonita me chamava pelo apelido carinhoso que me concedeu, dizendo “olha aí a moça do escrevedô” e, em outras oportunidades, “salve, moça do pensadô”. O mesmo ocorreu em outras situações: Juquinha, Erê chefe do terreiro, em um rito interno de 2020, enquanto eu anotava em um canto as orientações que uma entidade havia me passado na consulta que acabara de ter, me perguntou brincando se eu estava tomando nota para meu diário de campo.

Nesse sentido, o intento era a feitura de uma pesquisa-gira, tendo em vista que, no quimbundo, há uma equivalência de gira com o termo, nijra, que significa “caminho” (Júnior 2014BARBOSA JÚNIOR, Ademir. (2014), Novo dicionário de Umbanda. São Paulo: Universo dos Livros Editora.). As giras podem ser entendidas, então, como caminho para o encontro entre pessoas, guias, mentores, enfim, um encontro com a própria ancestralidade. Um encontro, portanto, na perspectiva de Stengers (2018STENGERS, Isabelle. (2018), “A proposição cosmopolítica”. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, nº 69: 442-464.) - boa herdeira da antropologia simétrica de Latour, que exige como pré-requisito a não existência de uma hierarquia. Dizer que os saberes humanos são simétricos não quer dizer que eles sejam equivalentes. Estamos sempre implicados, não existindo uma posição “de fora”. Ou seja, os agenciamentos que produziram esta pesquisa são próprios dela mesma. O encontro aqui não é universalizante, mas pessoal (pode não ser significativo para qualquer), como uma praticante da Antropologia e da Umbanda, pensando como conceitos elaborados em seus meios próprios podem ressoar em produções e constructos de outro campo, ainda mais quando se trata de pensamentos que não são considerados científicos ou mesmo não se pensam enquanto tal.

O objetivo era justamente investigar a possibilidade de coaprendizagem recíproca que não inclui obrigatoriamente a coincidência. Como um acontecimento cósmico, esse encontro é capaz de se dar entre forças divergentes, não sendo necessário suspender essa heterogeneidade. Assim, pensar com, diante e como o TUÉS e suas múltiplas composições, em um sentido que pensa “composições”, considerando a ideia Deleuziana (Deleuze 2002DELEUZE, Gilles. (2002), Espinoza - filosofia prática. São Paulo: Escuta.; 2017DELEUZE, Gilles. (2017), Espinosa e o problema da expressão. São Paulo: Editora 34 .) e esmiuçada por Flores (2018FLORES, Luiza Dias. (2018), Ocupar: composições e resistências quilombolas. Rio de Janeiro: Tese de Doutorado em Antropologia Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro.:22), não como “um pacto, acordo ou negociação, na medida em que essas percepções partem de uma noção de pessoa que exclui uma serie de componentes não humanos em interação”. Mas, composição, entendendo que há um encontro entre as minhas relações mesmas com as relações que constituem as pessoas e os seres que fazem o terreiro e atendendo a convocação de Pai Arruda em um movimento duplo e recíproco por parte da espiritualidade.

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  • 1
    Os ritos ou giras são cerimônias ritualísticas que envolvem, no caso da Umbanda, a louvação, a cura e o aconselhamento por meio de consultas espirituais prestadas por entidades incorporadas em seus médiuns. No caso do TUÉS, existiam dois tipos: ritos internos ou de convivência, voltados para o grupo interno do terreiro, a chamada corrente, e seu desenvolvimento mediúnico, e ritos públicos dirigido à comunidade externa.
  • 2
    Este texto de forma integral originalmente foi publicado como um dos capítulos de minha dissertação de mestrado e aqui está apresentado com algumas alterações.
  • 3
    Pai-pequeno ou mãe pequenas são posições ocupadas no terreiro de Umbanda e Candomblé por aqueles que são imediatos aos líderes na hierarquia espiritual das casas. Dividem a responsabilidade dos ritos e trabalhos com o pai ou mãe de santo, podendo eventualmente substituir o sacerdote ou a sacerdotisa em suas funções.
  • 4
    Cadernos de registro pessoal de cada magista sobre conhecimentos e procedimentos rituais, significados de símbolos esotéricos e propriedade de certos materiais e instrumentos, cristais, plantas, ervas e fases da lua.
  • 5
    Francisca de Paula de Jesus, a Nhá Chica, nasceu em São João Del Rei (MG) por volta de 1810. A filha de ex-escravizada, em Baependi, passou a ser conhecida como “Mãe dos Pobres” e são a ela atribuídos consideráveis milagres. O Papa Bento XVI, em 2012, assinou o Decreto de Beatificação de Nhá Chica (Silva 2013SILVA, Samantha. (2013), “Nhá Chica: conheça a história da primeira beata do sul de Minas”. G1, Sul de Minas, 30 abr. 2013. Disponível em: Disponível em: http://g1.globo.com/mg/sul-de-minas/noticia/2013/04/nha-chica-conheca-historia-da-primeira-beata-do-sul-de-minas.html . Acesso em: 27 out. 2020.
    http://g1.globo.com/mg/sul-de-minas/noti...
    ). O Centro tem a beata, juntamente com Pai Jacob de Embaé e José da Silva, como patrona.
  • 6
    Nessa rede de linhas e biografias, o terreiro está em participação com tudo que está fora e, ao mesmo tempo, dentro dele. É o movimento no qual as pessoas, entidades e outros não humanos estão inseridos, pensando as histórias de vida, não como uma trajetória linear já dada e datada, mas como uma linha de força biográfica que conflui com os caminhos dos guias e do TUÉS, em algum ponto mais ou menos permanente/intenso, compondo fluxos que se atravessam. É comum encontrar a expressão polissêmica linha nos terreiros de matriz afro e afro-indígena e em pesquisas antropológicas sobre esses contextos. Essa ideia nos permite pensar sobre encontros, coexistências e entrecruzamentos.
  • 7
    Altar.
  • 8
    Terapia complementar criada por Samuel Hahnemann (1775-1843), que considerava as doenças como reflexo do desequilíbrio vital e espiritual de uma pessoa, partindo da superfície para o interior do organismo (Chiesa 2014). O medicamento é diluído ao máximo, considerando em sua fórmula substâncias que produzem sintomas semelhantes ao da doença que se quer tratar. No TUÉS, a homeopatia e a fitoterapia eram formas de utilizar a potência máxima das plantas, uma vez que, para esses umbandistas, as ervas — que eram classificadas em lunares (energia feminina) e solares (energia masculina) — deveriam ser colhidas em estações do ano, turnos do dia e horários específicos. Não são todas as entidades que receitavam a homeopatia, mas apenas aquelas cujos/cujas médiuns possuem essa formação terapêutica.
  • 9
    Professora Adjunta do Departamento de Antropologia e Arqueologia e do Programa de Pós-graduação em Antropologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pesquisadora associada ao Lacs - Laboratório de Antropologia das Controvérsias Sociotécnicas.
  • 10
    Conto este relato aqui com posterior autorização do guia.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    12 Abr 2022
  • Aceito
    12 Dez 2022
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