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Tipos de Tempo Associados a Eventos Diários de Chuva Intensa na Cidade de Recife - PE, Brasil

Resumo

O presente estudo teve como objetivo caracterizar os tipos de tempo associados aos eventos intensos de chuva na cidade de Recife, identificando suas frequências e os mecanismos dinâmicos que explicaram suas gêneses. Para tanto, dados climáticos locais de superfície foram relacionados aos padrões sinóticos regionais. A Análise de Componentes Principais e Análise de Agrupamento hierárquica foram aplicadas para a identificação de grupos de dias homogêneos quanto aos dados atmosféricos horários de superfície. Para cada grupo foi apresentada a frequência mensal de ocorrência e analisaram-se, a partir de cartas sinóticas e imagens de satélite, os padrões atmosféricos referentes aos dias típicos. Foram identificados três grupos de tipos de tempo associados à ocorrência de chuvas intensas. O grupo 1 representou 79% dos eventos intensos (com maior registro no outono), o grupo 2 correspondeu a 9% das ocorrências (com maior incidência no inverno) e o grupo 3 a 12% das chuvas intensas (com concentração nas estações do verão e outono). Os tipos de tempo mais frequentes estiveram relacionados ao deslocamento de cavados barométricos no campo dos ventos alísios, a partir do fortalecimento do escoamento de leste relacionado ao Anticiclone Semifixo do Atlântico Sul. Ressalta-se que a intensidade dos eventos de chuva foi explicada pela interação entre sistemas de circulação sinótica, de mesoescala e de escala local.

Palavras-chave:
Sistemas Atmosféricos; Estatística Multivariada; Precipitação Pluvial

Abstract

The present study aimed to characterize the weather types associated with intense rain events in the city of Recife, by identifying both the frequency of these events and their dynamic mechanisms that explained their genesis. For this, local surface data were related to regional synoptic patterns. Principal Component Analysis and Hierarchical Cluster Analysis were applied to identify groups of homogeneous days in terms of hourly surface atmospheric data. For each group, the monthly frequency of intense rain events was presented and, from synoptic charts and satellite images, atmospheric patterns referring to the typical days were analyzed. Three groups of weather types associated with the occurrence of heavy rains were identified. Group 1 expressed 79% of the intense events (with highest record in autumn), group 2 corresponded to 9% of cases (with highest incidence in winter), and group 3 was 12% of intense rainfall (concentrated in summer and autumn seasons). The most frequent weather types were related to the displacement of barometric troughs in the trade wind fields, due to the strengthening of the easterly flow from the South Atlantic Semifixed Anticyclone. It is noteworthy that the intensity of rain events was explained by the interaction between synoptic circulation systems in meso- and local- scale.

Keywords:
Atmospheric Systems; Multivariate Statistics; Rainfall

INTRODUÇÃO

A precipitação é o elemento atmosférico que explica a maior parte da variabilidade climática nas regiões tropicais do planeta. As chuvas intensas podem ocasionar diversos impactos sobre as estruturas socioeconômicas urbanas através de processos como inundações, alagamentos ou deslizamentos de encosta (SZYNISZEWSKA; WAYLEN, 2012SZYNISZEWSKA, A. M.; WAYLEN, P. R. Determining the daily rainfall characteristics from the monthly rainfall totals in central and northeastern Thailand. Applied Geography, v. 35, n. 1-2, p. 377-393, 2012. https://doi.org/10.1016/j.apgeog.2012.09.001
https://doi.org/10.1016/j.apgeog.2012.09...
; SOUZA et al., 2012SOUZA, W. M. de; DE AZEVEDO, P. V.; DE ARAÚJO, L. E. Classificação da precipitação diária e impactos decorrentes dos desastres associados às chuvas na cidade do Recife-PE. Revista Brasileira de Geografia Física, v. 5, n. 2, p. 250-268, 2012. https://doi.org/10.26848/rbgf.v5i2.232788
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). Por esta razão, a compreensão e a caracterização desses fenômenos atmosféricos, do ponto de vista físico e estatístico, tornam-se importantes ferramentas de planejamento e gestão de riscos nos territórios urbanos.

Nesse sentido, a identificação dos tipos de tempo, que ocasionam eventos intensos de chuvas diárias, é importante para o entendimento de como os sistemas atmosféricos interagem com os fatores geográficos das paisagens urbanas para gerar impactos sobre essas áreas. Abordagens clássicas e recentes têm investigado a influência da circulação atmosférica sobre os elementos climáticos em superfície, classificando os tipos de tempo em grupos que, potencialmente, se relacionam aos eventos extremos (BARRY, 1996BARRY, K.D. Spatial, synoptic, and seasonal patterns of heavy rainfall in the southeastern United States. Physical Geography, v. 17, p. 313-328, 1996. https://doi.org/10.1080/02723646.1996.10642588
https://doi.org/10.1080/02723646.1996.10...
; El KENAWY et al., 2014).

O conceito dos tipos de tempo é abordado por distintas escolas da climatologia. No Brasil, a maior parte dos estudos geográficos do clima tem como base os estudos de Monteiro (1969MONTEIRO, C. A. F. A frente polar atlântica e as chuvas de inverno na fachada sul oriental do Brasil. São Paulo: IG/USP, 1969 (Série Teses e Monografias)., 1971), os quais tratam o clima como uma sucessão de tipos de tempo através da ideia do ritmo climático. Na climatologia sinótica, destacam-se duas abordagens complementares para estudo dos tipos de tempo.

A primeira delas consiste na análise de similaridade entre dados meteorológicos diários em superfície, e a segunda relaciona-se a investigação da situação sinótica ou dos padrões de circulação atmosférica. Para a classificação dos tipos de tempo são amplamente utilizadas as técnicas estatísticas multivariadas da Análise de Componentes Principais (ACP) e da Análise de Agrupamento (AA) (SHERIDAN, 2002SHERIDAN, S. C. The redevelopment of a weather‐type classification scheme for North America. International Journal of Climatology: A Journal of the Royal Meteorological Society, v. 22, n. 1, p. 51-68, 2002. https://doi.org/10.1002/joc.709
https://doi.org/10.1002/joc.709...
; PIOTROWICZ; CIARANEK, 2020PIOTROWICZ, K.; CIARANEK, D. A selection of weather type classification systems and examples of their application. Theoretical and Applied Climatology, p. 1-12, 2020. https://doi.org/10.1007/s00704-020-03118-2
https://doi.org/10.1007/s00704-020-03118...
).

A cidade de Recife, localizada no leste da Região Nordeste do Brasil, apresenta suscetibilidade a eventos intensos de precipitação. Foi verificado que episódios de chuvas intensas apresentam elevada recorrência anual para esta localidade (WANDERLEY, et al.2018WANDERLEY, L.S.A. et al. As chuvas na cidade do Recife: Uma climatologia de extremos. Revista Brasileira de Climatologia, v. 22, 2018. http://dx.doi.org/10.5380/abclima.v22i0.56034
http://dx.doi.org/10.5380/abclima.v22i0....
). Os maiores volumes de chuvas concentram-se no período de outono e inverno, e estão relacionados à atuação de sistemas sinóticos ou de mesoescala.

Entre eles, destacam-se a Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), os Distúrbios Ondulatórios de Leste (DOLs) e atuação das brisas litorâneas (MOLION; BERNARDO, 2002MOLION, L. C. B.; BERNARDO, S. de O. Uma revisão da dinâmica das chuvas no nordeste brasileiro. Revista Brasileira de Meteorologia, v. 17, n. 1, p. 1-10, 2002. http://dx.doi.org/10.4236/acs.2014.45077
http://dx.doi.org/10.4236/acs.2014.45077...
; REBOITA et al., 2010REBOITA, M. S. et al. Regimes de precipitação na América do Sul: uma revisão bibliográfica. Revista brasileira de meteorologia, v. 25, n. 2, p. 185-204, 2010. https://doi.org/10.1590/S0102-77862010000200004
https://doi.org/10.1590/S0102-7786201000...
; GOMES et al., 2019GOMES, H.B. et al. Climatology of easterly wave disturbances over the tropical South Atlantic. Climate Dynamics, v. 53, n. 3-4, p. 1393-1411, 2019.https://doi.org/10.1007/s00382-019-04667-7
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). Apesar de serem bem descritos na literatura, os sistemas atmosféricos relacionados aos elevados volumes de precipitação, no leste do estado de Pernambuco, foram pouco estudados de maneira associada à análise dos tipos de tempo.

Diante deste fato, o presente estudo teve como objetivo caracterizar os tipos de tempo e os padrões sinóticos relacionados aos eventos intensos de precipitação no município do Recife, determinando suas frequências de atuação e suas características físicas.

MATERIAIS E MÉTODOS

O desenvolvimento deste trabalho foi guiado pelo seguinte fluxo metodológico: 1) Coleta dos dados meteorológicos; 2) Identificação dos limiares de eventos intensos de chuva; 3) Aplicação das técnicas de estatística multivariada para a identificação dos tipos de tempo; 4) Caracterização dos eventos pluviométricos diários e das variáveis atmosféricas de superfície relacionados aos grupos de tipos de tempo. Cada uma dessas etapas será detalhada a seguir.

Localização da área de estudo

A estação meteorológica utilizada no estudo, está localizada no oeste do município de Recife (Figura 1), litoral do estado de Pernambuco e região Nordeste do Brasil.

Figura 1
localização do município de Recife.

Coleta dos dados meteorológicos

Foram coletados dados horários das 0h, 12h e 18h UTC (Coordinated Universal Time) de seis variáveis meteorológicas da estação convencional (temperatura, umidade relativa do ar, pressão atmosférica, velocidade do vento, direção do vento e nebulosidade) e dados diários de precipitação. As séries históricas foram adquiridas no Banco de Dados Meteorológicos para Ensino e Pesquisa (BDMEP) do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET). O recorte temporal do estudo esteve compreendido entre os anos de 1966 e 2019. Dias com pelo menos uma variável sem informação foram excluídos da análise.

Identificação dos limiares de eventos intensos de chuva

Com base nos dados diários de chuva que apresentaram volume diário maior ou igual a 1,0 mm, foram identificados os limiares de eventos intensos de chuva. Para isso, utilizou-se o quantil de 95% como limite inferior dos valores diários destes eventos (XAVIER, 2002XAVIER, T. de M. B. S. A Técnica dos quantis e suas aplicações em Meteorologia, Climatologia e Hidrologia, com ênfase para as regiões brasileiras. Brasília: Thesaurus, 2002.). No presente estudo optou-se por denominar os eventos de “intensos” e não de “extremos”, uma vez que de acordo com a literatura (SOUSA et al. 2016SOUSA, F. de A. S. de et al. Estimativas dos riscos de chuvas extremas nas capitais do Nordeste do Brasil. Revista Brasileira de Geografia Física, v. 9, n. 02, p. 430-439, 2016. https://doi.org/10.26848/rbgf.v9.2.p430-439
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; WANDERLEY et al., 2018WANDERLEY, L.S.A. et al. As chuvas na cidade do Recife: Uma climatologia de extremos. Revista Brasileira de Climatologia, v. 22, 2018. http://dx.doi.org/10.5380/abclima.v22i0.56034
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), a cidade do Recife apresenta tempos de retorno curtos para eventos iguais ou acima de 100 mm/dia, que têm recorrência quase anual. No entanto, são eventos intensos, capazes de afetar negativamente a infraestrutura urbana.

Aplicação das técnicas de estatística multivariada para a identificação dos tipos de tempo

Os dias em que ocorreram eventos intensos de chuva foram associados às variáveis meteorológicas horárias. O conjunto de dados horários, referentes a cada dia registrado com evento intenso, foi submetida a uma Análise de Componentes Principais (ACP) com objetivo de identificar as variáveis explicativas da máxima variância e redimensionar os dados (SHERIDAN, 2002SHERIDAN, S. C. The redevelopment of a weather‐type classification scheme for North America. International Journal of Climatology: A Journal of the Royal Meteorological Society, v. 22, n. 1, p. 51-68, 2002. https://doi.org/10.1002/joc.709
https://doi.org/10.1002/joc.709...
; PIOTROWICZ; CIARANEK, 2020PIOTROWICZ, K.; CIARANEK, D. A selection of weather type classification systems and examples of their application. Theoretical and Applied Climatology, p. 1-12, 2020. https://doi.org/10.1007/s00704-020-03118-2
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).

Em seguida, os Componentes Principais (CP) que representaram a maior variância acumulada foram submetidos à Análise de Agrupamento (AA) a partir do método de Agrupamento Hierárquico (AH). Foi selecionado o método Average Linkage através da análise do coeficiente de correlação cofenética. Esta técnica de agrupamento foi utilizada anteriormente em estudos climáticos, apresentando resultados consistentes (NAJAROV, 2017; LANA et al.,2020LANA, X. et al. Characterization of standardized heavy rainfall profiles for Barcelona city: clustering, rain amounts and intensity peaks. Theoretical and Applied Climatology, p. 1-14, 2020. https://doi.org/10.1007/s00704-020-03315-z
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). Utilizou-se a distância euclidiana como medida de dissimilaridade entre os grupos. A ACP e AA foram executadas no software InfoStat (Di RIENZO, 2015).

Caracterização dos eventos pluviométricos diários e das variáveis atmosféricas de superfície relacionados aos grupos de tipos de tempo.

Como método complementar, foi analisado o gráfico Boxplot a fim de caracterizar os eventos pluviométricos diários e as variáveis atmosféricas de superfície relacionados aos grupos de tipos de tempo. Os dados de velocidade e direção do vento para cada grupo de tipo de tempo foram representados por gráficos de rosas dos ventos, gerados no software gratuito WRplot View 7.0, para auxiliar a interpretação e caracterização dos tipos de tempo.

Os grupos resultantes dos procedimentos estatísticos multivariados foram relacionados aos dias com eventos intensos de chuva. Cartas sinóticas e imagens de satélite provenientes da plataforma digital do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC/INPE) e os dados meteorológicos de superfície serviram para a descrição dos grupos, no intuito de identificar padrões de circulação atmosférica e tipos de tempo característicos de cada grupo.

Como alternativa para selecionar os dias em que foram feitas as análises, consideraram-se os dias típicos de atuação de cada tipo de tempo em superfície. Esse procedimento tomou por base a identificação dos dias típicos (seed days) no estudo de Sheridan (2002SHERIDAN, S. C. The redevelopment of a weather‐type classification scheme for North America. International Journal of Climatology: A Journal of the Royal Meteorological Society, v. 22, n. 1, p. 51-68, 2002. https://doi.org/10.1002/joc.709
https://doi.org/10.1002/joc.709...
). Os dias típicos foram aqueles em que suas variáveis atmosféricas estiveram compreendidas entre a média + desvio padrão da série de dados.

As cartas sinóticas dos “dias típicos” foram vetorizadas no software Qgis 3.10 para apresentação dos padrões sinóticos em superfície relacionados com a gênese dos tipos de tempo.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Eventos intensos de precipitação na cidade do Recife

Os eventos intensos de precipitação na cidade do Recife foram delimitados pelo quantil de 95% na série pluviométrica, com limiar inferior de 50,4 mm. A média dos 374 eventos intensos registrados entre 1966 e 2019 foi de 75,9 mm e a mediana foi de 67,5 mm. O valor máximo de precipitação diária foi de 335,8 mm em 11/08/1970.

Ressalta-se que entre as capitais da região Nordeste do Brasil, Sousa et al. (2016SOUSA, F. de A. S. de et al. Estimativas dos riscos de chuvas extremas nas capitais do Nordeste do Brasil. Revista Brasileira de Geografia Física, v. 9, n. 02, p. 430-439, 2016. https://doi.org/10.26848/rbgf.v9.2.p430-439
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) verificaram que Recife apresenta os maiores eventos pluviométricos diários para o tempo de retorno de 50 anos (203,8 mm) e 100 anos (224,5 mm).

Constatou-se que houve concentração de eventos entre os meses de março e agosto, com pico entre abril e junho (Figura 2). Ao longo da série temporal, foram contabilizados 65 eventos no mês de abril, 70 em maio e 77 em junho. Os meses de primavera são os menos propícios à ocorrência de chuvas intensas, concentrando apenas 2,7% das ocorrências anuais.

Figura 2
Frequência mensal de chuvas intensas diárias (> 50 mm) entre os anos de 1966 e 2019.

Análise de Componentes Principais (ACP)

Os quatro primeiros CPs representaram 69% da variância acumulada na matriz de dados (Tabela 1), sendo retidos para a análise proposta. Os dois primeiros componentes apresentaram proporção acumulada de 50%.

Foram destacadas cargas fatoriais referentes às variáveis que melhor sintetizaram a variância dos dados. Observou-se que os tipos de tempo podem ser representados, com maior força, pela temperatura do ar às 0h e 18h UTC, umidade relativa às 0h UTC e velocidade do vento às 0h, 12h e 18h UTC. Desse modo, os agrupamentos de tipos de tempo apresentaram similaridades internas referentes a essas variáveis atmosféricas horárias.

Tabela 1
Autovetores das componentes principais, referentes às variáveis meteorológicas em superfície para as 0, 12 e 18 horas UTC.

O CP1 esteve correlacionado positivamente com a temperatura do ar às 18h UTC, indicando tipos de tempo associados a valores mais elevados desta variável neste horário. Cargas negativas, embora com menor significância, indicaram relação inversa com os valores de pressão atmosférica para esse CP, indicando condições atmosféricas relacionadas a um possível enfraquecimento do Anticiclone Semifixo do Atlântico Sul (ASAS) sobre o leste do Nordeste. O CP2 não apresentou cargas fatoriais em destaque, com valores maiores para a pressão atmosférica às 0h e nebulosidade às 12h. O CP2 apresentou relação negativa para a pressão atmosférica às 0h e positiva para a nebulosidade às 12h.

O tipo de tempo referente ao CP3 apresentou correlação positiva com a umidade às 0h, e negativa com a temperatura e a velocidade do vento às 0h UTC. Esse padrão pode estar relacionado ao fortalecimento do mecanismo das brisas terrestres sobre a linha de costa, favorecendo o desenvolvimento de instabilidade.

Albuquerque et al. (2013ALBUQUERQUE, R. T. D. B. de et al. Distribuição Temporal das Precipitações no Município do Recife. Revista Brasileira de Geografia Física, v. 6, n. 02, p. 245-252, 2013. https://doi.org/10.26848/rbgf.v6.2.p245-252
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), ao investigarem as ocorrências horárias das chuvas sobre a cidade do Recife, associaram a gênese das precipitações ao mecanismo das brisas. A convergência da brisa terrestre com os ventos alísios seria um dos mecanismos de maior importância para a formação ou intensificação da instabilidade atmosférica na costa leste da região Nordeste (KOUSKY, 1980KOUSKY, V.E. Diurnal rainfall variation in northeast Brazil. Monthly Weather Review, v. 108, n. 4, p. 488-498, 1980. https://doi.org/10.1175/1520-0493(1980)108%3C0488:DRVINB%3E2.0.CO;2
https://doi.org/10.1175/1520-0493(1980)1...
; MOLION; BERNARDO, 2002MOLION, L. C. B.; BERNARDO, S. de O. Uma revisão da dinâmica das chuvas no nordeste brasileiro. Revista Brasileira de Meteorologia, v. 17, n. 1, p. 1-10, 2002. http://dx.doi.org/10.4236/acs.2014.45077
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). Desse modo, uma menor velocidade dos ventos alísios pode estar relacionada com a atuação das brisas terrestres, contribuindo para aumento da nebulosidade e umidade relativa do ar.

A velocidade do vento às 0h e 18h UTC apresentou as maiores cargas para o CP4. A correlação positiva com a velocidade do vento nos referidos horários, indica que este componente esteve relacionado a tipos de tempo caracterizados por maiores valores dessa variável atmosférica. Porém, de maneira isolada, este padrão explica pouco os mecanismos dinâmicos relacionados à gênese dos eventos pluviométricos. A principal hipótese relaciona-se ao fortalecimento dos alísios e maior advecção de umidade para a costa leste do nordeste do Brasil.

Análise de agrupamento

A análise de agrupamento dos dias relacionados à ocorrência de chuvas intensas revelou a existência de três grupos bem configurados. Esses grupos foram determinados através do corte do dendrograma, buscando a maior amplitude das distâncias de junção. O índice de correlação cofenética resultante do agrupamento pelo método Average Linkage foi de 0,75, indicando consistência na determinação dos grupos.

Esses grupos se distinguiram pela ocorrência sazonal, pelas características físicas em superfície e pelo número de ocorrências observadas ao longo da série temporal. O Grupo 1 (G1) foi o maior, apresentando 79% dos dias analisados, o Grupo 2 (G2) representou 9% da série e o grupo 3 (G3) 12%. Os grupos G1 e G2 apresentaram maior similaridade, enquanto o G3 teve maior distância.

Analisando as variáveis atmosféricas horárias que apresentaram maiores cargas na ACP para cada grupo de dias (Figura 3 A, B e C), com exceção da velocidade do vento que foi analisada isoladamente, percebe-se que a temperatura horária às 0h e 18h apresentou valores habituais mais elevados para o G3 (Figuras 3A e 3B).

Para o G1 foram observadas variações expressivas na temperatura horária, com destaque para às 18h, com valor mínimo de 22°C e máximo de 31°C. O comportamento da umidade relativa às 0h (Figura 3 C) esteve bastante elevado para o G1 e G2, com variações habituais próximas a 95%. Para o G3 essas variações horárias estiveram concentradas entre 80% e 85%.

Figura 3
gráficos Boxplot referentes às temperaturas às 0h (A) e às 18h (B), e da umidade relativa do ar às 0h (C) para os tipos de tempo diários agrupados.

A análise do comportamento dos ventos para às 0h e 18h UTC (Figura 4) mostra um predomínio dos alísios de sudeste para todos os grupos, com ocorrência, menos frequente, das direções sul, leste, nordeste e noroeste. No que se refere à velocidade dos ventos, as distinções entre os grupos são mais pronunciadas.

Para o G1 às 0h as calmarias representaram 42,7% da frequência total. Portanto, este tipo de tempo esteve relacionado a um enfraquecimento dos alísios de S e SE durante o horário noturno. No horário das 18h foi verificada uma frequência de calmarias de 5,8% (Figura 4).

O G2 apresentou os maiores valores de velocidade nos horários analisados. Não foi registrada a ocorrência de calmarias em nenhum dos horários deste grupo. Este padrão de vento indica um fortalecimento dos alísios de SE, com advecção de umidade oceânica para a costa oriental do Nordeste. A ocorrência de ventos de noroeste durante às 0h em 15% do tempo pode indicar alguma influência das brisas terrestres durante este horário.

O comportamento dos ventos às 0h para o G3 apresentou percentual de 18,6% para ocorrência de clamarias. No horário das 18h as clamarias ocorreram em 13,9% dos registros. Foi predominante o intervalo de variação da velocidade entre 2,1 e 3,6 m/s. Constatou-se um comportamento intermediário, no que refere à velocidade do vento, entre os observados nos demais grupos.

Figura 4
Rosas dos ventos referentes aos tipos de tempo agrupados para os horários das 0h e 18h UTC.

Ao se analisar as frequências mensais de ocorrência dos grupos de tipos de tempo, observou-se que há uma distribuição sazonal distinta entre os tipos de tempo relacionados aos eventos intensos de chuva (Figura 5). O G1 apresentou frequências máximas no outono, entre os meses de abril e junho. O G2 ocorreu de maneira predominante entre o outono e inverno, com maior frequência no mês de junho, seguido pelos meses de julho e agosto. O G3 teve ocorrência máxima entre os meses de verão e outono, entre março e abril.

Figura 5
Frequências mensais de ocorrência das chuvas intensas por grupo de tipos de tempo diários.

A distribuição sazonal das frequências dos tipos de tempo sugere a influência de alguns padrões atmosféricos sinóticos, ou de mesoescala, relacionados à gênese das chuvas intensas. Gomes et al. (2019GOMES, H.B. et al. Climatology of easterly wave disturbances over the tropical South Atlantic. Climate Dynamics, v. 53, n. 3-4, p. 1393-1411, 2019.https://doi.org/10.1007/s00382-019-04667-7
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) estudaram a climatologia dos DOLs sobre o leste do Nordeste e constataram que aproximadamente 60% do total de chuva é ocasionado por esses distúrbios. Logo, esse mecanismo pode ser o principal modulador dos eventos de chuva. De acordo com esses autores, os DOLs podem se originar a partir da associação com quatro tipos distintos de sistemas atmosféricos: frentes frias, conglomerados convectivos provenientes da costa oeste da África, ZCIT e Vórtices Ciclônicos de Altos Níveis (VCANs).

Considerando que a ZCIT e os VCANs são sistemas atmosféricos típicos de verão e outono (SATYAMURTY; ROSA, 2020SATYAMURTY, P.; ROSA, M. B. Synoptic climatology of tropical and subtropical South America and adjoining seas as inferred from Geostationary Operational Environmental Satellite imagery. International Journal of Climatology, v. 40, n. 1, p. 378-399, 2020. https://doi.org/10.1002/joc.6217
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), sugere-se que a gênese dos eventos intensos de chuva nessas estações está relacionada à atuação desses mecanismos.

Ao analisarem os padrões sinóticos na Região Metropolitana do Recife nos anos de 2000 (considerado chuvoso) e 2001 (considerado seco), Girão et al. (2006GIRÃO, O.S.; CORRÊA, A. C. de B.; GUERRA, A. J. T. Influência da climatologia rítmica sobre áreas de risco: o caso da região metropolitana do Recife para os anos de 2000 e 2001. Revista de Geografia, Recife, v. 23, n. 1, p. 3-40, 2006. https://doi.org/10.51359/2238-6211.2006.228650
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) observaram sistemas sinóticos com ocorrência sazonal similar ao que foi descrito anteriormente. Esses autores constataram elevada frequência da ZCIT e VCAN na configuração das chuvas durante o verão e outono, e destacaram a maior importância dos cavados, formados ao longo da massa Tropical Atlântica (a qual é formada pelo ar quente e úmido originado do ASAS), para a gênese dos eventos pluviométricos no outono e inverno.

Portanto, os tipos de tempo com maior ocorrência no inverno, provavelmente, estão correlacionados a instabilidades com origem nas frentes frias. Destaca-se que a atuação direta das frentes é rara na costa leste do Nordeste, sendo mais frequente as perturbações ou cavados decorrentes do avanço das mesmas sobre latitudes mais baixas (GIRÃO et al., 2006GIRÃO, O.S.; CORRÊA, A. C. de B.; GUERRA, A. J. T. Influência da climatologia rítmica sobre áreas de risco: o caso da região metropolitana do Recife para os anos de 2000 e 2001. Revista de Geografia, Recife, v. 23, n. 1, p. 3-40, 2006. https://doi.org/10.51359/2238-6211.2006.228650
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).

Comparando as frequências mensais dos tipos de tempo com os dados horários de vento, pode-se estabelecer algumas relações de causa e efeito que auxiliam na distinção entre grupos, principalmente entre os G1 e G2.

O G1 apresentou os menores valores de velocidade do vento, para o horário das 0h, destacando-se a possibilidade de influência das brisas terrestres. Já as calmarias diurnas, apesar de menos frequentes, podem indicar a atuação de sistemas atmosféricos de escala sinótica capazes de diminuir a intensidade dos alísios, como a influência da ZCIT sobre a circulação de leste durante os meses de outono.

No caso do G2, as maiores ocorrências no inverno evidenciam o fortalecimento dos alísios quando, sazonalmente, há a expansão do ASAS. Nesse caso, os ventos mais intensos transportam umidade do oceano contribuindo para a ocorrência de precipitação na faixa leste do Nordeste.

O pico dos eventos intensos entre os meses de março e abril sugerem para o G3 maiores influências da ZCIT. Por esta razão, valores mais baixos da velocidade do vento podem ter relação tanto com a aproximação da convergência dos alísios quanto com a atuação das brisas.

Análise dos padrões sinóticos

Analisaram-se os padrões sinóticos correspondentes aos dias típicos de cada grupos. Foram identificados 49 dias típicos para o G1, 5 dias para o G2 e 6 dias para o G3.

Os padrões sinóticos do G1 foram caracterizados pelo fortalecimento da circulação de leste sobre a costa oriental do estado de Pernambuco. Na altura geopotencial de 500 hPa, foi frequentemente observado o estabelecimento de circulação anticiclônica sobre o Sudeste ou centro do país, com borda norte do anticiclone posicionado sobre o leste do Nordeste.

A crista do ASAS prolongou-se sobre o leste do Brasil, acoplando a circulação de leste na média troposfera com aquela observada nos mais baixos níveis (na altura geopotencial de 850 hPa ou em superfície). Em algumas situações, o posicionamento do anticiclone transitório, entre o sul do país e o oceano Atlântico, também fortaleceu os ventos de leste em superfície. Cavados na baixa e, principalmente, na média atmosfera estiveram associados à circulação de leste, deslocando distúrbios no campo dos alísios para a costa oriental da região Nordeste.

Considerou-se que, para o G1, o tipo de tempo esteve relacionado à ocorrência de DOLs. Essa constatação tomou por base estudos anteriores que descreveram esse sistema como perturbações ocasionadas por cavados (mais bem configurados nos níveis médios da troposfera) e aglomerado de nuvens que se deslocam do oceano para o continente (COUTINHO; FISCH, 2007COUTINHO, Eliane De C.; FISCH, G. Distúrbios ondulatórios de leste (DOLs) na região do Centro de Lançamento de Alcântara-MA. Revista Brasileira de Meteorologia, v. 22, n. 2, p. 193-203, 2007. https://doi.org/10.1590/S0102-77862007000200005
https://doi.org/10.1590/S0102-7786200700...
; SANTOS et al. 2012SANTOS, A. H. M. dos et al. Distúrbio Ondulatório de Leste e seus impactos na cidade de Salvador. Revista Brasileira de Meteorologia, v. 27, n. 3, p. 355-364, 2012. https://doi.org/10.1590/S0102-77862012000300010
https://doi.org/10.1590/S0102-7786201200...
; NEVES et al.2016NEVES, D. J. D.; ALCÂNTARA, C. R.; SOUZA, E. P. de. Estudo de Caso de um Distúrbio Ondulatório de Leste sobre o Estado do Rio Grande do Norte-Brasil. Revista Brasileira de Meteorologia, v. 31, n. 4, p. 490-505, 2016. https://doi.org/10.1590/0102-778631231420150075
https://doi.org/10.1590/0102-77863123142...
). Em estudo realizado no leste do Nordeste, Gomes et al. (2019GOMES, H.B. et al. Climatology of easterly wave disturbances over the tropical South Atlantic. Climate Dynamics, v. 53, n. 3-4, p. 1393-1411, 2019.https://doi.org/10.1007/s00382-019-04667-7
https://doi.org/10.1007/s00382-019-04667...
) verificaram que 91% dos eventos de DOLs que ocorrem entre abril e agosto são originados a partir de perturbações provocadas por frentes frias.

As condições atmosféricas em superfície associadas a esses padrões sinóticos de circulação estiveram marcadas, para o G1, por calmarias e elevada umidade relativa às 0h UTC. Esse fato corrobora com estudo anteriores (KOUSKY, 1980KOUSKY, V.E. Diurnal rainfall variation in northeast Brazil. Monthly Weather Review, v. 108, n. 4, p. 488-498, 1980. https://doi.org/10.1175/1520-0493(1980)108%3C0488:DRVINB%3E2.0.CO;2
https://doi.org/10.1175/1520-0493(1980)1...
; MOLION; BERNARDO, 2002MOLION, L. C. B.; BERNARDO, S. de O. Uma revisão da dinâmica das chuvas no nordeste brasileiro. Revista Brasileira de Meteorologia, v. 17, n. 1, p. 1-10, 2002. http://dx.doi.org/10.4236/acs.2014.45077
http://dx.doi.org/10.4236/acs.2014.45077...
; ALBUQUERQUE et al., 2013ALBUQUERQUE, R. T. D. B. de et al. Distribuição Temporal das Precipitações no Município do Recife. Revista Brasileira de Geografia Física, v. 6, n. 02, p. 245-252, 2013. https://doi.org/10.26848/rbgf.v6.2.p245-252
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) que a convergência da brisa terrestre com os alísios (fortalecidos pela circulação de leste) é um mecanismo importante para a intensificação da instabilidade atmosférica na costa leste do Nordeste.

Como representante do G1, foi selecionado o dia típico de 17/06/2010. Para este dia foram registrados 116,4 mm em 24h. Esse evento compôs, juntamente com os dias 18 e 19, um dos mais intensos episódios pluviométricos no leste do Nordeste brasileiro. Na carta sinótica de superfície, às 0h do referido dia, observou-se um cavado com deslocamento na circulação norte do ASAS em direção ao litoral oriental da região Nordeste (Figura 6).

As imagens de satélite GOES-12 no canal infravermelho realçado para os horários das 0h, 12h e 18h mostraram a intensificação de um DOL (Figura 7). No horário das 0h percebe-se um aglomerado de nuvens quentes em aproximação à costa leste da região Nordeste do Brasil (Figura 7A). Nos horários das 12h e 18h (Figuras 7B e 7C) visualiza-se o desenvolvimento de convecção, com topo de nuvens alcançando a temperatura de -60°C.

Verificou-se que à medida que o cavado se aproximou do continente, houve aumento da instabilidade a leste desse sistema. Machado et al. (2012MACHADO, C.C.C. et al. Distúrbio Ondulatório de Leste como condicionante a eventos extremos de precipitação em Pernambuco. Revista Brasileira de Climatologia, v. 11, 2012. http://dx.doi.org/10.5380/abclima.v11i0.28699
http://dx.doi.org/10.5380/abclima.v11i0....
) e Alves et al. (2013ALVES, K. M. A. S. et al. Eventos extremos e risco de inundação: uma análise do comportamento evolutivo dos Distúrbios Ondulatórios de Leste em junho de 2010 sobre a bacia do rio Una-Pernambuco. GeoTextos, v. 9, n. 2, 2013. http://dx.doi.org/10.9771/1984-5537geo.v9i2.6628
http://dx.doi.org/10.9771/1984-5537geo.v...
), ao analisarem este evento pluviométrico intenso, constataram que a gênese de um sistema convectivo de mesoescala do dia 17/06/2010 foi modulada por um DOL em associação a temperaturas acima da média das águas do oceano Atlântico Sul.

Figura 6
Carta sinótica das 0h UTC do dia 17/06/2010 para parte da América do Sul e oceano Atlântico.

Figura 7
imagens de satélites GOES no canal realçado para o dia 17/06/2010 nos horários das 0h (A), 12h (B) E 18h (C).

Para o G2 os padrões de circulação atmosférica foram descritos apenas por análise de imagens de satélite, pois não havia cartas sinóticas disponíveis para os dias típicos.

A imagem de satélite no canal infravermelho para a América do Sul no dia 19/08/1996 representou um dia típico para o G2 (Figura 9). Nesse dia houve acumulado diário de chuva de 52,6 mm. Observaram-se nuvens quentes deslocando-se do oceano Atlântico para a costa oriental do Nordeste nos três horários analisados 0h (Figura 8A), 12h (Figura 8B) e 18h (Figura 8C). O desenvolvimento destas nuvens provavelmente ocorreu no campo dos alísios de sudeste (Figura 8C).

Figura 8
Imagens de satélite GOES-8 do canal infravermelho para o dia 19/08/1996 nos horários das 0, 12 e 18h UTC.

A análise dos dados de superfície sugere que, para o G2, as maiores velocidades do vento registradas às 0h e 18 h UTC, podem estar relacionadas à intensificação dos padrões sinóticos observados para o G1, com fortalecimento dos ventos alísios a partir do estabelecimento do escoamento de leste acoplado entre os níveis médios e baixos da troposfera. Desse modo, a presença de cavados ou distúrbios na borda norte da circulação anticiclônica favoreceria o transporte de umidade para o litoral oriental do nordeste brasileiro.

O padrão de circulação atmosférica observado para os dias referentes ao tipo de tempo do G3 apresentou o desenvolvimento de instabilidade convectiva, que esteve relacionado ao posicionamento da ZCIT próxima à costa setentrional do Nordeste, e ao posicionamento de VCANs com centro sobre o Atlântico ou sobre o estado da Bahia. Esses sistemas alimentaram distúrbios no campo dos alísios, contribuindo com a gênese dos eventos intensos de chuva.

A carta sinótica de superfície do dia 06/04/2009 representa o G3 (Figura 9). Nessa data foi registrado um volume diário de precipitação de 55,0 mm. A carta apresentou uma situação sinótica em que ZCIT atuava sobre o litoral setentrional do Nordeste, gerando instabilidade convectiva. Sobre o leste do Nordeste um cavado localizado próximo ao litoral do estado de Pernambuco gerou instabilidade.

Figura 9
Carta sinótica das 0h UTC do dia 06/04/2009 para parte da América do Sul e oceano Atlântico.

As imagens de satélite do dia 06/04/2009 foram apresentadas para os horários das 0h (Figura 10A), 12h (Figura 10B) e 18h (Figura 10C). Observou-se que a nebulosidade se deslocou do oceano Atlântico em direção ao litoral do nordeste brasileiro. Na imagem das 0h predominavam nuvens quentes sobre o oceano nas proximidades dos estados do Rio Grande do Norte e da Paraíba, e desenvolvimento de instabilidade convectiva sobre parte do interior da região.

Na imagem das 12h foi verificado o desenvolvimento de instabilidade convectiva sobre a costa oriental da região Nordeste do Brasil, com núcleo de nuvens com temperatura de topo de -50°C sobre o litoral do estado de Pernambuco. Às 18h o sistema que atuava na faixa litorânea avançou sobre o interior da região, aumentando a instabilidade já observada às 0h.

Figura 10
Imagens de satélite do canal realçado para o dia 06/04/2009 nos horários das 0, 12 e 18h UTC.

Comparando-se os padrões sinóticos referentes aos grupos de tipos de tempo, relacionados aos eventos intensos de chuva, foi verificada uma maior similaridade quanto a configuração entre o G1 e G2. O G3 apresentou maiores distinções em relação aos demais grupos, principalmente em virtude da atuação da ZCIT em latitudes austrais, influenciando a gênese dos eventos pluviométricos.

Do ponto de vista análogo aos estudos de Kalkstein et al. (1998KALKSTEIN, L. S.et al. A determination of character and frequency changes in air masses using a Spatial Synoptic Classification. International Journal of Climatology, Oxford, v. 18, n. 11, p. 1223-1236, 1998.https://doi.org/10.1002/(SICI)1097-0088(199809)18:11%3C1223::AID-JOC310%3E3.0.CO;2-1
https://doi.org/10.1002/(SICI)1097-0088(...
), Sheridan (2002SHERIDAN, S. C. The redevelopment of a weather‐type classification scheme for North America. International Journal of Climatology: A Journal of the Royal Meteorological Society, v. 22, n. 1, p. 51-68, 2002. https://doi.org/10.1002/joc.709
https://doi.org/10.1002/joc.709...
) e Fontão et al. (2018FONTÃO, P.A.B. et al. Gênese das chuvas em São Paulo (SP): estudo comparativo entre a “Spatial Synoptic Classification” e a “Análise Rítmica em Climatologia”. Revista Brasileira de Climatologia, Curitiba, v. 23, n. 14, p. 267-288, 2018. http://dx.doi.org/10.5380/abclima.v23i0.58657
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), os quais optaram por utilizar as nomenclaturas das massas de ar para se referir aos tipos de tempo em superfície, na atual proposta todos os grupos de tipos de tempo seriam caracterizados pela atuação predominante da massa Tropical Atlântica (mTa). Tal massa de ar é constituída pelos alísios de leste ou sudeste com origem no ASAS e, quando associada a cavados invertidos desencadeados por sistemas meteorológicos individualizados (ZCIT, VCAN ou frentes), apresenta potencial para a gênese de eventos intensos de chuva.

O quadro 1 apresentou uma síntese da caracterização dos tipos de tempo relacionados à gênese das chuvas intensas na cidade do Recife.

Quadro 1
síntese das características atmosféricas locais, em superfície, e regionais, em escala sinótica, dos tipos de tempo explicaram a gênese das chuvas intensas na cidade do Recife.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os eventos intensos de chuva na cidade do Recife foram relacionados a ocorrência de três grupos referentes aos eventos diários de precipitações intensas. Em superfície, esses grupos foram diferenciados pela velocidade do vento e pela temperatura do ar. O G1 representou as características atmosféricas mais frequentes relativas à ocorrência de 79% dos eventos intensos de chuva, com máxima concentração nos meses de outono. O G2 esteve associado a 9% das chuvas diárias intensas, com ocorrência recorrente no inverno. O G3 teve maior registro no final do verão e no outono e correspondeu a 12% dos eventos analisados.

Para os três grupos, os tipos de tempo e padrões sinóticos estiveram relacionados ao deslocamento de cavados formados na circulação de leste do ASAS. Constatou-se que a formação de DOLs foi um mecanismo importante na modulação dos eventos de chuvas intensas. Os padrões sinóticos também foram caracterizados por maior influência da ZCIT e de VCANs durante o verão e o outono.

Considera-se que o presente estudo apresentou contribuições metodológicas para a caracterização e análise dos eventos de precipitações intensas. Para estudos futuros, recomenda-se a aplicação da abordagem proposta em outros sítios urbanos, ou em estudos de casos que objetivem a investigação sobre a gênese ou impactos de eventos diários de chuva.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Set 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    18 Abr 2021
  • Aceito
    23 Jun 2021
  • Publicado
    30 Jul 2021
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