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Reescrevendo a narrativa: racismo em livros infantis da época de Monteiro Lobato* 1 Parte dos debates foi mapeada por FERES JUNIOR, NASCIMENTO e EISENBERG, 2013.

Rewriting the narrative: Racism in Children Literature in Monteiro Lobato's times

Resumo

Os debates sobre a representação estereotipada e racista na literatura infanto-juvenil de Monteiro Lobato apontam uma questão central nos estudos literários: como ler obras em diferentes contextos históricos, sociais e culturais e cujos padrões morais e éticos podem entrar radicalmente em conflito com os nossos? Este artigo propõe investigar o contexto literário em torno da obra infantil de Lobato por meio da análise de obras de literatura infantojuvenil que circularam no Brasil entre o fim do século XIX e o começo do século XX. O estudo permite compreender o repertório com o qual as obras de Lobato dialogavam e, ao comparar representações de personagens negros, oferece nova perspectiva para o entendimento da literatura infantil de Monteiro Lobato.

Palavras-chave:
Literatura Infantil; Monteiro Lobato; Racismo; Personagens negros; Representação literária

Abstract

The debates about the stereotyped and racist representation in Monteiro Lobato's children literature bring up a central issue for literary studies: how to read works produced in different historical, social and cultural contexts and which moral and ethical standards can radically conflict with our own? This paper proposes to investigate the literary context surrounding Lobato’s books for children through the analysis of works of children's literature that circulated in Brazil between the end of the nineteenth century and the beginning of the twentieth century. The study opens a window into the repertoire with which Lobato's works dialogued and, by comparing various representations of black characters, it offers a new perspective to understand Lobato's children’s literature.

Keywords:
Children’s Literature; Monteiro Lobato, Racism; Black characters; Literary representation

Para Luís Camargo.

Em 2020, foram comemorados os 100 anos de lançamento de A menina do narizinho arrebitado LOBATO, Monteiro. A menina do narizinho arrebitado. São Paulo: Monteiro Lobato & Cia/ Revista do Brasil, 1920., primeiro livro de Monteiro Lobato LOBATO, Monteiro. A menina do narizinho arrebitado. São Paulo: Monteiro Lobato & Cia/ Revista do Brasil, 1920. para crianças. Os eventos culturais que costumam celebrar esse tipo de efeméride foram obscurecidos, porém, por debates em torno do suposto racismo existente em textos que compõem tanto a obra infantil como os livros para adultos do autor. Os debates sobre o preconceito racial na obra lobatiana intensificaram-se na última década e espraiam-se do campo da Educação, principalmente, para os da História, da Sociologia, do Direito, das Artes, entre outros. As denúncias de racismo em textos lobatianos de ficção e de não ficção, de alcance público e privado, de circulação ampla e restrita foram realizadas em jornais, revistas, programas de televisão, redes sociais, encontros públicos e privados; a defesa de Monteiro Lobato igualmente ocorreu nessas esferas e em outras mais surpreendentes, como blocos de carnaval.1 1 Parte dos debates foi mapeada por FERES JUNIOR, NASCIMENTO e EISENBERG, 2013.

Não seria estranho se Monteiro Lobato fosse apontado, em algum levantamento futuro, como um dos autores de literatura que mais mobilizaram a opinião pública brasileira a discutir as relações entre valores éticos e estéticos, sobretudo em torno dos direitos de pessoas negras, neste início de século XXI. A hipótese não deixa de ser irônica, dado que o autor, morto em 1948, não viu nem a segunda metade do século XX, nem os avanços ocorridos nos últimos setenta anos concernentes aos direitos das populações negras no Brasil e no mundo.

Os debates sobre passagens da obra lobatiana consideradas racistas talvez derivem da singular longevidade dos livros do autor, sobretudo os infantis, que carregam valores de outros tempos. Quando se trata de literatura para crianças, “há um limite que separa os livros sobreviventes dos livros ‘vivos’”, como lembra Peter Hunt (2010, p. 96). As obras infantis cujos temas e valores não são mais “aplicáveis à infância” deixam de ser publicadas e desaparecem, aos poucos, das livrarias, bibliotecas e memórias coletivas. Essa morte simbólica ocorreu com praticamente todos os livros infantis que circularam nas primeiras décadas do século XX, quando a infância era definida por critérios, valores e costumes diferentes dos atuais. Os livros para crianças de Lobato, no entanto, permanecem vivos - e, com eles, parte da história da literatura infantil brasileira, de seus desafios, particularidades e problemas.

A representação de personagens negras parece ter sido um dos grandes problemas para os primeiros produtores de literatura infantil brasileira - e permanece um desafio. Investigar aspectos da história dessa representação pode fomentar novas perspectivas não apenas para o debate sobre o racismo em livros de Lobato, mas para a história de nossa literatura infantil. É o objetivo deste artigo, que procura examinar as qualidades atribuídas a personagens negras nos primeiros livros brasileiros para crianças e as estratégias narrativas usadas para representá-las.

A historiadora Lynn Hunt defende a tese de que romances do século XVIII, especialmente Pamela (1740) e Clarissa (1747-8), de Richardson, e Júlia (1761), de Rousseau, levaram seus leitores a se identificarem com “personagens comuns, que lhes eram por definição pessoalmente desconhecidos”:

Os leitores sentiam empatia pelos personagens, especialmente pela heroína ou pelo herói, graças aos mecanismos da própria forma narrativa. Por meio da troca fictícia de cartas, em outras palavras, os romances epistolares ensinavam a seus leitores nada menos que uma nova psicologia e nesse processo estabeleciam os fundamentos para uma nova ordem política e social. Os romances tornavam a Júlia da classe média e até criados como Pamela, a heroína do romance de mesmo nome escrito por Samuel Richardson, igual e mesmo superior a homens ricos como o sr. B., o empregador e futuro sedutor de Pamela. Os romances apresentavam a ideia de que todas as pessoas são fundamentalmente semelhantes por causa de seus sentimentos íntimos, e muitos romances mostravam em particular o desejo de autonomia. Dessa forma, a leitura dos romances criava um senso de igualdade e empatia por meio do envolvimento apaixonado com a narrativa. (2008, pp. 38-39)

A leitura de romances, entre outras experiências artísticas, teria despertado em muitos indivíduos a empatia por pessoas de diferentes classes, gêneros e nacionalidades. Tal capacidade, por sua vez, teria contribuído para a emergência dos Direitos Humanos. Obviamente, os sentimentos de empatia não seriam suficientes, por si mesmos, para tornar possível a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789. “Primeiro, a empatia precisava ter um alcance social mais amplo e, em seguida, deveria ser enquadrada em um discurso político que desafiava os fundamentos do governo tradicional”, afirma Hunt.2 2 Ver entrevista de Lynn Hunt neste número da Revista Brasileira de Literatura Comparada. Tradução minha.

Hoje, discute-se muito o quanto livros infantis poderiam motivar a empatia em seus leitores, ou seja, a capacidade inata, porém desenvolvida gradualmente, de identificação com sentimentos e emoções de outras pessoas, adotando sua perspectiva (KUCIRKOVA, 2019KUCIRKOVA, N. (2019). How could children’s storybooks promote empathy? A conceptual framework based on developmental psychology and literary theory. Frontiers in psychology, 10, 121. Disponível em: <https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fpsyg.2019.00121/full>
https://www.frontiersin.org/articles/10....
; ZOLL & ENZ, 2010ZOLL, C.; ENZ, S. (2010). A questionnaire to assess affective and cognitive empathy in children. Disponível em <https://fis.uni-bamberg.de/bitstream/uniba/218/1/Dokument_1.pdf>
https://fis.uni-bamberg.de/bitstream/uni...
; REIS & ROGÉRIO, 2017REIS, Bia; ROGÉRIO, Cristiane. Empatia, palavra que une livro e criança. O Estado de S. Paulo, 01/10/2017. Disponível em: <https://educacao.estadao.com.br/>
https://educacao.estadao.com.br/...
). Os livros analisados neste artigo foram publicados entre 1875 e 1948, ano da morte de Monteiro Lobato. Em vários deles, a simpatia (termo então utilizado para definir o que hoje conhecemos como empatia) tem importante função, seja como sentimento que aproxima personagens de origens sociais, idades, etnias, gêneros distintos, seja como capacidade que autores almejam estimular em jovens leitores.

Por essa razão, o uso de estratégias narrativas para revelar a simpatia de uma personagem por outra ou para conquistar a empatia dos leitores será levado em consideração no exame da representação de personagens negras em livros infantis brasileiros que circularam na época em que Monteiro Lobato viveu e produziu suas obras literárias.

Definidos os objetivos, resta delimitar o quadro histórico no qual serão desenvolvidas as hipóteses interpretativas apresentadas neste artigo.

Livros infantis circularam já nos primeiros anos do Brasil Império, ainda que por meios precários. Nas últimas décadas do século XIX, “esboça-se um mercado de livros, caracterizado pela predominância de livros estrangeiros, na maioria importados de Portugal e destinados à escola” (ZILBERMAN, 2016ZILBERMAN, Regina. Leituras para a infância no século XIX brasileiro. In: Fronteiraz: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em Literatura e Crítica Literária da PUC-SP, nº 17, dezembro de 2016. Disponível em: <Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/fronteiraz/article/view/29413 > Acesso em: 20 jan. 2021.
https://revistas.pucsp.br/index.php/fron...
, p. 23). O surgimento da literatura infantil brasileira costuma ser situado nos anos imediatamente anteriores e posteriores à Proclamação da República (1889), quando intelectuais, educadores e jornalistas começaram a produzir obras que “tinham um endereço certo: o corpo discente das escolas igualmente reivindicadas como necessárias à consolidação do projeto de um Brasil moderno.” (LAJOLO; ZILBERMAN, 1996, p. 28LAJOLO, Marisa; ZILBERMAN, Regina. A formação da leitura no Brasil. São Paulo: Ática, 1996.).

A história da literatura infantil é também a história dos critérios definidores de infância. No Brasil Império, parte significativa das pessoas com poucos anos de vida não era considerada criança. Uma página de anúncios do Diário de Pernambuco, de 9 de junho de 1848, indica o quão restrito era o grupo de pessoas consideradas crianças, para as quais se destinavam livros específicos. Na lista de obras à venda na “loja de livros no pátio do Colégio”, encontra-se o título “Modelos para os meninos ou rasgos de humanidade, piedade filial e amor materno, obra divertida e moral, adornada com cinco estampas, rica encadernação”. Logo abaixo, há outro anúncio, em que se lê: “vende-se uma linda negrinha, de 7 a 8 anos; um moleque de 16 anos, de bonita figura” e mais outros escravizados (DIÁRIO, 1848, p.3DIÁRIO de Pernambuco, Recife, ano XXV, n. 150, 09/06/1848, p. 3. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br > Acesso em: 20 jan. 2021.
http://memoria.bn.br...
).

As noções de humanidade, piedade filial e amor materno enaltecidas no livro, um best-seller do século XIX3 3 Busca na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional indica que o livro aparece em catálogos e anúncios de livreiros de várias províncias brasileiras entre as décadas de 1830 e 1880. Sobre o conteúdo do livro, ainda pouco estudado, ver MAUAD, 2010, p. 148. , não se aplicavam a pessoas escravizadas. Crianças eram frequentemente afastadas das mães, mesmo depois do decreto de 1869 que proibia a venda separada de pais e filhos menores de 15 anos (ARIZA, 2018ARIZA, Marília B. A. Crianças / Ventre livre. In: SCHWARCZ, Lilia M.; GOMES, Flávio (org.). Dicionário da Escravidão e Liberdade. São Paulo: Cia das Letras, 2018.p.169-175., p. 172). Se sobrevivessem até os quatro anos, meninos e meninas aprenderiam “um ofício e a ser escravo: o trabalho era o campo privilegiado da pedagogia senhorial” (GÓES; FLORENTINO, 2010, p.185).

Ainda que tratados como objetos, escravizados agiam como sujeitos, conforme lhes era possível. Cativos podiam aprender a ler e a escrever, por exemplo, em ambientes não-escolares (WISSEMBACH, 2018WISSEMBACH, Maria Cristina Cortez. Letramento e escolas. In: SCHWARCZ, Lilia M.; GOMES, Flávio (org.). Dicionário da Escravidão e Liberdade. São Paulo: Cia das Letras, 2018.p. 292-297., p. 296) - como ocorria, por sinal, com boa parte da população de negros libertos, mestiços e brancos (GOMES, 2002GOMES, Angela de Castro. A escola republicana: entre luzes e sombras. In: GOMES, A. de C. et al (org.). A República no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira: CPDOC, 2002., p. 387). Além disso, não se podem confundir pessoas negras com escravizadas. Na província de Minas Gerais, a maior parte dos alunos que frequentava escolas elementares, na década de 1830, era negra, conforme Marcus Fonseca - embora eles não formassem o público para o qual a escola se destinava (2011FONSECA, Marcus Vinícius. Educação e controle em relação à população negra de Minas Gerais no século XIX. In: FONSECA, M. C. et al (org.). Relações étnico-raciais e educação no Brasil. Belo Horizonte: Mazza edições, 2011., p. 73). Ambivalências assim permeiam a complexa história da educação formal para negros no país:

Nos tempos do Império não existiam de fato interdições expressas aos de condição livre, nem mesmo nos regimentos provinciais que normatizavam a instrução pública, havendo registros de matrículas de alunos não brancos nas escolas públicas, entre eles "ingênuos" libertados pela lei de 1871. No entanto, as posições em relação à educação das crianças negras eram ambíguas, e permaneceram assim por muito tempo: por vezes a instrução foi vista como estratégia para educar e civilizar os jovens egressos do mundo da escravidão; outras vezes sua presença nos bancos escolares foi considerada com aversão, pois eles poderiam se tomar parcerias perniciosas e contaminar com seus vícios os alunos brancos. (WISSEMBACH, 2018WISSEMBACH, Maria Cristina Cortez. Letramento e escolas. In: SCHWARCZ, Lilia M.; GOMES, Flávio (org.). Dicionário da Escravidão e Liberdade. São Paulo: Cia das Letras, 2018.p. 292-297., p. 296).

É neste contexto histórico que os primeiros autores de livros infantis brasileiros produziram suas obras. No Brasil representado nas páginas de muitos livros para crianças que circularam nos anos anteriores à Abolição e nas primeiras décadas da República, as pessoas negras não existiam ou eram invisíveis - embora compusessem a maior parte da população. Em outra parte significativa da literatura infantil em circulação, as personagens negras são retratadas frequentemente como escravas, e quase sempre como “parcerias perniciosas” que poderiam “contaminar com seus vícios” as personagens brancas.

Essas categorias restritivas de representação de pessoas negras teriam moldado de forma singular a literatura infantil brasileira e serão examinadas a seguir.

A cor da escravidão

As manhãs da avó: leituras para a infância, de Victoria ColonnaCOLONNA, Victoria. As manhãs da avó: leitura para a infância. 2a. ed. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1877. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k319248b.image
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, publicado em 1875 por B. L. Garnier, foi um dos primeiros livros infantis brasileiros. Permanece desconhecida a autora por trás do pseudônimo, nome da Marquesa de Pescara, musa de Michelangelo e poetisa notável da literatura italiana quinhentista4 4 Segundo Sacramento Blake, Victoria Colonna era o pseudônimo de uma “distintíssima escritora brasileira”. É possível que a autora fosse Militina Jansen Müller (1817?-1879), meia-irmã de Manuel Odorico Mendes (1799-1864), hipótese que ainda está sendo investigada. . Um crítico do jornal A Reforma resumiu e avaliou o livro de Colonna da seguinte forma:

Uma senhora velha de boa educação e instruída resolve, estando em extrema pobreza, ir morar em companhia de uma sua nora, viúva de um oficial reformado e mãe de três crianças, um menino e duas meninas.

Aproveita seus derradeiros anos ensinando o quanto pode a seus netinhos, e isso com a maior simplicidade, ora inoculando-lhes os mais salutares princípios de moral, ora interessando-os a certos conhecimentos gerais, e amenizando o mais possível as suas conversas. (...)

Agora que tanto gosto se tem desenvolvido entre nós, por tudo quanto se prende à instrução pública e mui principalmente a primária, é um bom serviço a publicação de livros úteis à infância; cumprimos pois o nosso dever cumprimentando a Sra. Victoria Colonna pela aparição de As manhãs de minha avó [sic]. (BIBLIOGRAFIA, 1985BIBLIOGRAFIA. A Reforma: Órgão Democrático. Rio de Janeiro, ano VII, n. 112, 22/05/1875, p.3., p.3)

O excerto permite entrever o forte vínculo entre a valorização da instrução pública e a produção de literatura nacional para crianças. A instrução, porém, não deveria ser confundida com a educação, particularmente a moral, segundo Colonna (1877, p. 5COLONNA, Victoria. As manhãs da avó: leitura para a infância. 2a. ed. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1877. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k319248b.image
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). No prefácio da segunda edição de 1877, ela afirma esperar que seu livro ajude as “mães de família” a fazer com que seus filhos compreendam “o horror que devem ter à ociosidade e o amor com que lhes cumpre amar a honra e a dignidade" (p. 6). Para dar cabo da tarefa, a autora teria criado uma “avó-modelo” que instrui seus netos por meio de narrativas e diálogos:

Imaginamos apresentar à infância um quadro da vida íntima, segundo os usos e costumes de nossa terra, intercalando-lhe várias histórias morais, ora de lavra nossa, ora respingando nos diversos autores que lemos para utilizarmos de suas luzes.

Julgamos que a forma dialogada agradaria às inteligências infantis, e que mais facilmente lhes prenderia a atenção, parecendo-lhes assistir a uma cena doméstica. (1877, p. 6)

Victoria Colonna parece ter usado modelos narrativos encontrados em alguns dos primeiros livros para crianças a circularem no Brasil. Leitura para meninos, atribuído a José Saturnino da Costa Pereira (1771-1852) e publicado pela Impressão Régia em 1818, também apresentava histórias morais e conhecimentos gerais por meio de diálogos, inseridos na narrativa maior do cotidiano de uma família. A mesma fórmula é encontrada em livros ainda mais antigos, como o Tesouro dos meninos, de Pierre Louis Blanchard (1758-1829), traduzido do francês por Mateus José da Rocha (?-1828). Tanto o livro de Pereira como o de Blanchard teriam sido populares no Brasil do Oitocentos (ZILBERMAN, 2016ZILBERMAN, Regina. Leituras para a infância no século XIX brasileiro. In: Fronteiraz: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em Literatura e Crítica Literária da PUC-SP, nº 17, dezembro de 2016. Disponível em: <Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/fronteiraz/article/view/29413 > Acesso em: 20 jan. 2021.
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).

A estrutura de As manhãs da avó tem algo do Decameron (1348-1353), de Giovanni Boccaccio (1313-1375), pois seus 27 capítulos correspondem a manhãs durante as quais histórias são narradas pela avó ou lidas pelos netos, discutidas e relacionadas à vida familiar. A maior parte das histórias transcorre na França, na Inglaterra e nos Estados Unidos e talvez tenha sido traduzida e adaptada por Colonna dos autores que ela menciona ter consultado - e dos quais não dá crédito. É por meio das narrativas decorridas em solos estrangeiros que a avó ensina aos netos o valor do trabalho, um dos pilares morais do livro.

Um exemplo é a “História de Jorge [sic] Stephenson", que narra como um menino pobre se tornou “imensamente rico e uma das glórias da Inglaterra” graças a “seu amor ao trabalho” (1877, p. 53). De fato, George Stephenson (1781-1848) teve uma vida extraordinária: analfabeto até os 18 anos, ele pagou cursos noturnos para aprender a ler, escrever e contar, o que lhe permitiu, mais tarde, desenvolver invenções como uma lâmpada de segurança para minas e locomotivas excelentes, que lhe valeram o epíteto de “pai das ferrovias”. Stephenson foi considerado pelos vitorianos um exemplo do esforço diligente e do estudo incansável. É possível que Colonna tenha lido The life of George Stephenson (1857), do escocês Samuel Smiles (1812-1904), autor do best-seller Self-Help (1859), conhecido como “a Bíblia do liberalismo vitoriano” (SMALL, 2020SMALL, Helen. Liberalism and citizenship. In: Denisoff, D.; Schaffer, T. (Org.). The Routledge Companion to Victorian Literature. New York; London: Routledge, 2020. ).

O cenário de ferrovias velozes, emblemas da Revolução Industrial e do liberalismo vitoriano, dá lugar às estradas repletas de “trechos quase intransponíveis" do Maranhão agrícola e escravocrata, na “História de uma menina de boa índole”, que parece ser de Colonna ( p. 58).

D. Rita conta aos netos que, por volta de 1859, uma rica viúva, D. Maria de Lima, viajava por uma estrada "muito mal calçada”, quando seu carro quebrou. Ela foi obrigada a se abrigar na casa de sapé de uma “pobre senhora chamada Dorothéa Thereza de Lima, que ali vivia com sua filha Leonarda, de 14 anos”. A viúva observa que a menina faz costuras para vender e pergunta: “Mas não tendes alguém que vos sirva?”. A menina responde que não; ela e a mãe faziam os trabalhos da casa e outros para vender. Penalizada, D. Maria despede-se de Leonarda com a promessa: “amanhã vos mandarei buscar por uma escrava de confiança. Adeus, acreditai que muito me interesso por vós, porque me inspiraste uma viva simpatia” ( p. 62).

No dia seguinte, a “escrava de confiança” leva a menina até a casa de D. Maria, que lhe dá presentes e faz um convite: “sou viúva, rica e não tenho filhos; vinde morar comigo, e tudo será vosso” (p.62). Leonarda recusa, porque tem boa índole: prefere viver na pobreza a separar-se da mãe. A viúva, apreciadora dos “bons sentimentos” da jovem, doa uma casa na cidade e uma escrava para Leonarda e sua mãe. O tempo passa, a benfeitora adoece; Leonarda e Dorothéa decidem cuidar dela. O médico aprecia a “inteligente dedicação” das “senhoras que haviam substituído as escravas” (p. 64). D. Maria se recupera, convida ambas a morar com ela e, depois da morte de Dorothéa, adota Leonarda e a casa com um seu afilhado.

O contraste entre as histórias de George Stephenson e da “menina de boa índole” dá a medida da disparidade entre as ideias do liberalismo europeu, que ancoram as narrativas de D. Rita em louvor do trabalho, e a sociedade brasileira escravista, que molda o destino de Leonarda e retira toda a autonomia da massa silenciosa dos trabalhadores escravizados, retratada quase como pano de fundo em As manhãs da avó. É possível entender a simpatia (ou empatia) provocada por Leonarda em D. Maria, porque os sentimentos íntimos e o desejo de autonomia da menina são descritos e louvados pela narradora. Os escravos, por sua vez, são apenas mencionados, como objetos sem sentimentos e sem autonomia.

A vida de Stephenson é narrada por D. Rita para convencer seu neto Benjamin da importância de aprender ofícios, que o menino achava indignos de um filho de capitão do exército, como ele. Como o capitão deixara a família na pobreza, Benjamin não poderia “estudar para doutor em leis ou medicina” (p.30). Entretanto, a ética capitalista, que pontua toda a trajetória de Stephenson, a valorização do trabalho e da poupança, a vitória do self made man não faziam muito sentido, para lembrar as palavras de Emília Viotti da Costa, “numa sociedade em que o trabalho era feito por escravos, as relações humanas se definiam em termos de troca de favores e a mobilidade social dependia da patronagem da elite” (1999, p.11).

É justamente o sistema de clientela e patronagem que transparece na história de Leonarda. Não foram seu amor ao trabalho e sua boa índole que a enriqueceram; foi o favor de uma grande: “Faltando fundamento prático à autonomia do indivíduo sem meios - em consequência da escravidão o mercado de trabalho é incipiente - o valor da pessoa depende do reconhecimento arbitrário (e humilhante, em caso de vaivém) de algum proprietário” (SCHWARZ, 2014). A sorte de Leonarda depende da manutenção do reconhecimento arbitrário de D. Maria, a proprietária; reconhecimento que não se estende à mãe da menina. O fato de mãe e filha substituírem escravas ao cuidarem da viúva é eloquente: elas estavam em “situação ideológica desconcertante” (SCHWARZ, 2014). Seu acesso aos “bens da civilização” estava sujeito à benevolência caprichosa de uma representante da oligarquia nacional.

A “História de uma menina de boa índole” desvela, sobretudo, a falta de sentido, no Brasil, do culto à liberdade individual, base da ética capitalista que move a narrativa sobre George Stephenson, entre outras do livro, e sustentáculo da ideia de direitos humanos. As escravas da viúva deslizam pela narrativa como sombras silenciosas e furtivas, sem nome, sem traços, sem aquele conjunto de características que formariam a índole de seres humanos. No entanto, sua simples presença, talvez para tornar verossímeis os “costumes da terra”, desmonta a ideia de que o trabalho e a boa índole poderiam levar à riqueza e à felicidade. D. Maria sente empatia pela menina branca, mas não por suas escravas.

O contraste entre o louvor ao trabalho de brancos e o silêncio sobre o trabalho de negros escravizados perpassa todo o livro. No decorrer da narrativa, os netos de D. Rita aprendem o valor do trabalho, das letras e das ciências. Preparam-se para futuros ofícios, a fim de ajudar a sustentar a casa. Uma herança inesperada, entretanto, dispensa as crianças do trabalho, inclusive o doméstico: entre os bens recebidos pela família, estão dois escravos. O final feliz arremata perfeitamente o livro, remetendo ao início infeliz: D. Rita fora morar com a nora porque não podia mais pagar a “preta de aluguel” que a servia.

A narrativa construída por Colonna parece tentar aclimatar, em uma estufa brasileira, valores elogiados em livros infantis europeus e norte-americanos. Como resultado, há uma permanente tensão entre valores advindos de sociedades liberais, em franco processo de industrialização, e os da realidade brasileira, onde “as idéias liberais teriam um significado mais restrito, não se apoiariam nas mesmas bases sociais, nem teriam exatamente a mesma função” (COSTA, 1999COSTA, Emília Viotti da. Da Monarquia à República: momentos decisivos. 6.ed. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1999., p. 30). Vale lembrar que a Constituição de 1824 definia a liberdade e a igualdade como direitos inalienáveis dos homens, mas “não mencionava sequer a existência de escravos no país” (idem, p.137).

A escravidão é representada de maneira tangencial na narrativa, como algo simultaneamente incontornável e interdito. Talvez Colonna tenha adotado esse procedimento a fim de evitar polêmicas que poderiam afetar as vendas do livro e sua adoção em escolas, decisão comumente tomada por autores de livros infantis. A hipótese poderia explicar porque o tratamento dado à escravidão em As manhãs da avó é praticamente oposto ao encontrado em grande parte da literatura para adultos da época. Conforme Sidney Chalhoub, “obras literárias de crítica à escravidão, não em apoio a ela, predominam amplamente em romances, contos, obras teatrais, poemas e crônicas escritos no Brasil durante o Segundo Reinado” (2018, p. 302).

A única passagem do livro de Colonna em que parece haver críticas à escravidão é composta de maneira digna de exame, tamanho o esforço despendido em torná-las ambíguas. Após uma visita ao Asilo Agrícola, D. Rita decide contar aos netos a história de São Vicente de Paulo, o “benfeitor dos enjeitados”. A informação de que o santo fora aprisionado e vendido como escravo na Argélia leva ao seguinte diálogo:

Angelina: - Ele era preto?

D. Rita: - Preto? Era branco, como nós, mas é que noutros tempos (que felizmente já lá vão) o inimigo vencido tornava-se escravo do vencedor e como tal era vendido.

Em Roma, no reinado de um imperador chamado Augusto, até havia o costume de vendê-los em hasta pública inteiramente nus, com as mãos amarradas e um escrito na testa.

Almerinda: - Oh! Coitados, aqui nunca se fez isso com os negros, não é verdade?

D. Rita: - Por honra nossa, minha filha, fomos sempre mais humanos que os antigos povos onde existia a feia chaga da escravidão. Nunca fizemos devorar um escravo por animais ferozes…

As três crianças: - Oh! Vovó, mas isto é possível?

D. Rita: - Infelizmente já o foi; houve tempo em que o senhor podia bater no escravo até vê-lo expirar, fazê-lo morrer de fome, e dá-lo aos peixes para ser comido ou aos animais ferozes (...) mais tarde podereis ler a história destes tempos para melhor apreciardes devidamente os benefícios da civilização. (1877, p.112)

O excerto é um primor de ambivalência, que parece sinalizar saídas para o desconcerto ideológico da escravidão brasileira por meio da escolha e do arranjo cuidadosos de palavras que permitem diferentes leituras. Preta é a cor da escravidão, para os netos de D. Rita. Sua explicação de que brancos já haviam sido escravizados, entretanto, põe em xeque a relação entre cor negra e escravidão, além de sugerir que regimes escravistas “felizmente” terminam. A descrição da venda de escravos e dos castigos sofridos por eles na Roma antiga é por demais semelhante às mesmas circunstâncias, ainda então vigentes, no Brasil. A escravidão é descrita como “feia chaga”, em período construído de forma a justapor passado e presente.

Naturalmente, as ambivalências da passagem podem ser lidas sem ironia, como elogio dos desconcertos da civilização brasileira. Nesse caso, escravos seriam pretos e inimigos, enquanto proprietários seriam brancos, civilizados - e humanos. Negros e mestiços livres não são retratados no livro, embora a menção ao Asilo Agrícola indique sua presença: criado em 1869, o asilo abrigava órfãos e pobres, muitos deles filhos de escravizados, que lá aprendiam ofícios relacionados à agricultura (BEDIAGA, 2016BEDIAGA, B. Educação para o trabalho rural: o ‘asilo agrícola’ do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura, 1869 -1889. Rev. bras. hist. educ., Maringá-PR, v. 16, n. 3, p. 123-143, jul./set.2016. Disponível em: <http://www.rbhe.sbhe.org.br>
http://www.rbhe.sbhe.org.br...
). No final, porém, as únicas qualidades atribuídas a pessoas negras no livro são as de serem escravas, de aluguel ou de confiança.

As manhãs da avó circulou até pelo menos 1907 (LAJOLO & ZILBERMAN, 1996LAJOLO, Marisa; ZILBERMAN, Regina. A formação da leitura no Brasil. São Paulo: Ática, 1996., p. 320), dois anos antes do nascimento da primeira filha de Monteiro Lobato e três anos após ele publicar seu primeiro conto infantil, D’après nature (BIGNOTTO, 2021BIGNOTTO, C. Monteiro Lobato e seus precursores. In: PELLERINO, G & RAFFAINI, R. (org.). Livros velhos e esquecidos. São Paulo: Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin. (no prelo)).

Pouco antes da Abolição, foi publicado Contos infantis (1886), de Adelina Lopes Vieira (1850-1923) e sua irmã Júlia Lopes de Almeida (1862-1934). A primeira edição saiu em Lisboa; a partir da segunda tiragem, a obra passou a ser impressa no Rio de Janeiro. Em 1891, foi adotada para uso das escolas primárias, conforme determinação da Instrução Pública Primária e Secundária do Governo Federal. A coletânea é composta de 58 contos, dos quais 31 são escritos em verso - catorze deles produzidos por Adelina e dezessete traduzidos por ela do francês Louis Ratisbonne (1827-1900), conhecido autor de fábulas e poemas para crianças.

No prólogo da segunda edição, as autoras apresentam as diretrizes que guiaram a escrita do livro:

(...) todas as nossas histórias são simples; narrações de fatos realizados, muitas. Julgamos que quanto mais aproximado for da verdade o assunto, mais interesse desperta em quem o lê. Destarte, o pequeno leitor seguirá entretido a história de uma menina pobre; de uns pombinhos mansos; de uma velha engelhadinha e trêmula; de um burrinho trabalhador; ou de uma mãe carinhosa - parecendo-lhe ver: na menina pobre, a filha de um vizinho; nos pombos mansos, uns que lá vão amiúde ao seu jardim, e aos quais nunca mais fará mal; na velhinha, a sua avó querida; no burrinho trabalhador e paciente, o pobre burro magro de um carroceiro bruto; e, finalmente, na mãe carinhosa, a sua própria mãe!

Ele verá então, com simpatia, os que sofrem, afeiçoando-se, assim, à grande família dos infelizes! (1900, p.VI)

Como Victoria Colonna, as autoras chamam de simpatia a capacidade de identificação com aqueles que são diferentes. A ideia de que a literatura infantil teria a propriedade de levar crianças a sentir simpatia, ou empatia, por outros seres, tão valorizada atualmente, já aparece como motivação fundamental para a composição dos Contos infantis. Pessoas negras, a princípio, poderiam fazer parte da “grande família dos infelizes”; porém, nenhum dos contos trata explicitamente de negros. Nas narrativas em prosa e em verso, há somente crianças e adultos brancos, quase sempre loiros. O cura de uma vila tem simpatia por Joaninha, menina enjeitada e trabalhadora, de cabelos loiros e olhos azuis, protagonista do conto “O remendo” (1900, p. 73). O loiro Carlinhos, herói de “A esmola”, tem piedade de “duas crianças pobres, um pequeno e uma menina, ambos descalços, pernas nuas, arroxeados pelo frio, coberto com uns farrapos quase inúteis” (1900, p. 73). As “criaturinhas” que cantavam na rua para receber esmolas, e que Carlinhos leva para casa a fim de alimentar e vestir, eram órfãs napolitanas.

Talvez fosse negra a “boa Josefina, / santa velha que um dia acalentara a mãe da linda Estela”, no poema O dia de Natal (p. 162). A ama “um dia cegou” e “chorara muitas vezes / por não mais poder ver o loiro anjinho” de quem cuidava. Estela, no dia de Natal, lembra-se das lágrimas de Josefina e, em vez de divertir-se com presentes, chora por amor à ama. Como a cor de Josefina não é informada, os leitores poderiam imaginá-la com os traços de amas que conhecessem, incluindo as negras - caso sejam considerados os mecanismos da simpatia descritos pelas autoras. De qualquer modo, é notável a ausência de personagens de pele explicitamente negra em histórias nas quais características como cabelos loiros e olhos azuis são ressaltadas numerosas vezes.

Há uma criança negra, entretanto, na história da recepção de Contos infantis.

Em janeiro de 1899, Júlia Lopes de Almeida e Figueiredo Pimentel, outro precursor da literatura infantil brasileira, trocaram farpas sobre seus livros nas páginas do jornal O Paiz. Na coluna “Moda”, a escritora avaliou um livro infantil de Pimentel:

Tenho um rapazinho que frequentemente me pede livros; caí na asneira de lhe comprar os Contos da Carochinha, porque dessas histórias guardo algumas de cor [...] Antes de lhe entregar o livro, folheei-o, e... Jesus! Que horror! Que frases bárbaras, que linguagem mastigada; erros, erros, erros e mais erros eriçavam todo o livro, tirando-lhe a graça natural da fantasia, tornando um livro de deleite em um livro de perversão. (A MODA, 1899A MODA. O Paiz, Rio de Janeiro, p. 1, 21 jan.1899., p.1).

Dias depois, Pimentel defendia seu livro, no mesmo jornal, e atacava Contos infantis. Depois de desqualificar Júlia como escritora, ele argumenta que seu Contos da Carochinha (1894) era um “sucesso colossal, assombroso, extraordinário, inacreditável, único nos anais da livraria brasileira”. Para o escritor, os Contos infantis “nada valem (...). Há neles muito termo empatado, muita frase rebuscada, com pretensão de estilo”, além de palavras que só “pequeninos portugueses entenderiam”. Para arrematar as críticas, Pimentel vale-se de do mesmo estratagema utilizado por Júlia:

Eu também tenho um rapazinho que me pede livros. Dei-lhe uma vez os Contos infantis. Logo na primeira história, se não me engano (cito de cor), leu ele:

“A rapariguinha narrava-lhe coisas divertidas passadas com as colegas… e o velho silencioso.” (sic.)

Neste ponto o moleque perguntou-me:

“Eh, yoyô, qui é qui zi minina fazia ao véio? Qui côza divetida é essa?!"E o meu amigo Chico Botija, um rapaz “espirituoso” que estava a meu lado, retorquiu imediatamente:

Cala a boa, tição! São coisas que não podes saber… mais tarde…

Já vê a Sr. Julia que seu livro também é pornográfico, porque se presta a interpretações brejeiras e pilhéricas… (PIMENTEL, 1899 PIMENTEL, Figueiredo. Contos da Carochinha: defesa de uma agressão. O Paiz, Rio de Janeiro, p. 3, 26 jan. 1899. Disponível em: <http://memoria.bn.br>
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, p.3).

O episódio envolvendo o “moleque” pode ser parcial ou inteiramente inventado por Pimentel, pois “Chico Botija” era um de seus pseudônimos (apud LEVIN; SOUZA, 2019, p. 73). Real ou fictício, o relato é importante para o estudo da literatura infantil brasileira, particularmente naquele período de entre séculos. Em primeiro lugar, o “rapazinho” que pede livros ao escritor é negro. Ainda que ele seja personagem fictícia, o fato de figurar em relato sobre leitura infantil é merecedor de atenção, pois sua aparência e fala são muito diferentes das atribuídas a crianças tanto nos Contos Infantis como nos Contos da Carochinha. Em segundo lugar, o relato descreve um autor de literatura infantil observando o modo como um jovem lê texto literário infantil. Finalmente, o relato põe em evidência duas figuras de leitores, os quais interpretam um dos Contos infantis de maneiras muito distintas daquelas pretendidas pelas autoras no prefácio da obra.

A narrativa que abre o livro apresenta, de fato, a passagem citada por Pimentel. O conto, intitulado justamente “A leitura”, narra a história de um general que vivia triste porque ficara cego. Para animá-lo, a filha recorre à neta: “Veio a menina ameigar o avô; beijava-o, passava-lhe pelas longas barbas brancas as mãozinhas mimosas, contava-lhe coisas divertidas passadas com as colegas… e o velho silencioso!” (1900, p. 3).

No episódio relatado por Pimentel, o rapazinho entende a palavra e não como conjunção adversativa, mas como aditiva, o que provoca a pergunta sobre as “coisas divertidas” passadas com as meninas e o velho. Por sua vez, a pergunta do menino leva à interpretação “brejeira” de Chico Botija e à conclusão de que o livro da “Sra. Júlia” seria pornográfico, por se “prestar” a interpretações do gênero.

A cena de leitura narrada por Pimentel põe em destaque uma criança negra que lia, fazia perguntas sobre o texto lido e era tratada como criança por Chico Botija, o adulto “espirituoso” que, apesar de sua rudeza, parece preocupado em preservar a inocência do rapazinho no que concerne a “coisas divertidas” suspeitamente pornográficas e perversas. No entanto, é possível que a acusação de pornografia nas entrelinhas dos Contos infantis tenha determinado a cor atribuída ao jovem leitor, dada a relação comumente estabelecida, então, entre corpos negros e lubricidade (CHALHOUB, 2018, p. 303). De qualquer modo, o episódio serve como lembrete para autores, mediadores e pesquisadores de literatura infantil de que não há nenhuma certeza sobre os efeitos de qualquer literatura em leitores, adultos ou crianças (TUCKER, 1988TUCKER, Nicholas. The Child and the Book: A Psychological and Literary Exploration. New York: Cambridge University Press, 1988. , pp.190-216; STEINER, 1984STEINER, G. George Steiner: A Reader. New York: Oxford University Press, 1984, pp.25-36). Nem prefácios, nem notas explicativas podem determinar como livros serão lidos.

Tal fato não impede, porém, a análise de formas de representação e estratégias narrativas. Voltemos a elas.

Nos livros de Pimentel, personagens negras quase nunca são protagonistas, nem mesmo dos muitos contos maravilhosos que ele traduziu, adaptou e reuniu em coletâneas. Nos Contos da Carochinha, Histórias da avozinha (1896) e Histórias da Baratinha (1896), há várias narrativas folclóricas brasileiras, que o autor intercala com contos de matriz europeia. Pimentel teria sido “um pioneiro, oferecendo conteúdos folclóricos para leitores jovens em fase de escolarização” (LEVIN & SOUZA, 2019, p. 97). As únicas personagens negras com algum protagonismo nesses contos parecem ser “A moura torta”, de Contos da Carochinha, e “O moleque da carapuça dourada”, de Histórias da avozinha, analisado mais adiante.

De modo geral, livros brasileiros para crianças da Primeira República seguem os modelos das obras de Victoria Colonna, Adelina Vieira e Júlia Lopes de Almeida: personagens negras ou inexistem, ou existem como escravas destituídas de sentimentos e autonomia.

Em 1903, Arnaldo de Oliveira BarretoBARRETO, Arnaldo de O.; PUIGGARI, R. Primeiro livro de leitura. 18a. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1915. Disponível em: <http://lemad.fflch.usp.br>
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(1869-1925) e Romão Puiggari (1865-1904), ambos educadores renomados, publicaram o Primeiro livro de leitura, que deu início a uma série de quatro livros, inspirados em Cuore (1886), do italiano Edmondo De Amicis (1846-1908). A série foi adotada em escolas públicas, sobretudo paulistas, e teve numerosas edições ao longo das décadas seguintes. Assim como na obra italiana, os livros de BarretoBARRETO, Arnaldo de O.; PUIGGARI, R. Primeiro livro de leitura. 18a. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1915. Disponível em: <http://lemad.fflch.usp.br>
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e Puiggari narram o cotidiano do protagonista Paulo, em capítulos que tematizam lições aprendidas pelo menino em episódios ocorridos na escola e em casa.

Não existem personagens negras no Primeiro livro de leitura, mas há nele uma cena crucial para o exame da representação de negros em livros infantis da época. Um capítulo é dedicado a Luíza, irmã do protagonista, que “Parece uma alemãzinha pelo doirado dos seus cabelos” e pelos olhos “azuis como um pedaço de céu”. Luíza tem várias bonecas:

Umas são grandes; outras pequenas. Quasi todas, porém, são brancas, coradas e louras como a mãezinha! Há duas bonecas que servem de criadas. Essas são pretinhas, bem pretinhas, de lábios muito vermelhos.

O ideal de infância plasmado na narrativa do livro e nas bonecas de Luíza é o da criança loira, que parece europeia. Não há crianças negras na classe de Paulo. Sobre os criados da casa, nada se sabe, além do fato de que existem. Nesse aspecto, assemelham-se aos escravos quase invisíveis de As manhãs da avó. Os criados provavelmente são negros, dada a relação determinante entre a cor das bonecas de Luíza e sua classificação como serviçais. A hipótese é reforçada pelo modo como, em outros livros infantis, a cor negra distingue serviçais de patrões.

Nos contos do segundo livro da série Corações de criançasBARRETO, Rita M. Corações de crianças: segundo livro. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1913. (1913), de Rita de Macedo BarretoBARRETO, Rita M. Corações de crianças: segundo livro. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1913. (mãe de Arnaldo BarretoBARRETO, Arnaldo de O.; PUIGGARI, R. Primeiro livro de leitura. 18a. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1915. Disponível em: <http://lemad.fflch.usp.br>
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), há várias criadas, cujos esboços se destacam do pano de fundo das narrativas apenas quando apresentam comportamentos reprovados pelas patroas. Delas não se conhecem os nomes, as vozes e, a princípio, a cor. No conto “A indiscreta”, a protagonista Nezica ouve a mãe reclamar a uma amiga: “A coisa pior que há são as amas! dizia. A de meu filho ganha 150$ por mês; quer comer coisas especiais; tem ainda exigências que satisfaço e, mesmo assim, não está contente.” (1913, p.107). Nezica relata à cozinheira o que ouvira; a ama, “que estava a um canto, tudo escutou” - e foi-se embora calada, “sem mesmo receber uns poucos mil réis que tinha na casa”. Em consequência, o irmão de Nezica precisou “tomar leite de vaca” e “quase morreu”. Outra ama foi contratada, e Nezica aprendeu a não ser indiscreta. Uma das ilustrações do conto revela que a ama é negra (p. 107).

Ainda mais reprováveis são as serviçais do conto “A ama de Lulu”. D. Elisa resolve contratar uma ama para o filho Lulu: “Vieram diversas: cada qual pior. Uma não tinha quase leite, outra não queria aceitar o ordenado de cem mil réis que D. Elisa podia pagar; outra não se recomendava pelo asseio das vestes e do corpo, e assim por diante.”. Depois de rejeitar doze amas, D. Elisa encontra a candidata ideal, “branquinha, asseada e boa”: uma cabra. Mãe e filho se tornam amigos da “cabrinha” e passam a tratá-la como “pessoa da família”.

O fato de a cor branca ser a primeira qualidade da cabra realçada pelo narrador é relevante. Mais relevante ainda é a estratégia usada pela autora para representar as mulheres negras. Os sentimentos de antipatia das personagens brancas em relação às negras é explicitado, assim como a autonomia de patroas em dispensar empregadas. Os sentimentos das personagens negras, porém, não são revelados pelo narrador. A autonomia da ama do conto “A indiscreta” é relativizada pelo fato de que, ao ser ofendida, ela se retira calada do emprego e renuncia ao pagamento que lhe era devido.

A Série Corações de CriançasBARRETO, Rita M. Corações de crianças: segundo livro. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1913. era composta por “seis livros, sendo uma Cartilha, um livro de lições preparatórias, mais o primeiro, segundo, terceiro e quarto livros de contos morais e cívicos” (SANTOS, 2014SANTOS, Daniela Souza; SANTOS, Elisabeth. Lições de civismo nos livros didáticos: o ensino em Sergipe nos primeiros anos do século XX. Anais do IV Congresso Sergipano de História & IV Encontro Estadual de História da Anpuh/SE - O cinquentenário do Golpe de 64. Aracaju, 21 a 24 de outubro de 2014. Disponível em: <http://www.encontro2014.se.anpuh.org/site/anaiscomplementares>
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). Estima-se que mais de dois milhões de títulos da série tenham sido impressos até 1955 (2014). Em 1948, quando Monteiro Lobato faleceu, Corações de Crianças: segundo livroBARRETO, Rita M. Corações de crianças: segundo livro. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1913. estava na 90a edição (2014).

Quando negros, adultos ou crianças, aparecem com relevância em livros infantis dos primeiros anos da República, geralmente suas histórias transcorrem no período da escravidão. É só então que escravizados, apenas esboçados em As manhãs da avó, e invisíveis nos Contos Infantis, ganham nomes, qualidades, contornos mais definidos e alguma autonomia. Poder-se-ia afirmar que, após a escravidão ser oficialmente relegada ao passado, os autores de livros para crianças passaram a considerá-la tema digno de obras literárias. O passado era negro - mas o futuro parecia branco como os protagonistas dos livros infantis.

Em Páginas infantis (1910), livro de contos e poemas de Presciliana Duarte de Almeida (1867-1944), as protagonistas são todas crianças brancas, algumas loiras. No conto “O Azarias (Caso verdadeiro)”, que se passa “no tempo da escravidão”, a narradora recorda passagens da infância vividas em torno da família do fazendeiro Ferreira. Quando na cidade, os Ferreira tinham “sempre um grande acompanhamento de negras e crioulinhos, que punham tudo em terrível confusão” (1914, p.118). Quando na fazenda, antes do amanhecer o fazendeiro se erguia sobre a cama, com “atitude de comando”. Era o sinal:

A numerosa negraria vinha, de um em um passando em frente dele e, estendendo-lhe humildemente a mão murmurava: “suzuncristo, suzuncristo, suzuncristo” ao passo que ele respondia invariavelmente, com a imponência de um rei: “p'ra sempre, p'ra sempre, p'ra sempre.”. Os negros enfileiraram-se no salão e rompeu a comovente prece em coro, onde vozes grossas e finas, de velhos e crianças, de homens e mulheres, ligavam-se melancolicamente na misteriosa expressão da tristeza e da esperança ...

Quem poderia ouvir indiferentemente a harmonia de dezenas de vozes humanas cantando, no cativeiro, à hora do crepúsculo matutino, versos como estes:

“Bendito sejais,

Amoroso Jesus (...)

E nós, tão ingratos,

Sempre a pecar! (...)” (ALMEIDA, 1914ALMEIDA, Presciliana D. Páginas infantis. XV milheiro. São Paulo: Escolas Profissionais Salesianas, 1914. Disponível em: <http://lemad.fflch.usp.br/>
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, p. 122-123)

A estratégia narrativa usada para retratar os negros parece almejar a empatia do leitor, que, talvez, não ficasse “indiferente” ao canto entoado pelas “vozes humanas”. Leitores, assim como a narradora, poderiam criar elos emocionais com os donos das vozes que se “ligavam melancolicamente na misteriosa expressão da tristeza e da esperança”. O período que introduz a cena, porém, desmancha de antemão o potencial apelo empático: “Qual é a criança que não madruga quando adormeceu com o pensamento nalguma festa, nalguma viagem ou em qualquer divertimento que a seduza?” (p. 122). O canto da “negraria”, termo que desumaniza os escravizados, era apenas mais um dos divertimentos oferecidos às crianças na fazenda. A narradora percebe mais beleza nos versos do hino cristão do que nos murmúrios mal articulados dos cativos. Enquanto os negros se retiram com “passos pesados e surdos, de pés descalços e endurecidos no pedregulho das serras”, as crianças brancas vão passear pela fazenda, “como num sonho encantado” (1914, p.124).

Exemplo muito distinto de “cena da escravidão” é encontrado em Contos Pátrios (1904) de Coelho Neto (1864-1934) e Olavo BilacBILAC, Ol.; NETO, C. Contos pátrios (para as crianças). Ilustrações de Vasco Lima. 44a ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1958. (1865-1918). No conto “Mãe Maria”, de BilacBILAC, O.; BOMFIM, M. Através do Brazil: (narrativa) livro de leitura para o curso médio das escolas primárias. 10a. ed. revista. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1923. Disponível em: <https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/5051>
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, o protagonista, já adulto, relembra a ama, velha senhora escravizada que cuidara dele desde o nascimento. Mãe Maria amava tanto “Nhonhô Amâncio” que, certa vez, depois de ser apedrejada pelo menino, mentiu ao pai dele para protegê-lo: disse que os ferimentos haviam sido causados por uma queda. É esse o seu maior ato de autonomia. Quando o menino lhe pede perdão, a face de Maria lhe parece “tão bela, tão clara, tão iluminada quanto a daqueles anjos” que povoavam suas histórias (1958, p. 19) O afeto de uma criança branca tem o poder de elevar a figura da mulher negra, de lhe atribuir beleza e de clarear sua pele. O destino de Mãe Maria, entretanto, é ser vendida, com outros escravos, e morrer como indigente.

BilacBILAC, O.; BOMFIM, M. Através do Brazil: (narrativa) livro de leitura para o curso médio das escolas primárias. 10a. ed. revista. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1923. Disponível em: <https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/5051>
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, um dos grandes poetas brasileiros, foi também excelente prosador. Mãe Maria é, talvez, a melhor representação de personagem escravizada nos livros infantis do período. Ela é a heroína do conto, ao contrário dos escravizados sem nome e sem autonomia retratados em “O Azarias”. BilacBILAC, O.; BOMFIM, M. Através do Brazil: (narrativa) livro de leitura para o curso médio das escolas primárias. 10a. ed. revista. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1923. Disponível em: <https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/5051>
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constrói uma narrativa que não apenas desvela a história da mulher escravizada, mas seus sentimentos íntimos e a empatia que provocam no narrador:

Maria, quando eu às vezes lhe perguntava o que era a roça, ficava calada, olhando o chão, como se estivesse revendo com horror o tormento dessa vida antiga. Um dia, despiu a meio a camisa de algodão grosso, e mostrou-me as costas e o peito. A pele preta estava de espaço a espaço cortada de largos vergões, cicatrizes, sinais de queimaduras. Eu, com os meus inocentes olhos de seis anos, olhava aquilo sem compreender. “Como foi isso, mãe Maria?”. “Maldades dos homens, sinhozinho, maldades dos homens...”. Certa noite, como ela me contasse uma história em que se falava de crianças roubadas aos pais, perguntei: “Você nunca teve filho, mãe Maria?” A pobre negra limpou uma lágrima, e não respondeu: mudou de conversa, e continuou, com a sua meia língua atrapalhada, a contar a história, - uma dessas compridas histórias da roça, em que há saci-pererês e caiporas, almas do outro mundo e anjos do céu. E eu olhava-a, com uma secreta mágoa... Não que compreendesse bem aquilo: mas a minha inteligência de criança já adivinhava uma parte daquela dolorosa vida de cativa.

A estratégia narrativa utilizada em “Mãe Maria” ressalta, de um lado, a humanidade, a nobreza de sentimentos e a autonomia da mulher negra escravizada; de outro, os mecanismos sociais que a desumanizam e terminam por afastar dela o narrador, que percebe tarde demais a grandeza de sua mãe escrava. A narrativa conduz o leitor a sentir mais empatia pela personagem negra do que pelo narrador branco.

Procedimento muito diverso é utilizado na construção de outro conto bilaquiano do livro, “A borboleta negra”, no qual a “pureza” moral de crianças brancas é destacada como responsável por salvar “uma criaturinha de pele preta” abandonada no mato. Os irmãos Leonor e Henrique levam o bebê para casa. Ao entregá-lo à mãe, Leonor exclama: “que mãe malvada, que preta malvada a que abandonou assim esta filhinha! Não é verdade que mamãe vai ser também mãe dela?” (p.76). A mãe assente e toma “nos braços a criancinha negra, única borboleta que Henrique, Leonor e o Leão [cachorro da família] caçaram naquele dia” (p.76).

Há outras representações de negros, quase todos escravizados, em Contos Pátrios. A grosso modo, o ponto em comum entre elas é a insistência das narrativas em manter enterradas no passado maldades de brancos e de negros cometidas no “tempo do cativeiro”.

A pele negra, quando não é clareada por virtudes reconhecidas por brancos, costuma ser relacionada à maldade, ao embrutecimento, ao vício. Esta é a clave que pauta as histórias infantis do período, mesmo quando escritas por abolicionistas notórios, como Coelho Neto e Olavo BilacBILAC, O.; BOMFIM, M. Através do Brazil: (narrativa) livro de leitura para o curso médio das escolas primárias. 10a. ed. revista. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1923. Disponível em: <https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/5051>
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- que defendeu os direitos de negros numerosas vezes em suas crônicas de jornal (DANTAS, 2009, p. 68-73DANTAS, Carolina Vianna. O Brasil café com leite: Debates intelectuais sobre mestiçagem e preconceito de cor na primeira república. Tempo [online]. 2009, vol.13, n.26, pp.56-79. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo>
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). Também são compostas nessa linha as histórias infantis de Manoel BomfimBOMFIM, M. Primeiras saudades: leitura para o 1º ano do curso médio das escolas primárias. 1a. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1920. Disponível em: <http://blij.bn.gov.br/blij/handle/20.500.12156.7/14>
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, médico que se posicionava contra a ideia de inferioridade biológica dos negros, então dominante nos meios científicos e intelectuais (DANTAS, 2009, p. 66-68DANTAS, Carolina Vianna. O Brasil café com leite: Debates intelectuais sobre mestiçagem e preconceito de cor na primeira república. Tempo [online]. 2009, vol.13, n.26, pp.56-79. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo>
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). Seu livro Primeiras saudades: leitura para o primeiro ano do curso médio das escolas primárias (1920) retrata algumas personagens negras em circunstâncias excepcionais: Henrique Dias, que lutou ao lado dos portugueses contra os holandeses, no século XVII, e um “preto robusto”, anônimo vendedor de bananas que salva um homem branco do afogamento. Os jovens heróis de Através do Brasil (1910), escrito com Olavo BilacBILAC, O.; BOMFIM, M. Através do Brazil: (narrativa) livro de leitura para o curso médio das escolas primárias. 10a. ed. revista. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1923. Disponível em: <https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/5051>
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, são brancos. Quando precisam atravessar o sertão baiano, conhecem Juvêncio, um adolescente “simpático, moreno, entre caboclo e mulato” (1937, p.70). O “tipo” auxilia os heróis a enfrentar a rudeza dos campos brasileiros.

Figuras de negros ou negras libertos são usadas em algumas obras infantis para justificar a reunião de diferentes contos populares. Quem lê Serões da mãe preta: contos populares para crianças (1897), de Juvenal TavaresTAVARES, J. Serões da mãe preta: contos populares para crianças. Pará: Tipografia de Alfredo Silva & Cia, 1897. Disponível em: <http://www.fcp.pa.gov.br/obrasraras/publicacao/seroes-da-mae-preta/>
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(1850-1907), encontra os contos, mas nenhuma história protagonizada pela referida mãe. Em Histórias do Pai João , de Renato Sêneca Fleury (1895-1981), a personagem do titulo só aparece, muito rapidamente, no quarto conto dos cinco integrantes do livro. Figuras negras dos títulos são meros eixos articuladores de Contos da Mãe Preta: adaptados à leitura das crianças (1932), de Oswaldo Orico (1900-1980), que inaugurou a Biblioteca Infantil d’O Tico-Tico, e de Histórias de Pai João: estórias do folclore adaptadas à leitura de crianças (1933), do mesmo autor.

“A escravidão é central para a história da literatura infantil, e em nenhum lugar é mais aparente do que na Antiguidade Clássica”, segundo Seth Meyer5 5 “Slavery is central to the history of children’s literature, and it is nowhere more apparent than in classical antiquity.” (MEYER, 2008, p.19). . Escravos eram onipresentes na vida de gregos e romanos antigos. Amas e professores eram servos; pedagogos eram escravos “de confiança” encarregados de acompanhar crianças até a escola e de volta para casa; Esopo, o pai da fábula, era um escravo (MEYER, 2008, p. 19).

A escravidão parece central também na história da literatura infantil brasileira. Em nenhuma época isso parece mais evidente do que nas décadas finais do século XIX e iniciais do XX, povoadas de amas escravizadas que contam histórias, de escravas de confiança que acompanham crianças, de “pais” e “mães” pretos, novos Esopos que dão nome a coletâneas de narrativas escritas por brancos. Nesses contos maravilhosos, personagens negras desempenham quase sempre o papel de algozes amaldiçoados ou vítimas de maldições.

A cor da maldição

O conto “A princesa Negrina” é exemplar da associação entre pele negra e maldição. A narrativa integra os Contos para crianças (1906), de Chrysanthème, pseudônimo de Maria Cecília Bandeira de Melo Vasconcelos (1870-1948). No conto, uma rainha é amaldiçoada por desejar muito uma filha, mesmo que “escura como a noite”. O pedido é atendido: a princesa nasce negra e terá de passar por terríveis provas para se tornar branca. O livro teria sido a primeira obra infantil brasileira traduzida para o inglês: foi publicado na Inglaterra em 1916 com o título The Black Princess and Other Fairy Tales from Brazil. Uma segunda edição saiu em 1929.

Outro exemplo é “Pérola da manhã”, um dos “contos do folclore africano” reunidos no livro Flor encarnada, da Biblioteca Infantil Melhoramentos, organizado por Arnaldo de Oliveira BarretoBARRETO, Arnaldo de O.; PUIGGARI, R. Primeiro livro de leitura. 18a. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1915. Disponível em: <http://lemad.fflch.usp.br>
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. Pérola da manhã é uma “linda moça” negra que deseja encontrar um rio mágico cujas águas tornam as pessoas brancas. Depois de muitas provações, a moça se banha no rio; o narrador, porém, não garante que seu desejo tenha sido realizado.

A pele escura também está ligada a outras formas de maldição. No livro Lendas brasileiras, de Carmem Dolores (1852-1911) - pseudônimo de Emília Bandeira de Melo, mãe de Chrysanthème - o conto “A mula sem cabeça” narra como uma “rapariga atrevida, espécie de mestiça altaneira” foi transformada em assombração por tentar seduzir um padre. Já a “preta Isidora”, do conto “Os sapatinhos de pão”, é mulher escravizada que fica “como idiota”, “bebendo às vezes cachaça”, até ser encontrada morta. Tudo porque fizera sapatos de pão para calçar o filho amado e morto. A alma do menino não consegue entrar no céu com os sapatos e volta para pedir à mãe que os tire de seus pés, pois ele precisa ficar descalço como os anjos. O “lindo menino loiro” da Sinhá, morto no mesmo dia, entra no céu sem sapatos - mas com ricas vestes. Vivo ou morto, o filho de uma escrava não podia usar sapatos. O único ato de autonomia de Isidora atrai para si e para o filho a maldição.

Por vezes, a pele negra é representada como atributo do próprio diabo. É o caso de “O moleque da carapuça dourada”, de Figueiredo Pimentel PIMENTEL, Figueiredo. Contos da avozinha. Nova edição. Rio de Janeiro: Livraria Quaresma, 1959., que integra Histórias da avozinha (1896). O conto parece ser adaptação de “Manoel da bengala”, narrativa recolhida por Sílvio Romero (1851-1914) em Sergipe e reunida em Contos populares do Brasil (1885). O herói do conto de Pimentel é o jovem Anselmo, que, acompanhado de seres mágicos, o Homem-Peixe e o Homem-laçador, “sai a procurar a vida”. Certo dia, param para descansar em uma casa abandonada. O homem-peixe vai buscar comida e encontra um ser intrigante:

O companheiro encontrou no caminho um molequinho, muito preto, com uma carapuça dourada na cabeça, que lhe pediu fogo para o cachimbo.

O Homem-peixe, não quis dá-lo; e o moleque, para se vingar, arrumou-lhe o cachimbo na cabeça, com tanta força, que o prostrou sem sentidos, no chão.

Quando voltou a si, já não encontrou mais o pretinho, mas dirigiu-se para casa, contando aos outros o que lhe havia sucedido. (1959, p. 100)

O homem-laçador também é derrotado pelo moleque. Anselmo chama os companheiros de “maricas” e vai ao encontro do “pretinho”, com o qual “trava uma luta medonha”:

Afinal Anselmo deu-lhe com a bengala de ferro, com tanta força, que o moleque se viu de repente sem a carapuça dourada na cabeça.

Anselmo apanhou-a, mais que depressa.

- Dê-me a minha carapuça, pelo amor de seu pai! dizia o moleque, de joelhos.

- Só ta darei, se me deres as três princesas que tens em teu poder, respondeu o valentão.

- Não posso, porque não são minhas.

- Então, vai-te daqui, negro amaldiçoado!

O negro, que era o diabo, que vigiava as três princesas, foi andando... (p. 101-102)

O moleque não é apenas um “negro amaldiçoado”, mas a encanação do próprio diabo. É maldoso, violento, abusador de mulheres. Sua figura lembra a do saci: em algumas variantes da lenda brasileira, o saci é negro, tem laços com o demônio, fuma cachimbo e usa uma carapuça vermelha; quem conseguir arrebatá-la fará dele um escravo. Para Renato Queiroz, a figura do saci, “enquanto representação de grupos sociais dominantes” de Minas Gerais e São Paulo, reúne estigmas preconceituosos, definidores do “negro brasileiro como ser inferior, próximo à animalidade, portador de atributos maléficos” (1987, p. 58). Uma das fontes utilizadas por Queiroz é O saci-pererê: resultado de um inquérito, coleção de depoimentos sobre o “duende brasileiro” reunidos e editados em livro por Monteiro Lobato, em 1918.

O material reunido na coletânea pode ter sido usado por Lobato como ponto de partida para modificar os atributos negativos conferidos ao saci.

Reescrevendo os atributos da cor negra

No começo de A menina do narizinho arrebitado (1920) LOBATO, Monteiro. A menina do narizinho arrebitado. São Paulo: Monteiro Lobato & Cia/ Revista do Brasil, 1920., o narrador apresenta as personagens da história, começando por Dona Benta, “trêmula, e catacega, e sem um só dente na boca”, avó de Lúcia - a Narizinho -, “menina morena, com olhos pretos como duas jabuticabas”. Em seguida, descreve as outras moradoras do Sítio do Picapau Amarelo:

(...) existe na casa a tia Anastácia, uma excelente negra de estimação, e mais a Excelentíssima Senhora Dona Emília, uma boneca de pano, fabricada pela preta, e muito feiosa, a pobre, com seus olhos de retrós preto e as sobrancelhas tão lá em cima que é ver uma cara de bruxa.

Neste início, há elementos ordinários e extraordinários. Dona Benta tem semelhanças com D. Rita, a avó-modelo do livro pioneiro de Victoria Colonna, e com outras avós brancas e trêmulas da literatura infantil da época. Lúcia, por sua vez, tem apelido e aparência inusitados: pele escura e olhos pretos, comparados a jabuticabas. As personagens infantis costumavam ter pele de marfim e olhos semelhantes a “pedaços de céu”, como os de Luíza, heroína do Primeiro livro de leitura, de BarretoBARRETO, Arnaldo de O.; PUIGGARI, R. Primeiro livro de leitura. 18a. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1915. Disponível em: <http://lemad.fflch.usp.br>
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e Puigari.

A introdução de uma “negra de estimação” chamada Tia Anastácia como moradora da casa é outro elemento extraordinário. Como visto anteriormente, havia personagens negras nas casas de protagonistas de livros infantis; eram, no entanto, figuras sem nome e sem importância, às quais se faziam referências como “preta de aluguel”, “escrava de confiança”, amas piores do que cabras. Tia Anastácia (Nastácia, em edições posteriores) não era apenas mais uma entre as muitas “mães pretas” contadoras de histórias que apareciam em títulos de livros infantis, parecidas como clichês e sem atuação nas narrativas.

Todavia, “se os negros já não eram inferiores por serem escravos”, nas palavras de Lynn Hunt, o racismo se tornara “mais, e não menos, venenoso” (2009HUNT, Lynn. A invenção dos direitos humanos: uma história. Trad. Rosaura Eichenberg. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. , p. 188). Sua nova forma oferecia “explicações biológicas para o caráter natural da diferença humana” (p.188). As teorias raciais, adaptadas para o contexto nacional, serviram como argumento para reafirmar, de modo peculiarmente brasileiro, “organizações e hierarquias tradicionais” que haviam sido postas em questão com o fim da escravidão (SCHWARCZ, pp.18-19SCHWARCZ, L. M. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questões raciais no Brasil - 1870-1930. São Paulo: Cia. das Letras, 1993.). Vários debates sobre essas teorias ocorreram nas páginas da Revista do Brasil (LUCA, 1999LUCA, Tania R. de. A Revista do Brasil: um diagnóstico para a (N)ação. São Paulo: editora UNESP, 1999.), da qual Lobato foi proprietário entre 1918 e 1925 e onde publicou sequências de A menina do narizinho arrebitado LOBATO, Monteiro. A menina do narizinho arrebitado. São Paulo: Monteiro Lobato & Cia/ Revista do Brasil, 1920., em 1921.

Este era o contexto no qual Tia Nastácia foi apresentada como “negra de estimação” na página de abertura do primeiro livro infantil lobatiano. A ordem hierárquica racial estabelecida entre as protagonistas da narrativa seria desorganizada, porém, no desenrolar da história.

Quanto a Emília, vale destacar que existiam bonecas de pano como ela em outros livros infantis. Luizinha, a protagonista loira do conto “Os sapatinhos azuis”, de Adelina Vieira e Júlia Lopes de Almeida, faz roupas com trapos para “sua boneca, uma bruxa de pano com cabeleira de lã e olhos de retrós” (1905, p.81). A função da boneca, na narrativa dos Contos infantis (1886), é de mero índice da pobreza da menina; não tem nome, nem proeminência. Bonecas com alguma importância eram importadas: de louça, olhos claros e roupas finas.

Emília ainda não fala, no primeiro livro infantil de Lobato, e Tia Nastácia fala muito pouco. No final da história, ela desperta Lúcia do sonho transcorrido no Reino das Águas Claras: “- Narizinho, vovó está chamado!”.

Tanto Tia Nastácia como Emília passam a falar muito, como jamais bonecas e negras haviam falado antes em histórias infantis brasileiras, nas sequências que Lobato vai publicando em capítulos (BIGNOTTO, 2021BIGNOTTO, C. Monteiro Lobato e seus precursores. In: PELLERINO, G & RAFFAINI, R. (org.). Livros velhos e esquecidos. São Paulo: Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin. (no prelo)) até reunir no livro Narizinho arrebitado: segundo livro de leitura para uso das escolas primárias LOBATO, Monteiro Narizinho arrebitado: Segundo livro de leitura para escolas primárias. São Paulo: Monteiro Lobato & Cia., 1921. (1921).

No capítulo “Tempo de jabuticaba”, que abre a segunda parte de Narizinho arrebitado LOBATO, Monteiro Narizinho arrebitado: Segundo livro de leitura para escolas primárias. São Paulo: Monteiro Lobato & Cia., 1921., há uma representação de personagem negra extremamente inovadora em livro brasileiro para crianças. Lúcia conversa com Tia Nastácia, que lavava roupa no córrego:

- Já viu, Nastácia, como está a jaboticabeira grande? Parece uma geada! Pena é custar tanto para amadurecer! Até que caia a flor, e o chumbinho encaroce, e cresça, e pinte, e preteje...

A preta largou de torcer o vestidinho ensaboado que tinha nas mãos, tirou o pito da boca, cuspiu na correnteza e disse, resmungando:

- Credo, Narizinho! Que pressa é essa? Não sabe que jaboticaba é noite e flor é dia? Para que chegue a noite é preciso esperar que o dia passe, ué?! (1921, p. 68)

Tia Nastácia não apenas fala, como o faz com sofisticação: ensina Narizinho, usando metáforas, a ter paciência. Seus atos de tirar o pito da boca e cuspir no riacho não são descritos como vícios prejudiciais a crianças, mas como hábitos comuns e característicos da personagem. O gestual de uma negra trabalhadora era, finalmente, representado de forma positiva. No decorrer do capítulo, Nastácia conversa mais com a menina e com D. Benta, novamente com autonomia, sabedoria, personalidade. Quando Narizinho é picada por uma vespa e corre para casa gritando, a avó reage:

A velha ergueu-se, assustada, mas a preta sossegou-a logo:

- Não se espante à toa, Sinhá, aquilo é vespa. E saiu, arrastando os chinelos, trec, trec, trec, a encontrar-se com o berreiro.

- Que foi isso, meus pecados? Vespa, não é? Eu não disse que vespa mordia? Velha está dizendo as coisas, criança não faz conta… depois é isso, uma boca de urutáu - cué, cué, cué - como se fosse o fim do mundo!

Tomou-a ao colo.

- Coitadinha da minha “nega”... Onde foi? (1921, p. 71)

Tia Nastácia já sabe o que aconteceu com a menina antes de vê-la, ao contrário da avó. Também já sabe o que fazer, e como. É possível que esse diálogo revele algo das práticas educadoras das “mães pretas” com as crianças que ajudavam a criar. O fato de tais práticas serem omitidas nos demais livros infantis sugere o quanto eram consideradas perniciosas. Nastácia usa metáforas bastante particulares e expressivas para se referir à menina: “meus pecados”, vocativo comum em registros orais, confere significados novos e doces à falta cristã e é mais original do que o estereotipado “meu anjinho loiro” usado por amas como Josefina, de um dos Contos infantis. “Boca de urutau” remete à ave de canto tido como triste, que sintetiza em bela imagem o choro da menina. Nada se compara, porém, às linhas em que Nastácia chama Narizinho de “minha nega”. Em lugar do afeto da criança branca que “clareia” a pele da “mãe” negra, como se observou no conto “Mãe Maria”, de Olavo BilacBILAC, O.; BOMFIM, M. Através do Brazil: (narrativa) livro de leitura para o curso médio das escolas primárias. 10a. ed. revista. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1923. Disponível em: <https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/5051>
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, nesta cena o afeto da “mãe” negra escurece a pele da criança branca.

A cena toda é exemplar de como a empatia pode cruzar limites de raça, idade, posição social. Tia Nastácia, assim como Narizinho, tem caráter, individualidade, sentimentos íntimos elevados, autonomia. A estratégia narrativa é construída de maneira a provocar, nos leitores, identificação com tais atributos e, portanto, empatia com a personagem. No entanto, a mesma estratégia pode ter cruzado outros limites: aqueles que definiam o que era aceitável em livros infantis. Ao reescrever o capítulo, para inseri-lo em As reinações de Narizinho (1931), Monteiro Lobato modificou drasticamente a cena, omitindo o trecho em que a menina é chamada de “minha nega”:

A negra trouxe-a para casa, botou-a no colo e disse:

- Sossegue, boba, isso não é nada. Dói mas passa. Ponha a língua para eu arrancar o ferrão. Vespa quando morde deixa o ferrão no lugar da mordedura. Bem para fora. Assim.

A fala de Tia Nastácia perdeu muito do lirismo e do afeto expresso na primeira versão. Por que teria sido tão modificada? Uma pista para responder a essa questão pode ser encontrada no Relatório apresentado ao Senhor Diretor Geral da Instrução Pública pela Comissão de revisão dos livros didáticos em 1924. A comissão formada pelas professoras Zélia Jacy de Oliveira Braune, Ilza Martins de Azevedo e Arteobela Frederico reprovou Narizinho arrebitado: segundo livro de leitura para as escolas primárias LOBATO, Monteiro Narizinho arrebitado: Segundo livro de leitura para escolas primárias. São Paulo: Monteiro Lobato & Cia., 1921. (1921). A justificativa era: “Algumas ideias boas, mas outras inconvenientes. Julga a comissão que também pelas expressões pouco delicadas que nele aparecem, não deve ser aprovado.”. (RELATÓRIO, 1924RELATÓRIO apresentado ao Senhor Diretor Geral da Instrução Pública pela Comissão de revisão dos livros didáticos em 1924. Jornal do Brasil, 24 jan. 1924, p. 11. Disponível em: <http://memoria.bn.br>
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).

Infelizmente, ainda não sabemos com certeza se, entre as ideias inconvenientes reprovadas, estavam as que Monteiro Lobato retirou de versões posteriores da obra.

É impossível analisar cabalmente, neste artigo, o desenvolvimento complexo e sofisticado da personagem Tia Nastácia em todos os livros infantis de Monteiro Lobato, que a afasta progressivamente do estereótipo sugerido por sua apresentação inicial como “negra de estimação”. Também não é exequível a análise da relação ainda mais complexa e sofisticada entre Tia Nastácia e Emília, a boneca que criou; este é tema para outro artigo.

Duas outras passagens parecem suficientes para indicar o quanto Monteiro Lobato modificou as qualidades até então atribuídas a personagens negras em livros infantis. A primeira é parte do capítulo “Dona Benta de cabeça virada”, de O pó de pirlimpimpim (1931), posteriormente incluído em Reinações de Narizinho. Na história, as crianças convencem Dona Benta a viajar com elas para o País das Fábulas, usando o famoso pó. A avó deseja muito fazer o passeio, mas teme o que “diria o mundo” e, principalmente, Tia Nastácia, de tamanha “extravagância” (LOBATO, 2019, p.229 LOBATO, Monteiro Reinações de Narizinho. Org. Marisa Lajolo. Ilustrações Lole. Paratextos Cilza Bignotto. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2019.). Finalmente, decide ir - e mentir sobre a viagem:

A semana passou-se assim, em discussões e preparativos, tudo em segredo para que Tia Nastácia não desconfiasse. Era preciso que nem a negra soubesse da “caduquice” de Dona Benta. Afinal chegou o grande dia.

- Nastácia - disse Dona Benta sem ânimo de a encarar de frente -, vou fazer hoje um demorado passeio com os meninos. Se aparecer alguém, diga que estou na casa do compadre Teodorico. ( p. 230)

O trecho é um bom exemplo de como, nas narrativas do Sítio do Picapau Amarelo, nada costuma ser o que parece. Dona Benta parece exercer a autoridade de sinhá ao falar com Tia Nastácia - mas não consegue encará-la. Não é a negra que teme a desaprovação da senhora; é o contrário. Não é a negra que dá o mau exemplo da mentira para as crianças; é a avó, que deveria ser o modelo. Numa extraordinária inversão de papéis, Dona Benta chega a se esconder atrás de uma moita, para que Tia Nastácia não desconfie de sua “fuga” (p. 230).

No retorno para casa, Dona Benta pede mais uma vez que “não contem nada a Tia Nastácia, para ela não pensar que estou caducando”:

Todos fizeram cara de quem vinha chegando da casa do compadre Teodorico, abriram a porteira e entraram. Mas deram logo com a preta de mãos na cintura, plantada na varanda, sacudindo a cabeça com ar de quem está ciente de tudo.

- Sim, senhora! disse Nastácia, assim que Dona Benta começou a subir a escadinha. - Já sei que encontrou o coronel Teodorico muito bem obrigado, né?

Dona Benta armou a boca para pregar uma mentirinha, com um ar muito desconchavado, porque a pobre nunca tinha mentido em sua vida. A diaba da negra, porém, impediu-a disso.

- Não diga, Sinhá - resmungou. Já sei tudo. O burro veio na frente e me contou a história inteirinha, tim-tim por tim-tim…

A pobre Dona Benta, muito passada, baixou os olhos e seguiu para o seu quarto sem dizer coisa nenhuma… (p. 242-243).

Dona Benta tem medo do que Tia Nastácia pode pensar dela: eis uma grande novidade na caracterização de personagens brancas e negras em livros infantis. Tia Nastácia a espera na varanda com postura de proprietária, superior no plano da paisagem e no do pensamento, pois já estava “ciente de tudo”. Quando chama Dona Benta de “senhora”, o vocativo tem o sentido pejorativo usado nas broncas em crianças. O ar “desconchavado” - desconcertado - de Dona Benta sinaliza tanto sua vergonha como o desconcerto ideológico da situação. Ela baixa os olhos e segue quieta para o quarto, como criança de castigo. O papel de adulta exemplar é de Nastácia.

A “viravolta valorativa” realizada por Lobato em tantas passagens como a transcrita é profunda e lembra aquela que, segundo Roberto SchwarzSCHWARZ, R. As ideias fora do lugar: ensaios selecionados. São Paulo: Penguin/ Cia. das Letras, 2016. Edição digital., foi “operada pelo modernismo: pela primeira vez o processo em curso no Brasil é considerado e sopesado diretamente no contexto da atualidade mundial, como tendo algo a oferecer no capítulo” (2016). O crítico trata da obra de Oswald de Andrade, que, “em lugar de embasbacamento, (...) propunha uma postura cultural irreverente e sem sentimento de inferioridade, metaforizado na deglutição do alheio: cópia sim, mas regeneradora (2016 )”.

Monteiro Lobato propõe postura semelhante, em sua obra infantil. Ele apresenta cópia regeneradora das hierarquias sociais retratadas em livros para crianças, brasileiros e estrangeiros, por meio da irreverência e de transformação dos sentimentos de inferioridade, embaralhados e mudados de crianças para adultos, de amas para senhoras, de negros para brancos. O que sua obra tem de novo a oferecer não apenas ao contexto brasileiro, mas ao mundial, é evidente no livro O saci (1921 LOBATO, Monteiro O Saci. Org. Marisa Lajolo. São Paulo: Cia das Letras, 2009.), do qual destacaremos duas passagens, extraídas da versão final da obra (1946), base das edições atuais.

Pedrinho quer aprender sobre sacis, considerados crendice por Dona Benta, como as demais “personagens de” histórias de caboclos e negros velhos ouvidas pelo menino (LOBATO, 2019 LOBATO, Monteiro Reinações de Narizinho. Org. Marisa Lajolo. Ilustrações Lole. Paratextos Cilza Bignotto. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2019., p. 59). O menino resolve consultar Tia Nastácia, que lhe diz:

- Pois saci, Pedrinho, é coisa que branco da cidade nega, diz que não há, mas há. Não existe negro velho por aí, desses que nascem e morrem no meio do mato, que não jure ter visto saci. Nunca vi nenhum, mas sei quem viu.

- Quem?

- O Tio Barnabé. Fale com ele. Negro sabido está ali! Entende de todas as feitiçarias, e de saci, da Mula sem Cabeça, de lobisomem, de tudo. (2009, p. 19).

Tia Nastácia tem autonomia suficiente para desautorizar Dona Benta e para ensinar ao menino branco que certas coisas negadas pelos brancos existem. A estratégia da narrativa abre caminho para reflexões sobre outros fatos existentes negados por brancos - como o racismo. À Tia Nastácia é atribuída a autoridade de ensinar o menino sobre aspectos importantes da cultura brasileira que brancos desprezam, como feitiçarias, maldições e as histórias que se contam sobre elas. Basta lembrar o tratamento que recebem em livros como Contos Pátrios ou Lendas brasileiras.

Monteiro Lobato não inclui o saci, as demais personagens lendárias, as feitiçarias e maldições em seu livro como haviam feito e faziam os demais escritores. Ele abandona fórmulas como a de Victoria Colonna, de entremear histórias a diálogos familiares, ou como a de Figueiredo Pimentel, de reuni-las em coletâneas. Sua proposta é completamente inovadora - e modernista: o Saci entra no livro ao qual dá nome como herói principal; lobisomem, mula-sem-cabeça e outros seres lendários aparecem nele como personagens, tão reais como Pedrinho; feitiçarias e maldições, realizadas pela Cuca, são igualmente reais e precisam ser enfrentadas.

Lobato deglute e transforma o Saci, personagem que devora e transforma discursos nacionais e estrangeiros.

O saci lobatiano é “filho das trevas”, mas o atributo nada tem de demoníaco: “Somos os eternos namorados da lua. É por isso que os poetas nos chamam de filhos das trevas”, explica o Saci (p. 29). Em variantes da lenda, o saci exala enxofre, marca do diabo. Por meio da estratégia narrativa de Lobato, o enxofre é mudado em poder benéfico. Um lobisomem que se aproxima de Pedrinho não consegue farejá-lo, porque o saci “tivera a precaução de emitir um certo cheirinho a enxofre, e isso iludiu o lobisomem, que continuou o seu caminho e passou. O cheiro a enxofre disfarça o da carne humana, explicou mais tarde o saci” (p. 58). Quando o narrador se refere ao saci como “diabinho”, o adjetivo ganha o sentido de criança esperta e traquinas, como na passagem em que a personagem prende habilmente a Cuca para proteger Pedrinho (p. 71).

A mudança mais profunda e notável que Lobato opera no Saci, entretanto, é a de o tornar um ser não apenas articulado e inteligente, mas filósofo, qualidade nunca atribuída a personagens negras em livros infantis. Ao longo de todo o romance, o saci ensina a Pedrinho segredos da mata e da cultura popular, sobre os quais sempre oferece reflexões instigantes. Vale destacar parte do debate que os dois travam sobre o homem, considerado pelo menino “o rei dos animais” e “a glória da natureza” - atributos encontrados em qualquer livro didático daqueles anos. As respostas do saci são desconcertantes e põem em dúvida o valor de ideias civilizatórias ocidentais ensinadas nas obras infantis:

- Glória da natureza! - exclamou o capetinha com ironia. - Ou está repetindo como papagaio o que ouviu alguém falar ou então você não raciocina. Inda ontem ouvi Dona Benta ler num jornal os horrores da guerra na Europa. Basta que entre os homens haja isso que eles chamam guerra, para que sejam classificados como as criaturas mais estúpidas que existem. Para que guerra?

- E vocês aqui não usam guerras também? Não vivem a perseguir e comer uns aos outros?

- Sim; um comer o outro é a lei da vida. Cada criatura tem o direito de viver e para isso está autorizada a matar e comer o mais fraco. Mas vocês homens fazem guerra sem ser movidos pela fome. Matam o inimigo e não o comem. Está errado. A lei da vida manda que só se mate para comer. Matar por matar é crime. E só entre os homens existe isso de matar por matar - por esporte, por glória, como eles dizem. Qual, Pedrinho, não se meta a defender o bicho homem, que você se estrepa. (p. 38).

Em lugar do “embasbacamento” com a cultura europeia, a narrativa apresenta críticas ferozes a alguns de seus aspectos, particularmente as guerras, pela voz de uma personagem negra. As críticas do Saci poderiam levar os leitores, quem sabe, a considerações sobre outras guerras, como as de dominação na África e nas Américas.

O Saci lobatiano conhece o Brasil e o mundo. Propõe novas maneiras de entendê-los. Apresenta potencialidades da cultura nacional antes desprezadas. Sabe inglês: no final do livro, deixa um raminho de miosótis sobre o travesseiro de Narizinho, a quem salvara de uma maldição da Cuca. “Miosótis em inglês é forguet-me-not - que significa “não-te- esqueças-de-mim”. - Que alma poética ele tem! - murmurou a menina, comovida.” (p. 80).

O Saci deglutido por Lobato é filósofo, cosmopolita e tem alma, ainda por cima poética. Talvez, graças à “antropofagia” de Lobato, a personagem tenha se tornado tão celebrada no país.

Lobato parece ter iniciado, com estratégias de vanguarda, o longo processo da reescrita dos atributos de personagens negras em nossa literatura infantil. Esse processo ainda está em curso e tem gerado obras para crianças que, enfim, apresentam personagens negras como protagonistas não apenas livres de estigmas, como orgulhosas de suas origens étnicas.

Referências

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  • BIGNOTTO, C. Lobato e o racismo. 2021. In: Exposição virtual “Uma menina centenária”. Disponível em: http://ameninacentenaria.bbm.usp.br/index.php/racismo-em-lobato/
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  • *
    Esboços de partes deste artigo foram publicados em BIGNOTTO, 2021aBIGNOTTO, C. Acusado de racismo, Lobato transformou o Saci no primeiro herói negro para crianças no Brasil. Folha de S. Paulo, 17/02/2021a. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2021/02/acusado-de-racismo-lobato-transformou-o-saci-no-primeiro-heroi-negro-para-criancas-no-brasil.shtml
    https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissi...
    e BIGNOTTO, 2021bBIGNOTTO, C. Lobato e o racismo. 2021. In: Exposição virtual “Uma menina centenária”. Disponível em: http://ameninacentenaria.bbm.usp.br/index.php/racismo-em-lobato/
    http://ameninacentenaria.bbm.usp.br/inde...
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  • 1
    Parte dos debates foi mapeada por FERES JUNIOR, NASCIMENTO e EISENBERG, 2013FERES JUNIOR, João; NASCIMENTO, Leonardo Fernandes; EISENBERG, Zena Winona. Monteiro Lobato e o politicamente correto. Dados, Rio de Janeiro, v. 56, n.1, p. 69-108, Mar. 2013. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-52582013000100004&lng=en&nrm=iso>
    http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
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  • 2
    Ver entrevista de Lynn Hunt neste número da Revista Brasileira de Literatura Comparada. Tradução minha.
  • 3
    Busca na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional indica que o livro aparece em catálogos e anúncios de livreiros de várias províncias brasileiras entre as décadas de 1830 e 1880. Sobre o conteúdo do livro, ainda pouco estudado, ver MAUAD, 2010MAUAD, Ana Maria. A vida de crianças da elite durante o Império. In: PRIORE, Mary del (org.). História das crianças no Brasil. 7.a ed. São Paulo: Contexto, 2010.p., p. 148.
  • 4
    Segundo Sacramento Blake, Victoria Colonna era o pseudônimo de uma “distintíssima escritora brasileira”. É possível que a autora fosse Militina Jansen Müller (1817?-1879), meia-irmã de Manuel Odorico Mendes (1799-1864), hipótese que ainda está sendo investigada.
  • 5
    “Slavery is central to the history of children’s literature, and it is nowhere more apparent than in classical antiquity.” (MEYER, 2008, p.19).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    25 Mar 2021
  • Aceito
    12 Abr 2021
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