Acessibilidade / Reportar erro

Serviço Social, políticas públicas, democratização: resistências e insurgências:

Social work, public policies, democratization: resistance and insurgency

1. Introdução

Desde que surgiu como sistema e modo de produção dominante, o capitalismo tem sido pródigo em deixar explícitas as suas consequências insidiosas sobre os modos de vida das populações que a ele estão submetidas. Embora apresente mecanismos intrínsecos para ocultar as contradições imanentes, é fato que sua incidência material no cotidiano de indivíduos e populações evidencia seus limites e efeitos, sobretudo nos momentos de crise. Ao impor-se ao mundo, desterritorializando fronteiras a partir da década de 1970, o capitalismo mundializado e financeirizado assume o neoliberalismo como sua identidade e libera de modo crescente e generalizado as atividades econômicas nas dimensões de produção, distribuição, troca e consumo. Para isso, conta com o apoio exemplar dos Estados burgueses, “reformados” sob a égide da desregulamentação de suas atividades e da agenda privatista, que sacrificam a necessidade social/pública de instituições governamentais para operar e viabilizar direitos relativos a: habitação, transporte, educação, saúde, previdência, cultura, entre outros. Contudo, segundo Ianni (1998IANNI, O. Globalização e Neoliberalismo. Revista São Paulo em Perspectiva n. 12(2), p. 27-32. São Paulo: Fundação Seade, 1998., p. 12): “o nacionalismo, tribalismo, localismo, provincianismo, chauvinismo e outras peculiaridades ou excentricidades revelam-se, com frequência, obstáculos à difusão e assimilação de práticas e ideais neoliberais”.

Com base na afirmação do autor, de um lado, podemos asseverar que a última quadra histórica nos mostrou que tais “peculiaridades” ou “excentricidades” contraditoriamente convivem ou são incorporadas sem dificuldade ao léxico e à prática neoliberais em escala global, sobretudo diante do esgotamento das propriedades civilizatórias do capitalismo, que fez emergir recentemente, em várias partes do mundo, incluindo o Brasil, movimentos obscurantistas, que, em sua forma política, deram materialidade ao (neo)fascismo e ao ultraliberalismo. De outro, podemos depositar crédito em formas de organização social que confrontem os avanços do capital na destruição do tecido social, tais como: iniciativas que reforcem o “poder local”; experiências de associativismo civil e movimentalistas; práticas conselhistas quando sustentadas nos interesses das maiorias; diferentes formas de controle democrático da esfera pública, tais como ouvidorias, fóruns de movimentos populares, instâncias de defesa e garantia de direitos etc.; além, obviamente, da execução de políticas públicas que “reponham perdas moralmente injustificadas […] e liberem os indivíduos e grupos tanto da condição de necessidade quanto do estigma produzido por atendimentos sociais descomprometidos com a cidadania” (Pereira, 2008PEREIRA, P. A. P. Política Social: temas & questões. São Paulo: Cortez, 2008., p. 99-100).

Reconhecidos os limites estruturais de todas essas experiências (se a referência for a emancipação humana), é possível apostar nas possibilidades que delas emergem, tal como fizemos no Brasil que se redemocratizou em 1985 e, contraditoriamente, consagrou uma Constituição Federal (CF-88), que reafirmou valores liberais ao mesmo tempo que lançou as bases para a construção de um Estado Social.

Como fruto de mobilizações populares e das lutas da classe que vive da venda de sua força de trabalho, os direitos consignados na CF-88 se ancoram nas possibilidades de democratização do Estado por meio, sobretudo, de mecanismos de participação social e popular. O Serviço Social brasileiro, que anteriormente participara ativamente das lutas contra a autocracia burguesa, encontra, nos ventos da redemocratização, os alicerces que lhe permitiram construir um projeto profissional orientado pelo horizonte da superação da ordem do capital, que incorpora, em seus vértices ético-político, teórico-metodológico e técnico-operativo, o incentivo à participação popular e ao estabelecimento de alianças estratégicas com movimentos sociais que compartilham da mesma perspectiva emancipatória.

De lá para cá, a dinâmica da sociedade brasileira tem sido marcada pelas inflexões do capitalismo globalizado, ao mesmo tempo que particularidades da nossa formação sócio-histórica se colocam como condicionantes dos rumos recentes. Com o fim do período autocrático, convivemos simultaneamente com a esperança da democratização e com o ajuste neoliberal. A agenda de contrarreformas mobilizou parte da população brasileira, das quais se destacaram as/os assistentes sociais. Na direção de sua resistência e junto aos movimentos sociais críticos, pudemos aspirar a mudanças que, em tese, viriam com o resultado das eleições de 2002.

A força dos interesses imperialistas, associada à movimentação da burguesia interna e às alianças que se deram no interior do bloco no poder, conduziram-nos ao social-liberalismo, o que redundou em modestas, porém emblemáticas “reformas” na gestão do Estado - vide a implementação de políticas sociais em larga escala e o incentivo à participação institucionalizada via conselhos e conferências.

O esgotamento inevitável do neoliberalismo à brasileira (Paula, 2016PAULA, R. F. dos S. Estado Capitalista e Serviço Social: o (neo)desenvolvimentismo em questão. Campinas: Papel Social, 2016.) abriu espaço para uma crise política sem precedentes na história nacional. Tal crise interrompeu o social-liberalismo e criou condições para a reposição extremada do neoliberalismo embebecido com repertório (neo)fascista. A transição iniciada com o golpe jurídico-midiático de 2016 se consolida em 2018 e nos faz assistir ao desmanche acelerado das políticas públicas em geral e das políticas sociais em particular; a criminalização dos movimentos sociais; o desestímulo à participação social e o desmonte dos canais institucionais de participação vinculados à estrutura do Estado; a aceleração do genocídio indígena e da população jovem negra associado a uma agenda de destruição ambiental; o estímulo a práticas sociais misóginas, machistas, racistas e LGBT(+)fóbicas etc. O Brasil, então, dividiu-se e, polarizado, foi às urnas em 2022.

Diante da complexa conjuntura política atual, quando o terceiro governo Lula já completou seu primeiro ano, com congresso de maioria conservadora e retrógrada, com composição ministerial ampla e “eclética” pressionada pelo fisiologismo do chamado “centrão” e com governos estaduais e municipais dando continuidade à agenda ultraliberal na economia e ao (neo)fascismo nos costumes, são muitas as questões que nos interpelam e necessitam ser aprofundadas no exame dos intrincados meandros dos processos de democratização e de fortalecimento da participação popular e das pautas das classes subalternas. Questões que devem estar presentes no debate público no contexto das eleições municipais de 2024.

Portanto, estamos no momento oportuno para realizar um balanço crítico das experiências de participação e de controle democrático das políticas públicas, apontando, quiçá, para a inauguração de novas práticas e experiências nesse campo.

Torna-se imperioso problematizar o caminho percorrido para repensar e redefinir estratégias, considerando a importância do amplo movimento sociopolítico que comprometeu um conjunto significativo de sujeitos políticos, incluindo aí as organizações profissionais de assistentes sociais, pesquisadoras/es e militantes da luta pela construção democrática brasileira, ampliando o debate para um conjunto de outras apostas políticas, por dentro da institucionalidade e nas ruas, dentro e fora dos espaços institucionalizados, sem desconsiderar a relevância que eles assumiram.

2. Velhas e novas insurgências: resistências à nova razão do mundo1 1 Parte das reflexões aqui contidas foram problematizadas em Lopes, Rizzotti e Paula (2023). A integra pode ser encontrada no tópico Estado, Resistências e Narrativas Insurgentes, do autor, na mesma obra (p. 23-27).

Muitas tentativas foram feitas para explicar o conceito de neoliberalismo. Diferentemente do liberalismo clássico, o neoliberalismo se qualifica tardiamente no âmbito acadêmico. Definições mais precisas do que seria esse fenômeno começam a surgir nas ciências sociais em fins dos anos 1990 e início dos anos 2000. Contribuições como as de Pierre Bourdieu, Loïc Wacquant, David Harvey, ou mesmo a publicação póstuma do curso de Michel Foucault intitulado Naissance de la biopolitique animam o debate e oferecem diferentes perspectivas de análise:

A partir de então, mesmo mantendo uma postura crítica, todo um trabalho foi realizado no sentido de definir o conceito ou por relação à sua doutrina teórica, enfatizando as principais escolas e pensadores, a proveniência e a trajetória das ideias e o contexto e as circunstâncias em que emergiram (Mirowski; Plehwe, 2009; Peck, 2008), ou por relação ao chamado “actually existing neoliberalism”, destacando sua implementação prática, seus fenômenos, suas estratégias, suas esferas de atuação e dinâmicas (Brenner; Theodore, 2002; Dardot e Laval, 2009; Wacquant, 2012). Por fim, o último impulso veio com a crise financeira de 2008, que recolocou politicamente a questão dos limites, da continuidade e das alternativas ao neoliberalismo (Duménil; Lévy, 2014; Peck, Theodore; Brenner, 2012a; 2012b; Mirowsky, 2013; Davies, 2014; Dardot; Laval, 2014DARDOT, P.; LAVAL, C. A nova razão do mundo. Ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016.) (Andrade, 2018ANDRADE, D. P. O que é o neoliberalismo? A renovação do debate nas ciências sociais. Revista Sociedade e Estado, v. 34, n. 1, jan./abr., 2019. p. 211-239. , p. 211).

Nesse último bloco de contribuições, as análises de Dardot e Laval inovam quando informam o modo como o neoliberalismo avança para a construção de um padrão de sociabilidade que molda sujeitos à sua imagem e semelhança (o sujeito neoliberal), constituindo-se, desse modo, na nova razão do mundo. Mas, mesmo que opere sob uma nova racionalidade, o neoliberalismo mantém os componentes essenciais da forma capitalista de ser e de produzir e, como tal, nos permite evidenciar suas contradições e limites histórico-estruturais. Tais limites e contradições não são encontrados apenas na literatura crítica ao capitalismo. Examinando com atenção desde os clássicos até os contemporâneos do acervo liberal, encontramos passagens em que imperfeições desse sistema são admitidas ou justificadas.

O inglês John Locke (1632-1704), por exemplo, adquire notoriedade como precursor do liberalismo político ao reconhecer a propriedade como um direito natural (jus naturale), ao mesmo tempo que admite a generalização do uso do papel-moeda como fator gerador de desigualdades, abrindo caminho para as contundentes críticas que recebe de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Também é possível extrair da lavra do filosofo escocês Adam Smith (1723-1790) o reconhecimento de que as relações capitalistas, analisadas de acordo com sua época, requisitavam um comportamento egoísta entre os homens e, sendo assim, princípios de justiça social deveriam existir como forma de equilibrar o aumento desmedido dos preços das mercadorias2 2 Embora Adam Smith enfatizasse que o capitalismo era o único sistema no qual os indivíduos poderiam atender naturalmente seus próprios interesses, podemos inferir que Smith enxergava a influência das relações de mercado na sociabilidade, não as atribuindo completamente à natureza humana como o fez Thomas Hobbes. Assim, essas duas célebres passagens de sua obra nos servem como ilustração da sua não ingenuidade aos limites do capitalismo, embora sua real intenção fosse ratificar a supremacia da “mão invisível” na condução das relações sociais. Em A Riqueza das Nações (p. 74), afirma: “Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar, mas de seu cuidado pelos próprios interesses. Dirigimo-nos não à sua humanidade, mas a seu amor próprio de si mesmos, e nunca lhes falamos de nossas próprias necessidades, mas de suas vantagens”. Já em Teoria dos Sentimentos Morais (p. 157), refere: “A sociedade, porém, não pode subsistir em meio àqueles que estão sempre prontos a ferir e a prejudicar uns aos outros. Se houver alguma sociedade entre ladrões e assassinos, eles precisam ao menos se abster de assassinar uns aos outros. A sociedade pode subsistir sem caridade, embora não seu estado mais favorável; mas o prevalecimento da injustiça irá destruí-la completamente”. . Mesmo o Papa Leão XIII (1810-1903), na conhecida encíclica Rerum Novarum, de 1891RERUM NOVARUM. Encíclica Papal, 1891., admite que as mudanças causadas no modo de produção, sobretudo com o advento da Revolução Industrial, resultaram no conflito de classes marcado pela exploração do Trabalho pelo Capital3 3 Vide em especial o trecho “A tudo isto deve acrescentar-se o monopólio do trabalho e dos papéis de crédito, que se tornaram o quinhão dum pequeno número de ricos e de opulentos, que impõem assim um jugo quase servil à imensa multidão dos proletários”. .

Assim como Locke e Smith, o Pontífice não tinha nenhuma intenção de propor a superação do capitalismo, mas sim, como os demais, justificá-lo a seu modo; contudo, o Papa não deixou de registrar que a Igreja Católica não estaria alheia aos novos padrões de sociabilidade sustentados na acumulação e na exploração dos trabalhadores. Mesmo nos tempos contemporâneos, apologetas da ordem do capital como Ludwig von Mises (1881-1973) ou Friedrich Hayek (1889-1992) também deram suas “escorregadas” na defesa do capitalismo deixando escapar a explicitação de algumas de suas contradições4 4 Von Mises destacou a existência de um forte componente irracionalista na economia de mercado, e Hayek não negou a autogeração de crises no interior do sistema. .

Com esses exemplos, é evidente que, mesmo entre aqueles que entendem que o capitalismo marca o fim de nossa escalada civilizatória, pois insistem em não haver possibilidade histórica de existir sistema socioeconômico superior, é possível verificar não apenas as contradições inexoráveis dele, como também identificar que é esse sistema que trará, pela primeira vez na história da humanidade, o conflito estrutural entre classes sociais5 5 Não se trata de negar a existência de conflitos nas formações sociais que antecederam ao capitalismo, mas sim de demonstrar que, sob a forma social de padrão burguês dominante, a estrutura de classes se coloca como componente ineliminável. . Desde o ludismo e o cartismo6 6 O ludismo foi um movimento social ocorrido na Inglaterra entre 1811 e 1812. O movimento propunha a “quebra das máquinas” em forma de protesto contra o desemprego e as precárias condições de trabalho dos operários ingleses nas fábricas. Já o cartismo, movimento que acontece entre 1830 e 1840, reivindicava direitos políticos para os operários e melhorias nas condições de vida e de trabalho na Inglaterra. , que figuram como os primeiros grandes movimentos sociais reivindicativos após o estabelecimento das novas condições de exploração da classe trabalhadora no contexto da Revolução Industrial, o planeta nunca mais cessou suas reivindicações e protestos.

Em agosto de 1963, o célebre discurso de Martin Luther King Jr. - I have a dream7 7 Eu tenho um sonho (tradução livre). - marca a Marcha sobre Washington por Trabalho e Liberdade, que reivindicava direitos civis; a partir de dezembro de 2010, uma série de protestos, que ficaram conhecidos como Primavera Árabe, ocorreram em países do Oriente Médio e no norte da África contra a corrupção nos governos, a falta de liberdade e a crise econômica; a repressão policial e o racismo também motivaram protestos em larga escala a partir de 2013, quando foram retiradas as queixas contra George Zimmerman, um homem branco que assassinara o jovem negro Tryvon Martin, na Flórida. Outros negros foram mortos por civis e por policiais brancos depois disso, e o movimento que se iniciou com o nome Black Lives Matter8 8 Vidas negras importam (tradução livre). tomou conta do país e do mundo.

No Brasil, as resistências e insurgências também são muito presentes em nossa história. No período mais recente, o movimento pelas Diretas Já!, iniciado em março de 1983, lutou pelo fim da ditadura empresarial-militar e reivindicou eleições diretas, o que configuraria o retorno ao regime democrático; e, finalmente, os movimentos de junho de 2013, uma série de protestos de rua descentralizados e difusos levaram milhares de pessoas a protestar contra o preço dos transportes públicos, a violência policial, a crise econômica e social e a insatisfação com a categoria dos “políticos” brasileiros. Os desdobramentos desses movimentos já são por nós suficientemente conhecidos.

Esses são apenas alguns exemplos que demonstram múltiplas questões, das quais destacamos: 1) a ideia de paz social (ou de ordem e progresso, como registra o lema positivista da bandeira nacional) é sempre uma expectativa, nunca uma garantia, uma vez que o capitalismo brasileiro, ou o de qualquer outro país, é marcado pelas contradições que deterioram em maior ou menor escala o tecido social em sua crise permanente; 2) a conjuntura destes anos iniciais do século XXI tem sido marcada pela retomada de insurgências populares, que surgem como reação ao movimento asfixiante do capital, que, como resposta à última de suas crises (a de 2008), permitiu o renascimento público e com braços estatais tanto de “ideologias” quanto de práticas mediadas por perspectivas neofascistas e ultraliberais.

Ou seja, trata-se de um momento histórico que carrega a já conhecida e reiterada desigualdade estrutural, mas que traz consigo a particularidade de vir acompanhado de uma crise sociocultural e de sociabilidade que coloca em xeque o padrão civilizatório nascido na Modernidade. Padrão este que, por força de movimentos sociais contestatórios e suas narrativas insurgentes, vinha se aperfeiçoando com a incorporação de pautas que teriam como horizonte construir a “liberdade de cada um de modo que essa também fosse a liberdade de todos”.

3. As apostas de 1988 e a necessária revisão de nossas experiências

Os caminhos da construção da esfera pública no Brasil com participação popular remetem necessariamente à CF-88 e ao vigoroso contexto movimentista, que apostou na possibilidade de renovação dos espaços e dos sujeitos da luta política, em torno de um novo modo de fazer política, que articulasse democracia representativa e democracia de base9 9 Parte dessas reflexões sobre controle social e construção da esfera pública democrática no Brasil foi apoiada em Raichelis, R. (2015, 7. ed). Para aprofundamento, confira especialmente o Posfácio da autora: Desafios do controle social: notas sobre o papel dos conselhos na atualidade (p. 339-358). .

No que se refere à construção da esfera pública democrática no âmbito das políticas sociais, buscava-se a criação de novos fóruns de participação de segmentos organizados da sociedade civil, impulsionados pelas lutas sociais das décadas de 1970/1980, que objetivava redefinir os laços entre o espaço institucional e as práticas societárias, não como polaridades que se excluem, mas como processos conflituosos que se antagonizam e se complementam na luta pela inscrição de conquistas sociais na institucionalidade democrática.

Importante considerar que a esfera pública é construção histórica tecida no interior das relações entre sociedade política e sociedade civil, lugar de visibilidade e explicitação de conflitos e dos antagonismos dos projetos políticos em disputa, onde se travam as lutas que visam transformar simultânea e contraditoriamente os âmbitos estatizados e privatizados da vida social. Assim, a questão do controle social sobre as decisões políticas, que afetam a vida das maiorias, é peça-chave no processo de constituição da esfera pública democrática.

Os desafios envolvidos na construção da esfera pública no Brasil e, em especial, no campo das políticas sociais, sofrem o impacto da agenda neoliberal, da mundialização e financerização do capital, da privatização do Estado e dos serviços públicos, do agravamento sem precedentes da crise social. A desregulamentação econômica e social atua como fator desagregador da esfera pública, enfraquecendo os parâmetros públicos e estreitando as possibilidades de radicalização democrática.

A hegemonia neoliberal desloca os espaços de representação coletiva e controle socializado sobre o Estado para a ação de grupos de pressão e de lobbies, pulverizando a força da organização coletiva das classes e dos grupos sociais subalternos, reduzindo-a à expressão de interesses corporativos invariavelmente desqualificados e despolitizados.

Tendência que vem acompanhada de uma sistemática anulação da política, da supressão dos conflitos que lhe são próprios e do desentendimento, que, para Rancière (1996RANCIÈRE, J. O desentendimento: política e filosofia. São Paulo: Editora 34, 1996.), expressa o dissenso estabelecido quando o povo, a plebe ou “aqueles que não têm parcela” resolvem estabelecer a política do litígio, produzindo o escândalo de querer falar, de cobrar a fração a que tem direito.

Instala-se assim o confronto entre formas de cooptação política e formas autônomas de representação, decorrendo daí que as tendências integradoras e cooptadoras minem, frequentemente, as possibilidades de fortalecimento dos espaços de controle social como os conselhos e as conferências.

Naquele contexto de luta pela reconstrução democrática nas décadas de 1970/1980, apenas esboçava-se a tendência, hoje plenamente consolidada e expandida, de criação de conselhos, fóruns, conferências em diferentes setores das políticas públicas, que puseram em funcionamento uma nova arquitetura da participação social nos espaços institucionais de deliberação e gestão de políticas e de defesa de direitos sociais.

Situa-se aí o debate sobre as relações entre democratização e representação dos interesses populares na esfera pública, em que movimentos sociais e populares experimentavam novas formas de organização, expressão e luta social e política.

O assim denominado projeto democrático-popular é marcado, então, desde as suas origens, por uma aposta política (Feltran, 2006FELTRAN, G. de S. Deslocamentos: trajetórias individuais, relações entre sociedade civil e Estado no Brasil. In: DAGNINO, E. et al. (orgs.). A disputa pela construção democrática na América Latina. São Paulo: Paz e Terra/Unicamp, 2006.). Essa aposta vai se expressar ao longo dos anos 1980 e meados dos 1990 e se traduz na possibilidade de que demandas sociais e reivindicações dos movimentos sociais, no contexto da luta democrática de finais dos anos de 1970, pudessem penetrar o espaço estatal retirando do Estado o monopólio das decisões sobre a “coisa pública”.

Esse projeto apostou nas possibilidades de democratização conjunta do Estado e da sociedade civil, pela articulação entre as dimensões societária e institucional. Dada a tradição autoritária da sociedade e do Estado brasileiro, tratou-se de um projeto de grande envergadura, nem um pouco trivial, considerando a nossa cultura política patrimonialista, autoritária, patriarcal, racista, familista e clientelista.

Nesses termos, foi esse o contexto que possibilitou a experimentação de um novo desenho institucional na gestão de políticas sociais, como saúde, assistência social, criança e adolescente etc., bem como a implementação de nova arquitetura da participação, particularmente em âmbito municipal, por meio dos conselhos de políticas e de direitos, do orçamento participativo, de fóruns, frentes, audiências públicas, enfim de um conjunto de mecanismos de controle social voltados à radicalização democrática e ao fortalecimento do poder popular.

Essas práticas participativas foram se institucionalizando ao longo dos anos 1990, entre as quais os conselhos, que ganharam primazia, e tivemos inegavelmente grandes avanços, o que não significa deixar de reconhecer os limites e o caráter restrito que assumiram em grande parte dessas experiências.

4. Conselhos como práxis da participação e da democratização da esfera pública

Diante do contexto exposto, a categoria controle social passa a adquirir um conteúdo específico, mais amplo do que o sentido corrente utilizado na sociologia clássica que o concebe como controle do Estado ou do empresariado pelas massas. Diversamente, o sentido de controle social inscrito na Constituição Federal de 1988 é o das possibilidades de participação da população no debate, na elaboração, na implantação e implementação e na fiscalização das políticas públicas, sobretudo, as políticas sociais. Ao longo da história, podemos perceber que se trata de uma categoria em disputa, pois o sentido que se atribui à ideia de controle social varia conforme se alteram as correlações de forças no bloco no poder. Nos anos 1990, por exemplo, no período do governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), notamos nitidamente a diferença entre o conceito de controle social inscrito na Constituição e o proposto pela contrarreforma do Estado, momento em que foram instituídos os conselhos gestores de políticas públicas e de direitos. Na perspectiva assumida pelo governo FHC, com base no projeto de reforma gerencial do aparelho de Estado proposto pelo então ministro Bresser Pereira, os conselhos passam a ser consultivos e não paritários, não tendo caráter decisório (Bresser Pereira; GRAU, 1999BRESSER PEREIRA, L. C.; GRAU, N. C. (org.). O público não estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1999.).

O debate relativo aos conselhos se inscreve, portanto, no contexto dos enfrentamentos da luta pela constituição de espaços públicos e pelo fortalecimento da participação popular, como procuramos evidenciar, relacionando-os com a possibilidade de ampliação da democracia social, econômica e política apesar dos impasses vivenciados nos anos 1990, muitos dos quais permanecem até os dias atuais. Diversos autores têm ressaltado essa questão, cabendo destacar reflexões importantes como as de Coutinho, (1992COUTINHO, C. N. Gramsci: um estudo sobre seu pensamento. Rio de Janeiro: Campus, 1992.), Raichelis (1998RAICHELIS, R. Esfera pública e conselhos de assistência social - caminhos da construção democrática. 7. ed. São Paulo: Cortez, 1998; 2015.) e Dagnini (2002DAGNINO, E. Sociedade civil, espaços públicos e construção democrática no Brasil: limites e possibilidades. In: DAGNINO, E. (org.). Sociedade civil e espaços públicos no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2002.).

Os esforços teóricos para compreender a prática conselhista e a própria constituição dos conselhos são de diversas ordens, como viemos apontando. Bravo e Souza (2002BRAVO, M. I. S.; SOUZA, R. de O. Conselhos de Saúde e Serviço Social: luta política e trabalho profissional. Revista Ser Social. n. 10. Programa de Pós-Graduação em Política Social: Brasília, 2002. p. 57-92.) sintetizam esse empenho e identificam a coexistência de concepções diferenciadas que evidenciam tendências dominantes no debate sobre os conselhos e apontam, ao final, que esses espaços, quando constituídos de modo democrático e orientados pelos interesses das classes e grupos subalternos, refletem valores compatíveis com o projeto ético-político das/os assistentes sociais. As autoras sumarizam essas tendências em quatro grandes grupos de concepções, aqui brevemente sintetizadas.

A primeira compreende os conselhos como espaços tensos e contraditórios, em que diferentes interesses estão em disputa. Essa concepção, que concebe os conselhos como “arenas de conflitos”, inspira-se na obra de Antonio Gramsci e nos neogramscianos. A segunda, baseada nos escritos de Jürgen Habermas e dos neo-habermasianos, considera os conselhos como espaços de consenso, de pactuação, isto é, onde os diferentes interesses convergem para um interesse comum. Tal concepção não leva em consideração a correlação de forças e a prevalência de determinadas hegemonias. A terceira concepção visualiza os conselhos apenas como espaços de cooptação da sociedade civil por parte do poder público. Essa concepção também não reconhece as contradições que possam emergir nesse espaço a partir da explicitação dos interesses divergentes. É influenciada pela visão estruturalista, cujo principal representante é Louis Althusser. A quarta posição rejeita a existência dos espaços de controle social, ou seja, questiona a democracia de base, participativa, e defende apenas os institutos da democracia representativa como os partidos políticos, o parlamento, o sistema eleitoral etc. Essa concepção, de natureza neoconservadora, se fez hegemônica durante o governo de Jair Bolsonaro e é recorrentemente assumida por gestores públicos e representantes governamentais.

É evidente que tais concepções não refletem posicionamentos cristalizados e homogêneos, ao contrário, elas podem se complementar ou anular umas as outras, a depender da conjuntura e das correlações de forças políticas. O que pretendemos assinalar é a relevância e o potencial desses espaços para os processos democratizantes da sociedade e, que, na conjuntura atual, convocam a uma revisão em suas formas e conteúdo, pois devem acompanhar e refletir o movimento contraditório da sociedade.

Nesses caminhos de construção democrática, é importante registrar a contribuição das/os assistentes sociais nas diferentes instâncias participativas, como conselhos, fóruns e movimentos sociais.

Desde os anos 1990, existem muitas/os assistentes sociais inseridas/os nos conselhos de políticas e de direitos, representando tanto a sociedade civil como o poder público, e ainda representando uma variedade de instituições. Nesses espaços, assistentes sociais têm assumido dupla participação: como representantes dos diversos segmentos, a depender da composição e da entidade que representam; ou como assessoras/es dessas instâncias ou de alguns dos segmentos. As investigações realizadas por Bravo e Rodrigues (2002BRAVO, M. I. S.; SOUZA, R. de O. Conselhos de Saúde e Serviço Social: luta política e trabalho profissional. Revista Ser Social. n. 10. Programa de Pós-Graduação em Política Social: Brasília, 2002. p. 57-92.) identificaram quatro situações, mencionadas a seguir, que vinculam assistentes sociais aos conselhos de políticas e direitos: 1. como conselheiras/os, quando representam alguma entidade ou instituição; 2. como apoio técnico e/ou técnico-administrativo, situação em que a/o profissional desenvolve ações de caráter técnico-político ou técnico-administrativo sendo, na maioria das vezes, funcionária/o dos órgãos públicos (secretarias municipais ou estaduais, entre outras), que dão sustentação legal aos conselhos; 3. como assessoras/es, profissionais que desenvolvem ações de capacitação técnico-política junto aos conselheiros, em geral vinculadas/os às universidades; 4. como observadoras/es, que participam dos fóruns com o objetivo de se apropriarem da discussão travada nos conselhos.

5. A refundação das apostas de 1988 e os desafios do tempo presente

No âmbito das políticas sociais, especialmente saúde e assistência social, o tripé “conselho, conferência, fundo” esparramou-se pela institucionalidade política brasileira e passou a constituir a “ossatura” participativa de um conjunto amplo e diversificado de políticas públicas. Grosso modo, contabiliza-se a existência de mais de 40 mil conselhos municipais no País e cerca de 50 conselhos nacionais. As conferências nacionais foram se consolidando amplamente a tal ponto que, apenas na primeira década deste século, foram realizadas 74 conferências nacionais que movimentaram cerca de 5 milhões de pessoas10 10 Tal construção ascendente sofreu um duro golpe no desgoverno de Jair Bolsonaro, que investiu fortemente na desarticulação das instituições participativas, que passaram a ser objeto de ataque furioso com a ascensão da extrema-direita ao poder. A tentativa de desconstrução da participação popular e das organizações de esquerda nos colegiados da administração pública federal foi anunciada ainda durante a campanha e efetivada para marcar os 100 dias de governo, por meio do Decreto 9.759, que pretendeu diminuir de 700 para menos de 50 o número de conselhos previstos pela Política Nacional de Participação Social (PNPS) e pelo Sistema Nacional de Participação Social (SNPS), criados pelo governo Dilma Rousseff, em 2014, e também extintos, o que atingiu frontalmente a realização das conferências nacionais. No final de 2023, já no governo Lula, as conferências nacionais começaram a ser retomadas, como foi o caso das Conferências Nacionais de Assistência Social e de Saúde Mental. .

O vigoroso movimento que se espalhou por todo o país, constituindo-se inclusive em referência internacional, disseminou intenso debate e farta produção teórica sobre essa inovação democrática. O acompanhamento das experiências concretas e os diversos estudos e pesquisas demonstram reiteradamente os limites e os imensos desafios que impedem o aprofundamento e a radicalização democrática. Almeida e Tatagiba (2012ALMEIDA, C.; TATAGIBA, L. Os conselhos gestores sob o crivo da política: balanços e perspectivas. Serviço Social e Sociedade. n. 109. Sociedade Civil e Controle Social. São Paulo: Cortez Editora, 2012. p. 68-92., p. 71) chamam atenção para o paradoxo que se instalou: “a vitalidade do modelo conselho/conferência/fundo e o seu peso no redesenho das políticas setoriais parecem vir acompanhados de sua baixa capacidade para incidir nas correlações de força que conformam o jogo político em suas áreas específicas”.

É de conhecimento geral que esse movimento de construção democrática no Brasil foi atropelado pela agenda neoliberal nos anos 1990 e aprofundado nas primeiras décadas do século XXI, com a reestruturação produtiva e a contrarreforma do Estado, observando-se a implosão da subjetividade pública com a exacerbação do individualismo, da cultura privatista, da aparente desnecessidade do público, nos termos de Francisco de Oliveira, o que complexifica ainda mais a construção da esfera pública democrática no Brasil.

Portanto, se, na atualidade, os conselhos e conferências buscam se reorganizar nas instâncias institucionais das políticas públicas, após o tsunami bolsonarista, a ampla produção bibliográfica sobre o assunto já evidenciou os diversos limites relacionados aos desafios da luta por um projeto hegemônico no campo popular, assim como das resistências dos governos e partidos, mesmo os de esquerda, a partilhar seu poder de decisão e o controle da agenda e do financiamento por parte dos executivos, como a burocratização do seu funcionamento, a fragmentação que acompanha a setorização das políticas sociais, os desafios da representação de sujeitos coletivos, as dificuldades nas relações entre representantes e bases sociais, a frágil formação política da representação popular em muitos espaços colegiados como fóruns, conselhos e conferências.

Vários autores (cf. Feltran, 2006FELTRAN, G. de S. Deslocamentos: trajetórias individuais, relações entre sociedade civil e Estado no Brasil. In: DAGNINO, E. et al. (orgs.). A disputa pela construção democrática na América Latina. São Paulo: Paz e Terra/Unicamp, 2006.) e sujeitos políticos afirmam que o cenário sociopolítico contemporâneo revela um paradoxo que polariza o debate atual em torno de, pelo menos, duas grandes tendências, que trabalhando com os mesmos temas enfatizam óticas opostas.

De um lado, uma tendência que identifica a existência de profunda crise da política, que impede que os grupos sociais subalternos se apresentem nos espaços públicos como sujeitos legítimos e sejam reconhecidos em suas demandas e direitos.

Com o desmanche neoliberal, considera-se que esses espaços foram capturados pelo Estado, do qual dependem para seu funcionamento, dominados pela burocratização, pelo pragmatismo, pela lógica gestionária e pela privatização, que impedem que os conflitos se manifestem e o dissenso se estabeleça, provocando a implosão dos fundamentos que viabilizaram essa alternativa democratizante. Por isso muitas vozes defendem o abandono desses espaços pelos movimentos sociais e forças combativas e o redirecionamento da luta política para espaços societários mais amplos e não institucionalizados.

De outro lado, observa-se que, mesmo reconhecendo a crescente hegemonização desses espaços por forças conservadoras e os limites e desafios existentes, há a tendência que tensionamento para fazer avançar o movimento democratizador, considerando que os conselhos e demais espaços participativos expressam correlações de forças políticas presentes na sociedade, não estando acima nem imunes aos conflitos de interesses, à cooptação e às disputas pela direção social das políticas públicas e dos projetos societários na luta social. Trata-se de uma perspectiva na busca de problematizar as tensões que se colocam na relação Estado/sociedade civil, apostando na importância política estratégica da ocupação desses espaços pelos movimentos sociais e segmentos organizados, embora reconhecendo a correlação de forças desfavoráveis ao campo popular na conjuntura atual. Entende, contudo, que essa luta pela radicalização democrática no Brasil amplia a noção de política, tira do Estado o monopólio do seu exercício e pode instituir a esfera pública conflitiva de luta pela hegemonia, que não é resultado de um movimento linear e progressivo.

Esse cenário não é uma exclusividade brasileira. Sendo assim, desde o surpreendente processo de desterritorialização do capital iniciado na década de 1970 e batizado com o nome de mundialização, os povos se rebelam contra os ditames das formas contemporâneas de imperialismo, mas também, nesse mesmo espectro, surgem as possibilidades de reorganização dos modos de vida nos domínios do poder local. A difusão do capital desterritorializado e seu subsequente regramento da sociabilidade ainda não foram suficientes para suplantar os desejos e os impulsos de populações inteiras se organizarem em seus territórios e resistirem aos desmandos centrais. Dowbor (1994DOWBOR, L. O que é Poder Local. São Paulo: Brasiliense, 1994., p. 8) nos lembra que “a realidade é que somos condicionados, desde nossa infância, a acreditar que as formas de organização do nosso cotidiano pertencem naturalmente a uma misteriosa esfera superior, o Estado, ou a [outros interesses] poderosos”. E com isso, acabamos por nos adaptar ao que nos é imposto. Essa realidade, felizmente não homogênea, encontra em tempos e lugares distintos seus dissidentes. E, dessas dissidências, surgem tanto as lutas quanto a valorização do poder local.

Por esse motivo, no ano em que realizaremos eleições municipais, seguido do ano em que parte de nossas liberdades civis foram retomadas a partir do governo federal (com seu enorme poder de indução sobre as esferas subnacionais), entendemos ser inadiável refletir sobre como o poder local se manifesta e influencia o modelamento de políticas públicas a partir das lutas que se travam em torno da ampliação da cidadania e, ainda, como o Serviço Social, ao longo de sua história, tem contribuído tanto na prática política quanto na formulação teórica sobre a participação e a edificação de comunidades livres das amarras que suplantam o atendimento efetivo das demandas da classe trabalhadora.

Ao concluirmos essa reflexão, que é ao mesmo tempo um chamamento, advertimos para a complexidade do tempo presente, que nos remete mais a dúvidas do que a certezas, em que pese nossa reafirmação pela defesa de um projeto emancipatório de sociedade para além do capital. O que podemos inferir, em diálogo com os artigos que se apresentam neste número da revista Serviço Social & Sociedade, é que existe uma relação direta entre a participação popular que busca incidir nos rumos do Estado e interferir nas correlações de forças que o atravessam e as resistências e insurgências que qualificam e potencializam a cidadania. Além disso, valores e princípios conjugados no projeto ético-político das/os assistentes sociais tendem a ser espraiados para o conjunto da sociedade, à medida em que as/os agentes profissionais - tanto da academia quanto fora dela - ampliem sua inserção nos diferentes espaços de estruturação da esfera pública e, com isso, contribuam na formação, conformação e radicalização democrática das políticas públicas viabilizadoras de direitos.

Vale ressaltar que estamos em um campo aberto ao debate e à construção de novas e mais ousadas apostas políticas em um cenário dos mais desafiadores!

Referências

  • ALMEIDA, C.; TATAGIBA, L. Os conselhos gestores sob o crivo da política: balanços e perspectivas. Serviço Social e Sociedade n. 109. Sociedade Civil e Controle Social. São Paulo: Cortez Editora, 2012. p. 68-92.
  • ANDRADE, D. P. O que é o neoliberalismo? A renovação do debate nas ciências sociais. Revista Sociedade e Estado, v. 34, n. 1, jan./abr., 2019. p. 211-239.
  • BRAVO, M. I. S.; SOUZA, R. de O. Conselhos de Saúde e Serviço Social: luta política e trabalho profissional. Revista Ser Social n. 10. Programa de Pós-Graduação em Política Social: Brasília, 2002. p. 57-92.
  • BRESSER PEREIRA, L. C.; GRAU, N. C. (org.). O público não estatal na reforma do Estado Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1999.
  • COUTINHO, C. N. Gramsci: um estudo sobre seu pensamento. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
  • DAGNINO, E. Sociedade civil, espaços públicos e construção democrática no Brasil: limites e possibilidades. In: DAGNINO, E. (org.). Sociedade civil e espaços públicos no Brasil São Paulo: Paz e Terra, 2002.
  • DARDOT, P.; LAVAL, C. A nova razão do mundo Ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016.
  • DOWBOR, L. O que é Poder Local São Paulo: Brasiliense, 1994.
  • FELTRAN, G. de S. Deslocamentos: trajetórias individuais, relações entre sociedade civil e Estado no Brasil. In: DAGNINO, E. et al (orgs.). A disputa pela construção democrática na América Latina São Paulo: Paz e Terra/Unicamp, 2006.
  • IANNI, O. Globalização e Neoliberalismo. Revista São Paulo em Perspectiva n. 12(2), p. 27-32. São Paulo: Fundação Seade, 1998.
  • PAULA, R. F. dos S. Estado Capitalista e Serviço Social: o (neo)desenvolvimentismo em questão. Campinas: Papel Social, 2016.
  • PAULA, R. F. dos S. Estado, Resistências e Narrativas Insurgentes In: LOPES, M. H. C.; RIZZOTTI, M. L. A.; PAULA, R. F. dos S. O Futuro da assistência social e a assistência social no futuro: contexto de crise e desafios pós-pandemia. São Paulo: Hucitec, 2023. p. 23-27.
  • PEREIRA, P. A. P. Política Social: temas & questões. São Paulo: Cortez, 2008.
  • RAICHELIS, R. Esfera pública e conselhos de assistência social - caminhos da construção democrática. 7. ed. São Paulo: Cortez, 1998; 2015.
  • RANCIÈRE, J. O desentendimento: política e filosofia. São Paulo: Editora 34, 1996.
  • RERUM NOVARUM. Encíclica Papal, 1891.
  • 1
    Parte das reflexões aqui contidas foram problematizadas em Lopes, Rizzotti e Paula (2023PAULA, R. F. dos S. Estado, Resistências e Narrativas Insurgentes. In: LOPES, M. H. C.; RIZZOTTI, M. L. A.; PAULA, R. F. dos S. O Futuro da assistência social e a assistência social no futuro: contexto de crise e desafios pós-pandemia. São Paulo: Hucitec, 2023. p. 23-27.). A integra pode ser encontrada no tópico Estado, Resistências e Narrativas Insurgentes, do autor, na mesma obra (p. 23-27).
  • 2
    Embora Adam Smith enfatizasse que o capitalismo era o único sistema no qual os indivíduos poderiam atender naturalmente seus próprios interesses, podemos inferir que Smith enxergava a influência das relações de mercado na sociabilidade, não as atribuindo completamente à natureza humana como o fez Thomas Hobbes. Assim, essas duas célebres passagens de sua obra nos servem como ilustração da sua não ingenuidade aos limites do capitalismo, embora sua real intenção fosse ratificar a supremacia da “mão invisível” na condução das relações sociais. Em A Riqueza das Nações (p. 74), afirma: “Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar, mas de seu cuidado pelos próprios interesses. Dirigimo-nos não à sua humanidade, mas a seu amor próprio de si mesmos, e nunca lhes falamos de nossas próprias necessidades, mas de suas vantagens”. Já em Teoria dos Sentimentos Morais (p. 157), refere: “A sociedade, porém, não pode subsistir em meio àqueles que estão sempre prontos a ferir e a prejudicar uns aos outros. Se houver alguma sociedade entre ladrões e assassinos, eles precisam ao menos se abster de assassinar uns aos outros. A sociedade pode subsistir sem caridade, embora não seu estado mais favorável; mas o prevalecimento da injustiça irá destruí-la completamente”.
  • 3
    Vide em especial o trecho “A tudo isto deve acrescentar-se o monopólio do trabalho e dos papéis de crédito, que se tornaram o quinhão dum pequeno número de ricos e de opulentos, que impõem assim um jugo quase servil à imensa multidão dos proletários”.
  • 4
    Von Mises destacou a existência de um forte componente irracionalista na economia de mercado, e Hayek não negou a autogeração de crises no interior do sistema.
  • 5
    Não se trata de negar a existência de conflitos nas formações sociais que antecederam ao capitalismo, mas sim de demonstrar que, sob a forma social de padrão burguês dominante, a estrutura de classes se coloca como componente ineliminável.
  • 6
    O ludismo foi um movimento social ocorrido na Inglaterra entre 1811 e 1812. O movimento propunha a “quebra das máquinas” em forma de protesto contra o desemprego e as precárias condições de trabalho dos operários ingleses nas fábricas. Já o cartismo, movimento que acontece entre 1830 e 1840, reivindicava direitos políticos para os operários e melhorias nas condições de vida e de trabalho na Inglaterra.
  • 7
    Eu tenho um sonho (tradução livre).
  • 8
    Vidas negras importam (tradução livre).
  • 9
    Parte dessas reflexões sobre controle social e construção da esfera pública democrática no Brasil foi apoiada em Raichelis, R. (2015RAICHELIS, R. Esfera pública e conselhos de assistência social - caminhos da construção democrática. 7. ed. São Paulo: Cortez, 1998; 2015., 7. ed). Para aprofundamento, confira especialmente o Posfácio da autora: Desafios do controle social: notas sobre o papel dos conselhos na atualidade (p. 339-358).
  • 10
    Tal construção ascendente sofreu um duro golpe no desgoverno de Jair Bolsonaro, que investiu fortemente na desarticulação das instituições participativas, que passaram a ser objeto de ataque furioso com a ascensão da extrema-direita ao poder. A tentativa de desconstrução da participação popular e das organizações de esquerda nos colegiados da administração pública federal foi anunciada ainda durante a campanha e efetivada para marcar os 100 dias de governo, por meio do Decreto 9.759, que pretendeu diminuir de 700 para menos de 50 o número de conselhos previstos pela Política Nacional de Participação Social (PNPS) e pelo Sistema Nacional de Participação Social (SNPS), criados pelo governo Dilma Rousseff, em 2014, e também extintos, o que atingiu frontalmente a realização das conferências nacionais. No final de 2023, já no governo Lula, as conferências nacionais começaram a ser retomadas, como foi o caso das Conferências Nacionais de Assistência Social e de Saúde Mental.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    20 Dez 2023
  • Aceito
    06 Jan 2024
Cortez Editora Ltda Rua Monte Alegre, 1074, 05014-001 - São Paulo - SP, Tel: (55 11) 3864-0111 , Fax: (55 11) 3864-4290 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: servicosocial@cortezeditora.com.br