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Professor ou youtuber? A crise da COVID-19, as mudanças de práticas sociais e a adoção de tecnologias para o ensino remoto

Resumo

Nosso artigo discute os resultados da pesquisa em que o objetivo foi entender como a migração do ensino presencial para o ensino remoto ocorreu (ou tem ocorrido) devido ao distanciamento social provocado pela pandemia da COVID-19. O framework teórico do trabalho é a teoria da prática. Os dados foram obtidos por meio de entrevistas conduzidas com 12 professores de diferentes instituições de ensino brasileiras. Os dados foram analisados seguindo o princípio da análise de discurso francesa. Uma das conclusões é que dominar uma certa tecnologia não é o suficiente para o uso individual em atividades profissionais. Considerando os professores entrevistados, foi necessário a mudança de alguns elementos subjetivos; mais especificamente, eles precisaram modificar alguns entendimentos e cadeias de valores e projetos inerentes à prática de ensino presencial. Os achados do nosso trabalho podem contribuir para pesquisadores envolvidos no campo do consumo e para interessados em encontrar o que acontece quando um grupo de consumidores adotam uma nova tecnologia durante uma ruptura ou momento de incerteza. Além disso, os resultados também lançam luz sobre porque alguns consumidores conhecem as vantagens de certos produtos e tecnologias, sem, contudo, adotá-las em suas atividades diárias.

Palavras-chave:
COVID-19; Práticas sociais; Adoção de tecnologias

Abstract

This article discusses the results of a study aiming to understand how the migration from in-person to distance learning due to social distancing practices to contain the COVID-19 pandemic occurred (or has been occurring). The theoretical framework was based on practice theory, and data were obtained through interviews with 12 professors of different Brazilian higher education institutions. The data were analyzed following the principles of French discourse analysis. One of the conclusions is that mastering a certain technology is not enough for an individual to use it in professional activities. The professors interviewed indicated the need to change a few subjective elements, more specifically, modify understandings and the chains of value and projects inherent in the practice of classroom teaching. The research findings contribute to researchers involved in the field of consumption interested in finding out what happens when a group of consumers adopts a new technology during a rupture or uncertain moment. In addition, the results shed light on why some consumers discover the advantages of certain products and technologies without adopting them in daily activities.

Keywords:
COVID-19; Social practices; Adoption of technologies

Resumen

Nuestro artículo analiza los resultados de una investigación en la que el objetivo fue comprender cómo ocurrió la migración de la enseñanza presencial a la remota debido al distanciamiento social provocado por la pandemia de COVID-19. El marco teórico del trabajo es la teoría de la práctica. Los datos se obtuvieron a través de entrevistas realizadas a 12 profesores de diferentes instituciones educativas brasileñas y se analizaron siguiendo el principio del análisis del discurso francés. Una de las conclusiones es que dominar una determinada tecnología no es suficiente para el uso individual en actividades profesionales. Considerando los docentes entrevistados, fue necesario cambiar algunos elementos subjetivos; más específicamente, ellos tuvieron que modificar algunos entendimientos y cadenas de valor y proyectos inherentes a la práctica de la docencia presencial. Los hallazgos de nuestro trabajo pueden ser un aporte para los investigadores involucrados en el campo del consumo y para los interesados ​​en saber qué sucede cuando un grupo de consumidores adopta una nueva tecnología durante una disrupción o momento de incertidumbre. Además, los resultados también arrojan luz sobre por qué algunos consumidores son conscientes de las ventajas de ciertos productos y tecnologías sin adoptarlos, sin embargo, en sus actividades diarias.

Palabras clave:
COVID-19; Prácticas sociales; Adopción de tecnologías

INTRODUÇÃO

As mudanças de padrões sociotécnicos, tanto do ponto de vista contextual como do ponto de vista das mudanças individuais, têm sido bastante investigadas por estudos diversos, inclusive no campo da teoria da prática. Desses debates referentes às mudanças de padrões emergem o papel do cenário e do regime sociotécnico, sem deixar de levar em consideração o papel dos agentes em um nível micro (Geels & Schot, 2007Geels, F. W., & Schot, J. (2007). Typology of sociotechnical transition pathways. Research Policy, 36, 399-417.). Por regime, se entende um sistema cognitivo e técnico do qual faz parte uma série de especialistas; por outro lado, por cenário, tem-se questões contextuais, como as econômicas, institucionais, culturais e políticas (Geels, 2004Geels, F. W., & Schot, J. (2007). Typology of sociotechnical transition pathways. Research Policy, 36, 399-417.). Por exemplo, o trabalho de Crivits e Paredis (2013Crivits, M., & Paredis, E. (2013). Designing an exploratory practice framework: local food systems as a case. Journal of Consumer Culture, 13(3), 306-336.), em que os autores investigaram práticas sociais de consumo alimentar, adotou a perspectiva de regime.

Cabe considerar que a partir de 2020, alguns dos padrões sociotécnicos vigentes vêm sofrendo alterações drásticas no cenário promovidas por questões contextuais relacionadas à pandemia do novo coronavírus. A crise proporcionada pela pandemia da COVID-19 acabou mudando forçosamente inúmeras práticas nos negócios (Campbell, Inman, Kirmani, & Price, 2020Campbell, M. C., Inman, J. J., Kirmani, A., & Price, L. L. (2020). Times of Trouble: A Framework for Understanding Consumers’ Responses to Threats. Journal of Consumer Research, 47(3), 311-326.), como nas relações entre as pessoas, entre empresas e seus empregados, nas formas de consumo, sem contar nas diferentes formas que as pessoas passaram a conviver e depender da tecnologia. Nesse contexto, é óbvio perceber que essa crise acabou por afetar as práticas de educação, uma vez que as instituições de ensino, independente de sua estrutura ou tamanho, tiveram que operacionalizar novas formas de oferta de aulas para além do que se praticava até então. Assim, as práticas de ensino tiveram que abandonar o modelo presencial para migrar para o modelo remoto ou a distância. Contudo, essa “virada” dependeu de uma mudança repentina, por parte dos professores envolvidos, na utilização da tecnologia aplicada ao ensino. Dito de outra forma, os professores foram compelidos, em curto espaço de tempo, a adotar novas tecnologias, até então pouco utilizadas ou até mesmo desconhecidas por muitos deles. Portanto, a pandemia da COVID-19 pode ser considerada um evento que, nas palavras de Schatzki (2019Schatzki, T. (2019). Social Change in a material world: How activity and material processes dynamize practices. London, UK: Routledge., p. 7, tradução nossa), é “alguma coisa acontecendo” que inicia uma mudança no plenum de práticas. Esse evento provocou o distanciamento social e serviu como um fator para a adoção de novas práticas associadas com essas tecnologias.

A teoria da prática, portanto, também se apresenta como uma abordagem flexível para diversas áreas do conhecimento, as quais duas delas parecem ter aderência ao fenômeno aqui investigado: educação e consumo (de tecnologia, neste caso). No campo do consumo, o número de trabalhos envolvendo a teoria da prática vêm crescendo consistentemente nos últimos anos (Gram-Hanssen, 2011Gram-Hanssen, K. (2011). Understanding change and continuity in residential energy consumption. Journal of Consumer Research, 11(1), 61-78.; Warde, 2005Warde, A. (2005). Consumption and Theories of Practice. Journal of Consumer Culture, 5(2), 131-153., 2014Warde, A. (2014). After taste: Culture, consumption and theories of practice. Journal of Consumer Culture, 14(3), 279-303.). Para definir o consumo de tecnologia, nós utilizaremos a definição abrangente de consumo elaborada por Warde (2005Warde, A. (2005). Consumption and Theories of Practice. Journal of Consumer Culture, 5(2), 131-153., p. 137, tradução nossa):

Eu entendo o consumo como um processo em que agentes se engajam em apropriação e apreciação, seja para propósitos utilitários ou contemplativos, de bens, serviços, performances, informação ou ambiente, sejam comprados ou não, sobre os quais o agente tem algum grau de critério.

Com isso em mente, quando um professor se utiliza do Youtube ou de outra ferramenta digital, o evento torna-se um ato de consumo dentro de performances de práticas. Por outro lado, é importante ressaltar que a prática é um elemento central para entender os fenômenos sociais e o consumo (Warde, 2005Warde, A. (2005). Consumption and Theories of Practice. Journal of Consumer Culture, 5(2), 131-153.). A prática é o que torna os indivíduos inteligíveis entre si e forma sistemas sociais complexos (Schatzki, 1996Schatzki, T. (1996). Social practices: A Wittgensteinian approach to human activity and the social. Cambridge, UK: Cambridge University Press., 2002Schatzki, T. (2002). The site of the social: A philosophical account of the constitution of social life and change. State College, PA: Pennsylvania State University Press.; Wittgenstein, 2009Wittgenstein, L. (2009). Philosophical investigations. Chichester, UK: John Wiley & Sons.). A adoção - ou o consumo - de novos objetos ou tecnologias, envolvendo o aprendizado e o surgimento de novos significados, também se torna campo de interesse para pesquisadores das práticas sociais. Por exemplo, o trabalho de Owen, Mitchell, e Gouldson (2014Owen, A., Mitchell, G., & Gouldson, A. (2014). Unseen influence - The role of low carbon retrofit advisers and installers in the adoption and use of domestic energy technology. Energy Policy, 73, 169-179.), demonstra o papel desempenhado por pequenos consultores e empresas na adoção, no âmbito doméstico, de tecnologias que promovem energias alternativas para a redução de emissão de carbono.

Argumentamos que é importante entender o que está envolvido em cenários de mudança. Este é o foco de diversos estudos em teoria da prática (Blue & Spurling, 2016Blue, S., & Spurling, N. (2016). Qualities of connective tissue in hospital life: How complexes of practices change. In A. Hui, T. Schatzki, & E. Shove (Eds.), The nexus of practices: connections, constellations, practitioners (pp. 24-36). London, UK: Routledge.; Gonzalez-Arcos, Joubert, Scaraboto, Guesalaga, & Sandberg, 2021Gonzalez-Arcos, C., Joubert, A., Scaraboto, D., Guesalaga, R., & Sandberg, J. (2021). “How Do I Carry All This Now?” Understanding Consumer Resistance to Sustainability Interventions. Journal of Marketing, 85(3), 44-61.; Schatzki, 2019Schatzki, T. (2019). Social Change in a material world: How activity and material processes dynamize practices. London, UK: Routledge.; Gram-Hanssen, 2011Gram-Hanssen, K. (2011). Understanding change and continuity in residential energy consumption. Journal of Consumer Research, 11(1), 61-78.). Seguindo esses estudos, nós seguimos a trilha da mudança. A partir de toda essa discussão é que emergiu a motivação de execução de uma pesquisa cujo objetivo foi entender como aconteceu (ou vem acontecendo) a transformação da prática do ensino presencial para o ensino remoto ou à distância devido ao distanciamento social proporcionado pela crise da COVID-19. Com isso, será possível entender quais foram as mudanças subjetivas que ocorreram para que professores do ensino presencial pudessem alterar suas práticas e adotarem, por exemplo, tecnologias digitais para o ensino remoto. Para cumprir o objetivo foi delineada uma estratégia qualitativa de pesquisa com análise francesa do discurso.

O cenário proporcionado pela crise da COVID-19 desencadeou uma série de chamadas de eventos e revistas científicas - mesmo as não relacionadas ao campo da saúde - por trabalhos que ajudem a entender e solucionar questões e problemas surgidos durante pandemia. Com isso, este trabalho pode contribuir para o entendimento geral - sob o ponto de vista da teoria da prática - sobre as transformações necessárias para que os indivíduos possam adotar novas tecnologias, discutindo o que aconteceu com a “virada forçada” do ensino presencial para o ensino remoto. Argumentamos que a discussão ajuda a lançar luz sobre os elementos e práticas que vão se consolidar, mesmo em um cenário pós-pandemia. Entender como as práticas e padrões de consumo e a adoção de tecnologias se transformam e se consolidam também pode ter aplicabilidade gerencial.

A estrutura do texto se dará da seguinte forma: a seguir, será discutida a teoria da prática, a definição de prática social e quais são os seus componentes. Na sequência, foi destinado um espaço para se explanar, ainda que brevemente, os procedimentos metodológicos e as justificativas de suas escolhas. A seção de análise dos dados apresentará o resultado obtido com a coleta, bem como a análise do discurso realizada. Por fim, serão tecidas considerações finais, com a ênfase nos principais achados do trabalho, suas contribuições para a literatura e indicações de trabalhos futuros.

TEORIA DA PRÁTICA

A teoria da prática trouxe, a partir da segunda metade dos anos 1960, uma alternativa às abordagens objetivistas durkheimianas predominantes nas ciências sociais (Reckwitz, 2002Reckwitz, A. (2002). Toward a theory of social practices: A development in culturalist theorizing. European Journal of Social Theory, 5(2), 243-263.). Tendo uma de suas origens em filosofias como a do jogo de linguagem de Wittgenstein (2009Wittgenstein, L. (2009). Philosophical investigations. Chichester, UK: John Wiley & Sons.), que trata a inteligibilidade entre os indivíduos como resultado da imersão em práticas contínuas, rotineiras e contextualizadas, foi posteriormente consolidada pela teoria da estruturação de Giddens (1984Giddens, A. (1984). The constitution of Society: Outline of the Theory of Structuration. Cambridge, UK: Polity Press.) e pelos estudos de Bourdieu sobre o habitus e suas condições de produção. Este último autor, em Outline of a Theory of Practice (1977), ao fazer referência aos seus estudos na região argelina da Cabília, demonstra como uma variedade de práticas cotidianas e localizadas constrói um sistema de regularidades sociais específicas.

Esta noção de que as práticas cotidianas vão estruturar o mundo social é central também para a teoria da estruturação de Giddens (1984Giddens, A. (1984). The constitution of Society: Outline of the Theory of Structuration. Cambridge, UK: Polity Press.). Para o autor, as estruturas sociais têm uma dualidade, pois são formadas por práticas que elas mesmas ajudam a criar e conter e, além disso, também cedem espaço para suas transformações por meio das mesmas práticas. Com isso, ao se localizar entre as estruturas sociais e a ação individual, a abordagem da prática vem sendo utilizada por estudos de diversos campos do conhecimento, como é o caso dos estudos sobre consumo sustentável (Hampton, 2018Hampton, S. (2018). ‘It’s the soft stuff that’s hard’: Investigating the role played by low carbon small- and medium-sized enterprise advisors in sustainability transitions. Local Economy, 33(4), 384-404.; Huttunen & Oosterveer, 2016Huttunen, S., & Oosterveer, P. (2016). Transition to sustainable fertilization in agriculture, a practices approach. Sociologia Ruralis, 57(2), 191-210.; Lehtokkunas, Mattila, Närvänen, & Mesiranta, 2020Lehtokkunas, T., Mattila, M., Närvänen, E., & Mesiranta, N. (2020, June). Towards a circular economy in food consumption: Food waste reduction practices as ethical work. Journal of Consumer Culture. Retrieved from https://doi.org/10.1177/1469540520926252
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; Røpke, 2009Røpke, I. (2009). Theories of practice - new inspiration for ecological economic studies on consumption. Ecological Economics, 68, 2490-2497.;) e dos debates pedagógicos (Kemmis, Heikkinen, Fransson, Aspfors & Edwards-Groves, 2014Kemmis, S., Heikkinen, H., Fransson, G., Aspfors, J., & Edwards-Groves, C. (2014). Mentoring of new teachers as a contested practice: Supervision, support and collaborative self-development. Teaching and Teacher Education, 43, 154-164.; Schatzki, 2017Schatzki, T. (2017). Practices and learning. In P. Grootenboer, C. Edwards-Groves, & S. Choy (Eds.), Practice theory perspectives on pedagogy and education (pp. 23-43). Gateway East, Singapura: Springer.).

É importante destacar que há diversas teorias da prática. Ao final do século XX e início do século XXI, algumas importantes vertentes dentro desse arcabouço surgiram. Os trabalhos fundamentais foram os de Reckwitz (2002Reckwitz, A. (2002). Toward a theory of social practices: A development in culturalist theorizing. European Journal of Social Theory, 5(2), 243-263.) e Schatzki (1996Schatzki, T. (1996). Social practices: A Wittgensteinian approach to human activity and the social. Cambridge, UK: Cambridge University Press.). Depois disso, Elizabeth Shove e colegas iniciaram uma forte linha de pesquisa com abordagem empírica (Magaudda & Mora, 2019Shove, E., Trentmann, F., & Watson, M. (2019). Introduction - Infrastructures in practice. In E. Shove, F. Trentmann, & M. Watson (Eds.), Infrastructures in practice: The dynamics of demand in networked societies(pp. 3-9). New York, NY: Routledge.). O trabalho de Shove e Pantzar (2005)Shove, E., & Pantzar, M. (2005). Consumers, producers and practices: Understanding the invention and reinvention of Nordic Walking. Journal of Consumer Culture, 5(1), 43-64. na investigação do Nordic walking criou um modelo da prática (mais bem explicado por Shove, Pantzar, & Watson, 2012Shove, E., Pantzar, M., & Watson, M. (2012). The dynamics of social practice: Everyday life and how it changes. London, UK: Sage.) que depois foi utilizado por Magaudda (2011)Magaudda, P. (2011). When materiality ´bites back´: Digital music consumption practices in the age of dematerialization. Journal of Consumer Culture, 11(1), 15-36. para criar uma ferramenta visual para investigar a prática em mudança. Esses trabalhos vão ser detalhados a seguir. Neste ponto é importante dizer que nós utilizaremos a vertente da teoria da prática iniciada por esses autores. A seguir, discutiremos os componentes da prática para, em seguida, pensarmos em suas transformações e relações com o mundo social.

Componentes da prática

Nas palavras de Schatzki (1996Schatzki, T. (1996). Social practices: A Wittgensteinian approach to human activity and the social. Cambridge, UK: Cambridge University Press., p. 106, tradução nossa) “uma prática é um desdobramento de fazeres e dizeres (ações básicas)”. Contudo, o autor continua sua argumentação afirmando que fazeres e dizeres se tornam uma prática somente se os membros da prática manifestam uma variedade de entendimentos, regras e estrutura teleoafetiva, formando um nexo de fazeres e dizeres. Assim, para o melhor entendimento da prática, o autor diz:

Três grandes avenidas de conexão [de fazeres e dizeres] estão envolvidos: (1) por meio de entendimentos, por exemplo, do que dizer ou fazer; (2) por meio de regras explícitas, princípios, percepções e instruções; e (3) por meio do que eu vou chamar de estrutura “teleoafetiva” contemplando fins, projetos, tarefas, propósitos, crenças, emoções e humores (Schatzki, 1996Schatzki, T. (1996). Social practices: A Wittgensteinian approach to human activity and the social. Cambridge, UK: Cambridge University Press., p. 89).

Os fazeres e dizeres de Schatzki e os seus organizadores (regras, entendimentos e estrutura teleoafetiva) foram reinterpretados por outros autores como performances/formas de competência e significados (Shove & Pantzar, 2005Shove, E., & Pantzar, M. (2005). Consumers, producers and practices: Understanding the invention and reinvention of Nordic Walking. Journal of Consumer Culture, 5(1), 43-64., 2012Shove, E., Pantzar, M., & Watson, M. (2012). The dynamics of social practice: Everyday life and how it changes. London, UK: Sage.; Woremann & Rokka, 2015Woermann, N., & Rokka, J. (2015). Timeflow: How consumption practices shape consumers temporal experiences. Journal of Consumer Research, 41, 1486-1508.); além disso, os objetos e artefatos foram incluídos ao modelo da prática (Magaudda, 2011Magaudda, P. (2011). When materiality ´bites back´: Digital music consumption practices in the age of dematerialization. Journal of Consumer Culture, 11(1), 15-36.; Shove & Pantzar, 2005Shove, E., & Pantzar, M. (2005). Consumers, producers and practices: Understanding the invention and reinvention of Nordic Walking. Journal of Consumer Culture, 5(1), 43-64.; Shove et al., 2012Shove, E., Pantzar, M., & Watson, M. (2012). The dynamics of social practice: Everyday life and how it changes. London, UK: Sage.). Portanto, com a interpretação realizada por Shove e Pantzar (2005Shove, E., & Pantzar, M. (2005). Consumers, producers and practices: Understanding the invention and reinvention of Nordic Walking. Journal of Consumer Culture, 5(1), 43-64.) e Shove et al. (2012Shove, E., Pantzar, M., & Watson, M. (2012). The dynamics of social practice: Everyday life and how it changes. London, UK: Sage.) a prática social tem três elementos centrais: objetos, significados e formas de competência. Formas de competência são atividades específicas relacionadas a manifestações corporificadas da prática em relação com o mundo. Significados estão relacionados ao que alguém pensa e diz sobre certa coisa em uma comunidade de prática específica e imagens associadas (Schatzki, 1996Schatzki, T. (1996). Social practices: A Wittgensteinian approach to human activity and the social. Cambridge, UK: Cambridge University Press., 2017Schatzki, T. (2017). Practices and learning. In P. Grootenboer, C. Edwards-Groves, & S. Choy (Eds.), Practice theory perspectives on pedagogy and education (pp. 23-43). Gateway East, Singapura: Springer.; Shove & Pantzar, 2005Shove, E., & Pantzar, M. (2005). Consumers, producers and practices: Understanding the invention and reinvention of Nordic Walking. Journal of Consumer Culture, 5(1), 43-64.; Shove et al., 2012Shove, E., Pantzar, M., & Watson, M. (2012). The dynamics of social practice: Everyday life and how it changes. London, UK: Sage.). Por fim, objetos constituem a parte material da prática. Além disso, ao fazer parte da prática, o elemento objeto pode também requerer o consumo de outros objetos associados (Magaudda, 2011Magaudda, P. (2011). When materiality ´bites back´: Digital music consumption practices in the age of dematerialization. Journal of Consumer Culture, 11(1), 15-36.; Shove & Pantzar, 2005Shove, E., & Pantzar, M. (2005). Consumers, producers and practices: Understanding the invention and reinvention of Nordic Walking. Journal of Consumer Culture, 5(1), 43-64.; Warde, 2005Warde, A. (2005). Consumption and Theories of Practice. Journal of Consumer Culture, 5(2), 131-153.).

A partir deste ponto, é possível compreender a prática enquanto um fenômeno social dinâmico dependente das relações entre seus elementos internos que (1) pode estar disperso pelo espaço-tempo (Plessz & Wahlen, 2020Plessz, M., & Wahlen, S. (2020, February). All practices are shared, but some more than others: Sharedness of social practices and time-use in food consumption. Journal of Consumer Culture. Retrieved from https://doi.org/10.1177/1469540520907146
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) para a (2) captação de novos praticantes (Shove & Pantzar, 2007bShove, E., & Pantzar, M. (2007b). Recruitment and reproduction: The careers and carriers of digital photography and floorball. Human Affairs, 17(2), 154-167.), que (3) se modifica em uma reação em cadeia interna envolvendo seus elementos constituintes (Magaudda, 2011Magaudda, P. (2011). When materiality ´bites back´: Digital music consumption practices in the age of dematerialization. Journal of Consumer Culture, 11(1), 15-36.) e que (4) é dependente do contexto sócio histórico do local onde seus portadores a realizam (Shove & Pantzar, 2007aShove, E., & Pantzar, M. (2007a). Fossilisation. Ethnologia Europaea, 35(1-2), 59-62.).

Mais dois pontos podem ser adicionados no que diz respeito às características da prática. O primeiro deles refere-se ao aprendizado. As práticas produzem aprendizado (conhecimento sendo adquirido e transformado), ao mesmo tempo que dependem desse aprendizado para sua sobrevivência (Schatzki, 2017Schatzki, T. (2017). Practices and learning. In P. Grootenboer, C. Edwards-Groves, & S. Choy (Eds.), Practice theory perspectives on pedagogy and education (pp. 23-43). Gateway East, Singapura: Springer.). Segundo o autor, o “aprendizado é integral para as práticas no sentido que as práticas devem ser aprendidas pelos participantes, embora o que eles aprendem não são as práticas em si, mas como lidar com elas” (Schatzki, 2017Schatzki, T. (2017). Practices and learning. In P. Grootenboer, C. Edwards-Groves, & S. Choy (Eds.), Practice theory perspectives on pedagogy and education (pp. 23-43). Gateway East, Singapura: Springer., p. 34). O segundo ponto a ser destacado refere-se ao consumo. Para Warde (2005Warde, A. (2005). Consumption and Theories of Practice. Journal of Consumer Culture, 5(2), 131-153.) o consumo é parte integrante das práticas sociais, seja em sua forma tradicional de troca de mercado ou em sua forma contemplativa. Dessa forma, pesquisadores do consumo podem se utilizar da abordagem proposta pelas práticas sociais para estudarem, dentre outros, transformações nos padrões de consumo e o aprendizado associado a esse fenômeno social. Com isso, a abordagem aqui utilizada não se distanciaria do arcabouço teórico da teoria da prática ao tentar desvendar os elementos envolvidos na adoção pelos indivíduos de novas tecnologias devido a pressões contextuais.

Transformações de práticas de consumo

Trabalhos que se utilizam da teoria da prática como forma de abordar o fenômeno social do consumo demonstram que, para haver mudanças de padrões ou rotinas do que é consumido (práticas de consumo), é preciso que se tenha uma relação entre elementos da estrutura social e da agência dos indivíduos (Crivits & Paredis, 2013Crivits, M., & Paredis, E. (2013). Designing an exploratory practice framework: local food systems as a case. Journal of Consumer Culture, 13(3), 306-336.; Hargreaves, 2011Hargreaves, T. (2011). Practice-ing behaviour change: Applying social practice theory to pro-environmental behaviour change. Journal of Consumer Research, 11(1), 79-99.; Lehtokkunas et al., 2020Lehtokkunas, T., Mattila, M., Närvänen, E., & Mesiranta, N. (2020, June). Towards a circular economy in food consumption: Food waste reduction practices as ethical work. Journal of Consumer Culture. Retrieved from https://doi.org/10.1177/1469540520926252
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; Thomas & Epp, 2019Thomas, T., & Epp, A. (2019). The best laid plans: Why new parents fail to habituate practices. Journal of Consumer Research, 46(3), 564-589.). Essas estruturas podem ser, por exemplo, material e tecnológicas (Morley, 2016Morley, J. (2016). Technologies within and beyond practices. In A. Hui , T. Schatzki , & E. Shove (Eds.), The nexus of practices: connections, constellations, practitioners (pp. 24-36). London, UK: Routledge.) ou sociais e institucionais (Giddens, 1984Giddens, A. (1984). The constitution of Society: Outline of the Theory of Structuration. Cambridge, UK: Polity Press.; Schatzki, 2019Schatzki, T. (2019). Social Change in a material world: How activity and material processes dynamize practices. London, UK: Routledge., 2021Schatzki, T. (2021). Forming Alliances. In M. Lounsbury, D. Anderson, & P. Spee (Eds.), On Practice and Institution: Theorizing the Interface (Research in the Sociology of Organizations, Vol. 70, pp. 119-137). Bingley, UK: Emerald Publishing Limited.).

Essa relação é demonstrada didaticamente por Magaudda (2011Magaudda, P. (2011). When materiality ´bites back´: Digital music consumption practices in the age of dematerialization. Journal of Consumer Culture, 11(1), 15-36.) com o seu circuito da prática. O autor desenvolve um modelo com os elementos da prática (objetos, significados, atividades) e demonstra como esses elementos se inter-relacionam na transformação de uma prática de consumo em transformação. Dessa forma, nos casos estudados pelo autor, os significados e as atividades portados pelos praticantes são transformados a partir de uma mudança proeminente das formas de armazenamento de música com a inserção do iPod e o armazenamento digital, ou seja, por uma mudança na estrutura tecnológica em constante transformação na sociedade.

Como já discutimos, mudanças em práticas têm sido investigadas por diversos pesquisadores. Não é por acaso que infraestruturas (também tecnológicas) têm sido inseridas na discussão de práticas (Magaudda & Mora, 2019Magaudda, P., & Mora, E. (2019). The contamination of practices: How practice theories matter in multiple domains. Sociologica, 13(3), 1-10.) como uma das causas da mudança (Shove, Trentmann, & Watson, 2019Shove, E., Trentmann, F., & Watson, M. (2019). Introduction - Infrastructures in practice. In E. Shove, F. Trentmann, & M. Watson (Eds.), Infrastructures in practice: The dynamics of demand in networked societies(pp. 3-9). New York, NY: Routledge.). Neste caso, a materialidade está muito presente na discussão. Por outro lado, eventos naturais também são responsáveis por mudanças sociais (Schatzki, 2019Schatzki, T. (2019). Social Change in a material world: How activity and material processes dynamize practices. London, UK: Routledge.). A pandemia da COVID-19 é um exemplo deste caso. Seja pela estrutura material ou por fenômenos naturais, essas coisas estão entrelaçadas com práticas. O estudo de Phipps e Ozanne (2017Phipps, M., & Ozanne, J. (2017). Routines disrupted: Reestablishing security through practice alignment. Journal of Consumer Research, 44(2), 361-380.), por exemplo, demonstra como consumidores mudaram seus hábitos de consumo durante o período de seca na Austrália. O mais recente trabalho (Gonzalez-Arcos et al., 2021Gonzalez-Arcos, C., Joubert, A., Scaraboto, D., Guesalaga, R., & Sandberg, J. (2021). “How Do I Carry All This Now?” Understanding Consumer Resistance to Sustainability Interventions. Journal of Marketing, 85(3), 44-61.) discutiu a “resistência à intervenção sustentável” durante a política contra sacolas plásticas no Chile. É importante demonstrar que práticas são sociais e que vivemos em uma constelação de práticas, ou em um plenum delas (Schatzki, 2019Schatzki, T. (2019). Social Change in a material world: How activity and material processes dynamize practices. London, UK: Routledge.). Por causa disso, a mudança de práticas necessita ser analisada sob lentes amplas, pois todo fenômeno é parte de feixes de práticas e arranjos materiais de alguma forma (Schatzki, 2016aSchatzki, T. (2016a). Practice theory as flat ontology. In G. Spaargaren, D. Weenink, & M. Lamers (Eds.), Practice theory and research: Exploring the dynamics of social life (pp. 28-42). New York, NY: Routledge.).

Contudo, o circuito da prática criado por Magaudda (2011Magaudda, P. (2011). When materiality ´bites back´: Digital music consumption practices in the age of dematerialization. Journal of Consumer Culture, 11(1), 15-36.) é muito funcional em capturar o movimento da mudança. Nós adotamos a ferramenta proposta pelo autor para capturar os organizadores da prática (entendimentos, regras e estrutura teleoafetiva). O circuito é revelado na Figura 4.2.

METODOLOGIA

Para identificar os componentes da prática que atuam em sua transformação no caso dos professores do ensino superior que tiveram que deixar suas aulas presenciais devido ao distanciamento social causado pela crise da COVID-19 a partir de março de 2020 e, agora, precisam transmitir de alguma maneira os conteúdos para os discentes por meio da internet e das tecnologias digitais associadas, foi adotada a estratégia qualitativa com a coleta de dados por meio de entrevistas com roteiro semiestruturado. Nesse caso, o consumo das novas tecnologias se dá de forma ampla pela compra, utilização, ou em sua forma contemplativa (Warde, 2005Warde, A. (2005). Consumption and Theories of Practice. Journal of Consumer Culture, 5(2), 131-153.). Foram entrevistados 12 professores, de distintos cursos superiores (graduação e pós-graduação) e instituições, selecionados por meio da técnica de bola de neve. Os dados foram coletados por meio de questionário semiestruturado e as entrevistas foram realizadas pela plataforma Google Meet, gravadas e arquivadas, totalizando um pouco mais de 758 minutos de audiovisual capturado para a análise.

Para a análise dos dados, será utilizada a análise de discurso de origem francesa, por ser uma técnica que permite desvendar as estruturas sociais que “falam” por meio dos discursos dos indivíduos, considerando que as práticas e seus elementos são formadoras de e formadas por tais estruturas (Bakhtin, 1986Bakhtin, M. M. (1986). Speech genres and other late essays. Austin, Texas: University of Texas Press.; Gill, 2000Gill, R. (2000). Discourse Analysis. In W. Bauer, & G. Gaskell (Eds.), Qualitative Researching with Text, Image and Sound: A Practical Handbook (pp. 172-190). London, UK: Sage Publications.; Orlandi, 2003Orlandi, E. P. (2003). A Análise de Discurso em suas diferentes tradições intelectuais: o Brasil. Seminário de Estudos em Análise de Discurso, 1, 8-18.). Seguindo Schatzki (2016bSchatzki, T. (2016b). Sayings, texts and discursive formations. In A. Hui, T. Schatzki, & E. Shove (Eds.), The nexus of practices: connections, constellations, practitioners (pp. 24-36.) London, UK: Routledge.), entendemos o discurso como resultado dos dizeres da prática dentro de feixes de práticas e arranjos materiais. Dizeres são a parte discursiva das práticas. Por causa disso, portanto, utilizamos aqui a análise de discurso para investigar práticas. Abordagem similar foi realizada por Schäfer (2017Schäfer, F. (2017). ‘Protest Between Discourse and Practice: On the Relationship of Affective Discourses and Practices of Moving Protest Forms with the Example of the Yippie Festival of Life’. Sociology and Anthropology, 5(6), 495-501.). A autora argumenta que realizar análise de discurso para investigar práticas “leva em conta a parte crucial dos objetos, conhecimento, símbolos, discurso, estrutura e processo no dia a dia” (Schäfer, 2017Schäfer, F. (2017). ‘Protest Between Discourse and Practice: On the Relationship of Affective Discourses and Practices of Moving Protest Forms with the Example of the Yippie Festival of Life’. Sociology and Anthropology, 5(6), 495-501., p. 4, tradução nossa). Hakala, Niemi, e Kohtamäki (2017Hakala, H., Niemi, L., & Kohtamäki, M. (2017). ‘Online brand community practices and the construction of brand legitimacy’. Marketing Theory, 17(4), 537-558.) também utilizam abordagem similar para investigar práticas de legitimação. O que fazemos em nossa análise é partir dos dizeres das entrevistas para acessar a camada discursiva das práticas.

Dessa forma, de acordo com Wittgenstein (2009Wittgenstein, L. (2009). Philosophical investigations. Chichester, UK: John Wiley & Sons.) a linguagem é dependente do contexto dos indivíduos que se apropriam dela e das práticas das quais fazem parte. Não foi por acaso que a análise de discurso só foi possível a partir da virada linguística provocada inicialmente pelo trabalho de Wittgenstein (Chouliaraki, 2018Chouliaraki, L. (2018). Discourse analysis. In T. Bennett, T., & Frow, J. (Eds.), The SAGE handbook of cultural analysis (pp. 674-698). London, UK: SAGE Publications.). Esta pesquisa, contudo, tenta voltar à essência do raciocínio do autor em Philosophical Investigantions ao entender que na língua não há um significado fixo e inteligível a todos em si, mas sim um significado dependente a posição da palavra no jogo de linguagem. Para isso, o autor faz um paralelo ao jogo de xadrez. Não é possível jogar xadrez apenas sabendo o nome das peças, mas é preciso entender como elas se movem e qual a regra rege o jogo.

Quando alguém mostra outra pessoa o rei no xadrez e diz “este é o rei”, esse alguém não necessariamente explica para a outra pessoa o uso da peça a menos que ele já saiba as regras do jogo exceto por este último ponto: o formato do rei (Wittgenstein, 2009Wittgenstein, L. (2009). Philosophical investigations. Chichester, UK: John Wiley & Sons., p. 18, tradução nossa).

Utilizamos a noção de jogo de linguagem de Wittgenstein para demonstrar em algumas citações como os indivíduos usam uma linguagem masterizada para expressar seus processos mentais internos e como esses processos estão atrelados ao mundo (o fragmento discursivo 2 demonstra isso muito bem). Por outro lado, levamos Wittgenstein em consideração para demonstrar que nossa pesquisa tem um ponto de partida epistemológico: a quebra com epistemologias cartesianas onde os significados são estáticos (Taylor, 1993Taylor, C. (1993b). To Follow a Rule… In C. Calhoun, E. LiPuma, & M. Postone (Eds.), Bourdieu: Critical Perspectives (pp. 45-60). Cambridge, UK: Polity Press.). Por fim, para operacionalizar a análise, como dissemos, seguimos os dizeres para alcançar os elementos da prática e os arranjos materiais. Para demonstrar as citações, foram adotados pseudônimos para os entrevistados como forma de preservação da identidade. O Quadro 1 fornece um panorama geral sobre o perfil dos professores entrevistados.

Quadro 1
Perfil geral dos entrevistados

Por fim, a análise de discurso que realizamos foi em busca especificamente dos elementos do circuito da prática de Magaudda (2011Magaudda, P. (2011). When materiality ´bites back´: Digital music consumption practices in the age of dematerialization. Journal of Consumer Culture, 11(1), 15-36.). Os fazeres, significados e objetos nos guiaram através dos dados para revelar o circuito e a mudança de práticas. Como podemos ver, a Figura 1 demonstra nossa versão do circuito da prática depois de o utilizarmos na análise dos nossos dados. Por outro lado, como vimos emergir, a mudança de práticas passou por três fases: o repentino distanciamento social, o esforço na adoção de novas práticas e o esforço voluntário adotado pelos professores. A próxima seção foi organizada de acordo com essas três fases (quase) cronológicas. Durante a análise do discurso foram destacados fragmentos discursivos que consideramos mais ilustrativos.

ANÁLISE DOS DADOS

A seguir, utilizaremos um recurso didático visual para ilustrar o comportamento da prática em sua transformação a partir do momento em que o cenário institucional determina a suspensão das aulas presenciais. Será utilizado uma adaptação do circuito da prática de Magaudda (2011Magaudda, P. (2011). When materiality ´bites back´: Digital music consumption practices in the age of dematerialization. Journal of Consumer Culture, 11(1), 15-36.) para ilustrar a transformação das práticas do ensino presencial para o ensino remoto.

A Figura 1 ilustra os componentes formadores da prática e uma cadeia de relações entre eles, de forma que a mudança iniciada pelos elementos do nexo “dispara” a transformação de toda a prática. Essas transformações acontecem em uma comunidade de praticantes e fazem parte da subjetividade de seus portadores, já que a prática é essencialmente social (Giddens, 1984Giddens, A. (1984). The constitution of Society: Outline of the Theory of Structuration. Cambridge, UK: Polity Press.; Schatzki, 1996Schatzki, T. (1996). Social practices: A Wittgensteinian approach to human activity and the social. Cambridge, UK: Cambridge University Press.). A numeração que precede os pequenos textos que narram os acontecimentos concernentes a cada elemento tem o objetivo maior de auxiliar o leitor na análise das transformações, e não significa que os acontecimentos obedeceram a uma ordem cronológica exata.

Figura 1
Prática em transformação do ensino presencial para o ensino à distância

Primeiramente, a pandemia e o cenário institucional foram eventos que dispararam alterações nos entendimentos, regras e estrutura teleoafetiva. Depois disso, os significados a respeito das ferramentas de ensino, por exemplo, YouTube, se evidenciaram. Consequentemente, o mundo material e os dispositivos tecnológicos são incorporados em práticas e novas atividades começam a ser performadas. O aprendizado dentro da prática não para e a prática, em sua performance, continua a se alterar. Este é o circuito da prática que nós adotamos e utilizamos para a analisar os dados coletados.

A análise será dividida em três seções, que terão o objetivo de guiar o leitor no debate dos dois grandes temas que emergiram dos dados. A primeira seção abordará o momento em que as instituições suspenderam as atividades docentes presenciais, forçando os professores a adotarem novas formas de consumo das tecnologias digitais para o ensino remoto. Na segunda, será abordado os esforços realizados pelos professores para a adoção de tais tecnologias. Por fim, será analisado o esforço promovido pelos entrevistados para garantir a qualidade do ensino remoto. Aqueles fragmentos discursivos mais ilustrativos da realidade geral dos entrevistados serão trazidos à tona para uma análise do discurso minuciosa.

Elementos da prática em transformação 1: o repentino distanciamento

Com o distanciamento social proporcionado pela crise da COVID-19 na segunda metade do mês de março de 2020, os professores do ensino presencial, principalmente na graduação, foram forçados por suas instituições a continuarem a transmitir os conteúdos de suas disciplinas por meio de tecnologias digitais. Os professores, sem experiência prévia no ensino remoto, tiveram que se adaptar bruscamente à nova realidade, conforme declaram os entrevistados.

Pode-se considerar que o momento em que as respectivas instituições demandam de seus professores o ensino remoto é o momento da “virada” e o início da transformação das práticas no nível dos indivíduos portadores, ou seja, desses docentes. Dessa forma, o ambiente externo e as estruturas sociais, respectivamente, formaram o “gatilho” que deu início à transformação da prática de ensino para os professores entrevistados, estando de acordo com outros estudos que demonstram o papel das estruturas para dispararem uma transformação de práticas sociais (Bourdieu, 2000Bourdieu, P. (2000). Making the economic habitus: Algerian workers revisited. Ethnography, 1(1), 17-41.; Hampton, 2018Hampton, S. (2018). ‘It’s the soft stuff that’s hard’: Investigating the role played by low carbon small- and medium-sized enterprise advisors in sustainability transitions. Local Economy, 33(4), 384-404.; Paddock, 2017Paddock, J. (2017). Household consumption and environmental change: Rethinking the policy problem through narratives of food practice. Journal of Consumer Research, 17(1), 122-139.; Trees & Dean, 2017Trees, R., & Dean, D. (2017). Physical and emotional nourishment: Food as the embodied component of loving care of elderly family relatives. European Journal of Marketing, 52(12), 2405-2422.).

Do lado do indivíduo, foi possível observar certo nível de estresse e de ansiedade quando ele se viu forçado a iniciar a transformação da prática, como se ele estivesse entrando, a partir de agora, em um mundo desconhecido. As práticas são sociais, dispersas, compartilhadas e o indivíduo, de certa forma, participa de uma comunidade de praticantes (Plessz & Wahlen, 2020Plessz, M., & Wahlen, S. (2020, February). All practices are shared, but some more than others: Sharedness of social practices and time-use in food consumption. Journal of Consumer Culture. Retrieved from https://doi.org/10.1177/1469540520907146
https://doi.org/10.1177/1469540520907146...
; Reckwitz, 2002Reckwitz, A. (2002). Toward a theory of social practices: A development in culturalist theorizing. European Journal of Social Theory, 5(2), 243-263.; Schatzki, 1996Schatzki, T. (1996). Social practices: A Wittgensteinian approach to human activity and the social. Cambridge, UK: Cambridge University Press.; Shove & Pantzar, 2007bShove, E., & Pantzar, M. (2007b). Recruitment and reproduction: The careers and carriers of digital photography and floorball. Human Affairs, 17(2), 154-167.). Dessa forma, não foi por acaso que muitos professores, ao terem que adotar práticas repentinas, buscaram em uma rede de práticas as informações que precisavam, disparando, consequentemente, uma mudança de entendimentos, que é um dos elementos da prática e, possivelmente, o primeiro da cadeia sofrer transformação.

Todos os professores entrevistados tiveram uma fonte de informação para dar suporte durante esse período de transformação, sejam elas vídeos do YouTube, cursos das instituições que lecionam, tutoriais ou conselhos de colegas. O fragmento discursivo 1 é ilustrativo nesse sentido.

(1) [...] Quando eu comecei a querer gravar aulas, comecei a ver vídeo aulas ensinando a gravar aula [risos]. Não pesquisando como dar a aula virtual, mas como usar a ferramenta que eu iria precisar [...]. Eu comecei a usar o YouTube que era uma coisa que eu não usava antes, mas conhecia. A gente abriu um canal para poder publicar os vídeos e os alunos terem acesso de forma mais aberta. Então, eu sabia que o YouTube existia, era usado para transmitir aula virtual, mas eu nunca usava (Sofia).

O que não é dito também pode fazer parte da análise do discurso (Saraiva, 2009Saraiva, L. A. S. (2009). Mercantilização da cultura e dinâmica simbólica local: a indústria cultural em Itabira, Minas Gerais (Doctoral Dissertation). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG.) e, neste ponto, a seleção lexical “Então, eu sabia que o YouTube existia, era usado para transmitir aula virtual, mas eu nunca usava” deixa claro que a entrevistada sabia das potencialidades do YouTube para a transmissão de aulas, mas nunca havia feito disso um projeto. Talvez, utilizando os componentes da prática para a análise, isso ocorreu por Sofia não compartilhar de um entendimento e de uma estrutura teleoafetiva adequados à prática do ensino remoto até o momento da “virada”. Esses pontos serão debatidos a seguir.

Ao confrontar a estrutura tecnológica existente com as diversas práticas sociais e com a prática da educação presencial portada pela entrevistada, pode-se inferir que não basta apenas saber que a ferramenta, no caso, o YouTube, existe. O professor pode utilizar essa ferramenta, mas é preciso que o entendimento a respeito dela mude a ponto de adotá-la definitivamente em sua nova prática docente. Os entendimentos a respeito das coisas, que compõe as práticas sociais, que une as atividades, significados e objetos da prática, na visão de Schatzki (1996Schatzki, T. (1996). Social practices: A Wittgensteinian approach to human activity and the social. Cambridge, UK: Cambridge University Press.), diz respeito a como o indivíduo enxerga as possibilidades do seu relacionamento com elas. Por exemplo, o entendimento a respeito de um computador abarca aquilo que eu posso fazer com o computador, como mandar e-mails, ver vídeos, acessar a internet, etc. Dessa forma, para que a gravação de vídeos fizesse parte da nova prática adotada pela entrevistada, foi preciso uma alteração do entendimento do docente a respeito de algumas ferramentas e das próprias formas de conteúdo. A entrevistada Sofia, em outro momento da sua fala, reforçando, inclusive, a ideia de que não basta apenas conhecer uma ferramenta para utilizá-la, informa que vai manter, mesmo no ambiente de ensino presencial, a prática de apresentar vídeos gravados.

O papel e o poder exercido pelas instituições de ensino sobre os professores é fundamental para formatar essa nova prática, exercendo influência sobre elementos das práticas sociais, que se transformam em uma cadeia de relacionamentos. Neste caso, há a indicação de que o elemento do nexo entendimento foi um dos primeiros transformados, possibilitando o início da transformação da prática. Juntamente com o entendimento, há um outro elemento do nexo que foi transformado para a adoção de novas práticas: a estrutura teleoafetiva. O fragmento discursivo (2) é ilustrativo desse ponto.

(2) [...] Digamos que eu dormi no dia 17 como contador e acordei no dia 19 como youtuber. [...] Eu acredito que eu não demorei muito para me acostumar com o sistema online. Até mesmo por causa do meu estilo de aula. Eu costumo brincar com os alunos que meu quadro branco agora é o Word, porque eu compartilho minha tela e vou escrevendo no Word. Então meu Word é o quadro branco e minha letra virou Times 12 (Diego).

Uma análise wittgensteiniana permite fazer considerações sobre o contexto do entrevistado Diego. Neste ponto entendemos o jogo de linguagens como a habilidade de utilizar palavras para expressar seus processos (pensamentos) internos claramente. Fazer um bom jogo, nesse sentido, significa ter masterizado as regras de uma linguagem em um contexto específico. No seu jogo de linguagem, partindo do princípio de que seu interlocutor está familiarizado com os lexicais e os significados associados, como “youtuber” e “Word”, Diego tem a intenção de demonstrar como sua nova prática docente virtual se aproxima da prática docente presencial. Os lexicais foram selecionados exatamente para demonstrar o esforço de Diego em fazer uma espécie de “cópia” da prática e, não, uma transformação profunda dos seus componentes subjetivos.

Entendendo a estrutura teleoafetiva como uma série de “fins, projetos, tarefas, propósitos, crenças, emoções e humores” (Schatzki, 1996Schatzki, T. (1996). Social practices: A Wittgensteinian approach to human activity and the social. Cambridge, UK: Cambridge University Press., p. 89, tradução nossa) é possível, tanto pelo jogo de linguagem utilizado, pelo percurso semântico e pelos personagens presentes no discurso de Diego (contador, youtuber, word), entender o quanto as estruturas sociais - enquanto ambiente de regras institucionais e legais - acabaram direcionando projetos, tarefas e, por que não, transformando humores, crenças e emoções. A mudança ocorrida na estrutura teleoafetiva da prática portada pelos professores ficará evidenciada a seguir, já que alguns preconceitos sobre o ensino remoto foram quebrados pelos entrevistados que, inclusive, vão adotar novas plataformas digitais mesmo no ensino presencial no cenário pós-pandemia.

Elementos da prática em transformação 2: o esforço do professor e a consolidação de novas práticas

Após começarem a participar de uma nova comunidade de prática (o ensino remoto), os professores, atuando sob novas regras, com novos entendimentos e dentro de uma nova estrutura teleoafetiva, começam a dar novas utilizações aos seus objetos (aparatos tecnológicos, como smartphones), aprendem novos significados (aprendem o que é, por exemplo, o Google Forms), e iniciam novas atividades (como orientações de TCCs por aplicativos de reunião). Neste ponto, todos os elementos da prática são acionados e transformados após o “disparo” inicial.

(3) [...] Agora eu acho que vou dar prova só online, sério! Sabe por quê? Eu descobri lá no formulário do Google que eu consigo formular uma prova, inclusive que sai o resultado na hora, aí as primeiras eu fiz só de marcar, as outras eu vou fazer discursivas, porque eu já estou evoluindo. Coisa que eu detesto fazer é corrigir prova, eu sou o professor que não gosta de corrigir prova, eu estou falando que não é positivo, é uma falha minha. [...] Quem for colar não vai conseguir fazer a prova, porque eu não dei uma hora de prova [...] as questões você consegue aleatorizar, as perguntas e respostas, e dentro delas também você consegue aleatorizar. Então, não adianta você perguntar para seu colega por Whatsapp rápido, porque se ele for te dar atenção ele não faz a prova dele. [...] Eu não sabia que tinha aquela possibilidade. [...] Eu apliquei a prova e foi fantástico! Já sai o resultado, eu não preciso corrigir [...] (Henrique).

No fragmento discursivo 3 é possível identificar a adoção de uma nova ferramenta não apenas durante a suspensão das aulas presenciais, mas de forma rotinizada em suas práticas mesmo em um cenário pós-pandemia. Cabe destacar que a rotina é essencial para a sobrevivência das práticas (Schatzki, 1996Schatzki, T. (1996). Social practices: A Wittgensteinian approach to human activity and the social. Cambridge, UK: Cambridge University Press.). Pela seleção lexical “as outras eu vou fazer discursivas, porque eu já estou evoluindo” é sintomático de uma prática ainda incompleta, ainda em transformação. Além disso, demonstra que o aprendizado também é um elemento que perpassa por toda prática, e atua na manutenção de sua perenidade no tempo (Schatzki, 2017Schatzki, T. (2017). Practices and learning. In P. Grootenboer, C. Edwards-Groves, & S. Choy (Eds.), Practice theory perspectives on pedagogy and education (pp. 23-43). Gateway East, Singapura: Springer.).

Na sequência do fragmento discursivo 3 é possível identificar também o aprendizado e a utilização de artifícios para evitar a “cola” dos alunos. Dessa forma, é possível observar que práticas antigas, como a criação de artifícios que dificultam subterfúgios dos alunos para “colar”, acabam remanescendo discretamente reconfigurados dentro de novas práticas (Shove & Pantzar, 2007aShove, E., & Pantzar, M. (2007a). Fossilisation. Ethnologia Europaea, 35(1-2), 59-62.). Henrique, ao deixar claro que agora é possível ver as possibilidades do Google Forms e que isso trouxe a ele um alívio, já que se declara como um “professor que não gosta de corrigir prova”, deixa clara uma alteração em entendimentos na estrutura teleoafetiva de sua prática, desencadeando uma reação em todos os demais componentes.

A consolidação das reuniões por meio de aplicativos específicos também é um exemplo ilustrativo dessa transformação de uma nova prática. Esses aplicativos são um exemplo de ferramentas que eram apenas conhecidos, mas não utilizados por não terem suas relações subjetivas com os indivíduos transformadas, no caso os professores e as plataformas de aulas online. Dessa forma, a crise provocada pela COVID-19 foi o impulsionador. Há também relatos de que orientações de trabalhos de conclusão de curso, por exemplo, podem ser feitos de forma virtual, sem perda de qualidade na orientação. Além disso, em faculdades localizadas em grandes centros urbanos, pode ser uma forma de reduzir o tempo de deslocamento. Por fim, o fragmento discursivo 4 se demonstra ilustrativo de uma prática em transformação, associada a um aprendizado, que tende a se consolidar em um cenário pós-pandemia.

(4) [...] Todo o meu contato com o aluno era cem por cento presencial e hoje eu acredito que algumas questões dão para continuar de forma online, algumas discussões, alguns conteúdos que podem ficar gravados e contribuir, ou alguns conteúdos complementares gravados (Vitor).

A análise wittgensteiniana demonstra um jogo de linguagem utilizado pelo entrevistado Vitor. Ao colocar uma lente sobre o enunciado de que o seu “contato com o aluno era cem por cento presencial”, evidencia-se que Vitor utiliza um recurso linguístico para marcar e destacar um momento de virada em sua prática docente, já que o professor, em outros momentos, afirmou que as instituições para quais trabalha utilizavam sistemas educacionais para enviar mensagens e materiais aos discentes, além do professor manter um contato, mesmo que de forma menos intensa, por e-mail. Dessa forma, o contato não era, de forma literal, “cem por cento presencial”, mas na utilização “prática”, “automática”, inconsciente e fluida da língua, esses recursos aparecem. Em suma, a transformação da prática do ensino presencial para o ensino à distância, bem como a subjetividade adjacente, precisou desse rompimento abrupto, causado por um cenário social de crise da COVID-19. Independente dos recursos linguísticos utilizados pelos entrevistados, todos eles deixam claro um momento que marca uma transformação.

Dessa forma, a transformação da prática não foi fluida e natural, mas sim, traumática e altamente perceptiva para seus portadores, os professores. Dizer que a transformação de práticas não foi fluida não significa dizer que elas não ocorreram, mas apenas que elas tiveram algum tipo de resistência (como demonstra o trabalho de Gonzalez-Arcos et al., 2021Gonzalez-Arcos, C., Joubert, A., Scaraboto, D., Guesalaga, R., & Sandberg, J. (2021). “How Do I Carry All This Now?” Understanding Consumer Resistance to Sustainability Interventions. Journal of Marketing, 85(3), 44-61.; ver também a resistência no fragmento discursivo 7 a seguir).

O conflito com as estruturas sociais e o esforço voluntário dos professores

Coube grande destaque até aqui o papel que a estrutura social exerceu sobre os indivíduos e sobre a prática que se configurou. Contudo, é um ponto de destaque no corpus de pesquisa um certo conflito entre os professores e as instituições e um esforço do docente que vai além do que é demandado institucionalmente para manter a qualidade do ensino. Dessa forma, pode-se perceber, ao contrário, um movimento do indivíduo em direção às estruturas de coerção.

(5) [...] Eu mandei um e-mail falando que a gente ia entrar na disciplina tal, todas as orientações básicas [...] um tutorial para ele [aluno] por escrito [...] Porque eu entendi que se eu preciso, ele também vai precisar. Então eu passei isso para ele. O primeiro momento foi uma conversa, não foi um conteúdo [...] A primeira coisa que eu fiz, eu gravei um vídeo pra eles no celular, falando: - Gente, eu não sou aquele robô, eu tenho limitações, porque eu não dou aula para o meu computador, eu sei trabalhar com gente. Então eu coloquei um pouco de humanização para essa aula: - Eu sou um professor, que tem conhecimento, etc., mas eu não sou youtuber, então, reconsiderem alguns erros que vão acontecer (Elza).

O fragmento discursivo 5 é ilustrativo do esforço do professor em colocar “um pouco de humanização”. No contexto da prática do ensino à distância, o lexical humanização pode ser considerado um caso de refração linguística (Saraiva, 2009Saraiva, L. A. S. (2009). Mercantilização da cultura e dinâmica simbólica local: a indústria cultural em Itabira, Minas Gerais (Doctoral Dissertation). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG.), quando o seu sentido é deslocado de um contexto para outro. Para a professora Elza, ações de humanização são todas aquelas que visam reproduzir, mesmo que de forma imperfeita, as interações existentes em um contexto presencial. Quando a professora expõe suas fragilidades, dizendo que “erros vão acontecer” é a forma encontrada por ela para se aproximar mais do discente que está fisicamente distante e criar uma relação de empatia. Os personagens presentes em seu discurso (robô, youtuber), com os quais ela se contrapõe, servem também para marcar o seu lugar enquanto uma professora recém introduzida à prática do ensino remoto.

Seja por meio da “humanização” ou pela produção de tutoriais (como foi o caso, presente em outro trecho da entrevista com a professora Elza), é possível ver um esforço do professor para além do que é pedido pelas instituições de ensino. Esse esforço, pelo argumento estruturado até aqui, não aconteceria se a estrutura teleoafetiva que compõe a prática não fosse alterada, pois ela é a definidora de projetos, motivações, valores etc.

A discussão relativa ao fragmento discursivo 5 se soma a relatos de atitudes que driblam as estruturas impostas pelo ambiente institucional, sejam fazendo algo além do que é obrigatório, como ilustrado pelo fragmento discursivo 6, ou não cumprindo uma regra imposta, como no fragmento discursivo 7.

(6) [...] Eu estava sentindo muita falta desse contato presencial com os alunos. Então eu propus para eles no meio do semestre, porque eu comecei a achar que a nossa relação estava ficando muito fria, muito profissional e pouco pessoal. Então eu propus que a gente fizesse alguns happy hour. A gente combinava assim: antes da aula ou depois da aula... com a turma da manhã era um café coletivo. Todos abriram as câmeras, cada um na sua casa, cada um com seu lanche e a gente não vai falar de aula, a gente vai falar da vida. [...] E com a turma da noite foi um happy hour mesmo, no final da aula, cada um abre o que quiser beber, sua cerveja, o que você quiser, seu tira-gosto e a gente vai conversar de outros assuntos.(Marta).

(7) Eu tenho grupo de Whatsapp com meus alunos, mas não pode [a instituição] não permite ter interação com o seu aluno fora das plataformas dele. [...] A minha proximidade com meus alunos faz a minha aula ficar muito melhor, eu tenho grupo de Whatsapp com eles, os meninos me chamam no Whatsapp [...] (Elizabete).

Novamente, como presente no fragmento discursivo 6, a professora entrevistada se utiliza de um artifício para humanizar suas aulas, e se utilizou da seleção lexical “que a nossa relação estava ficando muito fria, muito profissional e pouco pessoal” para expressar o que sentia. No uso cotidiano, o lexical frio já é normalmente utilizado para qualificar relações distantes que, por sua vez, são o oposto de relações quentes. De uma forma geral, a distância física dos alunos trouxe uma sensação de frieza, que Marta tentou contornar criando momentos de relaxamento e descontração nos encontros mediados pela tecnologia digital.

O fragmento discursivo 7 vai além ao expor a consciência que a professora tem ao burlar uma regra imposta. De toda forma, prefere correr esse risco e, ainda assim, melhorar a proximidade com os alunos que, em sua visão, faz sua “aula ficar muito melhor”. Neste ponto, parece fazer parte da prática de ensino, seja ela presencial ou remota, a proximidade com os discentes, que os professores tentam replicar nas novas práticas apesar do distanciamento social proporcionado pela crise da COVID-19.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pesquisas que abordam a adoção de novas práticas, tecnologias e padrões de consumo demonstram como as pressões proporcionadas pelas estruturas sociais atuam sobre as decisões individuais. A crise proporcionada pela pandemia da COVID-19 exerceu mudanças no cenário das instituições de ensino que, consequentemente, tiveram que suspender as aulas presenciais. Com isso, os professores do ensino presencial tiveram que alterar repentinamente uma série de atividades, utilização de objetos, significados e outras concepções subjetivas, como estruturas de valores e entendimentos. Essa alteração é complexa, e passa pela articulação entre os componentes objetivos e subjetivos da prática, como ilustrado pela Figura 1, articulação essa que pode ser entendida como a grande contribuição do trabalho para a literatura.

Tendo o objetivo de entender como acontece a transformação da prática do ensino presencial para o ensino remoto devido ao distanciamento social proporcionado pela crise da COVID-19, o trabalho se utilizou dos componentes da prática social como mapa de observação. Com a metodologia de estratégia qualitativa e análise de conteúdo, foi possível tecer algumas considerações. Em primeiro lugar, não basta apenas que o indivíduo conheça uma nova tecnologia para que ele possa utilizá-la em sua atividade profissional. No caso dos professores entrevistados, foi preciso uma mudança de alguns elementos subjetivos, especificamente, dos entendimentos e de uma cadeia de valores e projetos da prática do ensino presencial. Só a partir dessa mudança foi possível utilizar alguns softwares e outros objetos na prática do ensino remoto. Apenas conhecer e utilizar o Youtube ou smartphones não era o suficiente para inseri-los na prática do ensino.

Segundo. Após uma transformação em cadeia nos componentes da prática, foi possível perceber que os professores, mesmo no cenário pós-pandemia, pretendem adotar alguns de seus aprendizados no ensino presencial. Isso demonstra que foram transformadas práticas, em todos os seus entendimentos, estrutura teleoafetiva, regras, significados, atividades e objetos. Por fim, percebe-se que houve um esforço além do exigido pelo ambiente institucional na prática do ensino remoto. Isso demonstra uma mudança na estrutura teleoafetiva da prática de ensino, pois a teleoafetividade é o que impulsiona e determina uma hierarquia de valores, atitudes e projetos pessoais. Esse esforço se deu no sentido de trazer elementos de uma prática do ensino presencial para o ensino remoto, como o que alguns professores chamam de humanização, que diz respeito à uma proximidade física e sentimental com os alunos, perdida no ensino remoto. Na tentativa de trazer as conversas informais e momentos de happy hour que aconteciam com a proximidade física dos alunos ao ambiente virtual, pode-se observar o que Shove & Pantzar (2007aShove, E., & Pantzar, M. (2007a). Fossilisation. Ethnologia Europaea, 35(1-2), 59-62.) chamam de fossilização das práticas, quando elementos de práticas antigas são encontradas em práticas recentes, já que as práticas são transformadas umas das outras.

Na transição repentina de professor para youtuber - personagem que aparece no discurso de alguns entrevistados para ilustrar o professor do ensino remoto que se utiliza da tecnologia digital, como observado no fragmento discursivo 2 -, os discursos apontam para um caminho intermediário em um cenário pós-pandemia, onde os professores do ensino presencial, com suas práticas transformadas e permeadas por aprendizado, serão mais criativos em suas salas de aula, levando a produção de vídeos, aplicação de provas e orientações de TCC, também para as aulas presenciais.

Os achados deste trabalho podem contribuir para profissionais de marketing interessados em descobrir o que acontece quando um grupo de consumidores adota uma nova tecnologia ou, ao contrário, porque alguns consumidores conhecem as vantagens de determinados produtos e tecnologias, mas não conseguem adotá-las no seu dia a dia. Neste último caso, estudos com a abordagem das práticas sociais, ao entender uma cadeia de elementos subjetivos, como são os entendimentos e a estrutura teleoafetiva, podem ter aplicabilidade gerencial. No caso deste trabalho, a reação em cadeia foi provocada por uma mudança de regras do ambiente institucional que, de certa forma, “forçou” os professores a adotarem uma nova prática.

Por outro lado, o ambiente provocado pela crise da COVID-19 surge como um campo de pesquisas para interessados em explorar fenômenos sociais, se distanciando um pouco do gerencialismo tradicional. Com isso, gestores públicos ou organizações do terceiro setor podem estudar ou provocar mudanças significativas se utilizando da abordagem proporcionada pela teoria da prática. Administrações públicas, por exemplo, poderiam realizar campanhas de promoção de saúde mais eficazes se conseguissem atuar nos entendimentos e estrutura teleoafetiva da subjetividade das práticas da população.

Por fim, este estudo faz um paralelo entre práticas de ensino e a aprendizagem nas práticas. A aprendizagem e as práticas sociais já foram discutidas por autores como Grootenboer, Edwards-Groves e Choy (2017), Kemmis et al. (2014Kemmis, S., Heikkinen, H., Fransson, G., Aspfors, J., & Edwards-Groves, C. (2014). Mentoring of new teachers as a contested practice: Supervision, support and collaborative self-development. Teaching and Teacher Education, 43, 154-164.) e Schatzki (2017Schatzki, T. (2017). Practices and learning. In P. Grootenboer, C. Edwards-Groves, & S. Choy (Eds.), Practice theory perspectives on pedagogy and education (pp. 23-43). Gateway East, Singapura: Springer.), o que demonstra a flexibilidade da teoria da prática e a sua aplicabilidade em diversos campos do conhecimento. Este estudo também contribui para o campo da educação ao se colocar do ponto de vista do aprendizado por parte dos professores como forma de melhorar a prática docente e suas atividades no ensino remoto e presencial. Os achados da pesquisa também podem servir de subsídios para aqueles profissionais adeptos das metodologias ativas de aprendizagem, uma vez que buscou-se compreender todas as atividades, utilização de objetos, significados e outras concepções subjetivas, como estruturas de valores e entendimentos que fazem parte da adoção de novas tecnologias de educação. Ademais, as políticas públicas para a educação também poderiam se beneficiar de estudos do tipo ao criar projetos para que seus professores, sejam de nível infantil, fundamental, médio, técnico ou superior pudessem aprimorar práticas pedagógicas - no ambiente virtual ou não - no sentido de potencializar o aprendizado por parte dos alunos, inserindo-os também em uma nova prática.

Esta pesquisa apresentou limitações no que diz respeito à ferramenta utilizada para realizar as entrevistas. O contato mediado pela tecnologia digital limita a captação de algumas nuances perceptivas apenas no contato pessoal, como é o caso de alguns gestos corporais. Além disso, percebe-se que a câmera é um elemento que deixa os entrevistados um pouco desconfortáveis, o que pode gerar respostas um pouco mais preocupadas com a formalidade da entrevista. Mesmo tentando “quebrar” essa formalidade da câmera nos contatos realizados, o contato pessoal poderia ser mais intenso ao captar com mais detalhes as subjetividades dos entrevistados.

Estudos futuros, em um cenário pós-pandemia, podem ser desenvolvidos no sentido de verificar quais tecnologias e aprendizados do ensino remoto no período de distanciamento social foram efetivamente adotados e aprendidos. Ou seja, torna-se fundamental continuar investigando como será o futuro da aula e da educação no contexto de pós-pandemia tentando responder ao questionamento acerca de como a mudança de práticas vai refletir na melhoria dos processos de ensino-aprendizagem. Além disso, poderia ser avaliado, do ponto de vista dos discentes, se a mudança de prática dos professores gerou resultados no aprendizado da turma de alunos. O interessante é continuar perseguindo a resposta que está expressa no título do trabalho: o que esperar desse profissional da educação a partir da crise da COVID-19? Que papel assumir: de educador, de professor, de youtuber? Um pouquinho de cada um? Todos eles? Ou algo diferente disso?

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  • [Versão traduzida]

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    May-Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    13 Mar 2021
  • Aceito
    09 Dez 2021
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